A lei orgânica de assistência social e o papel socializador do trabalho para a pessoa com deficiência: contradições e perspectivas

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1. INTRODUÇÃO


O presente artigo se propõe a questionar e a propor soluções ao paradoxo criado pela Lei 8213/91 e a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Isso porque o primeiro diploma legal prevê cotas para pessoas com deficiência em empresas com cem ou mais empregados. Já a LOAS cria um benefício assistencial ao idoso ou pessoa com deficiência que não tenha meios de subsistência.


Ocorre que, muitas famílias, preferem que a pessoa com deficiência não se proponha a trabalhar pelo receio de perderem o benefício do INSS. Assim, acaba-se impedindo a tentativa de participação no ambiente social do trabalho.


2. O TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA


A pessoa com deficiência, quando empregada, encontra a possibilidade de auto-sustento pela remuneração percebida por seu trabalho. Sendo assim, desonera o Estado, que tem a obrigação de prestar-lhes assistência. No dizer de BENJAMIN:


Assim, é mais eficiente e econômico para o Estado e para a sociedade como um todo – incluindo-se aí os próprios portadores de deficiência – investir na adequação do portador de deficiência para uma vida auto-suficiente dentro dos limites impostos por sua condição física ou mental. Enfim, a sociedade economiza recursos preciosos aplicados desnecessariamente, ativa-se o mercado com um contigente antes excluído da produção e do consumo e aumenta-se até mesmo a arrecadação de impostos. [1]


No mesmo sentido, ressalta-se que a capacidade de autodeterminação é maneira pela qual pode-se começar a garantir a dignidade humana. Dessa forma: não há menor possibilidade de integração se retirarmos dos portadores de deficiência a capacidade de autodeterminação. Não há como falar em dignidade humana ou em igualdade se não oferecermos condições para que essas pessoas possam ganhar honestamente seu próprio sustento[2] (grifos nossos)


No Brasil, existe a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), cuja função é, entre outras, prestar um mínimo de subsistência à pessoa com deficiência, quando prevê que: O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. [3]


Portanto, tem-se que o benefício assistencial previsto na Lei Orgânica de Assistência Social muitas vezes mais mantém a exclusão do que beneficia a pessoa com deficiência. Isso porque o referido benefício só é concedido para aquelas pessoas que comprovem que não tenham meios de suprir suas necessidades ou tê-las suprida por sua família. Assim, muitas famílias, que vivem deste benefício, receiam deixar que a pessoa com deficiência se habilite ao trabalho pelo motivo que perderão o benefício. Ao revés, preferem ficar recebendo um salário mínimo vitalício do que se arriscarem no mercado formal de trabalho. Em conseqüência, acabam se mantendo no mercado informal, sem as garantias trabalhistas e sem um salário digno.


Cria-se assim uma situação complexa, pois, se por um lado o Estado tem que prestar assistência a essas pessoas, por outro é seu dever também buscar a autodeterminação destas.


Uma das alternativas é a proposta colocada pelo Procurador do Trabalho, Dr Ricardo Tadeu Marques da FONSECA, de se tratar o benefício, nos casos de contratação da pessoa com deficiência, como é concedido o benefício de auxílio-acidente[4]. Para isso, o parquet sugere ao novo benefício o título “auxílio-habilitação”. Este auxílio seria concedido como forma de incentivo e de possibilidade de romper com certas dificuldades estruturais encontradas pela pessoa com deficiência como, por exemplo, transporte, complementação dos estudos, etc, ou seja, o trabalhador com deficiência continuaria recebendo o benefício como forma de complementar sua renda familiar.


Segundo o Procurador do Trabalho “o benefício assistencial não deixa de ser um ‘gueto institucional’ excludente, ao passo que o benefício previdenciário aqui sugerido [auxílio-habilitação] seria o justo reconhecimento dos esforços que a habilitação implica”[5].


Ao nosso ver, o benefício não pode ser impedimento para a inclusão no mercado formal, nem tampouco um “estímulo” à manutenção da pessoa com deficiência na informalidade. Assim, tem-se que a estipulação, ainda em votação, do chamado “Estatuto da Pessoa com Deficiência[6]”, que prevê que o benefício assistencial ficaria suspenso enquanto a pessoa com deficiência estivesse trabalhando, seria uma saída viável, in verbis:


art. 56 omissis


§3º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência, inclusive em razão de seu ingresso no mercado de trabalho, não impede seu restabelecimento, desde que atendidos os demais requisitos estabelecidos (grifos nossos)


Verifica-se que essa seria uma solução. Isso porque, a possibilidade emprego, com inserção na rotina da empresa, traz não só a condição de subsistência dada pelo salário, mas também oferece ao indivíduo a oportunidade do ambiente social de trabalho. Assim, o que se pretende não é apenas garantir subsistência material à essas pessoas, mas também a dignidade humana, enquanto necessidade de inclusão e participação na sociedade.


A importância do trabalho não pode ou, pelo menos, não deve ser entendida exclusivamente como a satisfação de uma necessidade de sobrevivência. O trabalho, inclusive na condição particular do deficiente, não tem simplesmente o condão de possibilitar o acesso a bens. Embora tal acesso seja importante e o trabalho, inegavelmente, seja o meio mais comum de consegui-los, este não pode ser reduzido à uma caminho para aqueles. Assim fosse, bastaria uma ampliação do benefício de prestação continuada da Lei 8742/93 a toda e qualquer forma de deficiência e teríamos solucionado tal problema.[7]


O relacionamento no ambiente de trabalho traz a vantagem de romper com certos preconceitos dos demais trabalhadores e, até mesmo, tem um papel educativo, uma vez que essas pessoas, que serão colegas de trabalho da pessoa com deficiência, aprenderão como lidar com o “diferente”. Isso porque, muitas vezes, a falta de relacionamento e o preconceito vêm por falta de informação[8] de como agir diante do surdo, cadeirante, mudo ou cego. O ambiente relacional na empresa, juntamente com um trabalho de preparação dos empregados com palestras e oficinas[9] dirigidas ao trato com a pessoa com deficiência, provocaria então possibilidade de romper com esse distanciamento.


3. CONCLUSÃO


O trabalho no mercado formal, para a pessoa com deficiência, tem um papel determinante em sua inclusão não só econômica, mas principalmente social. É no ambiente de trabalho que a pessoa com deficiência tem a possibilidade de romper com estigmas e demonstrar sua capacidade e produtividade.


A cota no mercado de trabalho para pessoas com deficiência é meio pelo qual busca-se, através de exigência legal, essa inclusão social. Ela justifica-se pelo histórico de exclusão e protecionismo para com a pessoa com deficiência, bem como pelos ainda restantes estigmas da incapacidade ou improdutividade do empresariado para com essas pessoas. Pensa-se, erroneamente, que as adequações necessárias quando da contratação de uma pessoa com deficiência serão onerosas demais para a empresa. Além disso, exige-se escolaridade muito alta para essas pessoas, impossibilitando o acesso destas ao emprego.


As ações afirmativas para com as pessoas com deficiência têm mostrado a necessidade de oportunidades. Não se busca mais o protecionismo assistencialista e sim políticas inclusivas, de acesso a bens e serviços, bem como a educação formal e profissionalizante.


 


Notas:

[1] BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. A tutela das pessoas portadoras de deficiência pelo Ministério Público. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. (Coord.) Direitos da Pessoa com deficiência. Publicação oficial do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Advocacia Pública e Sociedade. São Paulo, a. 1, n. 1, 1997, p. 18-19.

[2] NEME, Eliana Franco. Obra citada, p. 143.

[3] Artigo 20 da Lei 8742/93. Observe-se que a idade prevista neste artigo foi modificada para 65 anos pela Lei 10.742/03, “Estatuto do Idoso”. A Lei do benefício assistencial supra mencionada regulamenta o disposto na Constituição Federal artigo 203, V.

[4] Nestes casos o reabilitado acidentado continua, mesmo trabalhando, recebendo um auxílio por conta do acidente de trabalho. Conforme Art. 86 da Lei 8213/91 “O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

[5] FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o Direito do Trabalho, uma ação afirmativa. p. 285.

[6] PL 03/06, Minuta do Substitutivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

[7]  FARIAS, Fábio André de. MUSSATO, Andréa Gersósimo. Reflexões acerca da relação da deficiência e o mundo do trabalho. Revista do Ministério público do Trabalho do Rio Grande do Norte. n. 2, ago de 1999, p. 88

[8] Sobre essa questão é sempre importante informar como se tratar a pessoa com deficiência, por isso, citamos a esclarecedora entrevista publicada em 19/05/06 pela revista Managent com Marcos Antonio Gonçalves, presidente da Avape (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais) “Ao caminhar com alguém que usa bengalas ou muletas, por exemplo, procure acompanhar o seu ritmo. Se for conversar com um cadeirante, sente-se. Se tiver dificuldades em compreender um surdo mudo, não se acanhe em pedir que repita o que disse. Alguns preferem usar bilhetes para se comunicar com pessoas com esse tipo de deficiência. Entre as gafes mais comuns estão gritar com um surdo para que ele escute o que você está falando e empurrar uma cadeira de rodas para ajudar o cadeirante, sem avisá-lo antes. Não se deve fazer isso, porque o deficiente físico vê sua cadeira como uma extensão de seu próprio corpo. Portanto, empurrar a cadeira de rodas é como empurrar a própria pessoa.

[9] Há várias organizações que realizam esse trabalho. Citamos como exemplo a Avape e o IBDD (Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência).


Informações Sobre o Autor

Vanessa Martini

Advogada. Bacharel em Direito pela UFPR


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