Consequências práticas da alteração legislativa que modificou alguns dispositivos no Tribunal do Júri no que tange a aplicação da legítima defesa

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Resumo: A finalidade precípua deste trabalho foi de proceder ao exame dos aspectos práticos do instituto da legítima defesa, dada sua demasiada importância para o Direito Penal, principalmente no que diz respeito à prática penal forense. Realizou-se um estudo sobre a aplicação da descriminante antes e depois da edição da Lei nº 11.689/08, que alterou alguns dispositivos referentes ao rito do Tribunal do Júri.


Palavras-chave: legítima defesa; ilicitude; Direito Penal; prática penal forense.


Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de legítima defesa. 3. Alteração da forma de quesitação no Tribunal do Júri pelo advento da Lei nº 11.689/08 no que se refere à legítima defesa. 4. Legítima defesa e seus aspectos práticos. 5. Análise dos dados coletados nos processos que tramitaram na 2ª fase do júri. 6. Análise dos dados coletados nos processo que tramitaram na 1ª fase do júri. 7. Considerações finais.


1. Introdução


Sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade. Sendo como tal, para que as pessoas que a  constituem possam viver em harmonia, cada qual respeitando os direitos de outrem, é necessário que elas sejam regulamentadas de algum modo.


Daí a constatação de que não há sociedade sem direito, assim como não há direito sem a sociedade. O direito surge com a necessidade premente de se regulamentar as condutas sociais, exigindo-se dos homens determinadas formas de conduta, por meio de um conjunto de disciplinas ou sistemas de normas, abrangendo os mais diversos ramos da sociedade.


O direito penal, por sua vez, é o ramo do direito que define as condutas humanas que, para seu entender, são contrárias ao direito e à ordem social, prevendo sanções (penas ou medida de segurança) para quem as praticar.


No entanto, além das condutas proibitivas fixadas pelo direito penal, também há o tipo permissivo, segundo o qual define uma conduta que, se praticada pelo indivíduo diz-se que ele está agindo conforme o direito.


É o caso das excludentes de ilicitude, hipóteses de conduta tipificada pelo código penal, que dirimem a ilicitude do fato, fazendo com que aquele ato praticado pelo sujeito, não seja considerado crime, não sendo passível de punição.


Dentre as excludentes de ilicitude há a legítima defesa, a mais utilizada nas teses defensivas nos casos práticos.


É cediço que o direito é o responsável por tutelar a sociedade, razão pela qual há uma máxima de que o direito não pode ceder diante do injusto.


Decerto a defesa dos direitos dos cidadãos incumbe primeiramente ao Estado, através de seus inúmeros órgãos, que tem o poder de fazer valer o direito. Como corolário dessa incumbência, o Estado coloca à disposição da sociedade uma série de órgãos, com a finalidade precípua de proteger os bens e interesses juridicamente tutelados.


Contudo, há situações em que, devido à omissão e impotência estatais, a necessidade de se evitar a lesão de bens ou interesses jurídicos, faz surgir uma paralela autorização para a autodefesa desses bens e interesses ameaçados.


Por conseguinte, a faculdade de auto defesa não constitui, no entanto uma delegação estatal, mas sim o reconhecimento pela ordem jurídica de que a injusta agressão não pode e não deve prevalecer sobre uma situação de fato que configure atos necessários e inadiáveis de defesa dos direitos de particulares.


Portanto, há que asseverar que a legítima defesa encontra fundamento tanto no direito à tutela dos bens jurídicos como na necessidade de preservação da ordem jurídica.


É certo que a justificante apresenta um conceito, com requisitos objetivos bem delineados, fixados pelo texto legal, em que se permite fazer uma interpretação elástica sobre eles.


Isso porque, há determinadas situações em que se torna imperioso fazer uma análise da descriminante, com ampliação de seus conceitos, ao passo que também nos deparamos com casos em que é outra a postura exigida, qual seja, a de se restringir a definição da excludente.


A aplicação ou não da legítima defesa, depende imprescindivelmente da análise dos seus pressupostos fáticos em cada caso concreto.


Em razão de sua elevada importância para o direito penal, o presente trabalho tem como objetivo a discussão dessa importante causa de exclusão da ilicitude. Contudo, a contenda a respeito da dirimente que será travada doravante não será de cunho teórico, mas sim prático.


Assim sendo, o escopo deste trabalho será demonstrar com dados precisos, baseados em pesquisas nos Livros de Atas de Julgamento do Tribunal do Júri do 1º plenário e nos Livros de Registro de Sentenças da 1ª fase do Júri, ambos da comarca de Campinas, a efetiva ocorrência da tese da legítima defesa e suas conseqüências práticas.


Priorizar-se-á a pesquisa nos anos de 2007 e 2009, para comparar a incidência da justificante antes da alteração da fase de quesitação no Tribunal do Júri advinda com a Lei nº 11.689/08, e depois dessa alteração.


Também será demonstrada a comparação da quantidade de alegação da legítima defesa na 1ª fase do júri, tendo em vista que a referida Lei também introduziu algumas modificações acerca das hipóteses da absolvição sumária.


2. Conceito de legítima defesa


O conceito de legítima defesa encontra-se assim previsto no artigo 25, do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.


Assim sendo, toda vez que um indivíduo sofrer uma agressão injusta de uma pessoa, poderá praticar uma conduta que, em tese seja considerada crime, a fim de se defender desse injusto ataque, sem que receba punição por esse ato.


Nesse sentido pertinente é a lição do insigne Nelson Hungria: “A repulsa da violência pela violência é ditada pelo próprio instinto de conservação, mas não é este, no seu cru primitivismo, que fundamenta o instituto jurídico da legítima defesa. O direito, como produto da cultura, é disciplina de instintos, e sómente declara legítima a defesa privada quando, afeiçoada à vida social, representa um meio de oportuna e adequada proteção de bens ou interêsses jurídicos arbitráriamente atacados ou ameaçados”.(HUNGRIA, 1955, p. 276-277)


Depreende-se então, que o instituto da legítima defesa foi criado para evitar lesões a bens juridicamente tutelados em face de injustas e arbitrárias agressões de outrem, pela insuficiente tutela do Estado dos bens jurídicos que ele deveria proteger. Neste viés, preenchidos os requisitos objetivos previstos na lei, a defesa privada dos interesses da pessoa é permitida, substituindo-se a ação do Estado que muitas vezes é omisso.


É imperiosa a necessidade de se validar a legítima defesa, como brilhantemente elucida o distinto jurista Basileu Garcia: “O que, via de regra, o autor da agressão injusta mais teme não é a ameaça penal, sempre aleatória, e sim a reação individual do indivíduo. Esta é, pois, indispensável. Ainda que não se aceite a teoria positivista dos motivos determinantes, inquestionàvelmente a defesa legítima, constituindo uma atitude de proteção ao direito, é socialmente útil e, assim, não pode comportar punição”. (GARCIA, 1952, p. 305)


O referido instituto remete-nos aos remotos tempos, em que prevalecia a lei do Talião, onde era legítimo e necessário fazer justiça com as próprias mãos. Contudo, atualmente somente se pode utilizar desse artifício caso o Estado não consiga prevenir a injusta agressão, ocasião em que o indivíduo atacado pode e deve agir de modo a evitar o resultado, visto que não é nem um pouco razoável exigir-se do indivíduo atacado uma atitude inerte, renunciando a direitos de que é titular. Contudo, frise-se que a reação à atitude ilícita deve ser imediata, eficaz para se evitar o evento danoso, caso contrário se configurará vingança, não sendo resguardada pelo direito.


Também devem ser trazidos à baila os ensinamentos de Francisco de Assis Toledo: “O primeiro aspecto da legítima defesa é pois, o seu caráter inarredável de reação defensiva, o que exclui de seu âmbito todo e qualquer ato agressivo na sua origem. Quem não age para repelir ou impedir uma agressão atua fora dos limites de uma justa defesa, não age cum moderamine inculpatae tutelae. Como toda reação supõe uma ação oposta e contrária, a reação defensiva só existe diante da ação agressiva que lhe dá origem. É resistência contraposta à agressão. Mas não se trata de toda e qualquer agressão. Exige a lei e a doutrina que essa agressão seja atual ou iminente e, além disso, injusta ou ilícita”. (TOLEDO, 2010, p. 194)


Curial salientar que não impera na legítima defesa somente a necessidade da presença de seus pressupostos objetivos. Devemos analisar a justificante também quanto aos seus elementos subjetivos.


É primordial que, para que a reação defensiva perpetrada pelo agredido seja válida, sendo portanto, reconhecida como legítima defesa, ele aja com o “animus defendendi”, ou seja, com a vontade de se defender e não agredir deliberadamente o outro.


Segundo Damásio: “A par dos requisitos de ordem objetiva, previstos no art. 25 do CP, a legítima defesa exige requisitos de ordem subjetiva: é preciso que o sujeito tenha conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade da repulsa. Assim, a repulsa legítima deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de se defender”. (JESUS, 2005, p. 392)


Desconfigura-se a justificante, o fato de um indivíduo esperar uma injusta agressão, só para poder lesionar seu agressor. A vontade do agente era deliberadamente agredir o sujeito, então esperou estar em uma situação de legítima defesa para legitimar sua atitude. A descriminante não se presta para isso. Deve-se ter somente o cunho de defesa utilizada em face de uma agressão injusta, ante a impossibilidade do Estado em regular todas as situações do cotidiano. Preceitua José Frederico Marques: “é ela uma das formas de permanência da autodefesa na composição de conflitos. A pessoa agredida faz prevalecer o seu interesse jurídico sobre o agressor”. (MARQUES, 1997, p. 148)


Também nessa ótica, a assertiva de Damásio: “Só o Estado tem o direito de castigar o autor de um delito. Nem sempre, porém, o Estado se encontra em condições de intervir direta ou indiretamente para resolver problemas que se apresentam na vida cotidiana. Se não permitisse a quem se vê injustamente agredido em determinado bem reagir contra perigo de lesão, em vez de aguardar a providência da autoridade pública, estaria sancionando a obrigação de o sujeito sofrer passivamente a agressão e legitimando a injustiça”. (JESUS, 2005, p. 384)


Existem algumas teorias que buscam explicar o fundamento da descriminante, o motivo pelo qual o direito a legitima, autorizando uma conduta que na verdade seria típica e ilícita. Podemos encontrar na doutrina, diversas explicações distintas relacionadas ao fundamento da legítima defesa. Curial destacar as mais importantes. Primeiramente, cumpre trazer a baila o entendimento de Nucci, que citando a teoria de Hans-Heinrich Jescheck, produz a seguinte fórmula: Como leciona Jeschek, a legítima defesa tem dois ângulos distintos, mas que trabalham conjuntamente: a) no prisma jurídico-individual, é o direito que todo homem possui de defender seus bens juridicamente tutelados. Deve ser exercida no contexto individual, não sendo cabível invocá-la para a defesa de interesses coletivos, como a ordem pública ou o ordenamento jurídico; b) no prisma jurídico-social, é justamente o preceito de que o ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto, daí porquê a legítima defesa manifesta-se somente quando for essencialmente necessária, devendo cessar no momento em que desaparecer o interesse de afirmação do direito ou, ainda, em caso de manifesta desproporção entre os bens em conflito. É desse contexto que se extrai o princípio de que a legítima defesa merece ser exercida da forma menos lesiva possível. (JESCHECK. Apud. NUCCI. Op. cit. p. 256)


Por sua vez, Ney Moura Teles cita outras teorias que tentam explicar a origem da justificante. Segundo o eminente jurista, uma das teorias alude para o fato de que a legítima defesa teria como base, o “instinto de conservação inerente ao ser humano, que, diante de uma agressão, teria o direito de proteger-se do ataque porque negá-lo seria negar a própria necessidade de conservação da espécie”. Estaria o legislador, apenas ratificando o direito natural. Porém, para o autor, essa teoria é ineficaz para abalizar a excludente, uma vez que, se assim fosse, autorizaria a todos que tivessem uma reação a qualquer e todo tipo de agressão, mesmo lícita. Ao final, o autor faz alusão a um outro fundamento. Neste, o Estado devolveria à vítima o direito, para que ele mesmo, através de seus próprios recursos, possa conservar seu bem jurídico. E continua, dizendo: “ao praticá-la contra um bem jurídico, o agressor perde a proteção do direito, daí por que a repulsa legítima, ainda que provoque um resultado, não constitui nenhuma lesão ao bem jurídico do agressor. (TELES, 2001, p. 236-237)


Urge mais uma vez destacar a lição de Nelson Hungria sobre a origem da excludente: ela nasceu quando o Estado deixou de se conformar com a instintiva e ilimitada oposição da fôrça contra a fôrça. Chamando a si o poder de proteção aos direitos individuais, o Estado teve de abrir uma exceção, permitindo que o indivíduo o substituísse quando a debelação de injusto ataque aos direitos assegurados exigisse reação in continenti. (HUNGRIA, 1955, p. 277)


Nelson Hungria traz a baila algumas teorias de cunho não jurídico, as quais reputa infundadas no que se refere à explicação da impunidade oferecida pela excludente. Destarte, o conspícuo doutrinador rechaça a teoria do instinto da conservação, segundo a qual o agente reage possuído pelo medo, no momento em que sofre uma agressão (HUNGRIA, 1955, 279). Outra teoria rejeitada pelo jurista é a da retribuição do mal pelo mal, cunhada por Geyer (HUNGRIA, 1955, p. 279). Por esta, entende-se que a defesa privada é, em si mesma, um mal, contudo é a resposta a um outro mal, e assim sendo, caso o Estado punisse essa reação causaria ainda um outro mal, que, por sua vez, não teria utilidade alguma.


Outras teorias afastadas pelo autor são: teoria da negação da negação do direito, de Hegel; teoria da colisão de direitos, de Von Buri; teoria da cessação do direito de punir, de Carrara; teoria da moralidade do motivo determinante, de Ferri; teoria da ausência de periculosidade do defensor, de Fioretti e a teoria da delegação do poder de polícia de Manzini (HUNGRIA, 1955, p. 280-281).


Frise-se novamente que estas teorias acima citadas, são todas de cunho psicológico, filosófico ou moral, sem nenhum lastro jurídico.


No ponto de vista jurídico, Nelson Hungria destaca três teorias a saber, teoria da legitimidade absoluta, de Jhering, a teoria do direito público subjetivo, de Binding e a teoria da ausência de injuricidade da ação defensiva, dominante entre os autores alemães em geral.


A primeira teoria sustenta que a descriminante concebe tanto um direito quanto um dever, visto que o homem existe para si mesmo e para o mundo. Para essa teoria, formula Nelson Hungria a seguinte objeção: “é de objetar-se que não se pode reconhecer, na espécie, própriamente um direito, e muito menos um dever. Não há direito a que não corresponda uma obrigação, e seria absurdo dizer-se que o agressor tenha a obrigação de se deixar matar ou espancar[1]” (HUNGRIA, 1955, p. 281). Continua sua objeção, aduzindo que a defesa privada é uma faculdade dada pela lei e não um dever ou imposição (HUNGRIA, 1955, p. 282).


A segunda teoria, por sua vez, escora ser a legítima defesa um “direito subjetivo de caráter público, outorgado a todo o indivíduo e que se harmoniza com a função de polícia do Estado” (HUNGRIA, 1955, p. 282). A esta, o autor formula a mesma oposição utilizada para a primeira teoria.


Por fim, a terceira teoria, da qual o doutrinador é adepto e segundo ele, é a teoria consagrada pelo Código Penal, possui o seguinte embasamento: “a defesa privada não é contrária ao direito, pois coincide com o próprio fim do direito, que é a incolumidade dos bens ou interêsses que coloca sob sua tutela. Realiza a vontade primária da lei, colabora na manutenção da ordem jurídica. E assim não pode deixar de ser autorizada ou facultada, ou declarada, pela própria lei, objetivamente lícita. A defesa privada (nos limites traçados pela lei) falta, pois, uma qualidade essencial à existência de um crime: a injuricidade a parte objecti”. (HUNGRIA, 1955, p. 282)


De fato, a teoria acima aludida é a mais adequada para explicar o fundamento da justificante, visto que esta é nada mais que a vontade da lei, exteriorizada pelo particular quando se vê diante de uma ameaça a um bem jurídico seu, ante a ausência do Estado, original detentor da obrigação de protegê-los imposta pelo direito. Assim o é, porquanto o direito não pode ceder diante do injusto.


3. Alteração da forma de quesitação no Tribunal do Júri pelo advento da Lei nº 11.689/08 no que se refere à legítima defesa.


Inicialmente, curial ressaltar que o processo que tramita pelo Tribunal do Júri é composto por duas fases. A primeira, denominada de “judicium accusationes” é a fase do sumário de culpa, na qual o juiz togado, o juiz da Vara do Júri, faz o juízo de admissibilidade da acusação imputada ao réu.


Esta fase inicia-se com o recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz e perdura até a sentença proferida. Nessa fase, há quatro espécies de sentenças possíveis:


a) Pronúncia: quando o juiz entende estarem presentes indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do fato. O réu, se pronunciado, será submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri propriamente dito, sob o crivo dos jurados, já na 2ª fase.


b) Impronúncia: o juiz impronunciará o acusado quando verificar que não restou comprovada a materialidade do fato, nem tampouco há indícios suficientes de autoria. É uma espécie de absolvição, segundo a qual o réu será definitivamente absolvido quando for declarada extinta sua punibilidade por outro motivo, sem que tenha havido contra si, nova denúncia ou queixa. Portanto, quando impronunciado o réu não se submete ao julgamento pelo Tribunal do Júri.


c) Absolvição sumária: nesta o juiz absolve de plano o acusado, sem que ele precise enfrentar o crivo do júri. Contudo, é fato que o juiz deve ter certeza de que o fato não existiu; ou de que o réu não foi o autor nem o partícipe do fato; ou de que o fato imputado ao acusado não constitui infração penal; ou ainda, de que restou demonstrada uma causa de isenção de pena (exclusão da culpabilidade) ou exclusão da ilicitude.


d) Desclassificação: o magistrado deverá desclassificar o crime imputado ao réu quando entender que ele cometeu um outro crime, não doloso contra a vida. Desse modo, o processo será encaminhado para o juízo comum e julgado pelo juiz singular.


É fato que, por ser um juízo de admissibilidade, o juiz deve se limitar nos fundamentos de sua decisão, sob pena de violar a soberania do veredicto do júri, consagrado na Constituição Federal. O magistrado deve verificar apenas se estão presentes indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, que ensejam a pronúncia do réu.


Quando houver dúvidas, o juiz deverá pronunciar o acusado para que os jurados exarem o veredicto final, seja absolutório, seja condenatório. Portanto, a 2ª fase, denominada “judicium causae” é o julgamento pelo Tribunal do Júri, ocasião em que os jurados irão analisar a respeito de todas as circunstâncias fáticas, decidindo se o réu é culpado ou inocente. Nesta fase que se profere a decisão definitiva acerca do processo.


A Lei nº 11.689/08 alterou alguns dispositivos relativos ao Tribunal do Júri, dentre eles os procedimentos acerca da forma de quesitação realizada no julgamento popular. Antes da reforma resultante da referida lei, caso a defesa suscitasse a tese da legítima defesa, o juiz deveria formular um quesito para cada requisito objetivo da excludente.


Desse modo, o magistrado inquiria os jurados a respeito de cada pressuposto objetivo da dirimente a saber: se a agressão da qual resultou a reação do réu foi injusta; sendo injusta, perquiria-se acerca de sua atualidade ou iminência; em seguida deveria se aferir a respeito da proporcionalidade dos meios utilizados para a defesa, bem como se os meios foram utilizados de um modo moderado.


Após essas indagações, caso os jurados reconhecessem a ocorrência da legítima defesa, nos termos do artigo 484, III, do CPP, antes do advento da novel lei, o juiz formulava ao quesito acerca da configuração ou não do excesso da excludente, doloso ou culposo, in verbis: “se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes, imediatamente depois dos relativos ao fato principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude”.


Contudo, com a edição da Lei retrorreferida, o juiz togado deve apenas formular o seguinte quesito: o júri absolve o réu? Destarte, por meio deste está se abarcando toda e qualquer tese defensiva aventada pelo advogado, ou que não foi aventada, mas o jurado entendeu pela sua configuração. De igual modo, encontra-se ínsita a questão referente a um eventual excesso doloso.


Já no que diz respeito ao excesso culposo, se for reconhecido, será causa de desclassificação do delito, devendo o processo ser remetido para o juízo comum, tendo em vista que compete ao Tribunal do Júri somente o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.


Por essa razão, em virtude de ser uma hipótese de desclassificação, o quesito pertinente à aferição do excesso culposo encontra-se disciplinado no artigo 483, § 4º, do Código de Processo Penal: “sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º (segundo) ou 3º (terceiro) quesito, conforme o caso”.


O segundo quesito, o qual o artigo supra citado faz menção é o referente à autoria ou participação do acusado no crime. O terceiro quesito já foi explicado anteriormente e indaga se os jurados absolvem o réu.O juiz então, irá questionar aos jurados se o crime ocorreu na forma culposa, já abordando nesta questão o excesso culposo.


Ademais, também enquadra-se como uma hipótese de crime culposo, ensejando, de igual modo, a desclassificação do delito, é a hipótese da legítima defesa putativa.


Esta descriminante putativa configura-se quando, por uma falsa leitura da realidade, o agnete acreditar que sua conduta estará legitimada, visto que acobertada pela excludente de ilicitude, quando na verdade não está. O indivíduo incorre em erro sobre a situação de fato.


Preceitua o artigo 20, §1º, do Código Penal: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.


Desse modo, se restar devidamente comprovado que o sujeito incorreu na legítima defesa putativa, por erro inescusável (evitável), ele vai responder pelo crime na forma culposa, sendo portanto uma causa de desclassificação do delito.


Por conseguinte, denota-se que, pela legislação atual vigente, não mais se elabora quesitos específicos acerca do excesso doloso ou culposo da legítima defesa, sendo estes englobados em outros quesitos.


Mister salientar ainda, que a mencionada alteração legislativa também influiu na 1ª fase do júri, no que diz respeito às hipóteses em que o juiz pode absolver sumariamente o réu.


Antes da alteração, a absolvição sumária era disciplinada pelo artigo 411, do CPP, e estava assim disposta: “O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu (arts. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1o, do Código Penal), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação”.


Depois do advento da novel lei, a absolvição sumária passou a ser contemplada pelo artigo 415, do Código de Processo Penal com a seguinte redação:


O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:


I – provada a inexistência do fato;


II – provado não ser ele o autor ou partícipe do fato;


III – o fato não constituir infração penal;


IV – demonstrada causa de isenção de pena ou exclusão do crime”.


Nota-se que anteriormente, as hipóteses de absolvição sumária eram muito restritas, haja vista que só poderia ser decretada quando estivesse comprovado uma causa de exclusão do crime ou uma causa que isentasse o réu de pena, hipóteses previstas somente no inciso IV, do atual artigo 415, do Código de Processo Penal.


Neste viés, sob a égide da nova lei, foram incluídas mais três hipóteses de absolvição sumária, representadas pelos incisos I, II e III do artigo 415, do Código de Processo Penal.


Importante ressaltar, contudo, que a legítima defesa está contemplada em duas situações, ambas previstas no inciso IV do artigo supra citado, que seja como uma causa de exclusão do crime, quer seja como uma causa de isenção de pena.


Será uma causa de isenção de pena quando o agente praticar um ato de legítima defesa putativa.


Pois, ao contrário do que acima exposto, se o agente incorrer nessa descriminante putativa por erro escusável (inevitável), estará isento de pena.


Ainda, no que se refere à legítima defesa putativa, imperioso anotar que foi incluído, com a alteração legislativa em questão, o artigo 419, do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no §1º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja”.


Trata-se aqui de uma hipótese de desclassificação do crime. Nesse caso, também avoca-se uma situação de legítima defesa putativa, quando o erro, que ensejou tal conduta, é inescusável (evitável), de modo que o agente irá responder pelo crime na forma culposa.


Destarte, crime culposo é incompatível com os crimes de competência do Tribunal do Júri, devendo os autos serem remetidos ao juízo competente.


Entretanto, deve-se ressalvar que nessa fase do rito júri, o juiz só deve adotar tal conduta, optando pela desclassificação do delito ou mesmo pela absolvição sumária, quando estiver plenamente convicto, pelas provas acostadas aos autos, sob pena de incorrer em violação dos princípios da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, bem como a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida.


4. Legítima defesa e seus aspectos práticos


Como cediço, a legítima defesa já é bastante teorizada pelos estudiosos na área do direito. Todos os manuais e cursos de Direito Penal abordam a referida tese. Por essa razão, seria interessante estudarmos mais amiúde os aspectos práticos dessa excludente, verificando em diversos julgados, os diferentes julgamentos que podem ocorrer envolvendo situações semelhantes, os mais variados casos que se afiguram, entre outras coisas.


Ocorre que, para se obter esse tipo de informação, basta procurar nos livros de jurisprudências ou até mesmo pesquisá-las na internet, sendo possível ter acesso a todo o tipo de julgamento e análise sobre o tema em comento.


Portanto, de nada acrescentaria à comunidade jurídica se eu tivesse apenas colacionado algumas decisões, discorrendo em seguida, a respeito delas.


Desse modo, com o fim precípuo de tentar inovar no estudo do tema, projetando e buscando dados inéditos para que houvesse a possibilidade de se analisar a tese da legítima defesa sob novo enfoque, realizei uma pesquisa de campo, na qual foram utilizados os Livros de Atas de Julgamento do Tribunal do Júri do 1º plenário da comarca de Campinas nos anos de 2007 e 2009, além dos Livros de Registro de Sentenças da 1ª fase do Júri da comarca de Campinas no primeiro semestre dos anos de 2007 e 2009.


Com relação à primeira pesquisa, analisei todos os julgamentos realizados pela 2ª fase do júri, portanto pelo Tribunal do Júri, registrando-se a quantidade de processos da 2ª fase do júri em que houve a alegação de legítima defesa, isolada ou cumulativamente à tese do homicídio privilegiado (cometido por violenta emoção), bem como os processos em que se alegou a tese do homicídio privilegiado sem a tese da legítima defesa.


O enfoque foi dirigido às teses de legítima defesa e do homicídio privilegiado, sem embargo de que nos casos em que se alegou somente a justificante, sem a tese do privilégio ou a tese do privilégio sem a da justificante, ter havido outras teses, tanto principais como subsidiárias.


Já, com relação a segunda pesquisa, objetivou-se igualmente aferir a ocorrência da descriminante na 1ª fase do júri, bem como a quantidade de impronúncia ou absolvição sumária com base nela no ano de 2007 e no ano de 2009.


Foram escolhidos os anos de 2007 e 2009, exatamente pelo fato de ter a novel lei, que introduziu algumas modificações no rito do júri, entrado em vigor no ano de 2008.


5. Análise dos dados coletados nos processos que tramitaram na 2ª fase do júri.


Inicialmente, iremos analisar as estatísticas dos processos da 2ª fase do júri, quando os réus já foram pronunciados e submetidos ao julgamento no plenário do júri.


Foram registrados, no ano de 2007, 89 processos com julgamentos realizados e 43 processos cujos julgamentos foram adiados. Dos 89 processos realizados, 18 apresentaram a tese da legítima defesa. Já, no ano de 2009, foram registrados 95 processos com julgamentos realizados e 45 processos cujos julgamentos foram adiados. Dos 95 processos realizados, 26 apresentaram a tese da legítima defesa.


Podemos constatar primeiramente, que após a alteração da forma de quesitação do Tribunal do Júri, advinda pela Lei de 2008, aumentou o número de alegação de legítima defesa. No ano de 2007, a porcentagem de alegação da tese de legítima defesa perfaz a quantia de 20,22%, ao passo que no ano de 2009 a porcentagem segue na monta de 27,36%.


Não bastasse, verificou-se que além do aumento da incidência de alegação de legítima defesa, houve um aumento no número de teses arguidas por processo, principalmente no que tange às excludentes de ilicitude. No ano de 2007, não houve alegação da tese da legítima defesa combinada com uma outra excludente de ilicitude,  enquanto que no ano de 2009, verificou-se 04 processos em que se suscitou a legítima defesa cumulada com outra dirimente, mais precisamente inexigibilidade de conduta diversa.


Desses 04 processos, em 02 se alegou na mesma tese defensiva, legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa e homicídio privilegiado, enquanto que nos outros 02 apresentou-se a alegação de legítima defesa com a inexigibilidade de conduta diversa. Cumpre ressaltar que no ano de 2007 não se verificou esse tipo de ocorrência.


Isso deve ao fato de que, como o quesito referente à absolvição, depois da Lei 11.689/08, é genérico, abarcando qualquer fundamento de defesa, os advogados aproveitam a oportunidade para alegar o maior número possível de teses, favorecendo à absolvição do réu.


Por exemplo: se o advogado alegar apenas a tese de legítima defesa que enseje a absolvição do réu, sem prejuízo das subsidiárias que visem à diminuição de pena, se quatro jurados não entenderem caracterizada a justificante suscitada, o réu será condenado.


Em contrapartida, se o advogado aventar pelo menos duas teses que podem ensejar a absolvição do acusado, como por exemplo legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa, se pelo menos dois jurados opinarem pela ocorrência da legítima defesa e dois concluírem que restou configurada a inexigibilidade de conduta diversa, o acusado será absolvido.


Assim sendo, pelas mesmas razões acima expostas constatou-se um aumento na incidência de alegação de legítima defesa, sem a tese subsidiária do homicídio privilegiado, de 55,55% no ano de 2007 para 57,69% no ano de 2009.


Isso porque, o defensor já tem a possibilidade de argüir diversas teses que podem levar à absolvição do incriminado, não tendo a necessidade de levantar uma outra que se preste apenas para reduzir a pena.


Consequentemente, houve uma redução na quantidade de vezes em que se alegou a tese do homicídio privilegiado como tese subsidiária da legítima defesa, de 44,44% em 2007 para 42,30% em 2009.


O fato curioso é que a contagem de processo em que se suscitou somente a tese do privilégio, sem a legítima defesa foi a mesma nos dois anos, perfazendo a quantia de 06.


Destarte, em virtude da alteração do quesito, também se verificou um acréscimo no número de absolvição ocorrida do ano de 2007 para o ano de 2009. No ano de 2007, 04 réus foram absolvidos pelo reconhecimento da legítima defesa, significando a quantia de 22,22%.


Por sua vez, em 2009, 03 réus foram absolvidos pela tese da legítima defesa, enquanto que 05 foram absolvidos por motivo desconhecido, tendo em vista que foram aventadas mais de 01 tese referente à absolvição. Atingiu o montante de 30,76%.


Em razão disso, houve uma queda no número de réus condenados, sendo 13 no ano de 2007 contra 18 no ano de 2009, o que equivale a 72,22% contra 69,23%, respectivamente.


Como já foi anotado, houve 08 (44,44%) alegações de homicídio privilegiado como tese subsidiária da legítima defesa no ano de 2007, sendo apenas 01 reconhecido (12,12%). Em contrapartida, no ano de 2009 houve 11 (42,30%) arguições de homicídio privilegiado como tese subsidiária da legítima defesa, sendo 03 reconhecidos (27,27%).


Curial também destacar que, em 2007, nos 06 processos em que se alegou o homicídio privilegiado sem a tese da legítima defesa, nenhum foi reconhecido, ao passo que no ano de 2009, dos 06 alegados, 02 foram reconhecidos (33,33%).


Portanto, ao todo, no ano de 2009, dos 17 processos em que se argumentou o homicídio privilegiado, em 05 deles a tese foi acolhida, dando um montante de 29,41%, enquanto que, no ano de 2007, das 14 vezes em que houve a alegação de privilégio, apenas 01 vez ela foi aceita (7,14%).


Em suma, verifica-se que, após a alteração legislativa de 2008, que modificou a forma de quesitação nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, os defensores começaram a se valer do artifício de se aventar o maior número de teses possíveis, que ensejam a absolvição do réu. Os advogados alegam o mais para conseguir o menos.


Segundo restou constatado, os advogados estão obtendo mais êxito na defesa de seus clientes, visto que eles podem ser absolvidos por teses defensivas distintas. De igual modo, a maior quantidade de teses defensivas favorece ao acolhimento das hipóteses em que há a redução da pena, como é o caso do homicídio privilegiado.


Dificilmente, no ano de 2009, houve processos em que o defensor alegou apenas 01 tese defensiva, ao contrário do ano de 2007. No que tange à legítima defesa, ela foi alegada isoladamente, no ano de 2007, por 04 vezes (22,22%), ao passo que no ano de 2009, ela apareceu como tese única somente por 03 vezes (11,5%).


Pode-se aferir, pela pesquisa realizada que a legítima defesa é a excludente de ilicitude mais utilizada como tese defensiva nos processos criminais, ficando entre as primeiras também em um modo geral. 


Decerto, os defensores vão se aproveitar e já estão se aproveitando da modificação dos quesitos para poder se alegar, com uma maior incidência, a dirimente em questão. A pesquisa também nos mostrou ser mais favorável ao réu, alegar-se a tese do homicídio privilegiado como subsidiária à legítima defesa, visto que se não for aceito o primeiro argumento, provavelmente poderá se aceitar o segundo.


Está correta a assertiva de que a forma de quesitação, nos moldes atuais, trouxe uma evidente insegurança jurídica, vez que o acusado pode ser absolvido por motivos diversos, sem ter havido uma maioria de votos sobre aquele fundamento. Isso também incentiva os advogados a se utilizarem de um modo mais indiscriminado a alegação de legítima defesa, conjugada com outras excludentes.


Em contrapartida, não se pode olvidar que está se prestigiando ainda mais os princípios basilares da instituição do júri consagrados pela Constituição Federal, em seu artigo 5, XXXVIII, tais como soberania dos veredictos e plenitude da defesa. Destarte, engrandece o intuito democrático da referida instituição, pois privilegia-se a convicção pessoal de cada jurado.


Como cediço, há uma possibilidade de ampla interpretação dos conceitos da legítima defesa, incentivado principalmente pelo advogado, que procura demonstrar aos jurados que aquela situação fática está compreendida nos parâmetros da justificante.


E essa amplitude de interpretação, com a extensão dos requisitos objetivos da descriminante é bastante cultivada e fomentada com a alteração da elaboração dos quesitos.


6. Análise dos dados coletados nos processo que tramitaram na 1ª fase do júri.


A pesquisa foi realizada nos Livros de Registro de Sentenças da 1ª fase do Júri da cidade de Campinas, referentes ao período de janeiro à julho dos anos de 2007 e 2009.


Mais uma vez, foi dado enfoque aos processos em que se averiguou a alegação de legítima defesa. 


No ano de 2007, consta que 93 processos tramitaram pela 1ª fase do júri. Dos 93 processos realizados, 07 foram extintos pela prescrição. Então, dos 86 processos, 27 apresentaram a tese da legítima defesa.


Já no ano de 2009, consta que 70 processos tramitaram pela 1ª fase do júri. Dos 70 processos realizados, 07 foram extintos pela prescrição. Então, dos 63 processos, 24 apresentaram a tese da legítima defesa.


Destarte, a exemplo do que ocorreu na 2ª fase do júri, houve um aumento da incidência de argüição da legítima defesa do ano de 2007 (31,39%) para o ano de 2009 (38,09%).


Ademais, também se constatou um acréscimo das vezes em que o réu foi absolvido sumariamente, 03 vezes em 2007 (11,11%) contra 05 vezes em 2009 (20,83%).


Por outro lado, no ano de 2007 houve 02 processos em que o acusado foi impronunciado (7,4%), enquanto que não houve o registro de impronúncia no ano de 2009.


Mesmo assim, constatou-se uma queda no número de pronúncias do ano de 2007 para o de 2009, sendo 18 vezes (66,66%) contra 15 (62,5%).


Por sua vez, verificou-se um ínfimo aumento na incidência de desclassificação, sendo 04 vezes em 2007 (14,81%) contra 04 vezes em 2009 (16,66%).


Dentre os processos em que o juiz absolveu o réu sumariamente, tanto no ano de 2007 como no ano de 2009, verificou-se que o promotor de justiça, em duas oportunidades também pediu a absolvição sumária pelo reconhecimento da legítima defesa. Dessa maneira, em 2007, dos 03 processos em que houve a absolvição sumária, 02 deles o promotor também havia pedido a absolvição, enquanto que no ano de 2009, dos 05 processos em que houve a absolvição sumária, apenas 02 o promotor concordou com o defensor.


Desse modo, afigura-se evidente que a já dita alteração legislativa também influenciou para o aumento de argumentações defensivas em uma mesma defesa, inclusive no que tange à legítima defesa.


Em conseqüência disso, se tornou maior a possibilidade de absolvição sumária e impronúncia nos processos que tramitam pela 1ª fase do júri, havendo, portanto, uma queda na quantidade de pronúncias proferidas.


Contudo, apesar da maior amplitude de defesa, dificilmente encontram-se processos em que há mais de duas teses aventadas que ensejem a absolvição sumária. Normalmente, uma tese absolutória é suscitada em conjunto com um pedido de desclassificação ou de afastamento de qualificadora.


Isso decorre da limitação cognoscitiva com que o juiz se depara na 1ª fase do júri. É defeso ao magistrado realizar um exame mais profundo das teses defensivas, uma vez que somente lhe é permitido fazer um juízo de admissibilidade da acusação imputada ao réu, analisando a necessidade de submetê-lo ao julgamento pelo Tribunal do Júri.


Portanto, ao invés de os defensores alegarem uma maior quantidade de teses absolutórias, eles procuram aventar uma tese para cada inciso do artigo 415, do CPP.


Nas vezes em que o juiz concedeu a absolvição sumária do acusado pela legítima defesa, ou as provas testemunhais corroboravam as alegações do réu ou não havia outra prova que contrariasse suas alegações, que por sua vez deveriam ser verossímeis.


Isso posto, verifica-se que as alterações trazidas pela Lei nº 11.689/08 prestigiaram os princípios do contraditório e da ampla defesa, gerando uma maior possibilidade de absolvição do réu, seja na 1ª fase, seja na 2ª fase do júri.


Interessante destacar um processo em que a mulher foi denunciada por homicídio praticado contra um homem, processo nº 302/07. Ela arguiu legítima defesa, alegando que momentos antes, tinha desferido um tapa no ofendido e em seguida tentou sufocá-lo, sendo contida por terceiros.


Então, se dirigiu até a cozinha, oportunidade em que o ofendido foi ao seu encontro e começou a agredi-la. Diante disso, ela reagiu em legítima defesa, esfaqueando o ofendido.


O magistrado a absolveu sumariamente, tendo em vista que as provas testemunhais corroboraram sua versão dos fatos.


Nota-se que se trata de um caso complexo, segundo o qual seria necessário uma valoração mais profunda dos fatos e da atitude da ré, haja vista apresentar vários requisitos controvertidos, que imprescindem de uma análise mais pormenorizada.


Isso porque deve-se ponderar que quem iniciou uma injusta agressão, momentos antes, foi a ré. Logicamente, ela cessou sua injusta agressão e se dirigiu para a cozinha. Foi então que o ofendido se aproximou e iniciou uma outra agressão, também injusta, a qual foi repelida pela acusada.


Dessa maneira, há vários pontos sujeitos às mais diversas interpretações, que deveria ficar a cargo dos jurados proferir uma decisão a respeito.


No entanto, não obstante isso, o magistrado entendeu devidamente comprovado que a ré agiu em legítima defesa, proferindo a decisão de absolvição sumária.


7. Considerações finais


Após a exposição do presente trabalho, é possível esclarecer alguns pontos controvertidos e chegar a determinadas conclusões a respeito dos aspectos práticos da legítima defesa.


Foi realizada uma pesquisa nos processos que tramitaram pelo Tribunal do Júri na comarca de Campinas, nos anos de 2007 e 2009, para se realizar uma comparação da quantidade de alegações de legítima defesa e seus julgamentos, em virtude da alteração advinda pela Lei nº 11.689/08, que alterou a forma de quesitação no julgamento do Tribunal do Júri, bem como as hipóteses em que o réu pode ser absolvido na 1ª fase do júri.


Na análise dos julgamentos realizados na 2ª fase do júri, verificou-se um grande aumento na utilização da tese da legítima no ano de 2009. Além disso, também houve um acréscimo de alegações de duas ou mais teses absolutórias no mesmo parecer defensivo.


Depois da edição da Lei de 2008, tornou-se mais benéfico e favorável aos advogados, alegarem o maior número de teses defensivas possível, principalmente teses absolutórias, tendo em vista que não é mais necessário a maioria de votos para que o réu seja absolvido.


Explico, se o advogado suscitar a ocorrência da legítima defesa, da inexigibilidade de conduta diversa e de estado de necessidade, por exemplo, apenas um jurado pode entender que houve a legítima defesa; apenas dois jurados podem opinar favoráveis à inexigibilidade de conduta de diversa e um jurado pode entender configurado o estado de necessidade.


Desse modo, como o quesito formulado agora é se os jurados absolvem o réu, 04 jurados irão absolvê-lo, contudo cada um por um motivo.


A pesquisa comprovou que o resultado tem sido satisfatório aos advogados, haja vista ter aumentado o número de absolvições por legítima defesa.


Podemos aferir, desse modo, que a legítima defesa é a excludente de ilicitude mais utilizada como tese defensiva nos processos criminais, ficando entre as primeiras também em um modo geral. 


A pesquisa também nos mostrou ser mais favorável ao réu, se alegar a tese do homicídio privilegiado como subsidiária à legítima defesa, visto que se não for aceito o primeiro argumento, provavelmente poderá ser aceito o segundo.


Está correta a assertiva de que a forma de quesitação, nos moldes atuais, trouxe uma insegurança jurídica, vez que o acusado pode ser absolvido por motivos diversos, sem ter havido uma maioria de votos sobre aquele fundamento. Isso também incentiva os advogados a se utilizarem mais indiscriminadamente da alegação de legítima defesa, conjugada com outras excludentes.


Por outro lado, não se pode olvidar que está se prestigiando ainda mais os princípios basilares da instituição do júri consagrados pela Constituição Federal, em seu artigo 5, XXXVIII, tais como soberania dos veredictos e plenitude da defesa. Destarte, engrandece o intuito democrático da referida instituição, privilegiando a convicção pessoal de cada jurado.


Verifica-se que há uma possibilidade de ampla interpretação dos conceitos da legítima defesa, incentivado principalmente pelo advogado, que procura demonstrar aos jurados que aquela situação fática está compreendida nos parâmetros da justificante.


E essa amplitude de interpretação, com a extensão dos requisitos objetivos da descriminante é bastante cultivada e fomentada com a alteração da quesitação.


O benefício à defesa, com a edição da Lei de 2008, também restou devidamente configurado na 1ª fase do júri.


Em conseqüência da alteração legislativa, segundo a qual ampliou-se o rol de hipóteses em que o acusado pode ser absolvido sumariamente, se tornou maior a possibilidade de absolvição sumária e impronúncia nos processos que tramitam pela 1ª fase do júri, havendo, portanto, uma queda na quantidade de pronúncias proferidas.


Contudo, apesar da maior amplitude de defesa, dificilmente encontra-se processos em que há mais de duas teses aventadas que ensejem a absolvição sumária. Normalmente, uma tese absolutória é suscitada em conjunto com um pedido de desclassificação ou de afastamento de qualificadoras.


Isso decorre da limitação cognoscitiva com que o juiz se depara na 1ª fase do júri. É defeso ao magistrado realizar um exame mais profundo das teses defensivas, uma vez que somente lhe é permitido fazer um juízo de admissibilidade da acusação imputada ao réu, analisando a necessidade ou não de submetê-lo ao julgamento pelo Tribunal do Júri.


Portanto, ao invés de os defensores alegarem uma maior quantidade de teses absolutórias, eles procuram aventar uma tese para cada inciso do artigo 415, do CPP.


Nas vezes em que o juiz concedeu a absolvição sumária do acusado pela legítima defesa, ou as provas testemunhais corroboravam as alegações do réu ou não havia outra prova que contrariasse suas alegações, que por sua vez deveriam ser verossímeis.


Isso posto, verifica-se que as alterações trazidas pela Lei nº 11.689/08 prestigiaram os princípios do contraditório e da ampla defesa, gerando uma maior possibilidade de absolvição do réu, seja na 1ª fase, seja na 2ª fase do júri.


 


Referências Bibliográficas

BRASIL. Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais com a colaboração de Carlos Henrique de Carvalho Filho. 05ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. 1. Tomo 1. São Paulo: Max Limonad, 1952. 2ª ed. 305p.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. 1. Tomo 2º. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955. 3ª ed. rev. 522p .

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005. 28ª ed. rev. 750p.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Vol. 2. São Paulo: Bookseller, 1997. 1ª ed. 490p.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 1999. 15ª ed. rev. 453p.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 6ª ed. 1120p.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2010. 5ª ed. 362p.

Livros nº 16, 17, 18, 19 e 20 de Atas de Julgamento do Tribunal do Júri do 1º plenário da comarca de Campinas.

Livros nº 117, 118, 119, 120, 133, 134, 135, 136 e 137 de Registro de Sentenças da 1ª fase do Júri da comarca de Campinas.

 

Nota:

[1] HUNGRIA. Op. cit. p. 281.


Informações Sobre o Autor

Alexandre Riginik

Mestrando em Direito Urbanístico pela PUC-SP. Advogado e sócio do escritório Curzio & Riginik Advogados. Presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP subseção Campinas. Conselheiro do CMDU de Campinas.


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