Mulheres no banco dos réus, sob o olhar de um juiz. Decisão libertando Edna, a que ia ser Mãe

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“A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar  ao Mundo que os seres têm direito à vida,  que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.

Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.”

(Decisão proferida, na 1ª Vara Criminal de Vila Velha, Espírito Santo).

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Libertação de uma empregada doméstica, que estava presa porque furtara do seu patrão o dinheiro necessário para comprar uma passagem de trem, de Vitória à vizinha cidade mineira de Governador Valadares.

Despacho do Juiz João Baptista Herkenhoff (Vitória, ES).

“Considerando o pequeno valor do furto;

considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por esta Terra, em vez de procurar a Polícia por causa de 150 cruzeiros, teria facilitado a ida da acusada para Governador Valadares, ainda mais que a acusada havia revelado sua inadaptação a esta capital;

considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal;

considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em 150 cruzeiros, mas não processa os patrões que lesam seus empregados, que lhes negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos;

considerando que o cárcere é fator criminogênico e que não se pode tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados para, nessa universidade do crime, adquirir, aí sim, intensa periculosidade social;

RELAXO a prisão de Neuza F., determinando que saia deste Palácio da Justiça em liberdade.

Lamento que a Justiça não esteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse esta moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida. Se assistente social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do verbo porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Invoco o poder deste verbo, dirijo a Deus este verbo e peço ao Cristo, que está presente nesta sala, por Neuza F. Que sua lágrima, derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo Nazareno.”

Despacho dado em audiência, no dia 25/3/76, no processo n. 3.721, da 3a. Vara Criminal de Vitória. Publicado pelo jornal “A Gazeta”, de Vitória, na edição de 26/3/76

 


 

Informações Sobre o Autor

 

João Baptista Herkenhoff

 

Livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor

 


 

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