Responsabilização das empresas nas cadeias produtivas frente ao trabalho escravo contemporâneo

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Resumo: O presente estudo tem o intuito de demonstrar como as empresas, com o objetivo de reduzir seus custos e maximizar seus lucros, valem-se de mão de obra escrava, ocultando suas responsabilidades perante trabalhadores que participaram de sua cadeia produtiva, distribuindo os riscos da sua atividade com todas as demais pessoas jurídicas, desvinculando-se de toda a responsabilidade pelas ilegalidades que ocorrem. À vista disso, denotaremos as condições daqueles que laboram em condições análogas à de escravo, identificando o vínculo empregatício e a sonegação de direitos, estabelecendo com se dá a terceirização ilícita e diagnosticando a responsabilidade em cadeia. Por fim, busca-se demonstrar a aplicabilidade da responsabilização solidária, trazida pelo Código civilista, ao presente caso.

Palavras-chave: Trabalho Escravo. Terceirização Ilícita. Cadeias produtivas. Responsabilidade solidária.

Abstract:This studyaims todemonstratehow companies, in order toreduce costsandmaximize your profits, avail themselvesofslave labor, hiding their responsibilities toworkerswho participated inthe production chain, distributing the risks ofactivitywith all otherlegal entities, separating himself from allresponsibility forillegalitiesoccurring. In view of this, denotethe conditionsof thosewho workin conditions analogousto slavery, identifying the employmentandtax evasionrights, establishing how is theillegal outsourcinganddiagnosingthe chainresponsibility.Finally, we seek to demonstrate the applicabilityof joint and severalliability, broughtby thecivil lawcode, in this case.

Keywords:Slave Labor. Unlawfuloutsourcing.Production chains. Joint and several liability.

Sumário: Introdução – 1.Do trabalho em condições análogas à de escravo – 2.Da terceirização lícita e ilícita – súmula 331 do tribunal superior do trabalho – 2.1 Intermediação de mão de obra pela administração pública – 2.2 Do inadimplemento das obrigações trabalhistas – 3. Da responsabilidade da cadeia produtiva frente ao trabalho escravo e as terceirizações ilícitas – 3.1 Conceito de cadeia produtiva – 3.2 Da subordinação estrutural – 3.3 Da responsabilidade subsidiária versus responsabilidade solidária – 3.4 Da caracterização da responsabilidade solidária frente ao Direito civilista – Conclusão.

Introdução

No Brasil, o trabalho escravo existiu legalmente até a época do Brasil Império, tendo a Lei Áurea, de 1888, decretado sua abolição. Entretanto, o mesmo não se extinguiu por completo. Atualmente, por ser a exploração de mão de obra escrava ilegal, muitos criam formas e maneiras de burlar a lei.

Muitas empresas, formadoras de uma cadeia produtiva, tentam através da terceirização ilícita esquivar-se das obrigações trabalhistas, terceirizando e contratando empresas que se utilizam de mão de obra barata, mantendo os trabalhadores laborando em condições análogas às de escravo.

Embora a terceirização esteja ligada a intermediação da atividade meio da empresa, muitos utilizam tal instituto de maneira ilícita, repassando sua atividade fim para empresas subcontratadas.

Muitas dessas empresas subcontratadas atuam às margens da legislação trabalhista, mantendo trabalhadores migrantes sem qualquer formalização contratual, em ambientes de trabalho totalmente insalubres, mediante jornada excessiva, sonegando pagamento de direitos trabalhistas e previdenciários.

A terceirização fora do seu delimitado continente, segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p. 832) dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista. Apesar de inserir o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços, os laços jurídicos e direitos inerentes à sua profissionalidade não lhes são estendidos, ante sua fixação na entidade interveniente.

Hipoteticamente, a terceirização tem por escopo a diminuição de custos e a melhora na qualidade do produto ou serviço. Entretanto, o que se observa é um desvirtuamento de tal objetivo (BARROS apud TRINDADE, 1992, ano IX, n. 416, p. 869).

Desse modo, embora a terceirização busque incentivar a expansão empresarial e a criação de novos postos de trabalho, muitas empresas, através de contratos civilistas, buscam se desobrigar quanto aos direitos trabalhistas dos empregados, desvirtuando o real objetivo da terceirização.

Segundo Carlos Nelson Konder (2006, p. 189), embora as empresas, integrantes da cadeia produtiva, sejam estruturalmente independentes, perseguem uma finalidade que ultrapassa a mera soma das próprias finalidades individuais. Dessa forma, as consequências de um contrato repercutirá nas demais empresas da cadeia produtiva, pois embora independentes entre si, se encontram interligadas.

Em vista disso, impende ao Direito do Trabalho promover o controle civilizatório do instituto da terceirização, sem impedir a sua existência como realidade inafastável do mercado globalizado, mas exigindo-se a devida responsabilização da empresa tomadora de serviços, beneficiária direta da força de trabalho humano.

1. Do trabalho em condições análogas à de escravo

Antigamente, o regime da escravidão era a principal forma de exploração do trabalho humano, formando e fomentando o sistema econômico da época. Os escravos eram considerados objetos, “coisas”, podendo ser vendidos, doados, alugados ou eliminados. Não tinham direito a liberdade.

Para ser escravo não era necessário ser de outra raça, “a condição de escravo derivava do fato de nascer de mãe escrava, de ser prisioneiro de guerra, de condenação penal, de descumprimento de obrigações tributárias, de deserção do exército, entre outras razões” (BARROS, 2013, p. 43 /44).

No Brasil, o trabalho escravo existiu legalmente até a época do Brasil Império, tendo a Lei Áurea, de 1888, decretado sua abolição. Entretanto, o mesmo não se extinguiu por completo, o que mudou é que hoje, por ser a escravidão ilegal, muitos criam formas e maneiras de burlar a lei. O que deixou de existir foi a propriedade de uma pessoa sobre a outra, e não propriamente sua exploração.

O trabalho escravo contemporâneo pode ser conceituado como:

“O estado ou a condição de um indivíduo que é constrangido à prestação de trabalho, em condições destinadas à frustração de direito assegurado pela legislação do trabalho, permanecendo vinculado, de forma compulsória, ao contrato de trabalho mediante fraude, violência ou grave ameaça, inclusive mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais ou em virtude de dívida contraída junto ao empregador ou pessoa com ele relacionada”(SCHWARZ, 2008, p.117/118).

Um das formas de trabalho escravo contemporâneo é o trabalho forçado. Embora a Convenção nº 29 de 1930 da Organização Internacional do Trabalho disponha em seu texto que, o trabalho escravo abrangerá todo trabalho ou serviço imposto sobre a ameaça de punição e para o qual o trabalhador tenha se apresentado voluntariamente, atualmente se faz necessário uma interpretação mais abrangente da presente conceituação.

Nos dias atuais o trabalho forçado se perfaz por meio da coação, podendo se dar de três formas, através da coação moral, física ou psíquica (MTE, 2011, p.13).   

Na coação moral o empregador aproveita-se da inocência ou da falta de instrução do trabalhador, envolve-o em dívidas, impossibilitando-o de deixar o trabalho. Pode-se citar como exemplo a escravidão por dívida disposta na Consolidação das leis Trabalhistas.

Dispõe o artigo 462, § 2.º, da CLT:

“Art. 462 – Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.

§ 2º – É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações “in natura” exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços.”

Na escravidão por dívida (462, § 2.º, da CLT), ou truck system, a escravidão está ligada a retenção do salário pelo empregador em razão de dívidas com ele contraída, seja através da venda inflacionada de produtos, alimentos e ferramentas, seja por cobrança injusta e desproporcional de moradia. Restringindo física e moralmente a liberdade do trabalhador, o qual fica impedido de rescindir unilateralmente o contrato de trabalho em virtude das dívidas.

Nesse âmbito, dispõe a Convenção nº 29 de 1930 que:

“[…] O principal aspecto do trabalho forçado nas áreas rurais brasileiras é o uso do endividamento para imobilizar trabalhadores nas propriedades até a quitação de suas dívidas, em geral contraídas de modo fraudulento. É uma atividade clandestina e ilegal, difícil de ser combatida por diversos fatores, entre os quais a imensa extensão do país e as dificuldades de comunicação.” (grifo nosso)

Já na coação física, os trabalhadores não são sujeitados, necessariamente, ao castigo físico. Esse tipo de coação está mais ligado à retenção de documentos e pertences, impedindo e evitando que o trabalhador deixe o local de prestação de serviços.

 Por fim, na coação psicológica tem-se, além das ameaças de violência, a manipulação das formas de trabalho, de tal forma que o trabalhador não percebe que está sendo explorado. O empregador se aproveita na inocência e da falta de instrução do empregado. Como exemplo, pode-se citar a prática, não rara, de empresas que buscam mão de obra estrangeira, com o simples intuito de sonegar os mais básicos direitos inerentes aos trabalhadores.

Ademais, o trabalho em condições análogas ao escravo, também pode estar ligado ao modo como o trabalho é executado. Muitos trabalhadores acabam sendo obrigados a trabalharem em condições degradantes, em ambientes sem instalações sanitárias, sem fornecimento de água potável, sem lugares próprios para alimentação e descanso, sem equipamentos de proteção individual etc. Ambientes em clara desconformidade com as Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança e Medicina do Trabalho.

Atualmente, o que se vislumbra não é mais a simples privação da liberdade, mas sim uma desconsideração da condição humana do trabalhador, ferindo preceitos constitucionais muito maiores, como a dignidade da pessoa humana (BRITO FILHO, 2013, p.51).

Para o autor José Claudio Monteiro de Brito Filho (2013, p.51):

“Embora não exista a restrição àliberdade, o homem, ao ter negadas as condiçõesmínimas para o trabalho, é tratado como sefosse mais um dos bens necessários à produção;e, podemos dizer sem dúvidas, “coisificado”.E qual é o fundamento que impede aquantificação, a coisificação do homem? Adignidade da pessoa humana. Esse o fundamentomaior, então, para a proibição do trabalho emque há a redução do homem à condição análoga àde escravo. […]. É preciso, pois, alterar a definição anterior,fundada na liberdade, pois tal definição foiampliada, sendo seu pressuposto hoje adignidade.” (grifo nosso)

Nesse diapasão, visando o combate à escravidão contemporânea, foi promulgada a Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, a qual alterou o art. 149 do Código Penal Brasileiro, pacificando as divergências doutrinárias anteriormente existentes acerca do tipo penal de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, conduta criminosa assim descrita:

"Art.149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – Reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência….

Parágrafo 1o. e seguintes – omissis".

De acordo com a nova redação do caput do art. 149 do CP, a caracterização do trabalho em condições análogas à de escravo não se centra mais no tolhimento da liberdade de ir e vir, como era antigamente, mas sim no trabalho forçado, nas jornadas exaustivas e nas condições degradantes de trabalho hoje existentes. Não se faz necessário o uso da tortura ou da privação de liberdade, basta que exsurja a sujeição pessoal no lugar da subordinação jurídica.

Vários são os pactos, tratados, convenções e declarações internacionais que visam proteger os direitos humanos, repudiando o trabalho escravo. No ordenamento jurídico brasileiro, o repúdio a esta forma de exploração está contido desde a Constituição Federal no artigo 5º, incisos III, XIII, XV, XLVII e LXVII, assim como nos artigos 149, 197, 203, 206 e 207, do Código Penal, “além de todas as normas internacionais ratificadas e internalizadas”, sem esquecer que a dignidade da pessoa humana foi elevada a fundamento da República Federativa do Brasil (RAMOS FILHO, 2008, p. 278).

Nos termos da Convenção nº 105 da OIT de 1957, os Estados signatários se comprometem a “abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso”.

Reafirmando a proibição, a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, estabeleceu em seu artigo 4º que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”; em seu artigo 5º, que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (CARLOS, 2006, p. 277).

Ademais, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos humanos de 1969) ratificada pelo Brasil em 1992, proíbe expressamente a prática de escravidão e servidão:

“Artigo 6º – Proibição da escravidão e da servidão:

1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso”.

Por fim, após mais de dez anos tramitando no Congresso Nacional, recentemente foi promulgada a Emenda Constitucional n. 81/2014, a qual alterou a redação do art. 243 da CF/1988, trazendo a hipótese de expropriação, sem qualquer indenização, de terras onde exista a exploração de trabalho escravo.

Com a mudança da redação do artigo 243 da Carta magna, a prática de trabalho análogo ao de escravo (art. 149 do CP) passou a sujeitar as propriedades rurais e urbanas de qualquer região à expropriação, sem indenização ao proprietário, dilatando o alcance inicial do preceito. Consigna o citado dispositivo:

"Art. 243 -As propriedades rurais e urbanasde qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicasou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas edestinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei,observado, no que couber, o disposto no art. 5.º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afinse da exploração de trabalho escravoserão confiscados e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei" (grifo nosso).

Dessa forma, embora haja várias tentativas visando à abolição do trabalho escravo contemporâneo, seja na esfera trabalhista, constitucional ou internacional, o que se percebe é que as leis atualmente existentes não têm sido capazes de resolver o problema. Cada vez mais as grandes empresas buscam meios de burlar a lei, como exemplo pode-se citar a crescente utilização da terceirização ilícita, onde, por meio de contratação de outras empresas, transferem a sua atividade-fim, buscando se desvencilhar das obrigações trabalhistas a elas inerentes.

2.Da terceirização lícita e ilícita – súmula 331 do tribunal superior do trabalho

A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho é um dos principais elementos normativos do instituto da terceirização trabalhista. Sua criação tem por escopo proteger o trabalhador, ou seja, a parte hipossuficiente das relações trabalhistas.

Antes de sua edição, se a empresa prestadora de serviço não adimplia com suas obrigações trabalhistas, o empregado além de ser prejudicado, não tinha como pleitear seus direitos da empresa tomadora de serviços, a qual não era responsabilizada pelo inadimplemento.

E neste sentido vale destacar que a Súmula 331 do TST distingue a terceirização lícita da ilícita.

A ocorrência da terceirização lícita consiste em transferir para outra empresa as atividades secundárias, isto é, as atividades de suporte. Deste modo, a empresa, transferindo a atividade-meio, concentra-se na sua atividade principal, ou seja, na sua atividade-fim.

 Entende-se por atividade-fim, aquela cujo objetivo registra a empresa na classificação socioeconômica, ou seja, está ligada a destinação para a qual a empresa foi criada.

O doutrinador Mauricio Godinho Delgado (2013, p. 450), dispõe sabiamente acerca da diferença entre atividade-fim e atividade-meio:

“atividades-fim são as atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo” (grifo nosso).

Atualmente, a Súmula 331 do TST apresenta quatro “situações-tipo” de terceirização lícita: serviços de conservação e limpeza, serviços de vigilância, serviços especializados na atividade-meio do tomador e o trabalho temporário.

Nos casos de serviços de vigilância, serviços de conservação e limpeza e serviços especializados na atividade-meio do tomador, seja qual for o segmento do mercado de trabalho, as empresas poderão valer-se da terceirização, desde que tais atividades não se enquadrem ao núcleo das atividades empresariais do tomador de serviço.

Já nos casos de trabalho temporário, a Lei 6.019/74 autoriza que o empregado por ela regulamentado se incorpore, completamente, pelo período temporário, no exercício próprio da empresa tomadora de serviços, sem que com isso, constitua a pessoalidade e subordinação diretas do trabalhador terceirizado perante o tomador de serviços (DELGADO, 2013, p. 453).

Ademais, em relação à terceirização ilícita, a súmula 331 do TST estabelece que a contratação de trabalhadores por empresa interposta ilegal, com o mero intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar os direitos dos trabalhadores, ensejará na formação de vínculo direto com a tomadora de serviços.

Assim, os contratos redundar-se-iam nulos de pleno direito, consoante preconiza o artigo 9º da Consolidação das Leis Trabalhistas:

“Art. 9º da CLT – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

Para o doutrinador Rodrigo de Lacerda Carelli (2003, p. 125) três elementos demonstram claramente a existência de terceirização ilícita ou mera intermediação de mão de obra: gestão do trabalho pela tomadora de serviços, especialização da prestadora de serviços e prevalência do elemento humano no contrato de prestação de serviços.

A terceirização fora do seu delimitado continente segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p.832) dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista. Apesar de inserir o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços, os laços jurídicos e direitos inerentes à sua profissionalidade não lhes são estendidos, ante sua fixação na entidade interveniente.

Assim, embora a terceirização busque incentivar a expansão empresarial e a criação de novos postos de trabalho, muitas empresas, através de contratos civilistas, buscam se desobrigar quanto aos direitos trabalhistas dos empregados, desvirtuando o real objetivo da terceirização.

Desse modo, acaba se tornando cada vez mais presente e evidente a tentativa de desvirtuamento de contratos de terceirização. A utilização de mão de obra escrava, mediante trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho, vem crescendo drasticamente, sendo utilizadas, principalmente, por empresas que visam o alto lucro, sempre em detrimento dos direitos dos trabalhadores.

2.1 Intermediação de mão de obra pela administração pública

No caso de contratação realizada pela Administração Pública, ela só não será responsabilizada subsidiariamente se obedecer a todos os critérios estabelecidos na Lei de Licitação. Nessa seara não há que se falar em culpa in elegendo e culpa in vigilando.

Assim, a Administração ao contratar uma empresa tomadora de serviço deverá ater-se aos critérios legalmente previstos na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93) fiscalizando se a empresa contratada cumpre com os direitos trabalhistas, se é idônea. Pois, caso contrário, será considerada subsidiariamente responsável pelas ilegalidades trabalhistas que vierem a ocorrer, visto que permaneceu omisso.

Entretanto, cabe salientar que no caso de contratação pela Administração Pública, a responsabilização subsidiária não será automática. A responsabilização somente será possível, quando for constatado que houve culpa in vigilando por parte da Administração.

Acerca do tema dispõe Hely Lopes Meirelles (2013, p.664):

“A indenização pela Fazenda Pública só é devida se comprovar a culpada Administração. E na exigência do elemento subjetivo culpa não há afronta ao princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecida no art. 37, § 6º, da CF, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos.”

Ademais, caso a empresa tomadora de serviços seja um ente da Administração Pública, a intermediação de mão de obra da atividade-fim será possível, desde que seja precedida de um concurso público.

Se o ente da não respeitar a obrigatoriedade da realização de concurso prévio o contrato será nulo (art. 37, II, § 2º, CF e Súmula n. 363, TST), e a contratação não gerará vínculo de emprego com o ente da Administração Pública.

2.2 Do inadimplemento das obrigações trabalhistas

Dando seguimento, a súmula 331 do TST informa que o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do fornecedor de serviços, importará na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, desde que a empresa tomadora tenha participado da relação processual e conste do título executivo judicial (BARROS, 2013, p. 359).

Assim, se a empresa prestadora não cumprir com as suas obrigações trabalhistas, e não possuir condições de responder por tais inadimplementos, a empresa tomadora de serviços responderá subsidiariamente. Ou seja, se a empresa prestadora de serviços não efetuar o pagamento dos créditos salariais devidos ao trabalhador, a responsabilidade será transferida à empresa tomadora de serviços.

Ademais, vale ressaltar que o tomador de serviços será subsidiariamente responsável por todas e quaisquer verbas decorrentes da condenação, inclusive as multas e verbas rescisórias ou indenizatórias, não podendo restringir-se somente ao crédito trabalhista principal.

Por outro lado, o tomador de serviços abusará do seu direito de terceirizar se não cumprir com o seu dever de escolher e eleger bem seus prestadores de serviço (culpa in eligiendo), devendo sempre fiscalizar se a empresa contratada cumpre com as obrigações trabalhistas (culpa in vigilando).

Assim, à luz dos artigos 9º da Consolidação das Leis do Trabalho e 166, inciso VI, do Código Civil, o contrato de terceirização que visar angariar mão de obra de atividade-fim e abusar do seu direito de terceirizar, será considerado ilícito. Neste caso, o contrato entre a empresa prestadora e a tomadora de serviços será nulo de pleno direito, caracterizando-se o vínculo direto entre o empregado e a empresa tomadora de serviços.

3.Da responsabilização solidária da cadeia produtiva frente ao trabalho escravo e as terceirizações ilícitas

3.1 Conceito de cadeia produtiva

Cadeia produtiva é um conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais matérias primas vão se transformando, até que se constitua um produto final, de bem ou serviço. A Cadeia Produtiva engloba todas as etapas da produção de um bem, desde o planejamento e confecção, até a efetiva entrega do produto ao consumidor.

As Cadeias Produtivas resultam da crescente divisão do trabalho e da maior interdependência dos agentes econômicos […] Cadeia produtiva é um conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e transferidos os diversos insumos (DANTAS; KERTSNETZKY; PROCHNIK, 2002, p. 36 e 37).

Segundo Monfort(1983, apud SELMANI, 1992, p.93), o conceito de cadeia produtiva faz referência à ideia de que um produto, bem ou serviço, é uma sucessão de operações efetuadas por diversas unidades interligadas como um todo. Trata-se de uma corrente que vem desde a extração e manuseio da matéria prima até a distribuição.

Para os Doutrinadores Dantas, Kertsnetzky e Prochnik (2002, p.35), Cadeia Produtiva é definida:

“[…] pelos grupos de empresas voltadas para a produção de mercadorias que são substitutas próximas entre si e, desta forma, fornecidas a um mesmo mercado. […] para uma empresa diversificada a indústria pode representar um conjunto de atividades que guardam algum grau de correlação técnico-produtiva, constituindo um conjunto de empresas que operam métodos produtivos semelhantes, incluindo-se em uma mesma base tecnológica […]”.

Ademais, a cadeia produtiva também pode ser formada por várias empresas (Cadeia produtiva Empresarial), onde cada etapa é representa por uma empresa ou por um conjunto de empresas, que conjuntamente produzem, planejam e confeccionam um bem ou serviço.

As cadeias Produtivas têm como característica a fragmentação da produção, de modo que a continuidade das atividades da empresa tomadora final dos serviços dependa diretamente da produção realizada ao longo de sua cadeia. Assim, em toda sua rede, os contratos serão interdependentes, coligados e conexos por uma situação fática, de modo que um não subsista sem os demais.

Dessa forma, as empresas tomadoras de serviços, ao se valerem das subcontratações para repassar sua atividade principal, onde subcontrata uma empresa, que por sua vez subcontrata outra empresa, e assim sucessivamente, consubstanciam-se em uma cadeia produtiva.

3.2 Da subordinação estrutural

Mauricio Godinho Delgado (2013, p. 296) propõe o conceito de Subordinação Estrutural. Segundo o autor, faz-se necessário que o conceito de subordinação, classicamente ligado à intensidade de ordens sobre o trabalhador, seja ampliado.

Para ele o conceito de subordinação deve estar ligado à ideia de inserção do trabalhador no ambiente laborativo macro, ou seja, da inserção do trabalhador na dinâmica da empresa tomadora dos seus serviços, tendo como base a estrutura e a dinâmica de organização e funcionamento das cadeias produtivas, e não o recebimento ou não de ordens diretas. Nas palavras do autor:

“Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços(2013, p. 296).”

Assim, os trabalhadores que forem flagrados em condições de trabalho análogas a de escravo, mesmo que não tenham sido contratados diretamente pela empresa tomadora de serviços, por estarem inseridos em sua cadeia produtiva, formarão vinculo direto com a mesma.

O conceito trazido pelo Doutrinador Godinho tem sido amplamente citado nos acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior do Trabalho:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema relativo ao vínculo de emprego, ante a constatação de contrariedade, em tese, à Súmula 331, I, do TST. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços (Súmula 331, I/TST). Registre-se que a subordinação jurídica, elemento cardeal da relação de emprego, pode se manifestar em qualquer das seguintes dimensões: a clássica, por meio da intensidade de ordens do tomador de serviços sobre a pessoa física que os presta; a objetiva, pela correspondência dos serviços deste aos objetivos perseguidos pelo tomador (harmonização do trabalho do obreiro aos fins do empreendimento); a estrutural, mediante a integração do trabalhador à dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços, incorporando e se submetendo à sua cultura corporativa dominante. Atendida qualquer destas dimensões da subordinação, configura-se este elemento individuado pela ordem jurídica trabalhista (art. 3º, caput, CLT). Recurso de revista provido. (TST- RR: 86740-27.2005.5.15.0071. Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 30/04/2008, 6ª Turma, Data de publicação: DEJT 09/05/2008)” (grifo nosso).

“RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TRABALHO EM ATIVIDADE-FIM. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. VÍNCULO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. 1. Resultado de bem-vinda evolução jurisprudencial, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, que veda a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, ressalvados os casos de trabalho temporário, vigilância, conservação e limpeza, bem como de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta- (itens I e III). 2. O verbete delimita, exaustivamente, os casos em que se tolera terceirização em atividade-fim. 3. A vida contemporânea já não aceita o conceito monolítico de subordinação jurídica, calcado na submissão do empregado à direta influência do poder diretivo patronal. Com efeito, aderem ao instituto a visão objetiva, caracterizada pelo atrelamento do trabalhador ao escopo empresarial, e a dimensão estrutural, pela qual há a inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços (Mauricio Godinho Delgado). 4. O Regional revela que as tarefas desenvolvidas pela autora se enquadram na atividade-fim do tomador de serviços. 5. Impositiva a incidência da compreensão da Súmula 331, I, do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 661820135060006, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 29/10/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/10/2014)” (grifo nosso).

3.3 Da responsabilidade subsidiária versus responsabilidade solidária

A terceirização está ligada a intermediação do trabalho utilizado no desenvolvimento de uma atividade empresarial. E sendo essa terceirização suscetível de afastar o vínculo empregatício entre a empresa tomadora e os trabalhadores arregimentados pela empresa prestadora de serviços, as empresas formadoras de uma cadeia produtiva, tentam através da terceirização ilícita esquivar-se das obrigações a elas impostas.

Assim, muitas empresas tomadoras de serviço terceirizam e contratam empresas que se utilizam de mão de obra barata, mantendo, em muitos casos, os trabalhadores laborando em condições análogas às de escravo.

Dispõe o inciso IV da Súmula 331 do TST, que no caso de uma terceirização, se a prestadora de serviços, contratada por uma tomadora de serviços, não cumprir com as obrigações trabalhistas, esta deverá, subsidiariamente, no lugar daquela, responder pelas obrigações inadimplidas.

Desse modo, embora a Súmula n. 331 do TST disponha acerca da responsabilidade subsidiária no caso de inadimplemento das obrigações na terceirização lícita, a mesma não possui o condão de responsabilizar todos os culpados pela ilegalidade na contratação e manutenção de trabalhadores em condições análogas ao de escravo.

Ao contrário da responsabilidade solidária, na responsabilidade subsidiária os agentes não são simultaneamente responsabilizados. O credor não terá plena liberdade na escolha dos agentes, devendo observar uma ordem de preferência. Assim, no caso de inadimplemento em relação às obrigações trabalhistas, o trabalhador deverá primeiramente postular o pagamento perante a empresa prestadora de serviços, com a qual possui vínculo direto. E somente no caso de não obter êxito perante esta, é que poderá voltar-se contra a empresa tomadora de serviços.

Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze (2003, p. 168) esclarecem:

“Vale lembrar que a expressão “subsidiária” se refere a tudo que vem “em reforço de…” ou “em substituição de…”, ou seja, não sendo possível executar o efetivo devedor – sujeito passivo direto da relação jurídica obrigacional -, devem ser executados os demais responsáveis pela dívida contraída.”

Já na responsabilização solidária, trazida pelo código civil, existindo mais de um agente causador do dano, não se discute qual deles é o responsável direto ou principal. Nesse tipo de responsabilidade a pessoa lesada poderá exigir de todos os corresponsáveis o adimplemento da obrigação:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

Nestes casos, sendo constatada a presença de terceirização ilícita na empresa, aplicar-se-á o artigo 9º da CLT, sendo nulo o contrato de terceirização, formando-se um vínculo direto de emprego entre o empregado e o tomador de serviços.

Dessa forma, havendo o tomador de serviços responsabilidade direta com todo e qualquer direito trabalhista, o prestador de serviços, com base na responsabilidade solidária, também o será, uma vez que, na terceirização ilícita, a ofensa aos direitos trabalhistas é gerada por mais um autor.

Nesse sentido, correlaciono a Jurisprudênciaabaixo:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TOMADOR. O tomador dos serviços em terceirização trabalhista responde pelos danos decorrentes da terceirização que atingem os trabalhadores, nos termos dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil. A responsabilidade de que ora se fala tem por fundamento a obrigação de observância das normas que tratam da saúde e da segurança dos empregados das empresas terceirizadas que lhe prestam serviços. Solidariedade que decorre da norma do art. 942, parágrafo único, do Código Civil. Recurso não provido no item. (…) (TRT-4 – RO: 915001220095040030 RS 0091500-12.2009.5.04.0030, Relator: JOSÉ FELIPE LEDUR, Data de Julgamento: 30/11/2011, 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)”(grifo nosso).

Ademais, no entendimento do Doutrinador Ricardo Resende (2012, p. 213) não há que se falar, em princípio, em responsabilidade solidária ou subsidiária. A responsabilidade será direta, no sentido de que, o tomador de serviços continuará sendo diretamente responsável pelo empregado, e a empresa prestadora de serviços será solidariamente responsável com ela.

Dessa forma, nos casos de contratação de mão de obra escrava pelas empresas terceirizadas, não seria cabível a alegação do desconhecimento de que a empresa contratada angariava mão de obra escrava. A empresa contratante deverá responder solidariamente com a empresa contratada pela exploração desse tipo de mão de obra.

3.4 Da caracterização da responsabilidade solidária frente ao direito civilista

No caso das terceirizações ilícitas, o contrato será nulo de pleno direito (art. 9º do CLT), formando-se vínculo direto com a tomadora de serviços. Dessa forma, a empresa prestadora e a empresa tomadora serão solidariamente responsáveis pelas obrigações inadimplidas, podendo o trabalhador lesado postular judicialmente contra as duas ao mesmo tempo.

Embora o Poder Judiciário, principalmente a Justiça do Trabalho, tenha buscado mecanismos efetivos para coibir a utilização da terceirização como o instituto de precarização dos direitos trabalhistas, muitas empresas ainda acabam sem punição. 

Pondera Maurício Godinho Delgado (2013, p. 474):

“O caminho percorrido pela jurisprudência nesse processo de adequação jurídica da terceirização ao Direito do Trabalho tem combinado duas trilhas principais: a trilha entre a isonomia remuneratória entre os trabalhadores terceirizados e os empregados originais da empresa tomadora de serviços e a trilha da responsabilização do tomador de serviços pelos valores trabalhistas oriundos da prática terceirizante.”

Segundo Carlos Nelson Konder (2006, p. 189) embora as empresas, integrantes da cadeia produtiva, sejam estruturalmente independentes, perseguem uma finalidade que ultrapassa a mera soma das próprias finalidades individuais.

As empresas formadoras de uma cadeia produtiva, que por meio de contratos civilistas, alheios aos contratos de emprego, transferem a execução de sua atividade fim para empresas subcontratadas, furtando-se dos riscos inerente à atividade empreendedora, praticam terceirização ilícita.

Dessa forma, as consequências de um contrato repercutirá nas demais empresas da cadeia produtiva, pois embora independentes entre si, se encontram interligadas. Haja vista que ao comporem uma mesma operação econômica, as empresas apresentam contratos coligados, de tal forma que uma não subsistirá isoladamente sem a outra.

Para o doutrinador Flávio Tartuce (2014), os contratos coligados são negócios que estão interligados por um ponto ou nexo de convergência, seja ele direto ou indireto, material ou imaterial.

Contratos coligados são os que, embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou explícita. Ou, no dizer de Almeida Costa, são os que se encontram ligados por um nexo funcional. Nesses casos, mantém-se a individualidade dos contratos, mas “as vicissitudes de um podem influir sobre o outro” (GONÇALVES, 2012, p. 312).

Quando em uma cadeia de empresas, a tomadora de serviços realizar a contratação de outras empresas para lhe prestar serviços, configurando-se a subordinação, haverá a formação de vínculos, sendo todas solidariamente responsáveis.

Ademais, a clara transferência da principal atividade econômica, denota que a utilização do instituto da terceirização pelas empresas pertencentes a uma cadeia produtiva, tem por substância o mero fornecimento de mão de obra, na qual, por meio de contratos civilistas, se ocultam da sua real vontade, qual seja, a de se desobrigar quanto aos direitos trabalhistas dos empregados cujo trabalho toma em seu favor.

Para Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 462), a responsabilização da contratante encontra amparo na Teoria do Risco Criado e do Risco Benefício, na medida em que, "o sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona", já que "um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social (…) a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos".

Ademais, tento em vista que o próprio Código Civil (art. 422) dispõe acerca da atuação dos contratantes com probidade e boa-fé, as empresas ao desfrutarem da opção de repassar parte de seu processo produtivo a terceiros, deveriam ser solidariamente responsabilizadas pelos danos causados aos direitos dos trabalhadores, uma vez que, possuem o dever de fiscalizar se a empresa contratada cumpre, ou não, com as obrigações trabalhistas.

Segundo Oscar Krost, em seu artigo sobre contrato de facção,se o próprio Direito Civil permite a responsabilização solidária de todos os responsáveis pela produção de um dano (arts. 927, 932, inciso III, 933 e 942, do CC)não haveria lógica deixar de aplicar este entendimento na esfera trabalhista. Ademais, a falta de pessoalidade e de subordinação pelo empregado da empresa contratada não pode servir de empecilho à responsabilização da contratante, uma vez que tais requisitos não são reclamados pela jurisprudência em relação à terceirização (súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho).

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”

“Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”

“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.”

Sobre o tema, a Juíza titular da 26ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Maria Cecília Alves Pintoaduziu que:

“Na terceirização ilícita, implica estabelecer-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços, com responsabilidade direta por todo e qualquer débito trabalhista, sendo certo que também o prestador de serviços se mantém responsável de forma solidária com o tomador, em decorrência do disposto no art. 942 do Código Civil, uma vez que a ofensa a direitos trabalhistas, nesse caso, é gerada por mais de um autor, sendo todos solidariamente responsáveis pela sua reparação. Na terceirização ilícita, o vínculo empregatício só não se estabelece de forma direta com órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, em respeito à vedação inserida no inciso II do art. 37 da Carta Magna.” (Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, n. 69, Belo Horizonte, MG, Brasil, v.39, p.123-146, jan./jun.2004)(grifo nosso).

Assim, o fato do trabalhador atuar externamente ao estabelecimento da beneficiária final do trabalho, não gera incompatibilidade desta com os créditos trabalhistas da empresa contratada.

Embora haja uma tentativa de se acobertar a relação de emprego existente entre os obreiros das empresas subcontratadas e a tomadora beneficiária principal, as empresas subcontratadas na realidade funcionam como células de produção da empresa principal, estando todas interligadas.

Dispõe o doutrinador SOUTO MAIOR (2010) que:

“[…] ainda que a terceirização representasse – o que não se acredita sinceramente – uma evolução em termos de técnica produtiva, sua implantação não pode resultar na impossibilidade de os trabalhadores receberem os direitos pelos serviços que já prestaram. […] A responsabilidade, em uma terceirização considerada válida, deve ser sempre solidária, pois de uma forma ou de outra as empresas contratantes utilizam o trabalho prestado pelo empregado.”(grifo nosso)

Destarte,em outros países a responsabilidade solidária, em casos como este, já se encontralegalmente regularizado.

Na Espanha, no caso de empresas integrantes de uma mesma cadeia produtiva, a responsabilidade é solidária, onde todas as empresas respondem conjuntamente pelas obrigações trabalhistas, consoante dispõe o artigo 42 do Estatuto dos trabalhadores da Espanha:

“§ 1º – Os empregados que contratem ou subcontratem com outros a realização de obras ou serviços correspondentes à própria atividade daqueles deverão comprovar que os ditos contratantes estão quites com o pagamento das cotas da seguridade social. Para esse efeito, receberão por escrito, com identificação da empresa afetada, certidão negativa da entidade gestora, no prazo improrrogável de trinta dias. Transcorrido esse prazo, ficará exonerado da responsabilidade o empregador solicitante.

§ 2º – O empregador principal, salvo o transcurso do prazo antes assinalado a respeito da seguridade social, e durante o ano seguinte ao término de seu encargo, responderá solidariamente pelas obrigações de natureza salarial contraídas pelos contratantes com seus trabalhadores e pelas referentes à seguridade social durante o período de vigência do contrato, limitando-se ao que corresponderia se tivesse contratado pessoal fixo na mesma categoria ou locais de trabalho”.

Por fim, cabe ressaltar que a responsabilização em rede, ou seja, de relações firmadas de forma coligada, já é admitida no direito consumerista, a qual visa proteger o consumidor, ou seja, a parte hipossuficiente da relação.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) atribui a todos os integrantes da cadeia produtiva, do fabricante ao importador, a responsabilidade objetiva por danos causados por produtos ou serviços que apresentem algum tipo de defeito, não sendo razoável que os trabalhadores que atuaram em proveito desta mesma linha, tão vulneráveis quanto o destinatário final, estejam desguarnecidos de similar tutela.

Ademais, a própria CLT (art.8º e parágrafo único) autoriza a aplicação do direito comum como fonte subsidiária no que for compatível com os princípios de Direito do Trabalho. A teoria geral dos contratos trazida pelo novo Código Civil, com ênfase na boa fé objetiva e na função social dos contratos, e a proteção do hipossuficiente prevista pelo Direito do Consumidor, princípios dos quais decorre a teoria da responsabilização solidária em rede, são compatíveis com os princípios do Direito Trabalho.

Dessa forma, as empresas que constituem uma cadeia produtiva, não podem transferir os riscos da atividade umas às outras. Todas devem responder conjuntamente pelas obrigações trabalhistas, pois ao contratarem empresas que fazem uso da mão de obra escrava para a execução de atividade-fim, não estão somente infringindo a leino âmbito trabalhista, mas ferindo preceitos muitos maiores, como os da dignidade da pessoa humana e do valor sociais do trabalho positivados na nossa Carta Magna(art. 1º da CF).

Conclusão

Pode-se concluir que as leis atualmente existentes não têm sido capazes de resolver o problema da utilização de trabalho análogo ao de escravo, embora haja várias tentativas visando à sua “abolição”, seja na esfera trabalhista, constitucional ou internacional.

Cada vez mais as grandes empresas buscam meios de burlar a lei, como se percebe na crescente utilização da terceirização ilícita, por meio do qual as empresas tomadoras de serviços transferem para outras empresas interpostas sua atividade-fim.

Assim, embora o instituto da terceirização busque regular a intermediação do trabalho utilizado no desenvolvimento de uma atividade empresarial, muitos acabam utilizando-o de maneira indevida.

Através dele, muitas empresas formadoras de uma cadeia produtiva acabam esquivando-se das obrigações trabalhistas, “terceirizando” e contratando empresas que se utilizam de mão de obra barata, mantendo os trabalhadores laborando em condições análogas às de escravo.

Destarte, infere-se que a utilização do instituto da terceirização, por meio de contratos civilistas, muitas vezes tem por substância o mero desvirtuamento de vínculos trabalhistas. Com essa prática, as empresas acabam por ocultar sua real vontade, qual seja, a de se desobrigarem quanto aos direitos trabalhistas dos empregados cujo trabalho toma em seu favor.

Contudo, conforme demonstrado, quando em uma cadeia de empresas, a tomadora de serviços realiza a contratação de outras empresas para lhe prestar serviços (configurando-se a subordinação e formando-se vínculos), as consequências de um contrato repercutirá nas demais empresas da cadeia produtiva. Isso, pois, embora independentes entre si, ao comporem uma mesma operação econômica, apresentam contratos coligados, da forma que uma não subsistirá isoladamente sem a outra.

Dessa forma, as empresas que constituírem uma cadeia produtiva, não podem transferir os riscos da atividade umas às outras. Caso contrário, deverá todas responderem solidariamente pelas ilegalidades trabalhistas, principalmente quando esta estiver ligada a manutenção de trabalhadores em condições análogas às de escravo, as quais, certamente, lesam preceitos muitos maiores, como a própria dignidade da pessoa humana.

Por fim, importante ressaltar que recentemente reiniciou-se a votação do polêmico Projeto de Lei n. 4330 de 2004, o qual visa ampliar o instituto da terceirização. Dentre outras alterações, permitirá a contratação de mão de obra terceirizada até mesmo para as atividades-fim, não estabelecendo limites ao tipo de serviço que pode sofrerá terceirização. A responsabilidade também passará a ser solidária entre as empresas tomadoras e as empresas prestadoras de serviço.

Essas são apenas algumas das alterações mais relevantes propostas pelo Projeto. Muitos defendem que tais alterações irão regulamentar de forma mais detalhada e garantir mais direitos aos trabalhadores terceirizados. Entretanto, há uma parcela significativa dos sindicatos e trabalhadores afirmando que tais alterações irão, a bem da verdade, proteger os interesses dos empregadores, restringindo seus direitos trabalhistas já conquistados. Aduzem que tais modificações acabarão por sucatear as relações trabalhistas, implicando no pagamento de baixos salários, na falta de vínculo entre as empresas, bem como na falta de especialização dos empregados, gerando desmotivação e queda na qualidade do produto final.

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SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo/SP,  LTr, 2000.

Informações Sobre os Autores

Vanessa Cristina Parra Nagahiro

Acadêmica de Direito da Faculdade Assis Gurgacz

Fernanda Meller

Advogada e Professora da Faculdade Assis Gurgacz


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