A Hermenêutica do Artigo 215-A, CP e a Sua Aplicabilidade Comparada à do Artigo 217-A, CP

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Natalia Cola de Paula [1]

Roberto Ribeiro de Almeida [2]

Resumo: O presente artigo científico tem o fito de interpretar os crimes insculpidos nos artigos 215-A e 217-A do Código Penal e buscar a mais justa aplicação prática, traçando critérios e parâmetros de distinção entre os tipos legais, bem como abordando a hipótese de existência de conflito aparente de normas. A pesquisa visa suplantar dúvidas interpretativas que surgiram a partir da entrada em vigor da Lei n° 13.718/2018 para elucidar a subsunção fática nos casos concretos dos crimes dos artigos 215-A, 213 e 217-A, todos do Código Penal. A importância deste estudo é latente, tendo em vista as recorrentes decisões oscilantes nos Tribunais Estaduais e nos Tribunais Superiores, ocasionando insegurança jurídica, pois são decisões díspares sobre fatos similares, gerando punições completamente diversas. Imprescindível a  presente pesquisa na medida em que, através da utilização de métodos cientificamente aprovados (dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético, histórico, observacional, comparativo e monográfico), valendo-se da hermenêutica jurídica, traça uma orientação de interpretação com respaldo jurídico em relação aos tipos penais, afastando-se, ou ao menos atenuando-se, as incertezas e as divergências no trato do assunto. Os resultados obtidos com esta pesquisa concluem que está ocorrendo uma deturpação hermenêutica na aplicação do artigo 215-A, instituto que está sendo usado em decisões desclassificatórias (desclassificação de crime de estupro de vulnerável menor de 14 anos para o de importunação sexual) pautadas em critérios subjetivos dos julgadores e carentes de sólida fundamentação jurídica.

Palavras-chave: Importunação sexual. Estupro de vulnerável. Conflito aparente de normas. Hermenêutica. (In)Admissibilidade de Desclassificação. Deturpação do crime de importunação sexual.

 

Abstract: This scientific article has the purpose to interpret the insulted crimes in the articles 215-A and 217-A of Penal Code and seek the fairest practical application, outlining criteria and distinction parameters among the legal types, as well as approaching the hypothesis of existence of apparent conflict of norms. The scientific research aims to supplant interpretive doubts that occurred starting implementation of Law n° 13.718/2018 to elucidate the phatic subsumption in specific cases of the crimes of the articles 215-A, 213 and 217-A, all of Penal Code. The importance of this study is latent, in view of the recurring wobbly decisions in the State Courts and in the Higher Courts, causing legal insecurity, because are disparate decisions about similar facts, generating completely different punishments. Essential the present research as, through using scientifically approved methods (deductible, inductive, hypothetical-deductive, dialectical, historical, observational, comparative and monographic), using the legal hermeneutics, outlines an interpretation orientation with legal support in relation to criminal types, moving away, or at least attenuating, the uncertainties and the disagreements in dealing with the subject. The obtained findings with this research conclude that it is occurring a hermeneutic misrepresentation in applying the article 215-A, institute being used in disqualifying decisions (declassification of the crime of rape of vulnerable children under 14 for the of sexual harassment) based on subjective criteria of the judges, lacking a solid legal foundation.

Keywords: Sexual Harassment. Vulnerable Rape. Apparent conflict of norms. Hermeneutics. (In)Admissibility of Disqualification. Misrepresentation of the crime of sexual harassment.

 

Sumário: Introdução. 1. Crimes contra a dignidade sexual: importunação sexual e estupro de vulnerável (artigos 215-A e 217-A, ambos do Código Penal). 1.1. Do crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP). 1.2. Do crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP). 1.3. Lei n° 13.718/2018 e sua interpretação gramatical, sistemática e teleológica. 2. Do conflito aparente de normas. 2.1 Da hipótese de conflito aparente de normas entre o crime de estupro e o crime de importunação sexual (215-A, CP). 2.2. Da hipótese de conflito aparente de normas entre o crime de estupro de vulnerável (segunda parte do artigo 217-A, do CP) e o crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP). 3 Análise das decisões dos Tribunais e de qual forma de interpretação é a mais adequada. 3.1. Das decisões dos Tribunais Estaduais e Superiores a respeito do mesmo fato paradigma. 3.2. Da interpretação mais adequada e da (in) admissibilidade da desclassificação. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A entrada em vigor da Lei n° 13.718/2018 alterou o Código Penal Brasileiro no capítulo referente à Dignidade Sexual. Mudanças substanciais e imprescindíveis foram feitas, merecendo destaque a inserção do crime de importunação sexual, previsto no artigo 215-A, CP, cuja transcrição ipsis litteris é a seguinte:

 

“Importunação sexual:

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”

 

Essa novatio legis in pejus  trouxe consigo a necessidade do operador do direito ter uma visão hermenêutica, teleológica, sistêmica e gramatical, para que não incorra em equívocos e acabe desnaturalizando o tipo do artigo 215-A do CP ao aplicá-lo de forma errônea, desviada de sua finalidade, como se verá ao longo dos capítulos.

A razão de ser do crime de importunação sexual é preencher uma lacuna em nosso ordenamento jurídico nacional, qual seja, a ausência de um tipo penal intermediário entre a contravenção penal do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (que foi revogada por esta mesma lei) e os crimes de estupro e estupro de vulnerável.

Mediante a elaboração do crime de importunação sexual, buscou o legislador preencher essa lacuna normativa com um crime intermediário, de médio potencial ofensivo, que pudesse punir com uma pena proporcionalmente justa práticas de atos libidinosos que eram realizados contra vítimas e sem suas anuências. Atos como passar as mãos nas nádegas, seios, genitália das vítimas, ou até ejacular (como o caso que chocou o país de um homem que ejaculou na vítima dentro de um ônibus em São Paulo). Condutas essas que não eram geralmente cometidas com constrangimento da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, motivo pelo qual não se subsumiam ao crime de estupro, nem havia um crime específico que enquadrasse tais espécies de importunações sexuais mediante atos libidinosos. Logo, casos de abusos como esses eram capitulados juridicamente na extinta contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da Lei das Contravenções Penais – Decreto- Lei n° 3.688/1941), que sequer era crime, cuja pena cominada era multa isolada, por falta de previsão legal.

Reinava no Brasil notório problema de política criminal, fatos graves contra a liberdade e dignidade sexual das pessoas, vítimas na maioria das vezes mulheres (mais sujeitas a esse tipo de importunação sexual), tinham seus agressores brandamente, irrisoriamente, punidos com a contravenção penal supracitada. O estado democrático brasileiro estava tolerando e deixando de coibir condutas de abusos sexuais que eram rechaçadas pela sociedade, pois inexistia crime específico para puni-las.

Diante disso, a população, movida por forte indignação pelo caso deplorável de ejaculação em uma mulher no transporte público em São Paulo (enquadrado, na época, na contravenção penal do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais – o que gerou revoltas e fez exsurgir o debate) compeliu o legislativo a tomar uma atitude concreta e imediata na coibição e repressão de tais condutas. Pois bem, foi nesse contexto social que surgiu o tipo penal objeto desta pesquisa, com um viés de enrijecer a repressão às condutas de importunação sexual por atos libidinosos, dando-lhes uma punição condizente com sua gravidade. Visando dar maior proteção às mulheres vítimas de tais importunações.

Com isso, sobrevieram algumas dúvidas na realização da subsunção do fato à norma, em virtude de algumas similitudes dos crimes contra dignidade sexual, de importunação sexual (artigo 215-A, CP), estupro (artigo 213-A, CP) e estupro de vulnerável (217-A, CP), pois todos esses tipos penais possuem em comum a elementar “atos libidinosos”, dúvida essa, sobre a qual a presente pesquisa debruçou-se. Para esclarecer se há conflito aparente de normas entre os tipos em comento e dirimir possíveis dúvidas na aplicação no caso concreto, fez-se necessário o uso da hermenêutica, através de uma pormenorizada interpretação gramatical, sistemática e teleológica.

Traçou-se critérios e parâmetros de distinção entre os tipos legais, a fim de nortear a aplicação dos crimes de importunação sexual, estupro e estupro de vulnerável, critérios esses diferenciadores que nem sempre estão sendo aplicados, a observar as decisões díspares dos Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores, que, por vezes, deturpam o crime do artigo 215-A, CP, utilizando-o como subterfúgio de abrandamento da punição de estupradores de menores de 14 anos, o que é inadmissível e viola frontalmente o princípio da legalidade, negando vigência ao artigo 217-A, CP, descaracterizando o artigo 215-A, CP, ocasionando insegurança jurídica e fragilizando a tripartição de poderes, na medida em que através de uma “interpretação” subjetivista do julgador, desrespeita a vontade expressa pelo legislador na elaboração dos tipos penais em análise, vontade essa que representa a aspiração de toda uma sociedade brasileira. E, mais reprovável e inadmissível: deixa de tutelar a integral proteção às crianças e adolescentes, que pela pouca idade, pelos abusos recorrentemente ocorridos na surdina do ambiente doméstico e familiar, pela dificuldade em falar e pedir ajuda em virtude do medo, pouco entendimento das práticas sexuais, deveriam receber maior apoio e tutela do Poder Judiciário.

Reforça-se a importância dessa pesquisa ante o fato de que o crime de importunação sexual não tem sido aplicado em consentâneo com sua finalidade precípua, como se vislumbra no caso paradigma, de um homem que praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra duas adolescentes, Apelação Criminal n° 0005731-38.2017.8.26.0565, que passou pela análise de todas as instâncias, deflagrando as disparidades de interpretações e demonstrando a insegurança jurídica, conforme minuciosamente se verá em oportuno.

Assim, é latente e contemporânea a discussão e divergência sobre o tema ora pesquisado, sendo ponto dúbio nos tribunais estaduais e tribunais superiores e ainda carente de estudos aprofundados e posicionamentos doutrinários, motivo pelo qual indispensável traçar diferenciações e parâmetros a serem adotados com o objetivo de dar a aplicação mais apropriada aos fatos concretos, obstando qualquer insurgência de tese jurisprudencial (desclassificação de estupro de vulnerável para importunação sexual contra vítimas menores de 14 anos) que use de subterfúgios e manobras retóricas para deturpar o crime de importunação sexual e usá-lo como forma de perpetração de injustiças e de abrandamento de punições de pedófilos, contrariando a proteção integral à criança e ao adolescente, que é, inclusive norma pragmática constitucional e base de nossas políticas públicas (artigo 227, da Constituição Federal).

 

1. Crimes contra a dignidade sexual: importunação sexual e estupro de vulnerável (artigos 215-A e 217-A, ambos do Código Penal)

1.1  Do crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP)

O crime de importunação sexual foi inserido ao Código Penal – Decreto Lei n° 2.848 de 07 de dezembro de 1940 – para preencher importante lacuna em nosso sistema penal. Mas o que é considerada uma lacuna normativa? “A palavra lacuna remete à ideia de um espaço vazio, de um buraco, de algo não preenchido. No direito, quando se diz que há lacunas, em geral se quer dizer que não há normas que se refiram a uma determinada questão.” (MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo de Direito. 4ª ed. Atlas, p. 162 e 163).

 

Era visível a ausência de um tipo mediano entre condutas graves, abrangidas pelos crimes de estupro (artigo 213, CP) e estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP), e condutas menos gravosas, abrangidas pela contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista anteriormente no artigo 61 do Decreto-Lei n. 3688/41 (Lei das Contravenções Penais), que atualmente foi formalmente revogada pela Lei n°13.718/2018.

Quanto a essa revogação formal da contravenção penal, importante enaltecer que não ocorreu abolitio criminis, pois a conduta continuou sendo incriminada (de forma diferente e mais rigorosa no artigo 215-A, do CP), logo, tem-se o fenômeno da continuidade normativo-típica. O artigo 61 da Lei das Contravenções Penais foi formalmente revogado, mas seu conteúdo migrou para o crime de importunação sexual.

Sobre o crime de importunação sexual, teve seu trâmite célere e gênese na comoção e clamor social, devido a reiterados fatos graves ocorridos no interior de meios de transporte públicos em São Paulo, com criminosos ejaculando em mulheres, dentre outros casos de carícias indesejadas em partes íntimas das vítimas.

Segundo Francisco Sannini Neto¹:

 

“Tal inovação legislativa nos remete a mais um exemplo do chamado “Direito Penal Simbólico”, onde o legislador identifica um problema na sociedade e reage por meio de uma lei penal, ora elevando um crime à condição de hediondo, ora aumentando as penas e os rigores penitenciários ou, como no caso, criando novos tipos penais.”

 

Situações essas como a ejaculação em uma mulher no ônibus, eram irrisoriamente punidas como incursas na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista anteriormente no artigo 61 do Decreto-Lei n. 3688/41, cujo preceito secundário consistia na cominação de pena de multa isolada. Não se subsumiam tais fatos ao crime de estupro (art. 213, do CP), pois essa importunação, esse constrangimento, não era, geralmente, praticado com violência ou ameaça.

Assim, a mensagem que o ordenamento jurídico brasileiro passava era de impunidade e de desrespeito para com a mulheres (pois eram as principais vítimas, embora não as únicas, desse tipo de constrangimento em transportes coletivos). Havia falta de norma penal que fosse capaz de abranger especificamente tais condutas de importunação e dar-lhes uma punição proporcional, mais rigorosa do que a da contravenção.

 

Segundo Claus Roxin, “o Direito penal deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras medidas sócio-jurídicas menos gravosas”. (ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. R6Novar; Rio de Janeiro; São Paulo; Recife, 2006, p. 32).

 

O artigo 215-A, do CP exsurge como resposta Estatal de figura intermediária, com a incumbência de resolver a mácula da impunidade em relação a condutas antes consideradas apenas contravenção penal ou atípicas. Atribuiu um tratamento mais

O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, entendida, segundo Cezar Roberto Bitencourt² como:

 

A faculdade individual de escolher livremente não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também quando, onde e como exercitá-la, constitui um bem jurídico autônomo, independente, distinto, da liberdade geral, com idoneidade para receber, autonomamente, a proteção penal. “2

 

O crime tutela, além da própria dignidade sexual, simultaneamente, a liberdade sexual, na medida em que o próprio tipo penal ressalva “sem o consentimento da vítima”.  A ausência de consentimento da vítima no ato libidinoso é uma elementar constitutiva negativa, caso não exista, afastará a própria tipicidade. Se houver consentimento da vítima na prática do ato libidinoso não haverá crime de importunação sexual.

Também é classificado como comum, ou seja, pode ser praticado ou sofrido por homem ou mulher.

Quanto ao sujeito passivo, pode ser homem ou mulher, embora seja mais comum as mulheres estarem mais sujeitas a essa exposição pela própria anatomia corporal feminina.

Trata-se de um tipo objetivo, prevê uma única modalidade de conduta criminosa, qual seja, praticar contra alguém qualquer ato de libidinagem.

É compreensível a opção legislativa de adotar a expressão “contra alguém” ao invés de “na presença de alguém” (aquela constante no Projeto de Lei original) para evitar qualquer conflito ou nebulosidade entre o crime de importunação sexual e ato obsceno. Nesse sentido leciona Victor Eduardo Rios Gonçalves³, posição que se vislumbra mais acertada:

 

“O texto legal exige que o ato seja praticado contra alguém e não com alguém de modo que o contato físico não é imprescindível. É necessário, porém, que a conduta seja direcionada especificamente a uma ou a algumas pessoas. Configura o delito, por exemplo, aproximar-se de alguém e começar a se masturbar na sua frente. Note-se que, antes da aprovação do texto final da Lei n° 13.718/2018 pelo Senado, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados considerava crime praticar o ato libidinoso “na presença de alguém”, o que poderia gerar problemas interpretativos com o crime de ato obsceno. Com a modificação feita pelo Senado, e que se transformou efetivamente em lei, se o agente se masturbar em local público, mas a uma certa distância, sem que o ato seja feito especificamente em direção a uma ou a algumas pessoas, restará configurado o crime de ato obsceno.”³

 

Sendo assim, o toque ou o contato físico entre autor e vítima não são imprescindíveis para a configuração do tipo do artigo 215-A, CP, embora possam ocorrer.

Logo, não é exigível a participação da vítima para a caracterização do crime do art. 215-A, CP, em que o ato libidinoso é praticado sem a sua anuência, limitando-se a sofrê-lo por ser constrangida mediante surpresa, ou a presenciá-lo, contra sua vontade.

Mas, o que é ato considerado ato libidinoso? Cezar Roberto Bitencourt4 descreve o seguinte:

 

“Ato libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, erótico, concupiscente, que pode ser, inclusive, a conhecida conjunção carnal (cópula vagínica) ou qualquer outro ato libidinoso diverso dela, a ejaculação, praticada na presença da vítima e até mesmo nela, “mas não com ela”, e sem a sua anuência. Ato libidinoso é todo ato lascivo, voluptuoso, que objetiva prazer sexual.”4

 

Outrossim, fica claro que o ofendido deve encontrar-se fisicamente no local onde é realizado o ato libidinoso, pela expressão “contra alguém.” Desta feita, o ofendido deve estar, pessoalmente, “in loco”, onde se desenrola o ato libidinoso. Não se configura tal crime indiretamente, via qualquer mecanismo tecnológico. Não há possibilidade de importunação sexual virtual.

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  • GONÇALVES, Victor Rios. 2019, p. 692
  • BITENCOURT, Cezar Roberto. 2019, p. 83

 

O elemento subjetivo do crime de importunação sexual é o dolo de praticar contra alguém e sem sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. O dolo consiste na consciência e vontade, e completa-se com a ausência de consentimento da vítima, como dito antes.

Além do dolo, há o elemento subjetivo especial, que é o fim específico de satisfação da lascívia, seja ela a própria ou de outrem.

É crime material, cuja consumação dá-se com a efetiva prática do ato libidinoso, em qualquer de suas modalidades, contra a vítima. Em que pese a satisfação da lascívia seja elemento subjetivo especial do injusto, não precisa concretizar-se para o crime consumar-se, basta que a satisfação da lascívia tenha orientado a conduta do sujeito ativo. Se o agressor realmente obtiver a satisfação da sua lascívia com a libidinagem, será mero exaurimento do tipo penal. É possível, em tese, a tentativa, embora de difícil constatação.

O crime do artigo 215-A é subsidiário, logo, é subsumido por eventual crime mais grave. Isso é importantíssimo na medida em que atos libidinosos graves, praticados com violência ou ameaça, serão sempre punidos pelo crime mais grave devido à subsidiariedade expressa do tipo de importunação.

Para finalizar, tem-se que a pena cominada é de reclusão de 1 a 5 anos, não havendo previsão de multa. A ação penal é de natureza pública incondicionada, que foi uma expressiva alteração trazida pela Lei n° 13.718/2018, em que todos os crimes contra a dignidade sexual passaram a ser de ação penal pública incondicionada (independem de representação da vítima).

 

1.2  Do crime de estupro de vulnerável

O crime de estupro de vulnerável encontra previsão legal no artigo 217-A do CP, transcrito a seguir:

 

“Estupro de vulnerável:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

  • 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
  • 2º (VETADO)
  • 3º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

  • 4º. Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

  • 5º. As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.”

 

Para os fins desta pesquisa, deter-se-á a traçar os aspectos básicos e gerais do tipo em comento, com o fito de propiciar o embasamento teórico suficiente para enfrentar os entraves supervenientes de interpretação teleológica e sistemática, da aplicação dos artigos 215-A e 217-A, ambos do CP, no caso concreto, do possível conflito aparente de normas, das decisões conflitantes nos Tribunais, correlacionando com a hodierna deturpação hermenêutica do crime de importunação sexual e, por fim, traçar critérios e parâmetros de distinção entre os tipos legais.

O bem jurídico imediato tutelado no crime de estupro de vulnerável é a dignidade sexual do menor de 14 anos e do enfermo ou deficiente mental que não tenha capacidade de discernir a prática do ato sexual, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência (artigo 217-A, cap. §1°, CP). E o bem jurídico mediato é a dignidade sexual. Visa preservar a intangibilidade sexual das pessoas vulneráveis.

É um crime comum. Quanto ao sujeito passivo, é especial, pode ser pessoa do sexo masculino ou feminino, desde que esteja na faixa etária de menor de 14 anos ou esteja em estado de vulnerabilidade (§1° do artigo 217-A, CP).

No estudo da tipicidade, o tipo veda a conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos (bem como com os demais vulneráveis do §1°, art. 217-A, CP). Disso tem-se que o estupro de vulnerável é um crime misto alternativo, na medida em que:

 

“Há uma fungibilidade (conteúdo variável) entre as condutas, sendo indiferente que se realizem uma ou mais, pois a unidade delitiva permanece inalterada. Ainda que o sujeito ativo realize duas ou mais condutas (núcleos), haverá aplicação de uma única pena pela realização do tipo.”5

 

Conjunção carnal é elemento normativo extrajurídico do tipo, significa a cópula vagínica, entre homem e mulher, com a inserção do pênis na vagina.

Ato libidinoso é elemento normativo extrajurídico do tipo, consiste em toda conduta perpetrada pelo sujeito ativo que se consubstancia numa manifestação de sua concupiscência. Pode-se citar como exemplos de atos libidinosos o sexo oral, coito anal, masturbação, toques a apalpadas no corpo e em membros inferiores, contemplação lasciva, bem como o beijo lascivo.

O conceito de vulnerabilidade é pouco preciso e, por isso, deve ter seus contornos delimitados pelo legislador. Esse é um ponto importante desta pesquisa, que servirá para fins práticos na admissibilidade ou não de possíveis desclassificações.

Quanto à abrangência do conceito de vulnerabilidade, nota-se que o vulnerável para fins do tipo do artigo 217-A, CP (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente metal, ou aquele que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência), não é o mesmo vulnerável para fins do artigo 218-B, CP (menor de 18 anos), logo, segundo sustenta Bitencourt 6:

 

“Na realidade, o legislador utiliza o conceito de vulnerabilidade para diversos enfoques, em condições distintas, sem qualquer justificativa razoável. Esses aspectos autorizam-nos a concluir que há concepções distintas de vulnerabilidade.

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5 PRADO, Luiz Regis; 2019, p. 219

6 BITENCOURT, Cezar Roberto; 2019, p.112.

 

 Na ótica do legislador, devem existir duas espécies ou modalidades de vulnerabilidade, ou seja, uma vulnerabilidade absoluta e outra relativa; aquela se refere ao menor de quatorze anos, configuradora da hipótese de estupro de vulnerável (art. 217-A); esta se refere ao menor de dezoito anos, empregada ao contemplar a figura do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-B).”6

 

Além da vulnerabilidade do menor de 14 anos, o art. 217-A, CP, estende a vulnerabilidade ao enfermo ou deficiente mental, e, por interpretação analógica, àquele que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência. Assim, há a vulnerabilidade real (do menor de 14 anos), a equiparada (do deficiente mental) e a por interpretação analógica (quem, por qualquer causa, não pode oferecer resistência).

 

Certo é que:

 

“A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. É dizer: o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou está mais suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la. “ 7

 

Convenhamos que nos casos do §1° do artigo 217-A do CP, o estado de vulnerabilidade não é absoluto, deve ser auferido no caso concreto. Não é qualquer grau de enfermidade mental, por exemplo, que retira por completo o discernimento da pessoa para a prática do ato sexual, isso deve ser analisado casuisticamente e em consonância com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146/2015), preservando autodeterminação dos deficientes mentais moderados ou leves.

Diferentemente do estado de vulnerabilidade do menor de 14 anos, que é uma presunção de vulnerabilidade absoluta, pois o legislador deixou claro que basta o critério etário, ser menor de 14 anos, conforme leciona a melhor doutrina:

 

“Configura o delito em análise a conduta de ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos, ainda que a vítima tenha consentido no ato, pois a lei ao adotar o critério cronológico acaba por presumir iuris et de iure, pela razão biológica da idade, que o menor carece de capacidade e discernimento para compreender o significado do ato sexual.” 8

 

O legislador, com essa redação do art. 217-A do CP, dada pela Lei n° 12.015, de 07/08/2009, superou uma tese que ganhava corpo nos Tribunais Superiores (como no STF, com o Ministro Marco Aurélio – HC 73.662/MG, 2ª Turma, 21/05/2005) que é a da relatividade da presunção de violência contida no antigo artigo 224 do CP, ora revogado.

 

Atualmente, a tese jurisprudencial e doutrinária majoritária, é a da presunção absoluta de vulnerabilidade e de violência contra a vítima menor de 14 anos.

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7 PRADO, Luiz Regis; 2019, p. 581.

8 PRADO, Luiz Regis; 2019, p. 581

 O tipo deixou claro que pela idade tênue (abaixo de 14 anos), a vítima não possui o necessário discernimento para sequer consentir em uma relação sexual. Foi uma opção do legislador em prol da defesa integral à criança e ao adolescente, bem como à preservação de sua sexualidade, a fim de não deixar brechas interpretativas que eximam o abusador da responsabilização penal ou que mitiguem tal responsabilização enquadrando em tipo penal menos gravoso.

 

Corroborando com o exposto, tem-se a tese firmada pelo STJ ao julgar o Recurso Repetitivo (art. 543-C do CPC e RES. 8/2008-STJ), TEMA 918:

 

“Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (Recurso Especial repetitivo, Rel. Ministro Schietti, n. 1.480.881 – PI (2014/0207538-0), julgado em 27/08/2015)”

 

Logo, não importa se o(a) adolescente já manteve relação sexual anterior, a prévia experiência não exime o abusador do crime, não importa se havia relacionamento amoroso prévio (como namoro) entre o agente e a vítima, também é irrelevante se houve consentimento da vítima. A premissa maior é a defesa da infância e da juventude, da liberdade e privacidade sexual, tutelando-se o direito ao crescimento saudável do impúbere, por isso a fixação do critério etário de forma objetiva, em consonância com o entendimento do STJ, na Súmula 593.

 

Sobre a consumação e tentativa do crime do art. 217-A, CP, tem-se o que segue:

 

“A consumação desse delito se perfaz com a cópula carnal, isto é, com a introdução do pênis na cavidade vaginal, mesmo que de forma parcial ou ainda com a concreção do ato libidinoso objetivado pelo agente (delito de resultado e instantâneo).

 É admissível a tentativa, quando o agente, apesar de desenvolver atos inequívocos tendentes ao estupro, não consegue atingir a meta optada, por circunstâncias alheias à sua vontade. Cite-se, como exemplo, a hipótese do agente que, após subjugar a vítima a fim de concretizar a conjunção carnal, é surpreendido por terceira pessoa, ou consegue a ofendida desvencilhar-se, empreendendo fuga do local, frustrando, destarte, o fim delituoso por ele almejado. Ocorre aqui uma disfunção entre o processo causal e a finalidade a que se direcionava o autor do delito.” 9

 

Em virtude da caraterística de crime misto alternativo do artigo 217-A, CP, para traçar o momento de consumação do crime, é mister saber qual era a finalidade inicial do agente, se ele tem por objetivo a conjunção carnal ou o ato libidinoso, seja ele qual for. Assim, a consumação pode dar-se com a concretização da conjunção carnal e também com a prática isolada de outros atos libidinosos, a depender do fito inicial do agressor.

 

Esses foram os pontos principais sobre o crime do artigo 215-A do CP e do 217-A, CP para que seja possível interpretá-los com maestria.

 

______________________________________________________________________

9 PRADO, Luiz Regis; 2019, p. 582

 

1.3  Lei n° 13.718/2018 e sua interpretação gramatical, sistemática e teleológica

Neste terceiro ponto, analisar-se-á a razão de ser da Lei n° 13.718/2018 que incorporou o artigo 215-A ao CP, fazendo um estudo hermenêutico e compreendendo o espírito dessa novatio legis in pejus através da interpretação gramatical, teleológica e sistemática.

Como já mencionado, a Lei n° 13.718/18 nasceu após grande clamor público e irresignação social diante do caso de Diego Ferreira de Novais, que havia sido preso, solto e preso novamente, na mesma semana, por ejacular numa passageira e se esfregar em outra, ambas dentro de um ônibus. Pairou, na época, dúvidas quanto ao enquadramento típico (estupro ou importunação ofensiva ao pudor?), bem como irresignação e revolta social quanto ao enquadramento na contravenção penal por ausência de um tipo penal incriminador que abrangesse a conduta de importunação sexual.

O cenário mudou com a vigência do artigo 215-A, CP, é preciso olhar pela óptica hermenêutica e para os métodos de interpretação para que tal lei não seja interpretada contra legis, vejamos.

 

A hermenêutica jurídica “é um vasto campo do conhecimento jurídico que se refere à interpretação das normas, à sua exata compreensão, tendo em vista à sua aplicação aos problemas concretos apresentados ao jurista.”  (MASCARO, Introdução ao Estudo de Direito. 2013, p. 172).

 

“Latu sensu, no âmbito da dogmática jurídica, os métodos interpretativos ou técnicas de interpretação são definidos como instrumentos/mecanismos rigorosos, eficientes e necessários para o alcance do conhecimento científico do direito”. (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 1999. p. 91).

 

São métodos de interpretação a gramatical, a lógica, a sistemática, a histórica, a teleológica, dentre outros, que auxiliam o jurista na resolução dos problemas práticos.

Interessa diretamente ao debate a interpretação gramatical, que é aquela compreensão que o jurista realiza a partir da própria língua, de sua estrutura sintática e do conjunto de suas palavras e dos verbos que exprimem as condutas. A interpretação sistemática, que se faz tendo por base a compreensão da norma no contexto do ordenamento jurídico. É interpretar a norma relacionando-a com as outras normas do ordenamento, comparando-a com os princípios do sistema, descobrindo eventuais ambiguidades, antinomias e lacunas. Bem como, a interpretação teleológica, que busca, nas normas e nas situações jurídicas o seu propósito. O vocábulo telos deriva do grego e significa finalidade, objetivo. Tem-se que interpretar a lei penal buscando atrelar sua aplicação à finalidade pela qual foi criada.

Visto isso, o jurista só conseguirá aplicar de forma acertada e justa o novo tipo penal de importunação sexual se munir-se dos métodos de interpretação, principalmente os métodos gramatical, sistemático e teleológico, que afastam quaisquer dúvidas ou antinomias.

Por isso, importante enfatizar que a razão de ser do crime de importunação sexual (art. 215-A, CP) foi suplantar uma lacuna existente, em que atos libidinosos para satisfazer a lascívia, sem anuência da vítima, eram enquadrados como contravenção penal, punida só com multa, por falta de um tipo que melhor fizesse a subsunção aos casos concretos. Essa deve ser a interpretação teleológica.

No mais, no preceito secundário, o novo tipo traz a subsidiariedade expressa, com o intuito de evitar que atos libidinosos que se subsomem a tipos penais como de estupro ou de estupro de vulnerável (crimes mais gravosos), sejam equivocadamente tipificados como importunação sexual. Essa conclusão advém da interpretação gramatical (“se o ato não constitui crime mais grave”) e sistemática, pois os crimes devem ser vistos como parte de um todo coeso chamado ordenamento jurídico. De forma alguma o artigo 215-A foi editado para “conflitar” com o estupro ou com o estupro de vulnerável, mas sim para preencher um espaço lacônico e assumir o papel de tipo penal intermediário.

 

2 – Do conflito aparente de normas

2.1       Da hipótese de conflito aparente de normas entre o crime de estupro (artigo 213, CP) e o crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP).

 

Para que um tipo penal incida sobre uma conduta é necessária perfeita subsunção do fato à norma.

Quanto ao crime de estupro (artigo 213, CP), não há grandes controvérsias ou dificuldades no momento de realizar o enquadramento jurídico em relação ao crime do artigo 215-A, CP, tendo em vista que as singularidades de cada tipo os diferenciam de forma inerente. O mesmo não ocorre entre o crime de importunação sexual e o de estupro de vulnerável, em que as diferenças são mais tênues e por isso cobra do operador do direito uma interpretação mais apurada.

 

Afinal, há conflito aparente de normas entre o crime do artigo 213, CP e o do artigo 215-A, do CP?

 

Sim, há. Vejamos.

“Para que se possa considerar que uma norma do ordenamento seja antinômica em relação a outra, elas devem tratar ambas, de modo distinto, de uma mesma questão.” (MASCARO, Alysson Leandro, página 155).

 

Quanto a esse primeiro requisito, está preenchido, tendo em vista que ambos os crimes versam sobre conduta de praticar ato libidinoso, estão tratando da mesma questão.

 

Além do quesito convergência de tema. É imprescindível para que se possa dizer que há antinomia, que sejam normas contemporâneas, que coincidam no tempo. Esse requisito também se vê preenchido, pois ambos os crimes, tanto o do artigo 215-A do CP, quanto o do 213, do CP estão atualmente em vigor e coexistem em nosso ordenamento jurídico-penal.

Ademais, há o critério do espaço, ambas as normas devem se referir ao mesmo local, ter vigência no mesmo território, devem ambas ter aplicabilidade no mesmo espaço jurídico. Os artigos 215-A e 213, ambos do CP, também atendem a este critério, ambas estão vigentes no país e inseridos no Código Penal.

Por fim, para serem consideradas normas antinômicas, devem coexistir no que tange às pessoas, ambas as normas devem ter os mesmos sujeitos destinatários. Critério que também está preenchido.

Pois bem, ante a presente antinomia, qual o critério de resolução desse conflito aparente de normas? A subsidiariedade expressa.

Nesse sentido, ambos os tipos em comento possuem a elementar normativo-típica “atos libidinosos”, ambos protegem o mesmo bem jurídico, mas em diferentes estágios de agressão, de maneira que o agente será punido pelo crime de importunação sexual (que está no estágio anterior de agressão) desde que ele não chegue ao crime posterior (estupro). Caso o agente use de violência ou grave ameaça em sua prática libidinosa, alcançando o crime mais grave, não responderá pelo crime menos grave.

Note-se que a inserção do crime de importunação sexual no Código Penal serviu para tutelar uma fase anterior ao estupro de lesão ao bem jurídico – liberdade sexual. Justamente por isso o crime do artigo 215-A, do CP pode ser chamada de norma subsidiária menos grave ou de “soldado de reserva”, conforme Nelson Hungria.

O artigo 215-A e o 213, ambos do CP, diferem claramente quanto às condutas, quanto aos verbos, bem como quanto à finalidade e à subsidiariedade.

A conduta do estupro é constranger, mediante violência ou grave ameaça. A violência que se refere o tipo penal é a violência física (“vis corporalis ou física”), a grave ameaça (“vis compulsiva ou moralis”) é aquela que causa grande temor na vítima, a ponto de temer o mal prometido, sujeita-se à conjunção carnal ou ao ato libidinoso.

A violência e a grave ameaça empregadas contra a vítima tem o objetivo de intimidar para realização do ato sexual ou libidinoso, devendo ser feitas em momento anterior ou simultâneo, é por meio delas que o constrangimento se consubstancia.

Por seu turno, o crime do artigo 215-A prevê o verbo “praticar” contra alguém e sem sua anuência. Praticar não é o mesmo que constranger. O constrangimento pressupõe uma coerção, a prática é simplesmente a ação. Dá para auferir aqui a gravidade diferenciadora de ambos os crimes e a proporcionalidade em abstrato do legislador ao aplicar pena maior àquele que constrange de forma violenta ou ameaçadora (estupro – pena: reclusão de 6 a 10 anos) àquele que pratica o ato libidinoso, que por si só já é uma espécie de violência latu sensu, mas sem empregar adicionalmente violência ou grave ameaça contra vítima (importunação sexual – pena: reclusão de 1 a 5 anos).

No estupro a vítima é constrangida, seja mediante violência ou grave ameaça, enquanto que na importunação sexual a vítima é surpreendida pelo criminoso, que pratica contra ela ato libidinoso. Na importunação sexual não há a participação da vítima, enquanto no crime de estupro pode ou não haver essa participação (“a praticar ou permitir que com ele se pratique”). Em ambos o crime só ocorre quando há o dissenso da vítima, quanto é praticado contra sua vontade.

Note-se que outro ponto diferenciador entre os institutos é que o ato libidinoso de conjunção carnal forçado só pode caracterizar estupro.

No mais, a importunação sexual exige especial fim de agir, o agente age propulsionado pelo objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de terceiros. No estupro, por seu turno, inexiste previsão de especial fim de agir, para ser incriminado não precisa ficar demonstrada a finalidade do autor, basta que se demonstre o constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso. Irrelevante para o estupro a finalidade de satisfação da lascívia do agente ou de terceiros.

Portanto, dentre todas diferenças acima apontadas, a principal característica diferenciadora entre os crimes do artigo 213, CP e artigo 215-A, CP, é a expressa subsidiariedade do segundo. O legislador deixou bem claro que só seria aplicável o tipo de importunação sexual se a conduta não pudesse caracterizar crime mais grave. Desta feita, só será aplicado de forma subsidiária aos crimes de estupro e estupro de vulnerável.

Portanto, quaisquer atos libidinosos que sejam praticados mediante violência ou grave ameaça da vítima (maior de 14 anos), sem sua anuência, subsumir-se-ão ao crime mais gravoso para tanto em nosso ordenamento jurídico, que é o de estupro (art. 213, CP), enquanto que condutas desprovidas de violência ou grave ameaça, em virtude do princípio da subsidiariedade, configurarão crime de importunação sexual (art. 215-A, CP).

 

2.2       Da hipótese de conflito aparente de normas entre o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP) e o crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP)

No que diz respeito à primeira parte do artigo 217-A, do CP, que trata do estupro de vulnerável mediante a prática de conjunção carnal, que significa o coito (vagina e pênis) – “Ter conjunção carnal (…) com menor de 14 anos” – não há elevada dificuldade de diferenciação do tipo de importunação sexual (artigo 215-A, CP) e nem gera dúvidas na subsunção fática, vejamos o porquê.

A própria interpretação literal de ambos artigos deixa inerente que quando o autor do crime praticar conjunção carnal (pênis e vagina) com menor de 14 anos ou com enfermo ou deficiente mental que não tenha capacidade de discernir a prática do ato sexual, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência, será incurso no crime de estupro de vulnerável, segundo artigo 217-A, CP, e não no artigo 215-A, CP, que tutela a liberdade sexual de vítimas maiores de idade e não prevê a prática de conjunção carnal.

A nebulosidade e, talvez, o ponto conflitante, que pode gerar dúvidas no intérprete e que é o cerne da presente pesquisa acadêmica, é como diferenciar, in concreto, o crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP) da segunda parte do crime de estupro de vulnerável, quanto à modalidade atos libidinosos (artigo 217-A – “praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos …”)?

Afinal, há conflito aparente de normas entre os tipos do artigo 215-A do CP e do artigo 217-A, segunda parte, do CP?

Chegou-se à conclusão científica de que não há conflito aparente de normas entre a segunda parte do crime de estupro de vulnerável e o crime de importunação sexual, vejamos.

Inicialmente, importante obtemperar que o mesmo raciocínio usado no tópico anterior para o estupro (artigo 213, CP), não pode ser usado para o 217-A, segunda parte, do CP. Tal raciocínio pautado na subsidiariedade e na presença de violência ou grave ameaça na conduta não elucida e nem dirime nosso problema hermenêutico. Isso porque, inexistem as elementares “violência ou grave ameaça” no artigo 217-A, CP, inexiste o verbo “constranger”, inexiste uma relação de gradação de proteção de mesmo bem jurídico, inexiste uma relação de subsidiariedade entre os tipos penais. Isso porque no estupro de vulnerável a violência é presumida, em virtude das condições especiais das vítimas. Sempre haverá violência na prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítima vulnerável. Logo, ineficazes tais critérios a título de diferenciação. Por isso a necessidade de traçar novos critérios para solucionar a interrogação.

Pois bem, em que pese os crimes de importunação sexual e estupro de vulnerável (segunda parte) tratarem da prática de atos libidinosos, sejam contemporâneos, estejam em vigor no mesmo tempo e espaço, não possuem os mesmos sujeitos destinatários. O estupro de vulnerável tutela os vulneráveis (menores de 14 anos ou os previstos no §1º, do art. 217-A, do CP), enquanto que a importunação sexual tutela os maiores de idade plenamente capazes.

Neste ponto em que se nota que não há conflito nem aparente entre os crimes de importunação sexual e de estupro de vulnerável, pois possuem sujeitos passivos distintos, as vítimas não são as mesmas, logo, ficou afastada a hipótese de conflito aparente de normas.

A resposta para a pertinente dúvida que foi inicialmente lançada, quanto à subsunção do fato concreto à norma do artigo 217-A (estupro de vulnerável) ou 215 -A (importunação sexual), encontra esteio no sujeito passivo de cada tipo. Por conta disso também inexiste, tecnicamente, conflito aparente de normas, de acordo com os requisitos doutrinários para a identificação de antinomias (coincidência de matéria, tempo, espaço e pessoa).

O sujeito passivo do crime de estupro de vulnerável é o vulnerável, considerado como tal o menor de 14 anos, ou o enfermo ou deficiente mental que não tenha capacidade de discernir a prática do ato sexual, ou pessoa que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

Corroborando com tal tese interpretativa estão as lições de Luiz Regis Prado[1] e Victor Eduardo Rios Gonçalves 10, respectivamente:

 

“O delito de importunação sexual pode entrar em conflito aparente de normas com o próprio crime de estupro (art. 213, CP), já que, naquele, também existe a possibilidade de perfazimento do crime com a prática de ato libidinoso, não só a conjunção carnal, desde que haja dissenso da vítima. Contudo, a discordância da vítima no crime de estupro emerge superada pelo emprego de violência ou grave ameaça, e na importunação sexual basta o seu dissenso, seu não consentimento. Devido à expressa subsidiariedade inserta no preceito secundário do artigo 215-A (“se o ato não constitui crime mais grave”), caracteriza o crime de importunação sexual quando o ato é praticado em qualquer situação de discordância da vítima, desde que não haja emprego de violência, grave ameaça (art. 213, CP), ou aproveitamento de situação de sua vulnerabilidade (enfermidade mental, estado de inconsistência, embriaguez, sono letárgico, etc.), pois neste último caso, configura-se o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A, CP). 10

 

“O texto legal exige a efetiva prática de ato libidinoso contra alguém. Ex: esfregar o pênis nas nádegas da vítima, passar as mãos em suas nádegas, órgão genital ou nos seus seios, ejacular em sobre o corpo da vítima etc. É evidente que esses atos só serão enquadrados no presente tipo penal se o fato não constituir crime mais grave (subsidiariedade expressa no texto legal). Assim, se o agente empregar violência ou grave ameaça, ou se a vítima for pessoa vulnerável, estarão tipificados, respectivamente, os crimes de estupro (artigo 213, caput) ou estupro de vulnerável.” ¹¹

 

Portanto, em poucas e simplórias palavras para encerar o capítulo, o crime de importunação sexual entra em conflito aparente de normas com o crime de estupro, sendo facilmente dirimido tal conflito ante a subsidiariedade expressa no artigo 215-A, do CP e a relação de gradação de ofensividade ao bem jurídico tutelado. A importunação é praticada sem violência e grave e ameaça, consiste em crime menos gravoso do que o estupro, que é praticado com violência ou grave ameaça. Desta feita, será aplicado o artigo 215-A, CP para atos libidinosos praticados sem anuência da vítima maior de idade, contra ela, e sem o emprego de violência ou grave ameaça. Por seu turno, será aplicado o artigo 213, CP quando houver a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso contra a vítima maior de idade mediante emprego de violência ou grave ameaça.

Por interregno, o crime de importunação sexual não entra em conflito sequer aparente de normas com o crime de estupro de vulnerável, nem quanto à segunda parte, tendo em vista que possuem sujeitos passivos diferentes, a vítima do artigo 215-A, do CP, pressupõe-se ser maior e plenamente capaz, e a vítima do artigo 217-A, do CP, é o vulnerável, seja o menor de 14 anos ou o equiparado (§1°, do artigo 217-A, CP). No artigo 215-A, CP não há emprego de violência ou grave ameaça. Enquanto que no artigo 217-A, CP, em que pese não constar tais elementares expressamente, é cediço na doutrina e na jurisprudência que a violência é presumida, ou seja, sempre haverá violência quanto à prática de conjunção carnal ou atos libidinosos com vulneráveis. Sendo assim, via de regra, qualquer conjunção carnal ou outro ato libidinoso praticado com vítima vulnerável subsumir-se-á ao crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP). As hipóteses de exceção à essa regra serão vistas oportunamente, quando se abordar sobre a possibilidade ou não do advento da desclassificação para o crime de importunação sexual, a depender se a vulnerabilidade da vítima é absoluta ou relativa.

 

3 Análise das decisões dos Tribunais e de qual forma de interpretação é a mais adequada

3.1 Das decisões dos Tribunais Estaduais e Superiores a respeito do mesmo fato paradigma

Tem-se observado uma discrepância de aplicabilidade dos crimes dos artigos 215-A, 213 e 217-A, todos do CP, em fatos similares, vejamos.

Far-se-á a análise de um caso paradigma, um processo que tramitou em todas as instâncias possíveis, a fim de demonstrar que perante o mesmo fato e as mesmas circunstâncias, ainda se vislumbram posicionamentos jurídicos tão diferentes.

Causou balbúrdia uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Criminal n° 0005731-38.2017.8.26.0565, cuja ementa é a seguinte:

 

“ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Quadro probatório que se mostra seguro e coeso para evidenciar autoria e materialidade do delito. Palavra das vítimas corroborada pelos demais elementos de prova. Manutenção da condenação. Possibilidade de alteração da capitulação delitiva para o art. 215-A, CP, mais adequado à realidade dos fatos. Reconhecimento da continuidade delitiva – Adequação da pena. Pena integralmente cumprida. Análise quanto ao regime e possibilidade de substituição prejudicada. Recurso parcialmente provido, com extinção da punibilidade, de ofício, e expedição de alvará de soltura (voto n. 39437). (TJSP – Apelação n° 0005731-38.2017.8.26.0565, 16ª Câmara, Rel. Newton Neves, DJe: 07/05/2019)”

 

Como se observa, o TJSP admitiu a desclassificação do crime de estupro de vulnerável para o de importunação sexual, cujo fato era o seguinte, extraído da denúncia:

 

“(…) o acusado praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com as adolescentes. Ele instalou um vídeo game e convidou as vítimas para jogar. Durante o jogo, formou dupla com L.M. e, sempre que vencia, passava a mão em sua cintura, bem como na região próxima aos seios dela. Em determinado momento, aproveitando-se que estava sozinho com ela, agarrou-a por trás e pressionou seu corpo contra ela, encostando o pênis nas costas de L.M. No mais, o acusado disse que iria ensinar os movimentos de um jogo de boliche para a vítima J.M. e passou as mãos pelos seios, barriga e cintura dela. Em certo momento, a vítima J.M. se debruçou na porta do banheiro para procurar pela cadela de propriedade de R.T.S. e o acusado se posicionou por trás dela, esfregando o pênis das nádegas da ofendida. A conduta do acusado perdurou durante a madrugada e, temendo dormir na mesma residência que ele, L.M. entrou em contato com sua genitora, que foi buscá-la. J.M. e M.E.G.S. foram dormir em um dos quartos e, após C.T.S. ter adormecido, o apelante foi para tal local e se deitou sobre M.E.G.S., que acordou e começou a gritar, acordando J.M. Ambas se trancaram no banheiro e M.E.G.S. entrou em contato com sua genitora para buscá-la. (…) (vide autos digitais do processo n° 0005731-38.2017.8.26.0565). “¹²

 

O D. Ministro relator usou do argumento da ausência de participação da vítima

e o princípio da proporcionalidade, ignorando que estava diante de vítimas vulneráveis e considerando como se fosse um caso de estupro (art. 213, CP), usando dos critérios do tópico 2.1 da presente pesquisa, proferiu seu voto pela desclassificação sob a seguinte justificativa:

 

“Todavia, repise-se, não houve na hipótese ora debatida a participação ativa da vítima, surpreendida que foi pela atos praticados sem sua anuência, não se podendo afirmar tenha sido ela forçada a nada. Assim, mostrando-se mais consentânea à realidade fática e também mais proporcional a apenação em relação aos atos praticados, desclassifica-se a conduta de Rodrigo para a prevista no artigo 215-A, do Código Penal.” 13

 

______________________________________________________________________

12 Trecho da denúncia do Processo digital n° 0005731-38.2017.8.26.0565

13 Trecho do voto do relator na apelação referente ao mesmo processo supracitado

 

Pois bem, em nosso caso real paradigma, dessa decisão do TJSPa acusação

interpôs Recurso Especial (REsp 1845797), recorrendo ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja decisão foi a seguinte:

 

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL E VIOLAÇÃO DO ART. 217-A, CAPUT, DO CP. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. ELEMENTARES CARACTERIZADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 215-A DO CP. DESCABIMENTO. VÍTIMAS MENORES DE 14 ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE SE IMPÕE. Recurso especial provido nos termos do dispositivo. (STJ – REsp 1845797, relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, data da publicação: 24/03/2020)”

 

O STJ entendeu inadmissível, no caso em vertente, a desclassificação para o crime de importunação sexual, reformando a decisão proferida pelo TJSP e dando respaldo à tese e à interpretação delineada na presente pesquisa, vejamos um excerto da fundamentação:

 

“(…) verifica-se não haver controvérsia sobre a ocorrência da prática de atos lascivos diverso da conjunção carnal contra as vítimas L.M, J.M e M.E.G.S, menores de 14 anos, caracterizando, assim, todas elementares do art. 217-A do Código Penal.
Não se justifica, desse modo, a desclassificação para a figura descrita no art. 215-A da Lei de Contravenções Penais.
Com efeito, para a jurisprudência desta Corte Superior, inviável a desclassificação das condutas para aquela prevista nos moldes do art. 215-A do Código Penal, inserido por meio da Lei n. 13.718, de 24/9/2018, porquanto não há como se aplicar a nova lei nas hipóteses em que se trata de vítimas menores, notadamente diante da presunção de violência.”

 

Portanto, é inaceitável a desclassificação do crime do art. 217-A, CP para o do artigo 215-A, CP, pela presunção de violência em face das vítimas menores de 14 anos, que são sujeitos passivos especiais, diferentes dos sujeitos passivos do crime de importunação sexual.

 

Nesse mesmo sentido, importante citar a decisão do Ilustre Ministro Rogério Schietti do STJ em outro caso que também trata de vítimas menores de 14 anos nas mesmas circunstâncias:

“RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOLO DE SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. VÍTIMA CRIANÇA MENOR DE 14 ANOS. INCOMPATIBILIDADE. ART. 217-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CONSUMAÇÃO. QUALQUER ATO DE LIBIDINAGEM OFENSIVO À DIGNIDADE SEXUAL. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO. AGRAVO DA DEFESA CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL.

  1. A controvérsia atinente à inadequada desclassificação para a contravenção penal prevista no art. 65 do Decreto-Lei n° 3.688/1941 prescinde do reexame de provas; é suficiente a revaloração de fatos incontroversos explicitados no acórdão recorrido.
  2. Nega-se vigência ao art. 217-A, caput, do CP quando, diante de atos lascivos, diversos da conjunção carnal mas atentatórios à liberdade sexual da vítima (menor de 14 anos), desclassifica-se a conduta para contravenção penal, ao fundamento de que ficou comprovado não ter havido conjunção carnal.
  3. A proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida (art. 227, caput, c/c o § 4º, da Constituição da República), e de instrumentos internacionais.
  4. É pacífica a compreensão de que o delito de estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima. Precedentes.
  5. Ao concluir pela condenação do réu, o Tribunal estadual salientou que o conjunto probatório, notadamente os relatos da vítima e das testemunhas, infirma a autodefesa apresentada pelo acusado, de modo a não deixar nenhuma dúvida de que ele realmente foi o autor do delito sob apuração.
  6. Recurso do Ministério Público provido, a fim de reconhecer a contrariedade do acórdão ao art. 217-A, caput, do Código Penal e restabelecer a sentença de primeiro grau. Agravo em recurso da defesa conhecido para não conhecer do recurso especial. Execução imediata da pena determinada. (STJ – Resp 1.715.319-DF, Relator Rogerio Schietti Cruz).”

 

Conforme aduz Rogério Schietti, nesses casos em que há o reconhecimento de todos os elementos do tipo do artigo 217-A do CP, as fundamentações que sustentam as decisões desclassificatórias não passam de mera retórica para que não seja aplicada ao acusado pena mais rigorosa que lhe é devida. Esse pensamento revela nítida violação à lei federal (artigo 217-A, CP) e a resistência da tese que prevaleceu de presunção absoluta de violência e vulnerabilidade no que tange às vítimas menores de 14 anos.

Retomando o caso paradigma, diante da citada decisão do STJ de execução imediata da pena, o acusado foi preso imediatamente, o que ensejou que a defesa impetrasse ordem de habeas corpus (HC 134591) com pedido liminar, ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.

Em sede liminar, o relator do habeas corpus, ministro Marco Aurélio, votou pela manutenção da decisão do TJSP, pois considera que o chamado beijo lascivo não configura estupro. O ministro observou que, anteriormente, havia dois tipos penais – estupro e atentado violento ao pudor – com penas diversas. Mas, que com a alteração no Código Penal introduzida pela Lei 12.015/2009, as duas condutas foram reunidas no conceito mais abrangente de estupro de vulnerável, estipulando pena de 8 a 15 anos de reclusão para o delito de constranger menor de 14 anos a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso diverso. Segundo ele, a conduta do réu restringiu-se à consumação de beijo lascivo, o que não se equipara à penetração ou ao contato direto com a genitália da vítima, situações em que o constrangimento é maior e a submissão à vontade do agressor é total.

Ora, tal tese denota a insatisfação e inconformismo de alguns juristas com a mudança legislativa de unificação dos tipos de estupro e atentado violento ao pudor, de modo a não aceitar esse conceito mais amplo de estupro por prática de atos libidinosos que não sejam a conjunção carnal. Demonstra um desrespeito ao negar vigência ao artigo 217-A, CP e à presunção absoluta de vulnerabilidade do menor de 14 anos.

Por sua vez, o ministro Luís Roberto Barroso também considerou a pena excessiva e votou pela concessão do habeas corpus para desclassificar a conduta e determinar que o juízo de primeira instância emita nova sentença com base no artigo 215-A do CP (praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro), cuja pena varia de um a cinco anos de reclusão.

Note-se que no caso do ministro Barroso a justificativa é outra, reside na proporcionalidade.

Por seu turno, o ministro Alexandre de Moraes afastou a ocorrência de ilegalidade ou de constrangimento ilegal na decisão do STJ que manteve a condenação e observou que houve um ato clássico de pedofilia. Segundo ele, o fato definido como crime na lei (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos) existiu, e não é possível desclassificar a conduta para molestamento.

Diante de todo o exposto, o desfecho deste processo paradigma foi o seguinte: por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Habeas Corpus 134591 e manteve a condenação do acusado, sendo a resolução hermenêutica mais adequada para a distinção dos tipos em comento nos casos práticos, e corroborando com os critérios hermenêuticos resultantes da presente pesquisa.

 

3.2    Da interpretação mais adequada e da (in) admissibilidade da desclassificação

A partir da análise do caso paradigma e de suas diferentes interpretações nas diversas instâncias, Juiz “a quo”, Tribunal de Justiça de São Paulo, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, pode-se fazer as seguintes considerações.

No que tange à decisão do TJ-SP, sua fundamentação merece as seguintes críticas. Inicialmente, não é imprescindível para a consumação do crime de importunação sexual participação da vítima, na verdade o crime justamente foi criado com o fito de coibir condutas libidinosas das quais a vítima não anuiu, que foi surpreendida. O TJ-SP interpretou equivocadamente o artigo 215-A, CP, ignorou que a presunção de violência quanto ao menor de 14 anos é absoluta e que, diferentemente do crime de estupro, no estupro de vulnerável basta que a vítima sofra os atos libidinosos, como foi o caso. Portanto, tal decisão encerra em um posicionamento preocupante de retrocesso na proteção contra o abuso sexual de crianças e adolescentes.

Não se deve ignorar que na esmagadora parte dos casos de estupro de vulnerável os abusadores são familiares das vítimas, entes queridos, pais, padrastos, tios ou avós, pessoas que residem no lar da vítima ou o frequentam assiduamente, o que torna ainda mais difícil a descoberta do crime, dificulta a investigação, a colheita de provas incriminadoras, por isso, os raros casos que chegam à luz do Poder Judiciário (porque a maioria são ocultados nos seios familiares perpetuando práticas incestuosas e atos de pedofilia) devem ser tratados com seriedade e rigor técnico por parte dos magistrados, respeitando os ditames da lei penal em vigor e dando amparo à essas vítimas tão fragilizadas.

Esse viés de protecionismo à criança e ao adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal e também ao longo da Lei n° 8.069/90 (ECA), está em consonância com a tendência mundial de prevenção de abusos sexuais infantis e juvenis, conforme artigo 34, “b”, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução n. 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e incorporada ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto Legislativo n. 28/1989:

 

“Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os estado-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: […] b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; […]”

 

Sobre o princípio da proporcionalidade, inclusive presente na fundamentação do desembargador relator da Apelação no TJ-SP, faz-se necessário lembrar que há a proporcionalidade abstrata e a proporcionalidade concreta, vejamos:

 

“Esse princípio pode ser considerado como proporcionalidade abstrata (fase legislativa) e concreta (fase judicial): a primeira deve ser entendida como ‘proporção entre a gravidade do injusto e a gravidade da pena que lhe é cominada – dirige-se ao legislador; a segunda, como a necessidade de proporção entre a gravidade do fato concreto praticado e a pena aplicada ao seu autor – dirige-se ao juiz.”12

 

Deste modo, em virtude da separação dos poderes, pedra angular de nosso Estado Democrático de Direito, o legislador é quem faz o juízo de proporcionalidade entre a conduta e a punição cominada em abstrato. Cabe ao julgador dosar essa proporcionalidade na aplicação da pena ao caso concreto, de modo que o princípio da proporcionalidade não pode ser aludido pelo julgador para a tipificação do crime, mas sim na primeira fase da dosimetria da pena (artigo 59, CP), incidindo na culpabilidade do agente para aplicação da sanção penal.

Exemplificando, pode-se dizer que, é menos reprovável a conduta de um estuprador que passa a mão na vagina da vítima do que aquele que realiza sexo anal com ela, note que ambas condutas constituem atos libidinosos, por isso ambas subsomem-se ao tipo de estupro de vulnerável quando a vítima é vulnerável. A diferença no trato será apenas para fins de aplicação de pena, cada um terá dosada conforme a proporcionalidade de sua conduta. Assim, não se pode usar o princípio da proporcionalidade para afastar a tipificação e enquadramento jurídico de estupro de vulnerável de atos libidinosos praticados em face de vulneráveis, sob pena de interferência do poder judiciário no poder legislativo em sua função legiferante típica.

E quanto à possibilidade de desclassificação do crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP) para o crime de estupro de vulnerável (217-A, CP)?

Como dito antes, no caso paradigma (que consiste na maioria dos casos de estupro de vulnerável) em que as vítimas eram menores de 14 anos, as teses de desclassificação ficaram sobejamente rechaçadas, demonstrando a inadmissibilidade da desclassificação quando as vítimas são absolutamente vulneráveis.

Mas para responder com profundidade a essa questão é necessário distinguir perante qual vulnerável se está. Importante diferenciar os vulneráveis a que alude o artigo 217-A, CP.

______________________________________________________________________

 

12 PRADO, Luiz Regis; 2017, p. 91/92.

O menor de 14 anos é presumidamente vulnerável por causa da idade, enquanto que os demais vulneráveis, o deficiente mental é vulnerável por equiparação e quem, por qualquer causa, não pode oferecer resistência, é vulnerável por interpretação analógica.

Então a possibilidade ou não da desclassificação vai depender do caso concreto, depende se a vulnerabilidade da vítima é absoluta ou relativa. Se a vítima for menor de 14 anos não há que se discutir, questionar, ou provar a vulnerabilidade, pois ela é presumida de modo objetivo pelo critério etário, logo, inconcebível a emendatio libelli com a consequente desclassificação.

Se a vítima enquadrar-se nas hipóteses do §1° do artigo 217-A sua vulnerabilidade é relativa, cabendo produção probatória nos autos a fim de verificar se em virtude da enfermidade ou doença mental ela não tinha o necessário discernimento para a prática do ato, ou se por qualquer outra causa não podia oferecer resistência. Deste modo, imprescindível a análise detalhada do caso em concreto para auferir se ela era ou não vulnerável para fins do §1° do artigo 217-A, CP. Se afastada a condição de vulnerável, a depender do caso concreto, poderá haver sim desclassificação para outros crimes, inclusive para o de importunação sexual.

 

CONCLUSÃO

Realizou-se uma interpretação dos tipos penais de importunação sexual (artigo 215-A, CP, introduzido com a Lei n° 13.718/2018), estupro (artigo 213, CP) e, principalmente, estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP), fazendo um contraponto entre eles, ressaltando similitudes e diferenças, com o fito de melhor entendê-los para aplicá-los no caso concreto.

Enfatizou-se a importância da criação do crime do artigo 215-A, sua edição para suplantar grande lacuna legislativa que existia no ordenamento jurídico brasileiro, seu papel como crime intermediário de caráter subsidiário, com um viés de recrudescimento das punições de práticas de atos libidinosos contra as vítimas, principalmente mulheres.

Buscou-se na hermenêutica jurídica, nos métodos gramatical, sistemático e teleológico, mecanismos para compreender os crimes sexuais de importunação sexual, estupro e estupro de vulnerável, crimes que não se confundem, cada qual deve ser aplicado em casos específicos, em que pese os três disporem de uma elementar comum: “atos libidinosos”.

Pela hermenêutica jurídica demonstrou-se que há conflito aparente de normas entre o crime de estupro e o de importunação sexual, que é resolvido pela subsidiariedade. No mais, restou afastada qualquer hipótese de conflito de normas entre o crime do art. 215-A, CP e o do art.217-A, CP, por atos libidinosos. Os resultados obtidos nessa primeira parte foram que, o crime do artigo 215-A, CP foi editado para coibir práticas de atos libidinosos como aquelas em transportes coletivos (apalpadas em regiões íntimas, ejaculações, encontrões libidinosos, beijos lascivos, etc.), diferentemente do crime do artigo 217-A, CP, pois têm sujeitos passivos diferentes, não recaem sobre as mesmas vítimas.

O sujeito passivo do crime do artigo 215-A, CP, por exclusão, é o maior de 14 anos, plenamente capaz de determinar-se e entender os atos de lascívia, enquanto que o sujeito passivo do crime do artigo 217-A, CP é o vulnerável, podendo ser o menor de 14 anos (caput), o enfermo ou doente mental que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Diferenciam-se subjetivamente, por protegerem vítimas diferentes.

Diante da análise do caso paradigma e de divergências entre os juízos de primeiro grau, os Tribunais Estaduais, o STJ e o STF na interpretação e aplicação das normas ante o mesmo fato, ficou clara a imprescindibilidade de o operador do direito traçar critérios e parâmetros de distinção entre os tipos legais em comento para dar-lhes coerente aplicação prática.

Assim, quanto à hipótese de admissibilidade ou não de desclassificação, obteve-se como resultado a clara inadmissibilidade quando o estupro de vulnerável ocorrer por meio de conjunção carnal, porque o crime de importunação sexual só prevê a elementar atos libidinosos, quanto a isso é entendimento pacífico. O ponto controverso consiste na admissibilidade ou não de desclassificação de importunação sexual para estupro de vulnerável por atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

Quanto a isso tem-se que, sem querer ter a pretensão de esgotar o assunto, ou de propiciar uma resposta final ao problema, pelos critérios hermenêuticos traçados, quais sejam, o sujeito passivo especial do crime do artigo 217-A, CP, a presunção de violência do crime de estupro de vulnerável, a teleologia e visão sistemática dos crimes sexuais, observa-se que essa admissibilidade ou não de desclassificação dependerá de qual tipo de vulnerável é a vítima. Dependerá se a vulnerabilidade é absoluta ou relativa.

Caso a vítima seja menor de 14 anos, há presunção absoluta de vulnerabilidade em virtude da tenra idade, opção do legislador e fruto de um processo de evolução histórico-normativa de repressão à pedofilia, motivo pelo qual inadmissível a desclassificação do crime de importunação sexual para o de estupro de vulnerável. No tocante aos menores de 14 anos, o legislador pátrio buscou proteger integralmente crianças e adolescentes do abuso sexual, de modo que qualquer ato libidinoso contra eles é rechaçado e subsumir-se-á ao crime do artigo 217-A, CP. Qualquer decisão desclassificatória do artigo 217-A, CP para o artigo 215-A do CP, quando as vítimas forem menores de 14 anos, fere o princípio da legalidade, deturpa o artigo 215-A, CP e fragiliza a proteção integral à criança e ao adolescente, preceito constitucional e também objeto de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Por seu turno, quanto aos demais vulneráveis previstos no §1° do artigo 217-A, CP, quais sejam, aqueles que por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência, a vulnerabilidade não é absoluta, deve ser analisada no caso concreto. Somente diante das circunstâncias do fato e da situação da vítima é que se pode auferir se ela era realmente vulnerável, aplicando, nesse caso, as penas do artigo 217-A, §1º, CP. Caso afastada a vulnerabilidade, seja pela prova de que a vítima tinha o necessário discernimento para a prática do ato ou que poderia sim oferecer resistência, poderá ser desclassificada a conduta e poderá, eventualmente, subsumir-se ao crime do artigo 215-A, CP.

O direito é uma ciência humana, passível de interpretação em que não há verdades absolutas imutáveis, porém, pelos métodos hermenêuticos, interpretando gramaticalmente os crimes, a letra da lei; teleologicamente, buscando a sua finalidade, o porquê cada crime foi editado; a sistematização do ordenamento jurídico penal, em que a interpretação de um crime deve ser feita em consonância com todos princípios e outras normas penais e constitucionais preexistentes; é que se conclui que a hipótese de inadmissibilidade de desclassificação do crime de importunação sexual para o de estupro de vulnerável por atos libidinosos em face de menores de 14 anos foi ratificada.

Perigosa e nefasta a interpretação contrária (como a do TJ/SP na Apelação n° 0005731-38.2017.8.26.0565 e em sede liminar no HC ), pois culmina em retrocesso aos direitos de liberdade sexual e proteção integral de crianças e adolescentes, deturpação do crime de importunação sexual, que não foi editado para ser usado de forma escusa para abrandar punições de pedófilos, ofendendo a vigência do artigo 217-A, CP.

Inadmissível que o Poder Judiciário, desprovido de sólida fundamentação, usando apenas de mera retórica, deturpe a natureza e finalidade para a qual foi criado o crime do artigo 215-A, CP e promova retrocesso à proteção de crianças e adolescentes ao decidir desclassificando condutas de pedofilia para mera importunação sexual, amenizando a punição desses abusadores de impúberes.

Portanto, o crime de importunação sexual, novatio legis em pejus, editado com a finalidade de endurecer as punições contra aqueles que praticavam atos libidinosos contra suas vítimas surpreendendo-as, que nasceu pelo clamor popular por mais justiça e por suplantação de uma lacuna legislativa antes existente, não pode ser deturpado pelos magistrados a ponto de servir de álibi para desclassificar condutas de estupros contra vulneráveis menores de 14 anos, por atos libidinosos, como beijo lascivo, apalpadas, carícias em partes íntimas, sexo oral, dentre outros infindáveis abusos sexuais diversos da conjunção carnal que estão expostas nossas crianças e adolescentes. Inadmissível desclassificar o artigo 217-A, CP para o 215-A, CP seja qual for o argumento, quando se tem menores de 14 anos de idade como vítimas, dada sua vulnerabilidade absoluta expressa pelo legislador pelo critério etário.

 

REFERÊNCIAS

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Informativo do STF – acesso em

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425115

 

TJSP – Apelação n° 0005731-38.2017.8.26.0565, 16ª Câmara, Rel. Newton Neves, DJe: 07/05/2019

 

1 NETO, Francisco Sannini. Crimes Sexuais – aspectos atuais. http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/crimes-sexuais—aspectos-atuais/18296

2 BITENCOURT, Cezar Roberto; 2019, p. 83

 

[1] Acadêmica de Direito da Faculdade de Educação, Ciência e Artes, Dom Bosco de Monte Aprazível/SP. Ex-estagiária do Ministério Público Estadual, em Monte Aprazível-SP, estagiária do Escritório Advocacia Negrelli, Tanabi-SP.  E-mail: [email protected]

 

[2] Mestre em Filosofia pela PUC/SP (2012). Graduado em Direito pela Associação de Ensino e Cultura de Mato Grosso do Sul (2001). Graduado em Filosofia (CeuClar). Atualmente é Advogado Criminalista, Professor e Coordenador de Pós Graduação em Psicologia Jurídica (UNIRP), Professor na graduação em Direito e Psicologia na UNIRP (Centro Universitário de Rio Preto) e na FAECA (Faculdade de Educação, Ciências e Artes, Dom Bosco). (Leciona as frentes de Direito Penal, Filosofia do Direito e Psicologia Forense. Coordenador da Comissão de Políticas Criminais e Penitenciárias da 22ª Subseção OAB (São José do Rio Preto) e Assessor da 11ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Pesquisa sobre os Fundamentos do Direito, abordando a Construção do Sujeito Criminoso e do Inimputável na perspectiva Histórico-Crítica. E-mail: [email protected]

1 PRADO, Luiz Regis; 2019, p. 565

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