O diretor não associado nas cooperativas – um passo para profissionalização

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Resumo: Trata-se de um breve estudo relativo à possibilidade de não associado compor a diretoria de Sociedade Cooperativa o que pode iniciar um processo de profissionalização da Sociedade Cooperativa gerando ganhos de competitividade e valor ao negócios.

Abstract: It's a brief work related to the possibility to Cooperatives to have between their managers non associates what shall be a first step in its professionalization providing more competitiveness and value to it.

Dentre os diversos tipos societários, certamente um dos menos comentados é certamente o das Sociedades Cooperativas. Pese sua natureza pessoal e enquadrar-se, por definição legal, como Sociedade Simples, nada de simples costuma ser o relacionamento entre os associados da Cooperativa e o associados que exercem cargos dos órgãos de administração, cuja administração pauta-se, em geral, numa conduta amadorista.

As cooperativas abarcam hoje diversas atividades, algumas com intuito altamente empresarial, tais como cooperativas de assistência médica, cooperativas de taxistas, cooperativas de transportadores, sendo que muitas dessas estão bastante próximas, na complexidade de suas relações, a sociedades anônimas, seja pelo número de associados e existência de diferenças de interesses.

Ainda, é impossível negar que muitas das Sociedades Cooperativas são verdadeiras empresas, com receitas elevadas e atuando em mercados competitivos de agentes privados altamente eficientes e qualificados[1].

Como agentes econômicos que concorrem em mercados competitivos, prementes se faz a necessidade de contratar administradores competentes e profissionais:

“Nos Estados Unidos e em vários países europeus, o tema da remuneração dos administradores vem merecendo há anos atenção do mercado e da academia. A demanda por profissionais qualificados, no ambiente de integração econômica mundial vivenciado nas últimas décadas, modificou o conteúdo dos pacotes de remuneração oferecidos aos administradores não somente quanto ao seu valor total, mas também em termos dos componentes da remuneração. Em paralelo, o movimento de aprimoramento de regras e de práticas de governança corporativa trouxe a remuneração para a agenda de debates, tendo sido criados instrumentos  para alinhamento de interesses, em prol da transparência e da qualidade de informações prestadas ao mercado. 

Em linha com a experiência norte-americana e europeia, observou-se no Brasil uma procura intensa por administradores, com consequente incremento dos sistemas de incentivo a eles oferecidos.[2]

Ademais, conforme a teórica econômica, a profissionalização é elemento balizar para a sobrevivência das empresas familiares, e, traçando um paralelo, porque não dizer das cooperativas, já que, em razão de sua natureza pessoal, muito se aproxima das empresas familiares, na forma de gestão.

La profesionalización es un elemento relevante para explicar la sobrevivencia, el crecimiento y la competitividad de las empresas familiares. Sólo entre 10 a 15% de las empresas familiares logra ir más allá de la tercera generación, y la mayoría fracasa por problemas de sucesión y conflictos entre familiares que derivan de una incipiente profesionalización (Martínez, 2006).

Particularmente, en lo que dice relación con los procesos de profesionalización de este tipo de empresas, la evidencia empírica encontrada señala que estos son de carácter crítico y estratégico, no solo en la sobrevivencia más allá de una tercera generación, sino que también en la competitividad en el largo plazo (Davis, 2007).[3]

Pese a complexidade dos negócios relacionados às Sociedades Cooperativas, por um erro de interpretação que está se perpetuando no tempo, a gestão dessas é feita necessariamente por associados, os quais, nem sempre com as devidas competências gerenciais que seriam necessárias ao bom exercício da administração e gestão.

As Sociedades Cooperativas hoje são administradas e têm suas diretorias compostas por associados, visto que, como será identificado adiante, ser o entendimento dos órgãos registradores que os órgãos de administração devem ser compostos exclusivamente por associados.

A suposta vedação de diretores não cooperados impede a profissionalização da administração e da gestão das Sociedades Cooperativas, deixando-as à mercê de profissionais cujo ramo de especialização não é relacionado à gestão de negócios, bem como consiste em limitação à capacidade de concorrer com agentes econômicos que contam com gestores altamente especializados.

Com o que será aqui exposto, se verificará que a vedação de indicação de diretores não associados é mero equivoco de interpretação, que não deve persistir, devendo abrir-se a porta para a profissionalização da gestão de Sociedades Cooperativas.

A administração das Sociedades Cooperativas cabe a uma Diretoria ou a um Conselho de Administração, ou, como é comum, a um Conselho de Administração e uma Diretoria. Costuma ser engano comum entender que tanto Diretoria quanto Conselho de Administração devem ser compostos por associados. Tal entendimento é consolidado pela prática e previsto em normas de infralegais, entendimento este, ao nosso ver equivocado, em razão da inexistência de quaisquer dispositivos legais que limitem o acesso à Diretoria, por parte de não cooperados, o que possibilitaria a profissionalização de parte da administração e ganhos de competitividade.

O Manual de Atos de Registro das Cooperativas, aprovado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, através da Instrução Normativa nº101/2006 (“Manual das Cooperativas”),  prevê no capítulo relativo aos Órgãos de Administração das Cooperativas que tanto Conselho de Administração quanto Diretoria devem ser compostos por membros cooperados. Entretanto, tal regulamentação pauta-se numa equivocada interpretação de disposições da Lei nº  5.764, de 16 de dezembro de 1971 (“Lei das Cooperativas”).

O referido manual é norma infralegal utilizada como referência pelas Juntas Comerciais de todos os Estados para balizar as suas normas relativas ao registro de atos relativos às Sociedades Cooperativas. Existem manuais semelhantes para as Sociedades Anônimas e Limitadas, e para outras matérias cujo registro é competência das juntas comerciais. No que tange às Sociedades Cooperativas, o manual prevê normas indicando os requisitos mínimos de informações e procedimentos relativos aos atos a serem registrados, tais como número de vias que os documentos devem ser apresentados, assinaturas que devem constar e etc., existindo um capítulo relativo aos Órgãos de Administração das Cooperativas.

Como mencionado acima, prevê o Manual das Cooperativas que os Órgãos de Administração devem ser formados por membros da cooperativa, in verbis:

"3.1.  ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO

A cooperativa poderá ser administrada por uma Diretoria ou por um Conselho de Administração (art. 47 da Lei 5764/71).

3.2.  FORMAÇÃO DOS ÓRGÃOS

A Diretoria e o Conselho de Administração devem ser formados exclusivamente por associados, entretanto, nada impede que estes possam contratar gerentes técnicos ou comerciais (art. 47 e 48 da Lei 5764/71).

Não poderão compor os Órgãos de Administração, além das pessoas impedidas por lei, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, ou contra a economia popular, fé pública ou a propriedade e os parentes entre si até o segundo grau, em linha reta ou colateral. (art., 51 da Lei nº 5.764/71).

Não pode o associado exercer cumulativamente cargos nos órgãos de administração e fiscalização (§2º do art. 56 da Lei 5764/71).

O associado menor de 18 anos não pode exercer funções de administração na cooperativa, salvo emancipado.

3.3.  MANDATO

O mandato dos membros da Diretoria e do Conselho de Administração não poderá, em hipótese alguma, ser superior a quatro (4) anos (art. 47 da Lei 5764/71).

3.4.  RENOVAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

O Conselho de Administração deve, obrigatoriamente, renovar a sua composição de, no mínimo, um terço (1/3) dos membros, a cada eleição (art. 47 da Lei 5764/71) e provar de que não estão incursos na vedação do Art. 51 da Lei nº 5.764/71.”

De acordo com o Manual das Cooperativas, a obrigatoriedade que Diretoria e Conselho de Administração sejam formados apenas por associados adviria dos arts. 47 e 48 da Lei das Cooperativas. Tais artigos, entretanto, não possuem nenhuma vedação expressa para que cargos da Diretoria sejam ocupados por não associados, como se pode ver abaixo:

“Art. 47. A sociedade será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral, com mandato nunca superior a 4 (quatro) anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo, 1/3 (um terço) do Conselho de Administração.

§ 1º O estatuto poderá criar outros órgãos necessários à administração.

§ 2° A posse dos administradores e conselheiros fiscais das cooperativas de crédito e das agrícolas mistas com seção de crédito e habitacionais fica sujeita à prévia homologação dos respectivos órgãos normativos.

 Art. 48. Os órgãos de administração podem contratar gerentes técnicos ou comerciais, que não pertençam ao quadro de associados, fixando-lhes as atribuições e salários”.

O art. 47 da Lei das Cooperativas prevê que o Conselho de Administração será composto exclusivamente por associados eleitos em Assembleia Geral, não restringindo à Diretoria a observância desses requisitos. A expressão que vedaria o acesso a cargos na Diretoria a pessoas estranhas ao quadro associativo seria “composto exclusivamente”, ocorre que, tal expressão, ao estar no singular não no plural, abarca apenas o Conselho de Administração, não a Diretoria. Ao nosso ver, o art. 48 da lei supra mencionada em nada complementa a interpretação do art. 47, no sentido de vedar que a diretoria seja composta por pessoas não integrantes da Sociedade Cooperativa.

Adicionalmente, utilizando-se de uma interpretação sistemática da Lei das Cooperativas, a menção do art. 52 dessa lei é instrumento bastante útil para referenciar o alcance das disposições previstas no art. 47.

O art. 52 é expresso ao diferenciar diretores de associados, tendo a seguinte redação:

“Art. 52. O diretor ou associado que, em qualquer operação, tenha interesse oposto ao da sociedade, não pode participar das deliberações referentes a essa operação, cumprindo-lhe acusar o seu impedimento”.(g.n.)

Note-se que se faz a diferenciação entre diretor e associado, que, caso o diretor fosse associado, não seria necessária, e, não se inclui conselheiros, que são associados. Argumentando-se que a intenção do legislador fosse reforçar a obrigação de não deliberar quando da existência de conflito de interesse por parte dos membros dos órgãos de administração, deveria ter sido usada a expressão “administradores” ou “diretor” e “conselheiro”.

Parece ser a melhor interpretação aquela que diretor (por não ser associado) e associados (conselheiros ou não), não poderão deliberar matéria na qual tenham conflito de interesse. A outra interpretação plausível, que entretanto esbarraria numa questão de absurdo seria que os conselheiros do Conselho de Administração poderiam deliberar quando em conflito de interesse.

Ainda suprindo-nos de instrumentos relativos à interpretação sistemática, a Lei das Cooperativas quando se refere conjuntamente à Diretoria e Conselho de Administração utiliza a expressão “órgãos da administração””, partindo dessa premissa, ao utilizar no art. 47 da Lei das Cooperativas “Diretoria” e “Conselho de Administração”, ao invés de “órgãos da administração”, restringindo apenas ao Conselho de Administração a necessidade de ser o administrador associado da Cooperativa, bem como ao utilizar apenas diretor no art. 52, diferenciando-o de associado, torna claro que há distinção nas características necessárias para ocupar cargos nos diferentes órgãos da administração. Os Conselheiros devem ser associados enquanto os diretores não necessariamente.

A interpretação aqui adotada parece fazer bastante sentido, até por ser a mesma estrutura utilizada na Lei das Sociedades Anônimas, até alteração recente, que excluiu a necessidade dos membros do Conselho de Administração de serem acionista (Lei nº 12.431/2011).

Inexistindo vedação expressa, não há vedação à possibilidade a contratação de diretores não associados, abrindo espaço para a profissionalização da administração das Cooperativas, para obtenção de ganhos competitivos.

Ad argumentun, entendendo-se que tal matéria deveria ser regulamentada, devem ser aplicadas as disposições relativas às Sociedades Simples. De forma a deixar ainda mais clara a desnecessidade de ser o diretor da Cooperativa associado, as normas relativas à Sociedade Simples, previstas no Código Civil, e que devem ser aplicadas supletivamente à Lei das Cooperativas (cf. art. 1.0960 do Código Civil), aceitam a possibilidade de administrador ser não sócio.

Devendo ser aplicadas as normas relativas às Sociedades Simples no que for omissa a Lei das Cooperativas, e não existindo norma determinando as características das pessoas que podem compor a Diretoria de Cooperativa na Lei das Cooperativas, devem ser aplicadas as normas relativas à administração previstas nos arts. 1.010 e seguintes do Código Civil.

As normas relativas às Sociedades Simples, conforme entendimento predominante, permitem a administração das Sociedades Simples, e por consequência, das Sociedades Cooperativas por não Sócios, nesse sentido:

“A sociedade simples deve ser administrada por uma ou mais pessoas naturais, não necessariamente sócias. Não é permitida a designação de pessoa jurídica para essa função. E cumpre ao contrato social fazer a indicação dos administradores”[4]

“Dessas normas gerais [normas relativas às Sociedades Simples], vale a pena destacar algumas das aplicáveis aos tipos societários menores. São elas: (…) c) o sócio designado administrador no contrato social só pode ser destituído por ordem do juiz, havendo justa causa; o designado em ato separado ou o administrador não sócio podem ser destituídos à qualquer tempo por decisão da maioria; (…)”[5]

Dessa forma, considerando que não há vedação expressa na Lei das Cooperativas para que não associados pertençam à Diretoria das Sociedades Cooperativas, bem como, as normas supletivas desse tipo societário, as normas relativas às Sociedades Simples, também não vedam a administração das sociedades por não sócios (não associados no caso das Cooperativas), é forçoso concluir que as Diretorias das Sociedades Cooperativas podem ter entre seus membros não associados.

A possibilidade de contratação de diretores que não façam parte do quadro associativa das Sociedades Cooperativas é um primeiro passo para profissionalização das Sociedades Cooperativas, devendo ser utilizada como instrumento para ganhos de competitividade e sua perpetuação, devendo os órgãos registradores rever seu entendimento, sob pena de fadar as Sociedades Cooperativas aos mercados menos interessantes financeiramente, em contrariedade às previsões constitucionais de incentivar o cooperativismo.

 

Referências
Lei nº  5.764/1971
Lei nº 6.404/1976
Lei nº 12.431/2011
Instrução Normativa DNRC nº101/2006
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2 – 7 ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2004
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa : comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007
Llanos, Orlando Determinantes del Éxito en Procesos de Profesionalización de Empresas Familiares in http://www.ubiobio.cl/miweb/webfile/media/42/10-2/Determinantes%20del%20exito%20en%20procesos%20de%20profesionalizacion%20en%20empresas%20familiares.pdf
 
Notas:
 
[1] Pereira, João Batista Brito. Da Sociedade Cooperativa in   http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/3954/tst_69-2%20dt%203.pdf?sequence=1

[2] Direito Societário : estratégias societárias, planejamento tributário e sucessório / Roberta Nioc Prado, Daniel Monteiro Peixoto, Eurico Marcos de Santi, coordenadores, – 2ed. – São Paulo, Saraiva, 2011 – (série GVlaw)

[3] Determinantes del Éxito en Procesos de Profesionalización de Empresas Familiares in http://www.ubiobio.cl/miweb/webfile/media/42/10-2/Determinantes%20del%20exito%20en%20procesos%20de%20profesionalizacion%20en%20empresas%20familiares.pdf

[4] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa : comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007, página 164.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2 – 7 ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2004, página 476.


Informações Sobre o Autor

Luiz Antonio Varela Donelli

Advogado no Porto Lauand Advogados. Master em Derecho Internacional de los Negocios ESADE- URL Barcelona Espanha. Certificado em Direito Transnacional pela Georgetown Law School Center of Transnational Law Studies Londres Inglaterra. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie


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