A recuperação extrajudicial prevista na Lei 11.101/05

Resumo:O presente trabalho possui como enfoque o estudo da Recuperação Extrajudicial de empresas, tendo por base as mudanças legislativas realizadas em nosso ordenamento jurídico através da Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (Lei de recuperação de empresas e falência), que substituiu a antiga Lei de Falências (Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945). A referida lei possui como objetivo maior possibilitar a superação da crise econômico-financeira pela qual se encontra a empresa em estado de insolvência, de fato ou aparente, mantendo o emprego dos trabalhadores, a manutenção da fonte produtora, o interesse dos credores, a preservação da empresa e estimando a economia. Nesse sentido, serão abordados os princípios que regem tal instituto, conjuntamente com os elementos do pedido para efetuar a recuperação extrajudicial;os limites e os créditos que podem ser objeto da recuperação extrajudicial; seus respectivos efeitos; o rol de documentos necessários para o pedido e seu procedimento judicial e extrajudicial.

Palavras-chave: Recuperação extrajudicial. Lei de recuperação de empresas e falência. Superação da crise econômico-financeira.

Sumário:Introdução. 1. Princípios. 2. Conceito. 3. Do Pedido. 4. Limites. 5. Efeitos. 6. Documentos Necessários. 7. Procedimento. 8. Conclusão. Referencias.

Introdução

O presente estudo se propõe a analisar a recuperação extrajudicial de empresas, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (Lei de recuperação de empresas e falência), que substituiu a Lei de Falências, antigamente instituída pelo Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945.

Conforme dispõe a referida lei, o objetivo maior da referida lei épossibilitar a superação da crise econômico-financeira pela qual se encontra o devedor, buscando assegurar “a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (art. 47, LRF).

Em razão do interesse público em manter as empresas em funcionamento, decorrente do princípio da preservação da empresa e de sua função social, foi possibilitado que diante de crises financeiras o devedor renegociasse suas dívidas com seus credores através da recuperação judicial.

Segundo Ricardo Negrão (2010, p. 187), a novel lei traz três diferentes modalidades de recuperação judicial, a recuperação ordinária (arts. 47-69), recuperação especial destinada às microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 70-72) e a recuperação extrajudicial sujeita à homologação judicial (arts. 161 a 167, LRF).

Todavia, este estudo cinge-se apenas à análise da última modalidade, apresentando passo a passo o procedimento da recuperação conhecida por “extrajudicial”, pois a maior parte do seu procedimento ocorre antes da homologação judicial.

1. Princípios

A recuperação extrajudicial é alicerçada em três princípios, o princípio da igualdade de tratamento entre credores, o qual é aplicado de maneira proporcionalaos créditos da mesma natureza, respeitandoas preferências e privilégios. Esse princípio assegura que “o plano extrajudicial não pode contemplar o pagamento antecipado de dívidas, nem, tampouco, tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos (Art. 161, § 2°, LRF)” (NEGRÃO 2010, p. 223).

O segundo princípio é o da lealdade, que se encontra estritamente ligado à boa-fé, uma vez que exige que o devedor aja com integridade no cumprimento de todos os requisitos previstos na lei em comento, de forma a garantir a homologação de seu plano perante o juízo, efetivando a sua recuperação.

Por último, o princípio da preservação da empresa, encarado por alguns autores como norma-princípio, visa manter a função econômico-social exercida pela empresa, “seja por trazer benefícios ao Estado, por meio da arrecadação e de receitas que gera, seja em relação à comunidade na qual a empresa esteja inserida, seja em relação aos empregados, que dependem da atividade da empresa”. (RESTIFFE 2008, p. 04).

2. Conceito

Para analisarmos todos os elementos e requisitos deste procedimento, buscamos um conceito, que estabelece o pedido de recuperação extrajudicial como procedimento especial, de jurisdição voluntária. Assim, define RESTIFFE (2008, p. 375).

“A recuperação extrajudicial é procedimento especial de jurisdição voluntária, estabelecido em legislação extravagante, eis que se dá a administra­ção pública de interesses particulares, ante a intervenção do Poder Judiciário em negócios jurídicos envolvendo direitos privados, destinado a constituir estado jurídico novo, desde que presentes os requisitos expressamente estabelecidos na legislação falimentar.”

Desse modo, a recuperação extrajudicial tem por objetivo estabelecer linhas de diálogo entre os credores e o devedor, em busca de uma nova situação fático-jurídica, que permita a recuperação da empresa de sua crise. A atuação do judiciário nesse caso é de mero interventor, auxiliando os interessados a realizarem um novo negócio jurídico.

O pedido de recuperação extrajudicial é considerado um procedimento de jurisdição voluntária, entretanto, a participação do Ministério Público será nos termos do art, 166, em que havendo previsão de alienação judicial de filiais ou unidades produtivas, deverá ser intimado o parquet, sob pena de nulidade, ou havendo impugnação ao plano apresentado.

3. Do pedido

O devedor poderá elaborar pedido de homologação de dois tipos diferentes de plano de recuperação extrajudicial, o plano individualizado ou plano por classe de credores. No primeiro o devedor requer a homologação do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e os termos e condições acertados com a totalidade dos credores ou com os que resolveram aderir ao plano (art. 162).

Já no segundo caso, por classe de credores, exposto no art. 163, o devedor requer a homologação do pedido de recuperação extrajudicial juntando a justificativa e a concordância de no mínimo 3/5 de todos os créditos constituídos até a data do pedido em juízo, de uma ou mais classes entre as previstas nos incisos II, IV, V, VI e VIII do art. 83, de modo a obrigar a totalidade dos credores incluídos na espécie consignada no documento,a aderir o plano de recuperação (NEGRÃO, p. 224).

Importante frisar que, conforme o art. 163, §2º, não serão considerados para fins de apuração do percentual mínimo de 3/5, os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderão ter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.Outrossim, em se tratando de crédito em moeda estrangeira, no intuito de apurar o referido percentual, a conversão dos créditos para moeda nacional se dará pelo câmbio da véspera da data da assinatura do plano (art. 163, §3º).

Por fim, não serão computados os créditos detidos pelos “sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social […]”. (Arts. 163, § 2°, II, e 43, LRF).    

4. Limites

A lei 11.101 estabelece limites à recuperação extrajudicial para o devedor, em razão dos princípios expostos, não se aplicando a recuperação judicial aos créditos de natureza tributária, trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, II.

Ademais, o plano de recuperação extrajudicial não poderá prever o pagamento antecipado de dívidas, nem desfavorecer os credores que não se sujeitarem a ele. De modo que não haverá suspensão de direitos, ações ou execuções dos credores não sujeitos ao plano, que ainda terão a faculdade de requerer a decretação de falência do devedor.

Todavia, os credores que aderiram ao plano de recuperação extrajudicial, através de documento público ou privado, não poderão desistir do acordado após a distribuição do pedido de homologação de recuperação judicial, salvo houver concordância expressa dos demais signatários (art. 161,§5º, LRF). Assim, conforme COELHO (2014, p. 440)

“Após a distribuição do pedido de homologação, o credor que tiver aderido ao plano de recuperação extrajudicial não pode dele desistir, a menos que os demais signatários concordem. A anuência do devedor e de todos os credores é condição para a existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano de recuperação extrajudicial deve sempre ser considerado em sua integralidade. Se faltar qualquer um de seus elementos, é possível que o objetivo pretendido — a recuperação da empresa do devedor — não se alcance.”

No intuito de não tornar a recuperação extrajudicial uma prática recorrente para as empresas retardarem o pagamento de seus credores, os legisladores vetaram a possibilidade do devedor se utilizar desse instituto quando restar pendente pedido de recuperação judicial, ou ainda se, há menos de dois anos, lhe houver sido deferido pedido de recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial (art. 161, §3º, LRF).

5. Efeitos

O plano de recuperação extrajudicial somente acarretará efeitos após o juízo competente homologa-lo através de sentença. Sendo que imediatamente após o deferimento do pedido de homologação, independente de interposição de recurso, passará a constituir título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do  Código de Processo Civil (art. 161,§6º, LRF).

Ademais, só poderão ser alienados, suprimidos ou substituídos os bens objeto de garantia real, com expressa aprovação do credor da respectiva garantia. Além disso, o plano só alcançará efeitos anteriores à homologação se tratar de modificação de valores ou formas de pagamento dos créditos dos credores que anuíram com plano (art. 165, § 1°, LRF).

Cumpre salientar que a homologação do plano de recuperação extrajudicial mantém a variação cambial dos créditos em moeda estrangeira, de modo que só poderá haver variaçãose for expressamenteprevista no plano de recuperaçãoextrajudicial e o credor do respectivo crédito houver anuído.

Por fim, o art. 166 da lei em comento prevê que: “se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei”.O art. 142 referido, por sua vez, estabelece como regra geral para a alienação dos ativos do devedor as modalidades de leilão por lances orais, propostas fechadas e a realização de pregão.

6. Documentos necessários

O devedor após elaborar o plano de recuperação extrajudicial diretamente com os credores deverá requerer a homologação judicial do plano de recuperação, devendo para tanto instruir a petição inicial com a justificativa do pedido, além das condições e termos estabelecidos como os credores para a sua recuperação.

No mais, deverá expor sua situação patrimonial, juntando as demonstrações contábeis do último exercício social da empresa e as necessárias para instruir o pedido, comprovando, assim, a possibilidade de recuperação (art. 163, §6º, II, LRF). Para tanto, é expressamente exigido apresentar: a) o balanço patrimonial; b) a demonstração de resultados acumulados; c) a demonstração do resultado desde o último exercício social; e d) o relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção.

O devedor deverá apresentar,ainda, a relação nominal completa de seus credores, indicando os respectivos endereços, a natureza do crédito, sua classificação e seu valor atualizado, bem como origem, regime de vencimento e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente. Restando, ainda, obrigado a comprovar, documentalmente, os poderes dos firmatários do plano de recuperação extrajudicial para novar ou transigir os créditos que lhes tocam (art. 163, § 6°, III, LRF).

7. Procedimento

Com o ajuizamento da ação para a homologação do plano de recuperação extrajudicial, os autos serão remetidos ao juiz, que analisará os requisitos da petição inicial e caso receba a inicial, determinará a publicação de um edital, que será fixado no mural da comarca e publicado em jornal de grande circulação, concedendo prazo de 30 dias para eventuais credores não incluídos no plano oferecerem impugnação.

Além disso, o credor deverá notificar pessoalmente os credores incluídos no plano para que tomem ciência da ação de homologação, para impugnarem, se for o caso.

A impugnação deverá ser dirigida ao juiz do processamento da recuperação e deverá conter os documentos necessários para demonstrar a qualidade de credor do impugnante e no mérito, deverá apenas indicar a inobservância dos requisitos legais, como a pratica de atos de falência, fraude na conduta do devedor e simulação de créditos, dentre outros.

Para Tomazette (2012, p. 261), a prática de atos de falência não permite ao juiz realizar a convolação da ação de recuperação extrajudicial em falência, visto que não há previsão legal para tanto, pois as ações possuem ritos distintos e requisitos únicos, devendo o interessado ingressar com ação própria.

Com a apresentação de impugnação, deverá o juiz oferecer prazo de 5 dias para a resposta do devedor, posteriormente, recomenda-se a oitiva do Ministério Público. Por fim o processo será apreciado pelo magistrado que decidirá pela homologação ou não do plano, mediante sentença.

As partes podem recorrer da decisão do juiz mediante apelação, apenas com efeito devolutivo, podendo o devedor, caso não seja o recorrente, começar a execução do plano. Caso o seu pedido de homologação seja sentenciado improcedente, como as impugnações apenas podem se referir acerca da não observância dos requisitos legais, poderá o devedor ajuizar nova ação, desde que sanados os vícios apontados.

8. Conclusão

Diante disso, resta claro a preocupação do legislador ao introduzir a recuperação extrajudicial, como mais uma ferramenta de auxílio às empresas, visando a manutenção das relações comerciais e tendo a função social da empresa como preocupação maior, mantendo a empresa, mesmo que em dificuldade em funcionamento, inserida no mercado.

Ademais, a redução das formalidades para esta modalidade de recuperação acarreta em maior celeridade ao procedimento, podendo o devedor realizar quase todo o procedimento em meios extrajudiciais, sendo necessário apenas a publicação de edital, para dar ciência a demais credores que desejem se habilitar, oferecendo ainda o contraditório em 5 dias, oportunidade em que o juiz ao apreciar a impugnação, já decidirá pela homologação ou não.

Outrossim, outro atributo importante, é a possibilidade de não utilização da recuperação judicial, que se demonstra um processo em si demorado, primeiramente pela observância de prazos mínimos processuais e pela necessidade de concordância de grande parte dos credores dos créditos permitidos em juízo, dependendo da funcionalidade da máquina judiciária, podendo o devedor diligenciar diretamente com seus credores.

Referências.
COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa, São Paulo: Saraiva, 2008, volume 3, 9ª edição.
NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e defalências: Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de Empresas. São Paulo: Manole, 2008.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial, volume 3: Falência e recuperação de empresas. – 2. Ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

Informações Sobre os Autores

Charles Sassone Oliveira

Advogado. Graduado em Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Ricardo Alexsander Miranda Rosa

Advogado. Graduado em Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG


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