Análise crítica dos critérios de fixação da pena

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Resumo: A fixação da pena é um dos temas mais sensíveis do Direito Penal. Apesar dos avanços ocorridos a partir da reforma da parte geral do Código Penal, o ordenamento pátrio ainda convive com resquícios de um direito penal autoritário, incompatível com os ditames constitucionais. Nesse cenário, surge a necessidade de reforma dos critérios de fixação da pena, excluindo da legislação penal elementos que dão suporte à aplicação de um direito penal do autor.

Palavras-chave: Fixação, Pena, Circunstâncias Judiciais, Constitucionalidade.

Abstract: The determination of the penalty is one of the most sensitive issues of criminal law. Despite the advances made from the general reform of the Penal Code, the planning of country still lives with remnants of a criminal authoritarian, inconsistent with the constitutional dictates. In this scenario, there is a need for reform of the sentencing criteria, excluding elements of criminal law that support the application of a penal law of the author.

Keywords: Fixing Penalty, Legal Circumstances, Constitutionality

Sumário: Introdução. 1. Circunstâncias judiciais. 1.1. Culpabilidade. 1.2. Antecedentes. 1.3. Conduta social. 1.4. Personalidade do agente. 2. Reincidência. 3. Proposta de Paganella Bosch. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Um dos temas mais complexos do Direito Penal é, sem dúvida, a aplicação da pena. Estabelecer critérios minimamente objetivos, que atendam aos pressupostos da individualização da pena no caso concreto é tarefa que suscita diversas dúvidas. No que se refere à dosimetria da pena na sentença, de acordo com o art. 68 do Código Penal, deve-se adotar o método trifásico, segundo o qual, a pena-base será fixada atendendo-se às circunstância judiciais (art. 59 do CP), após, serão consideradas as circunstâncias atenuantes/agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.

Apesar da positivação dos critérios a serem observados, não há consenso entre doutrinadores sobre a correta utilização desses institutos. Isso se dá por duas razões principais: a) o elevado grau de abstração de determinados conceitos e; b) o estabelecimento de critérios relacionados ao modo de viver do delinquente, o que, parte da doutrina entende não se compatibilizar com o Estado Democrático de Direito, sendo, ao contrário, manifestação do direito penal do autor e não do fato.

Nesse sentido, será objetivo do presente trabalho apresentar, de forma singela, algumas das críticas doutrinárias aos seguintes elementos que embasam a fixação da pena: a) culpabilidade; b) antecedentes; c) conduta social; d) personalidade do agente e; e) reincidência.

Por fim, insta ressaltar que, por estar em desenvolvimento um projeto de reforma do Código Penal, o tema se reveste de grande importância, surgindo, finalmente, a oportunidade de se adequar a legislação positiva aos ditames do Estado Constitucional de Direito.

1 – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

Previstas no art. 59 do Código Penal, as circunstâncias judiciais são assim denominadas por demandar uma análise quase sempre subjetiva por parte do julgador no momento da individualização da pena. Insta ressaltar, entretanto, que tal subjetividade não significa arbitrariedade, vez que o juiz estará limitado aos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento pátrio, notadamente pelos princípios constitucionais.

Segundo dispõe a norma acima citada, “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime…”. Dessas circunstâncias, conforme já citado, serão objeto de análise: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade.

1.1 Culpabilidade

A culpabilidade é um dos institutos ensejadores de controvérsias dentro da Teoria do Delito. De forma simplista, sem intenção de analisar profundamente o tema, interessa ao presente trabalho a culpabilidade sob duas óticas distintas: a) como terceiro substrato do crime (teoria tripartite); b) como limite da pena (culpabilidade funcional).

Como substrato do crime, a culpabilidade, segundo a teoria finalista, é composta de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Em sua análise, o julgador deve realizar um juízo de existência. Em outras palavras, ausente qualquer um de seus elementos, não haverá crime e, por consequência, a absolvição (própria ou imprópria) deverá se impor. Posteriormente, estando presente a culpabilidade, juntamente com os demais elementos do delito (tipicidade e ilicitude), o juiz, na dosimetria da pena, voltará a analisá-la, desta feita em relação a sua intensidade para fins de individualização da pena.

Analisando a culpabilidade como critério de fixação da pena base (art. 59 do Código Penal), a doutrina pátria não se encontra pacificada. Segundo Alice Bianchini, o termo em questão relaciona-se com o grau de menosprezo do agente perante ao bem jurídico lesado. Nesse sentido, para a autora, deverá o juiz: 

“… no momento da sua aplicação deve levar em conta a posição do agente frente ao bem jurídico violado: a) de menosprezo total (que se dá no dolo direto); b) de indiferença (que ocorre no dolo eventual) e de c) descuido (que está presente nos crimes culposos). (…) a culpabilidade do art. 59 do CP não é a mesma coisa que juízo de reprovação ou de censura nem tampouco significa a soma de todas as demais circunstâncias do referido artigo.” (2009, p. 727)

Diverso é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, para quem a culpabilidade estaria relacionada aos antigos institutos da “intensidade do dolo” e dos “graus da culpa”, presentes na antiga redação do art. 42 do Código Penal, anteriormente à reforma de 1984.

No mais, quando se encontra no momento de fixar a pena, o julgador leva em conta a culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem.(…)

A culpabilidade, em nosso entender acertadamente, veio a substituir as antigas expressões “intensidade do dolo” e “graus da culpa”, previstas dentre as circunstâncias judiciais.” (2009, p. 173)

Por fim, há autores que sustentam que a culpabilidade, como limite da pena, é gênero do qual são espécies todos os outros elementos presentes no art. 59 do CP. É o entendimento de Zaffaroni e de Cleber Masson, vejamos:

“(…) entendemos que a medida da pena-base indica o grau de culpabilidade, e que as considerações preventivas permitem fixá-las abaixo desse máximo (…) A culpabilidade abarcará tanto os motivos (é inquestionável que a motivação é problema da culpabilidade), como as circunstâncias e consequências do delito (que podem compor também o grau do injusto que, necessariamente, reflete-se no grau de culpabilidade).” (ZAFFARONI, 2009. p. 709-710)

“(…) entende-se que a culpabilidade é o conjunto de todas as demais circunstâncias judiciais unidas. Assim, antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor.” (MASSON, 2009. p. 593).

A singela análise realizada é suficiente para demonstrar algumas das dificuldades de aplicação do presente instituto. Com isso, para se garantir a isonomia e a segurança jurídica peculiares ao ordenamento penal de um Estado Democrático de Direito, é de suma importância que as futuras leis sejam dotadas de melhores técnicas legislativas, delimitando a extensão da culpabilidade para fins de aplicação da pena no caso concreto.  

1.2 Antecedentes

A definição do que seja “maus antecedentes” também suscita diversas discussões doutrinárias. A literalidade do termo possibilita a consideração de qualquer fato atinente à vida pregressa do acusado, o que, por óbvio, serviria de suporte para as mais diversas arbitrariedades. Ainda que limitado à seara criminal, tal como proposto por Cleber Masson (2009), o critério deve ser aplicado com bastante cuidado, notadamente, para se evitar ofensa aos princípios da presunção de inocência e do ne bis in idem.

Na tentativa de construir um critério que atenda aos ditames constitucionais, a professora Alice Bianchini, acompanhada por Guilherme de Souza Nucci (2009), considera para análise dos antecedentes as condenações transitadas em julgado, desde que aptas à agravar a pena pela reincidência.

A primeira (inconstitucional) considera antecedente qualquer envolvido do agente com algum inquérito ou ação penal; de acordo com essa primeira orientação processo em andamento configuraria maus antecedentes. Isso é, claramente inconstitucional. (…)

A segunda (constitucional) considera maus antecedentes apenas as condenações passadas da vida do agente, que constam da sua “folha corrida” e já não geram reincidência (leia-se: condenações pretéritas, que vão além do lapso de cinco anos contados da extinção da pena para trás). Essa segunda corrente é a adequada ao Estado constitucional e humanista de Direito.” (2009, p. 728)

Além do critério supracitado, atualmente, vem crescendo o número de adeptos a uma teoria mais garantista, que considera, para fins de elevação da pena base a título de maus antecedentes, somente as condenações transitadas em julgado, desde que não sirvam para agravar a pena pela reincidência e, também, não tenham sido alcançadas pelo decurso de cinco anos contados do cumprimento ou da extinção da pena. É o entendimento do professor Paganella Bosch, vejamos:

Pensamos que, por similitude lógica, o decurso do período de cinco anos, considerado como dies a quo a data do cumprimento ou da extinção da pena, que, segundo o artigo 64 do CP, faz desaparecer os efeitos da reincidência, deveria propiciar a recuperação da primariedade e dos bons antecedentes.(…)

Dado significativo a ser levado em consideração na sentença, para a graduação dos antecedentes, é o que diz com o número de infrações pretéritas, de modo a preservar-se situações de diferença. Quanto maior o número de condenações, maior, naturalmente, haverá de ser a censura a título de pena-base.” (2006, p.205)

Em que pese a existência de alguns julgados versando de forma distinta, a tese defendida por Bianchini tem prevalecido nas decisões dos Tribunais Superiores[1].

1.3 Conduta Social

Critério mais polêmico previsto no art. 59 do Código Penal, a análise da conduta social para majorar a pena imposta ao acusado é, sem sombra de dúvidas, resquício de direito penal do autor no ordenamento jurídico pátrio.

Definido pela doutrina como estilo de vida do réu perante a sociedade, sua família, vizinhança etc. (MASSON, 2009), o presente elemento, além de dar azo a considerações preconceituosas por parte do julgador, é o grande responsável pelas malfadadas testemunhas canonizadoras, que, muitas das vezes, tumultuam o trâmite processual, sem nada acrescentar ao deslinde do feito.

Analisando esses problemas, parte significativa da doutrina tem defendido a inconstitucionalidade  do presente critério, conforme esclarecem os ensinamentos dos professores Paganella Boschi e Túlio Vianna:

“A consideração da conduta social na dosimetria da pena representa, como também afirmamos linhas acima, alinhamento do nosso direito com a concepção da culpabilidade pelos fatos da vida, tão contestada, ainda hoje, como lembra Enrique Bacigalupo, ao comentar o Código Penal argentino…” (BOSCHI, 2006, p. 206).

“A majoração da pena em virtude da conduta social do agente pressupõe a análise de condutas não tipificadas pelo legislador e qualquer aumento de pena em virtude desta circunstância equivale à imposição de pena sem prévia cominação legal, em nítida ofensa ao princípio constitucional da legalidade. Não bastasse, a análise destas condutas incidentalmente durante a fixação da pena, sem garantia ao réu dos direitos ao contraditório e ao devido processo legal, equivale ainda a uma condenação sumária e inquisitorial por fatos – é bom que se repita – atípicos.” (VIANNA, 2008)

Pelos argumentos apresentados, não restam dúvidas de que um ordenamento penal com pretensões verdadeiramente democráticas não pode se valer de critérios como “conduta social” para prejudicar o réu.

1.4 personalidade do agente

A personalidade do agente como critério de fixação da pena, assim como a conduta social, é um dos critérios relacionados ao direito penal do autor. De acordo com a doutrina, a personalidade “é o caráter, a índole do sujeito, que é extraída da sua maneira habitual de ser; pode ser voltada ou não a deliquência. Há pessoas de bom caráter; há pessoas de mau caráter.” (BIANCHINI, 2009. p. 729). Além de sua suposta inconstitucionalidade, parte da doutrina defende que, considerando as dificuldades de se aferir, de forma segura, qual seria a personalidade do agente no caso concreto, salvo em raras exceções, esse critério não poderia ser utilizado pelo juiz.

Apesar das críticas direcionadas ao termo, Guilherme de Souza Nucci não observa nenhuma inconstitucionalidade no critério em questão, vez que a punição não estaria direcionada tão somente à personalidade do agente. Ao contrário disso, a análise do modo de ser do acusado seria uma imposição ao julgador para evitar a padronização da pena, em detrimento de sua individualização.

“Não nos parece devamos encarar a questão sob a ótica de que a punição está sendo efetivada por conta do modo de ser de uma pessoa. Para decidir se houve ou não crime, o juiz não leva em conta a personalidade. Logo, inexiste punição somente porque alguém é diferente da maioria, retirando-se sua liberdade de agir ou pensar. Entretanto, justamente para evitar a padronização da pena, após a constatação de que o delito ocorreu, deve-se levar em consideração, sim, o modo de ser do acusado…” (2009, p. 191-192)

Em que pese os argumentos em contrário, mais correta parece ser a tese sustentada pelo professor Túlio Vianna, para quem, “a valoração da “personalidade do agente” na fixação da pena fere os princípios constitucionais da laicidade, da amoralidade e da lesividade, pois consagram um inadmissível direito penal de autor em nosso ordenamento jurídico.” ( 2003)

Radicalizando ainda mais o assunto, o professor Paganella Boschi, após indicar as patentes dificuldades de se apurar a personalidade do agente, propõe um critério visando a beneficiar o réu em caso de personalidade desviada, utilizando como paradigma a causa de redução de pena da semi-imputabilidade, prevista no art. 26, parágrafo único do Código Penal. 

Mesmo que, por hipótese, fosse possível um diagnóstico firme e concludente sobre a personalidade do acusado e que os peritos, por exemplo, apontassem determinado transtorno (suponhamos, o de personalidade anti-social, que afeta 75% da população carcerária norte-americana, segundo pesquisas realizadas por Kaplan e Sadock), ainda remanesceria outra pergunta: Seria legítima a valoração negativa da personalidade do acusado vítima de transtorno, para o efeito de exacerbamento da sanção-básica, sem que isso deixasse de representar punição pelo modo de ser do indivíduo? Seria legítima a intervenção punitiva do Estado para esse fim de alterar o perfil da personalidade do criminoso?”(…)

A constatação pelo Estado-Juiz de que o acusado é portador de transtorno de personalidade (…) deveria determinar, por outro lado, não a exasperação da pena-base pelo fato cometido, e sim, o exercício de direito subjetivo de reclamar o indispensável apoio técnico, para libertar-se do problema e alcançar a elevação social e humana.”(2006. p. 211-213).

Da análise dos argumentos apresentados, parece-nos mais consentâneo com as normas  constitucionais a exclusão do presente critério para fixação da pena, relegando à regra geral do art. 26, parágrafo único do Código Penal possíveis casos em que a personalidade do agente possa ser ensejadora da semi-imputabilidade.

2 – REINCIDÊNCIA

Prevista no art. 61, I do CP, a reincidência é estabelecida como circunstância agravante a ser aplicada na segunda fase de fixação da pena, após o estabelecimento da pena base. Apesar de amplamente aplicada pela jurisprudência sem maiores considerações, parte da doutrina vem sustentando sua inconstitucionalidade por ofensa ao princípio do ne bis in idem.

Para o professor Paganella Boschi, “a reincidência – e os antecedentes – são algumas das maiores máculas ao modelo de garantias…” (2006, p. 251), no que é acompanhado pelo jurista Zaffaroni, para quem:

“(…) em toda agravação de pena pela reincidência existe uma violação do princípio non bis in idem. A pena maior que se impõe na condenação pelo segundo delito decorre do primeiro, pelo qual a pessoa já havia sido julgada e condenada. (…) Na realidade, a reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em “disciplinadas” e “indisciplinadas”, e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor.” (2009. p. 717)

A fundamentação doutrinária para aplicação da reincidência como critério que agrava a pena aplicável é absolutamente plausível. Em tese, aquele que comete um novo delito, mesmo após ter sido processado e condenado por fatos anteriores, demonstra ter absoluto desprezo ao ordenamento jurídico, sendo necessário, portanto, a aplicação de uma maior pena, seja para fins retributivos ou preventivos.

Apesar disso, especificamente no caso brasileiro, o agravamento da pena pela reincidência pode significar uma certa injustiça. É cediço que o sistema de penas, notadamente o de penas privativas de liberdade, é absolutamente ineficaz. Ao contrário de recuperar o sentenciado, o cárcere o degrada, diminuindo consideravelmente as, já parcas, possibilidades de realização pessoal após o cumprimento da pena. Com isso, agravar a pena pela reincidência, notadamente em um sistema punitivo precário como o pátrio, é de duvidosa constitucionalidade, sendo necessário, portanto, um maior aprofundamento doutrinário para análise do tema.  

3 – PROPOSTA DE PAGANELLA BOSCHI

Para facilitar a aplicação da pena no caso concreto, o professor Paganella Boschi propõe a redução das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPP para apenas uma: culpabilidade. Segundo o doutrinador, considerando a culpabilidade como fundamento e limite da reprovação penal, seria possível a fixação da pena base considerando, tão somente, a intensidade da ocorrência de seus requisitos – imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Na análise do “grau” de imputabilidade, conforme já ressaltado, o autor utiliza-se dos conceitos de personalidade do agente. Em outras palavras, havendo algum desvio da personalidade do agente, salvo em casos de transtorno exercitável pelo réu como opção de vida, a pena base deve ser projetada ao mínimo legal. In verbis

“Em suma, estamos propondo que a pena-base ao réu imputável seja projetada na direção do mínimo legal, a não ser que, no caso concreto, fique evidenciada situação de transtorno de personalidade exercitável pelo réu como opção de vida.

Eis aqui o fundamento: se a semi-imputabilidade autoriza especial redução da pena e os transtornos de personalidade acarretam perturbações na capacidade de entender o de querer, eles deveriam ser então considerados como causas de enfraquecimento das exigências ínsitas à imputabilidade e, assim, ensejar movimento na direção branda da censura, a não ser, repetimos, que o transtorno seja produto do peculiar e consciente estilo de vida do acusado.” (2006, p. 232-233)

Em relação à potencial consciência da ilicitude, o julgador deverá analisar a vida social e comunitária do acusado, atentando-se para as circunstâncias sociais que influenciam na compreensão da ilicitude.

…o Direito não pode exigir que todos os indivíduos tenham o mesmo grau de compreensão da ilicitude. Há os que se esforçam, os que se esforçam pouco e os que nada fazem para internalizar o conteúdo da norma, sem falarmos das muitas circunstâncias pessoais ou sociais que atuam como variáveis de influência nesse processo.(…)

A graduação da consciência potencial da ilicitude não dispensará o conhecimento das ambiências do acusado, da sua vida social e comunitária, de sua profissão, de sua cultura, etc.

Para poder concluir se o réu tinha ou não consciência da ilicitude e daí estabelecer a medida desse conhecimento, o magistrado precisa mergulhar na história do processo, indagando sobre o meio em que vive o réu, os costumes, suas condições de vida, seus relacionamentos, seu grau de cultura, porque esses aspectos são tão essenciais como “o ar que se respira”, como chegou a dizer Binging.” (2006, p. 238)

Por fim, na análise da exibilidade de conduta diversa, o julgador deverá atentar-se para os motivos do cometimento do delito, aplicando, se for o caso, o princípio da co-culpabilidade.

Os motivos para a subtração, por exemplo (para acúmulo da fortuna ou para satisfação de necessidade premente), a provocação ou instigação da vítima, mais as variáveis sociais relacionadas à co-culpabilidade, poderiam muito bem ser apresentadas como exemplos.

Citado Salo de Carvalho “se a sociedade não brinda a todos com as mesmas oportunidades, em consequência há sujeitos que têm menor âmbito de autodeterminação.”(2006, p. 240)

CONCLUSÃO

A análise realizada evidencia a necessidade de alteração da legislação penal pátria. A melhor definição dos critérios de aplicação da pena e a eliminação de circunstância incompatíveis com o atual estágio constitucional brasileiro (conduta social e personalidade) são medidas urgentes e imprescindíveis para a evolução do sistema penal, garantindo-se aos acusados um tratamento igualitário e live de discriminações diversas.

Além disso, um sistema de regras bem definidas diminui a insegurança jurídica e concede maior uniformidade aos entendimentos jurisprudenciais, reduzindo a quantidade de decisões reformadas pelos órgãos superiores.

Por fim, é importante ressaltar que o estabelecimento de regras verdadeiramente garantistas contribuirá para a efetividade do princípio da isonomia. Isso porque, como se sabe, os tribunais superiores, notadamente o STF, através da interpretação constitucional, têm aplicado diversos postulados garantistas, ainda que a despeito da norma infraconstitucional. Entretanto, nem sempre essas orientações são seguidas pelos juízos locais, gerando uma enorme discrepância entre aqueles que têm possuem condições (financeiras) de submeterem seus casos às últimas instâncias e aqueloutros que não possuem. 

 

Bibliografia
MASSON, Cleber. Direito penal: esquematizado . São Paulo: Método, 2009
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1)
NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 3. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 398 p.
BIANCHINI, Alice; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais . 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 411 p. (Coleção ciências criminais ; v. 1)
BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 440 p.
VIANNA, Túlio Lima. Pena – Fixação. Roteiro Didático. Revista Síntese de direito penal e processual penal , Porto Alegre, a.4, v.19, p. 54-61, abril/maio de 2003.
VIANNA,Túlio; MATTOS, Geovana Tavares de. A inconstitucionalidades da conduta social e personalidade do agente como critérios de fixação da pena. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, v. 14, p. 305-323, 2008.

Nota:
[1] STF. RE-AgR 535477. Rel. Eros Grau. 7.10.2008.


Informações Sobre o Autor

Diego Escobar Francisquini

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Assessor Jurídico Criminal do Ministério Público Federal em Minas Gerais


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