O sistema de certificação digital brasileiro e a efetividade do direito fundamental à informação no meio eletrônico

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Sumário: 1. Introdução. 2. Direito fundamental à informação: considerações preliminares. 3. O problema da efetividade do direito fundamental à informação no meio eletrônico. 4. O sistema de certificação digital brasileiro como meio de garantir efetividade ao direito à informação. 5. A constitucionalidade do sistema de certificação eletrônico brasileiro. 6. Conclusão. 7. Notas Bibliográficas.


1. Introdução


O presente trabalho versa sobre a utilização de inovações tecnológicas como forma de garantir a efetivação do direito fundamental à informação de maneira segura e válida no meio eletrônico. O direito à informação, classificado como um direito humano de quarta geração, relaciona-se com a concretização do princípio da democracia, uma vez que quando se resguarda o acesso à informação livre de manipulação e com confiabilidade e autenticidade da fonte consegue-se atingir os verdadeiros fins de uma globalização política e cultural.


Uma das conseqüências da concretização do direito à informação refere-se à inclusão digital, pois o Estado passa a buscar formas eficientes de gerar credibilidade dos indivíduos em utilizar das vantagens advindas no uso do meio eletrônico, o que gera o incremento do comércio eletrônico e de demais relações jurídicas praticadas nesse meio.


No Brasil, o sistema de certificação digital, implantado desde de 2001, representa uma das soluções relevantes para permitir a produção de efeitos do direito à informação no meio social, uma vez que possibilita o envio e recebimento de informações seguras e juridicamente válidas, embora sua utilização necessite enfrentar alguns obstáculos, especialmente, no âmbito doutrinário e jurisprudencial.


Dessa forma, no presente trabalho fez-se, inicialmente, uma abordagem sobre o direito à informação no meio eletrônico enquanto direito humano fundamental de quarta geração. Em seguida, abordou-se a diferença entre eficácia jurídica e efetividade, dando enfoque às normas de direitos fundamentais. Por fim, realizou-se análise sobre a constitucionalidade do sistema de certificação digital brasileiro destacando sua função de efetivar o direito fundamental à informação no nosso meio social.


2. Direito fundamental à informação: considerações preliminares 


O surgimento do direito à informação ocorre a partir da elaboração e da comunicação dos pensamentos entre os seres humanos com raízes, portanto, no direito à liberdade.


É possível encontrar resquícios de proteção ao direito à informação, já na Carta Magna de 1215, quando este documento dava proteção ampla aos direitos de liberdade, e, particularmente, quando resguardava o acesso às informações sobre matrimônio e falecimento.


Todavia, apenas com o Bill of Rights, em 1689, na Inglaterra, o direito à informação foi diretamente relacionado à liberdade de expressão e adquiriu maior destaque com o fim do regime de privilégio instituído pelo monarca quanto aos periódicos escritos.


Dentre as Declarações de Direitos Fundamentais, que antecederam as Constituições e representavam uma primeira forma de positivação de tais direitos, pode-se destacar que na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 encontrava-se remissão à liberdade de consciência e de crença e liberdade de manifestação de pensamento, ambas consistindo em formas de concretizar o direito à informação, com destaque para sua característica de direito de defesa, ou seja, direitos de proteção dos cidadãos em face do Estado.


Com a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948, além de universalizar esse direito fundamental, criou-se um novo foco de interesse, pois a liberdade de expressão e de opinião deixou de se concentrar como um direito meramente individual para constituir-se também direito de entidades e órgãos informativos, enaltecendo, assim, outra forma de concretizar o direito à informação: a liberdade de imprensa.


Com o avanço tecnológico e o surgimento de outros meios de comunicação, que não mais se restringe a periódicos escritos ou  rádio-difusão, atualmente, cabe falar em liberdade de informação, ou seja, o recolhimento e envio de informações deve ser livre, desde que não viole outros direitos fundamentais dos indivíduos, daí a necessidade do Estado em certos casos estabelecer limites à fruição desse direito, independentemente do meio em que essa informação é propagada.


Entretanto, uma das problemáticas ao abordar o direito à informação como direito fundamental refere-se em delimitar sua conceituação, uma vez que parte da doutrina o tem como sinônimo de direito à comunicação, enquanto que outra parcela prefere tratá-los de maneira diversa.


Então, há quem entenda o direito à informação como direito de ter e compartilhar informações tanto pelos indivíduos como pelo Estado, compreendendo-o como um conjunto de normas jurídicas que regulam a exteriorização do pensamento através dos diferentes meios de comunicação[1].


Por outro lado, certos doutrinadores preferem realizar um corte etimológico no termo “informação” e definir o direito à informação como o direito que todo ser humano tem de estar informado, ou seja, de obter e dispor de informações, enquanto que o direito à comunicação seria o direito que todos têm de ter e compartilhar com outros as informações que dispõem. Nesse sentido concluiu Ferreira,


O direito à informação compreende as faculdades de colher e receber informações, considerando-se no pleno gozo do seu direito o sujeito que dispõe da informação. (…). Já o direito à comunicação, perante o qual o mesmo sujeito se comporta ativa e passivamente, compreende às faculdades de colher, receber e comunicar, porquanto comunicação pressupõe e implica compartilhamento de informações[2].


Percebe-se que o cerne da distinção ou não de ambos os direitos : à informação e à comunicação, advém da característica polissêmica do termo “informação”, que ora adquire sentido de objeto ou resultado, ora de ação ou de fonte do processo de comunicação.


Não obstante essa dificuldade semântica, com a origem da “sociedade da informação”, ou seja, dos efeitos sociais produzidos pela revolução tecnológica, tem-se tornado cada vez mais relevante a preocupação em garantir o direito à informação como direito fundamental, uma vez que as informações passam a ter valor econômico e hoje são tão valiosas quanto bens corpóreos, tanto que a forma de sua produção e de sua proteção são temas de grande relevância para os ordenamentos jurídicos, bem como para as relações internacionais entre os Estados.


Além disso, as novas tecnologias constituem-se em ferramentas importantes na troca de informações entre povos e culturas diversos, pelo fato de encurtar as distâncias entre os Estados e tornar mais céleres as funções de envio e recebimento de informações das mais variadas qualidades, sejam pessoais, comerciais ou mesmo públicas.


Com relação às informações públicas as novas tecnologias têm servido como instrumento de efetivação da própria democracia, pois proporciona uma cultura de legalidade e de transparência na gestão pública, fatores essenciais em um Estado que se intitula Democrático de Direito.


Assim, a “sociedade da informação” permitiu uma amplitude na troca de informações tanto no setor privado com o crescimento absurdo, ano após ano do comércio eletrônico, como também no setor público, que aos poucos tem usufruído das vantagens do meio eletrônico, como por exemplo, quando a Administração Pública Federal adotou a forma de licitação de pregão eletrônico ou mesmo quando implantou no âmbito dos Juizados Espaciais na Justiça Federal o processo eletrônico.


Nessa linha, Gonçalves conclui que


A informação aparece-nos sob diversas formas e com diferentes conteúdos. No contexto da sociedade da informação e devido ao uso das novas tecnologias, formas inovadoras de tratamento de informação tornaram possível organizar e apresentar sob formatos diversos uma maior quantidade e diversidade de fatos, dados e conhecimentos[3].


Não há, então, como rechaçar essa nova forma de disposição das informações e nem, principalmente, criar óbices para que o direito à informação segura e válida possa produzir efeitos no meio social, de modo que só resta buscar na ordem jurídica vigente soluções que aprimorem o trato das informações no meio eletrônico.


Cabe salientar que, para enfoque do presente artigo, o termo informação será relacionado ao seu caráter automatizado consistente nos dados registrados, tratados e transmissíveis por computador, mediante rede de computadores, englobando desde documentos e contratos eletrônicos, até demais relações jurídicas que podem tomar a forma eletrônica.


Ademais, mesmo no período atual de revolução tecnológica deve-se atentar para uma nova forma de comunicação em massa a ser realizada com auxílio do meio eletrônico, ou seja, se antes da década de 80 a principal preocupação era a manipulação massissa pela mídia, esta dominada por monopólios de empresas de comunicação, hoje há que se destacar o risco de dominação por grandes produtores de software e proprietários de provedores de Internet, em que ao invés de se trazer inovações, mediante a elaboração de novas legislações, são adotados os mesmos vícios das relações jurídicas no meio tradicional, como se poderá perceber o que se pretendia fazer na área da certificação digital de documentos eletrônicos.


Dessa forma, adotar-se-á o direito à informação num caráter amplo, que englobará a obtenção, disposição e comunicação de dados e fatos, devido a esse conceito melhor se adequar às características da forma de informação disposta, adquirida e transmitida pelo meio eletrônico.


No que concerne ainda ao direito à informação no meio eletrônico se constituir em um direito fundamental, não se tem como negar que seu conceito traz implícito os aspectos dessa categoria de direitos, sendo importante demonstrar o conceito elaborado por Ferrajolli sobre direito fundamental para poder relacioná-los, senão vejamos:


Derechos fundamentales son todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a todos los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas com capacidad de obrar; entendiendo por derecho subjetivo cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adstricta a un sujeto por una norma juridica; y por status la condición de un sujeto, prevista asimismo por una norma juridica positiva como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones juridicas y/o autor de los actos que son ejercício de éstas.[4]


Desse modo, independente do meio em que se concretiza o ato de obter, receber e transmitir informações se este constituir situações jurídicas para os praticantes do ato, seja gerando expectativa positiva (no reconhecimento pelo ordenamento jurídico da validade dos documentos eletrônicos) ou negativa (por exemplo, no que se refere à proteção da privacidade das informações, o qual deve ser garantido tanto em face do Estado como de outros particulares).


Além disso, os direitos humanos fundamentais não são categorias estanques, tendo em vista que com a evolução da sociedade e o surgimento de novos fatos sociais é natural o aparecimento de novas formas de subjetivação de direitos, assim como ocorreu na década de 70 em que os interesses transindividuais fizeram surgir, na abordagem da classificação historicista, os chamados direitos de terceira geração como o de proteção ao meio ambiente e ao consumidor.


Atualmente, a revolução tecnológica e a globalização no sentido político, econômico e social, permitiram o surgimento de uma nova dimensão de direitos que possui o aspecto principal de uma inter-relação com a  concretização da democracia direta.


Afinal, Bobbio ao abordar essa perspectiva ressalta que à medida que as pretensões do homem aumentam fazem surgir novos direitos, cada vez mais extensos, cuja satisfação, ou proteção efetiva, torna-se cada vez mais difícil de se realizar[5]. Daí, a possibilidade de surgimento de novas dimensões de direitos humanos fundamentais, embora a efetividade de tais direitos não seja detectada plenamente nos meios sociais.


Por conseguinte, o direito à informação, cuja origem remonta à globalização política na esfera da normatividade jurídica, representa um dos direitos fundamentais do indivíduo e é classificado, como direito de quarta geração sendo efetivado à medida que  se concretiza a democracia globalizada, de modo a constituir numa democracia isenta de exclusão e da mídia manipuladora devido aos avanços da tecnologia da comunicação que dá legitimidade à obtenção de informação correta e pluralista[6].


Com relação ao novo formato do direito à informação é conveniente demonstrar a manifestação de Pérez Luño ao concluir que o fenômeno de isolamento do indivíduo, que se vê privado de suas relações políticas horizontais com os que habitam em seu território, vive problemas e professam  idéias comuns, se vê agravado por obra da informatização. O autor ressalta ainda que a teledemocracia pode favorecer decisivamente formas de ‘comunicação vertical’ dos indivíduos com as elites do poder, quer sejam detentores do poder econômico-social, quer sejam líderes políticos revestidos de atributos carismáticos.[7]


No Brasil, o direito à informação encontra-se protegido como cláusula pétrea no art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal de 1988, que dispõe:


Art. 5º omissis.


XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. (grifo nosso)


Embora esteja no capítulo dos direitos fundamentais individuais, será dado um enfoque de direito fundamental pertencente à quarta geração, pelo fato de que as transformações ocorridas no meio social tanto de ordem econômica como, principalmente, tecnológica fizeram surgir um novo formato de proteção e acesso a informações cujo meio, devido a suas particularidades, necessita de um tratamento especial tanto legislativo, como doutrinário.


O referido dispositivo representa uma positivação no ordenamento jurídico brasileiro de um direito humano universalmente declarado e consagrado no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos dos Homens em 1948:


Art. 19 – todo indivíduo tem o direito à liberdade de opinião e expressão, este direito inclui o de não ser violada a causa de suas opiniões, o de investigar e receber informações e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão.


Contudo, não se pode olvidar que a concretização desse direito permitirá uma aproximação aos objetivos de uma nova forma de democracia, agora voltada a se realizar de modo direto e baseado na pluralidade de informação, marcada basicamente pelo crescimento do acesso ao meio eletrônico.


Por isso, uma das formas de expressão desse direito consiste na inclusão digital, ou seja, a inserção cada vez maior da população no meio eletrônico fazendo uso de seus recursos e vantagens. Essa inclusão digital deve ser tida como meta dos Estados Democráticos de Direito, na implementação de sua ordem social, como forma de permitir um acesso cada vez maior de seus cidadãos aos recursos do meio eletrônico a fim de usufruírem de modo seguro e eficiente das vantagens desse meio, que se enquadram especialmente no âmbito social.


Contudo, a resistência cultural, gerada pelo não conhecimento sobre o funcionamento do meio eletrônico, e a falta de credibilidade por parte dos usuários para este meio de comunicação têm sido um dos óbices ao avanço da inclusão digital no Brasil, embora, em termos tecnológicos, o sistema de certificação digital brasileiro esteja muito bem estruturado.


Na  realização da inclusão digital é possível apontar aspectos próprios dessa nova maneira de inter-relação entre os indivíduos, marca principal da denominada “sociedade da informação”, qual sejam: a desmaterialização das informações, que agora não mais necessitam estar interligadas a um suporte físico; a globalização das fontes e da acessibilidade das informações, bem como a imediatidade temporal e física do acesso a essas; e, por fim, o barateamento dos meios, que ocasiona uma igualização de oportunidades para obtenção e uso das informações.


Devido a tais particularidades a concreção do direito à informação se dá de maneira diversa, porém não menos relacionado à segurança jurídica, o que, no caso brasileiro, é observável com a instituição do sistema de certificação digital brasileiro, o que fez o Brasil dar um grande passo na regulamentação desse direito fundamental e na adequação às transformações advindas com a “sociedade da informação”.


3. O problema da efetividade do direito fundamental à informação no meio eletrônico


O direito sendo um  processo de adaptação social tem como intuito moldar a conduta dos homens quando conviventes em sociedade. Assim, mediante as normas jurídicas o direito irá selecionar, no plano axiológico,  as condutas que serão consideradas por aquela sociedade como relevantes juridicamente, transformando-as em suporte fático das normas jurídicas para que quando ocorrerem no plano dos fatos, façam incidir a norma posta, adquirindo a possibilidade de produzirem efeitos, permitindo, dessa maneira, que o direito molde aquela conduta social.


Percebe-se a partir daí que existe uma divisão entre um plano fático, composto pelas condutas humanas  e  eventos da natureza, e um plano jurídico, formado pelas normas postas como dogma, ou seja, mandamentos que possuem cogência, o que lhes permitem moldar as condutas dos homens daquela sociedade.


Além disso, observa-se que a formação do plano jurídico, ou seja, de suas normas, ocorre, inicialmente, mediante uma atividade política de selecionar quais condutas e eventos do plano fático serão regulamentados por ela, ganhando, dessa forma, caráter de observância obrigatória conforme os moldes nelas dispostos.


Entretanto, o fenômeno jurídico não limita-se apenas aos planos axiológicos e normativos, supera-os e desenvolve-se ainda numa terceira dimensão denominada sociológica em que será observada a aplicação da norma jurídica e a relação entre a previsão normativa e o que ocorreu na realidade fática.


Na verdade, o fenômeno jurídico não deve ser estudado de maneira isolada, mas sim com uma integração de suas três dimensões, tendo em vista que entender o direito como processo de adaptação social só é possível a partir de suas três fases: valoração, criação de normas jurídicas e aplicação destas no meio social a que se destina.


Por isso, não há como pensar numa desvinculação entre o direito e a realidade, uma vez que a realidade do direito compreende à coincidência do comportamento social com os modelos e padrões traçados pelas normas jurídicas.[8]


Dessa forma, o conceito de efetividade refere-se, então, a essa relação entre a realidade social e o direito, ou melhor, à análise se as normas jurídicas estão sendo respeitadas e verdadeiramente aplicadas naquela sociedade.


É evidente que o direito é elaborado para ser cumprido, senão perderia sua função precípua de moldar as condutas dos membros daquela sociedade. Todavia, há casos em que suas normas jurídicas não são respeitadas e cumpridas, ou porque elas não estão mais refletindo fielmente os valores daquela sociedade, ou porque o Estado não está conseguindo de modo satisfatório torná-las realizáveis no meio social.


Problemas como este remontam à dimensão sociológica, que, por muitas vezes, afasta-se da esfera do jurista, pois acaba delegando-o ao campo da Sociologia do Direito. Entretanto, essa solução não é a única existente, uma vez que é perfeitamente possível analisar a origem de problemas na efetividade de normas jurídicas, quando estes provém da esfera da eficácia da norma jurídica.


No entanto, para a corrente dos  normativistas a análise quanto à efetividade de uma norma jurídica não demonstra importância, haja vista que para eles a norma torna-se obrigatória a partir do momento em que torna-se vigente, sendo seu descumprimento uma mera infração ao direito.  


Isso demonstra que por não considerar a dimensão sociológica do direito, mas entender o direito resumido ao dogmatismo, se a norma jurídica está em vigor nada poderá afetá-la, senão outra norma que a revogue e lhe retire a eficácia, o que indica que ainda que uma norma não seja aceita por aquela sociedade e, portanto, não consiga incidir nas condutas daqueles indivíduos ainda assim será norma, porque esta nasce já com a vigência, totalmente independente do reflexo na ordem social. Esse foi um dos grandes erros dos normativistas partir de uma visão monista do direito ao entender que o direito se traduz simplesmente e unicamente na norma posta.


Na verdade, para esta corrente não há diferença entre eficácia e efetividade, entendendo que toda norma apta a produzir efeito, porque vigente, será obrigatoriamente realizada no meio social.


Tal visão é um tanto perigosa quando ao percorrer os exemplos de normas jurídicas será possível perceber em inúmeras delas que, embora sejam vigentes e, portanto, tenham aptidão para produzir efeitos na realidade social, não os fazem pelo simples fato de não serem aceitas por aquela sociedade.


Cabe ao direito revelar os valores fundamentais daquela sociedade mediante a elaboração de suas normas jurídicas, porém quando esta atividade não consegue atingir a interação com a sociedade, a efetividade das suas normas jurídicas resta comprometida, como também a própria logicidade do direito.


Convém destacar que as normas jurídicas ilógicas devem ser exceções num ordenamento jurídico, de modo a não prejudicar sua operatividade. Assim, em geral as normas jurídicas são efetivas e aquelas que apresentam problemas na produção de seus efeitos necessitam ser sanadas, perquirindo-se a origem de sua inefetividade.


No caso dos direitos fundamentais essa origem em grande parte vem devido à eficácia e aplicação de tais normas por parte dos poderes do Estado não estarem muito bem instrumentalizados nos aspectos materiais e processuais.


Desse modo, não se pode deixar de analisar o conceito e as espécies de eficácia de uma norma jurídica para que seja possível distinguir quanto à efetividade.


Partindo da análise da Teoria elaborada por Pontes de Miranda em torno do fenômeno jurídico, Mello destaca três espécies distintas de eficácia, senão vejamos:


1. Eficácia Normativa ou incidência da norma – é a espécie de eficácia que corresponde ao efeito que a norma produz ao juridicizar um fato no plano fático e torná-lo fato jurídico.


2. Eficácia Jurídica – é a espécie de eficácia que ocorre após a criação do fato jurídico, correspondendo ao conjunto de efeitos atribuídos pela norma a ele  que poderá se produzir no mundo jurídico.


3. Eficácia do direito- refere-se à efetiva realização da norma jurídica no meio social, ou seja, se foi possível tornar realidade as conseqüências imputadas pela norma. [9]


Assim, percebe-se que,  conforme tais definições, a eficácia normativa sempre ocorrerá quando da realização da previsão do suporte fático no plano dos fatos dando origem ao fato jurídico, e  é imprescindível para a juridicização das condutas, uma vez que só haverá fato jurídico se a norma jurídica incidir. Sua carga de efeito é justamente tornar a norma obrigatória.


Por outro lado, a eficácia jurídica será atribuída ao fato jurídico quando do seu nascimento, tornando este apto a produzir efeitos que pode se traduzir na criação de direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e situações de acionados. Seu pressuposto é que antes ocorra a eficácia normativa.


Finalmente, a eficácia do direito, ou o que também podemos denominar efetividade, ou ainda eficácia social, que compreende à produção das conseqüências, previstas na norma, na realidade social a qual ela se destina.


Assim, a partir das espécies de eficácias das normas jurídicas demonstradas cumpre destacar que será realizado um paralelo entre a eficácia jurídica e a eficácia do direito de tais normas, especificamente no que refere àquelas que representam direitos fundamentais.


Os termos eficácia jurídica e efetividade (eficácia social) são inter-relacionados, mas não se confundem. Como explicitado encontram-se em planos diferentes: um no dogmático e outro no sociológico, o que não indica que deva-se desmerecer um em prevalência do outro.  Do contrário, não seria possível explicar porque uma norma embora vigente não realiza modificações no meio social, ou porque uma norma encontra obstáculo ao ser concretizada no meio social por não ter conseguido estar apta para produzir efeitos.


Diante disto,  toda norma jurídica deve ao final de sua formação ser capaz de produzir efeitos realizáveis, tendo em vista que sem este sua efetividade é impossível. Até porque toda aplicação de uma norma jurídica deve resultar, inicialmente, de seu cumprimento espontâneo, já que se houver insubmissão expressiva naquele meio social ela cairá em desuso e dependerá da freqüente atuação do aparelho estatal.[10]


No campo da norma constitucional devido a sua característica particular de ter hierarquia e imperatividade em relação às demais normas, seu valor normativo e seu compromisso ainda maior de ser cumprida e respeitada gera a necessidade de criação de garantias e tutela próprias, além do desenvolvimento de técnicas de efetividade de suas normas, uma vez que seria uma inutilidade por parte do Constituinte elaborar uma norma que não pudesse ser efetivamente aplicada e respeitada.


Dentre as várias espécies de normas constitucionais existem aquelas com função de gerar direitos para os indivíduos, que passam a ter situações jurídicas desfrutáveis e que serão efetivadas por meio de prestações positivas ou negativas pelo Estado ou de outro destinatário da norma. Quando esses direitos não são cumpridos espontaneamente a partir deste momento nasce para seu titular uma pretensão e para o destinatário uma obrigação, que por meio de um direito de ação, junto ao Poder Judiciário, faz-se a tutela do interesse violado.[11]


Porém, quando se parte para analisar essa relação no campo dos direitos fundamentais encontra-se obstáculos nem sempre fáceis de serem removidos.


No que se refere ao direito à informação, apesar da norma do § 1º do art. 5º, da CF/88, definir o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, ao analisar a aplicação desse direito no meio eletrônico faz-se necessário que ocorra, primeiramente, uma concreção legislativa, ou seja, que seja elaborado uma legislação infraconstitucional visando regulamentar de que maneira as informações automatizadas podem ser juridicamente válidas.


Isto porque não basta afirmar a aplicação imediata do direito à informação no meio eletrônico, é preciso que se crie condições para que esse direito se efetive no meio social brasileiro. Afinal, devido à volatilidade e fragilidade da forma de transmissão de dados por esse meio cabe ao Estado intervir, sob o argumento de garantir maior segurança jurídica nas relações jurídicas praticadas nele, determinando soluções para se proteger a autenticidade e veracidade de tais informações.


Nesse ponto, o Brasil já realizou o primeiro passo ao criar o seu sistema de certificação digital a partir da ICP-Brasil, ou Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira, cuja principal função é permitir a utilização de documentos eletrônicos válidos, pois de nada adiantaria falar de efetividade do direito à informação no meio eletrônico, sem disponibilizar condições materiais para o acesso a dados verdadeiros e congruentes.


Desse modo, contata-se que no âmbito legislativo o direito à informação encontra-se concretizado, resta, então, averiguar como está sendo aplicada essa norma infraconstitucional e se ela tem conseguido fazer com esse direito produza efeitos no meio social brasileiro.


4. O sistema de certificação digital brasileiro como meio de garantir efetividade ao direito à informação


O sistema de certificação digital brasileiro, desde sua criação em 2001, tem servido de instrumento relevante para atribuir validade jurídica às informações transmitidas pela Internet, especialmente, por gerar uma maior confiabilidade na utilização do meio eletrônico, impulsionando, assim, a inclusão digital.


Esse sistema funciona com base na tecnologia de segurança denominada assinatura digital. Essa tecnologia é responsável por garantir o envio de informações pela Internet sem que estas sejam alteradas e, para tanto, faz uso do método de criptografia assimétrica, ou seja, utiliza-se um par de chaves,[12] sendo uma pública e outra privada, onde esta deve ser mantida em sigilo pelo signatário, para codificar as informações em formato eletrônico, a fim de se ter um maior controle sobre a criptografia e de se perceber se ocorreu alguma alteração no conteúdo das informações, bem como confirmar a autoria do possuidor do documento.


Segundo VOLPI, a assinatura digital compreende um mecanismo capaz de fornecer confiabilidade sobre a autenticidade do conteúdo e do autor do documento. É relevante destacar que não cabe relacionar a assinatura digital a uma determinada tecnologia, a fim de que possa esse conceito se adequar às inovações tecnológicas que certamente surgirão com o passar dos anos.[13]


Portanto, o correto é afirmar que a assinatura digital utilizada atualmente é baseada na técnica de criptografia assimétrica, nada impedindo que diante do surgimento de uma técnica de segurança mais aprimorada ela seja adaptada.


Essa é a tendência seguida pela maior parte das legislações estrangeiras que já regulamentaram a utilização da assinatura digital, como também na Lei Modelo da UNCITRAL, que prevê a neutralidade tecnológica, inclusive como um dos princípios dos contratos eletrônicos.


Cabe salientar que a assinatura digital não se confunde com senha de acesso, uma vez que esta é utilizada para adentrar em sistemas eletrônicos variados, como em provedores de acesso à Internet; já a assinatura digital é um resultado de operações matemáticas que servirá como sinal identificador do autor do documento eletrônico e resguardará a integridade do conteúdo deste.


A referida tecnologia possui como fonte a criptografia, técnica surgida há muitos anos atrás, tendo sido bastante utilizada na época da Segunda Guerra como forma de esconder os segredos e planos sobre armamentos e táticas de batalha, consistindo num método para tornar as informações um conteúdo secreto e ininteligível, com o objetivo de evitar a descoberta da informação por terceiros não envolvidos naquela comunicação, a partir da utilização de códigos secretos. Estes hoje são conhecidos por chaves.


A criptografia garante a confidencialidade de um documento ao processá-lo por um  conjunto  de  operações,  transformando  seu conteúdo em um texto cifrado. O emissor do documento envia, então, o texto cifrado, que será reprocessado pelo receptor, transformando-o novamente em um texto claro, igual ao emitido.


O conjunto de regras que determina as transformações do texto claro em texto cifrado é chamado de algoritmo (uma seqüência de operações) e o parâmetro que determina as condições da transformação é chamado de código secreto ou chave.


Existem dois modos de criptografia:  simétrica e assimétrica. A primeira não é indicada para proteger os documentos eletrônicos, por basear-se no uso de apenas uma chave secreta para codificar e decodificar a informação, devendo o emissor e o receptor conhecê-la, tornando-a vulnerável à violação, pois seria necessário que o emissor enviasse a chave com que codificou a mensagem  para o receptor.


Já a assinatura digital, fundada na criptografia assimétrica, compreende a utilização de um par de chaves (códigos secretos em formato de números hexadecimais), consistindo em uma privada e uma pública, para codificar e decodificar as informações do documento eletrônico, porém o que uma chave codifica apenas a outra poderá decodificar.


A chave privada deverá ficar com o autor do documento e ser mantida em sigilo por este e a pública será distribuída a todos os possíveis receptores do documento.


Com a aplicação da técnica de criptografia assimétrica, os dados contidos no documento eletrônico serão, primeiramente, processados por uma função matemática sem retorno (denominada função hash), obtendo um  resumo do conteúdo do documento (message digest) equivalente a um número hexadecimal de controle, pelo fato de ser mais prático utilizar um valor reduzido do que codificar uma mensagem enorme.[14]


Esse resumo do conteúdo do documento será criptografado a partir da aplicação da chave privada do signatário do documento, gerando, assim, a assinatura digital do documento eletrônico. Com este, em formato original, trafegará a sua assinatura digital.


No destino o receptor irá utilizar a chave pública e decifrará a message digest cifrada, ao tempo que aplicará a mesma função hash, aplicada pelo emissor, à mensagem original. O passo seguinte será comparar este resultado com a message digest recebida e decifrada; caso sejam idênticas, é porque o documento não sofreu alterações, o contrário indica que houve alguma violação.


Desse modo, a assinatura digital corresponde ao resultado da aplicação de uma operação matemática baseada em algoritmos (um de função sem retorno – hash function –  e outro de criptografia assimétrica), além de variáveis para a codificação que são o conteúdo do documento e a chave privada, de forma que para cada documento somente existirá uma assinatura digital possível.


 Todas as operações supracitadas são realizadas de forma transparente pelos programas de computador utilizados para navegação na Internet e é justamente este o mecanismo utilizado para viabilizar as chamadas conexões seguras entre o usuário com os servidores Web, locais onde ficam hospedadas as homepages na Internet.


As conexões seguras são identificadas pelo famoso ícone do cadeado amarelo e pelo endereço eletrônico da homepage acessada começando por “https:” e não com “http:”. Para o estabelecimento de uma conexão deste tipo, o servidor Web transfere, para o computador do usuário, um certificado digital com sua chave pública, que será utilizada para identificar o servidor acessado, bem como para criptografar os dados que o usuário enviar (senhas ou número do cartão de crédito, por exemplo) para ele.


Um dos problemas encontrados na tecnologia de assinatura digital corresponde à autenticidade da chave pública, que compreende a certeza de que a chave pública corresponde à chave privada do autor do documento.


É imprescindível garantir a autenticidade da chave pública nesse tipo de tecnologia de segurança, a fim de evitar que uma terceira pessoa intercepte o documento, gere um par de chaves e atribua-lhe um autor diferente.


Sem a garantia de autenticidade da chave pública, segundo VOLPI, seria bastante fácil a alteração do documento original, inclusive criando-se um novo par de chaves, sem que o receptor perceba que houve falsificação da assinatura digital do emissor.[15]


Percebe-se, então, que a sistemática da assinatura digital necessita de um instrumento para vincular o autor do documento, que utilizou a chave privada, à chave pública correspondente, criando, assim, uma relação direta entre esse e o par de chaves. Este instrumento é representado pelo certificado digital.


Seguramente, o principal problema na utilização do sistema de criptografia assimétrica refere-se à inexistência de uma relação entre o par de chaves, criado aleatoriamente, e o autor do documento a ser encriptado.


O certificado digital solucionou este problema, pois corresponde a identidade do documento eletrônico: de fato é uma mensagem eletrônica enviada junto com o documento eletrônico,  que  declara a utilização da assinatura digital naquele documento e a autenticidade


da autoria, haja vista que é concedido por um terceiro ente capaz de controlar a criação e emissão das chaves, bem como certificar que o emissor do documento é realmente quem se diz ser.


Na verdade, o certificado digital ou eletrônico é uma assinatura digital de uma terceira pessoa com a finalidade única de certificar a chave pública do autor do documento e possui, juridicamente, caráter declarativo. Ele é obtido perante entes denominados por entidades certificadoras e são enviados pelo emissor do documento antes ou simultaneamente ao documento eletrônico.


Cabe à  autoridade certificadora, por meio de mecanismos próprios, identificar como original o documento do emissor e, com sua assinatura digital própria, certificar a autenticidade do documento. Por isso, seu funcionamento pode ser equiparado ao de um serviço notarial efetuado pelos tabeliães.


É justamente o tipo de atividade desenvolvida pelas referidas entidades que tem causado polêmica, especialmente no meio jurídico, por possibilitar que entidades privadas certifiquem, inclusive com fé pública, a autenticidade das chaves públicas de assinaturas digitais e, por conseguinte, dos documentos eletrônicos, o que tem levantado questionamentos sobre a constitucionalidade desse sistema.


5. A constitucionalidade do sistema de certificação eletrônico brasileiro


O sistema de certificação dos documentos escritos está disciplinado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 236 e na Lei nº 8.935/94,  Lei dos Registros Públicos, e consiste basicamente numa organização dos serviços notariais e serviços de registro dos atos jurídicos.


Tal ofício surgiu com a intenção de tornar os contratos mais duradouros ao serem, antigamente, escritos em tábuas revestidas de cera, denominadas tabulas, que, por sua vez, eram escritas apenas pelas pessoas conhecedoras do alfabeto. Daí a origem do termo tabelião.


No Brasil, atualmente, o notário é um profissional liberal que exerce uma função de natureza pública, mas está sujeito à fiscalização e disciplina do Estado mediante o Poder Judiciário.


Os serviços notariais são atividades exercidas pelos notários, a quem compete a atividade de registrar no livro de notas os atos jurídicos e contratos das partes interessadas em registrar para que estes adquiram eficácia, segurança e autenticidade perante terceiros, o que teve respaldo legal no art. 221 do atual Código Civil brasileiro. Há ainda a atividade de resguardar a fé-pública dos instrumentos públicos, tornando-os autênticos até prova em contrário.


A certificação por meio dos notários pode ser realizada tanto em documentos particulares como em documentos públicos, porém quanto a estes a assinatura manual do tabelião, garantindo a fé-pública de seu conteúdo, corresponde a um requisito legal, ou melhor, uma conditio juris, a fim de determinar a validade dessa espécie de documento.


Assim, a declaração notarial é utilizada para formalização das declarações de vontade nos negócios jurídicos escritos, compreendendo uma atividade de autenticação delegada pelo Estado a esses profissionais, que devem agir sem um mínimo de discricionariedade e seguir os parâmetros legais traçados no exercício dessa função estatal.


Quando se trata de autenticar um documento disposto numa base corpórea, como ocorre com os documentos escritos, não existem maiores complicações. Entretanto, o problema surge quando se pensa na possibilidade de se autenticar ou mesmo registrar um documento em formato eletrônico, principalmente nos documentos públicos em que a forma é requisito essencial do ato.


Assim sendo, no ano de 2001, o Governo editou a Medida Provisória nº 2.200-2 que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas brasileira (ICP-Basil), criando órgãos reguladores das atividades das entidades certificadoras de documentos eletrônicos, uma vez que a realização de contratos eletrônicos pela Internet vem crescendo a cada ano e algumas entidades privadas já emitiam certificados digitais, ainda que sem nenhum controle do Poder Público até a referida Medida Provisória.


A ICP-Brasil é composta por uma estrutura de órgãos dispostos hierarquicamente de modo a existir  uma entidade gestora de políticas dessa infra-estrutura chamada Comitê Gestor da ICP-Brasil, formado por representantes dos seguintes Ministérios, que desempenham funções de relevante interesse público: Ministério da Justiça; Ministério da Fazenda; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; além da Casa Civil da Presidência da República e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.


Para executar essas políticas criadas pelo mencionado Comitê há um órgão raiz, denominado autoridade certificadora raiz, que opera conforme as definições do referido Comitê e que, segundo a citada medida provisória, consiste no Instituto de Tecnologia da Informação – ITI -,  autarquia federal relacionada com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que é responsável pela emissão, expedição, distribuição e revogação de certificados das autoridades certificadoras a ela subordinadas, assim como controla a lista de certificados expedidos por estas e executa atividades de credenciamento, fiscalização e auditorias nas autoridades certificadoras subsequentes a ela e nas autoridades de registro.


Às autoridades certificadoras, que podem ser entidades públicas ou privadas,  cabe emitir, revogar e gerenciar os certificados digitais para os usuários finais, bem como manter listas atualizadas dos certificados expedidos e registro de suas operações.  Cabe, ainda, a essas entidades a obrigação da transparência em suas atividades, para garantir segurança e consulta as suas operações realizadas.


Por fim, existem também as autoridades de registro, que são entidades públicas ou privadas operacionalmente vinculadas a determinada autoridade certificadora, com competência para identificar e cadastrar os usuários finais, na presença destes, e encaminhar as solicitações de certificados destes à autoridade certificadora. Há também casos em que uma mesma entidade concentra em si atividades de autoridade de registro e autoridade certificadora.


A estrutura hierárquica da ICP-Brasil busca estabelecer uma relação de confiança entre as autoridades certificadoras e proporciona significativa economia de  escala e recursos técnicos, o que permite que as informações transitem sem as etapas intermediárias de certificação, eliminando uma parcela burocrática neste tipo de atividade.


Todos os órgãos supracitados já se encontram em funcionamento, tendo em vista que a citada Medida Provisória somente perderá sua eficácia quando da sua transformação em lei ou até que surja outra medida provisória que a revogue, de acordo com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, e representam um passo importante para o sistema de certificação de documentos eletrônicos brasileiro.


A atuação de cada uma dessas entidades tem por base regulamentos, normas e padrões específicos, necessários e suficientes para a integração das instituições, apresentando condições adequadas de confiabilidade técnica de gestão e operação.


No que concerne à constitucionalidade do sistema de certificação digital brasileiro constata-se que o art. 236, da CF/88, não cria óbices para que outra lei ordinária, situada na mesma hierarquia que a Lei nº 8.935/94, discipline a certificação dos documentos eletrônicos, devido às particularidades dessa espécie de documento. Isto porque a Constituição Federal de 1988 faz referência à regulamentação da atividade de certificação de documentos mediante norma infraconstitucional e como a Medida Provisória nº 2.200-2/2001 tem força de lei até que assim seja convertida, não há como suscitar algum modo de violação da Carta Magna.


Ademais, a ICP-Brasil tem plenas condições de oferecer garantias de segurança e de controlar as entidades certificadoras sem que necessariamente estas sejam apenas os tabeliães, haja vista que os certificados digitais devem ser emitidos por entidades devidamente registradas e autorizadas[16] pela ICP-Brasil, desde que estas entidades adotem algumas cautelas no momento da expedição dos certificados. Os documentos eletrônicos elaborados mediante disposição da ICP-Brasil passam a ter valor probante erga omnes, conforme dispõe o §1º do seu art. 10:


Art. 10.


§ 1º As declarações constantes nos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei  nº 3.071 de 1º de janeiro de 1916. 


Constata-se que a mencionada Medida Provisória equiparou, no parágrafo 1º do art. 10, a presunção de veracidade dos documentos assinados com assinatura manuscrita àqueles que possuem assinatura digital e certificação digital disponibilizadas pela ICP-Brasil, com amparo na legislação vigente; com o novo Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o artigo correspondente é o 219.


Contudo, a referida Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação de autoria e integridade dos documentos, tendo em vista que o parágrafo 2º[17] do mesmo artigo dispõe que, desde que as partes envolvidas na comunicação concordem, pode ser utilizado outro meio de comprovação de autoria ou certificados que sejam emitidos por entidades não autorizadas pela ICP-Brasil.


Na doutrina brasileira podem-se encontrar posições favoráveis e contrárias à forma de estruturação da ICP-Brasil, porém, em sua maioria, os juristas brasileiros consideraram-na como um passo importantíssimo, especialmente quanto ao Governo manter um certo controle sobre as atividades de certificação desses documentos, a fim de garantir uma maior segurança para os usuários da Internet.


No âmbito jurisprudencial encontrou-se no Tribunal Superior do Trabalho uma decisão[18] bastante interessante, publicada no dia 13 de junho de 2003, que confirma a aceitação de apelo transmitida por  e-mail no âmbito desse tribunal, desde que tenha certificação digital disponibilizada pela ICP-Brasil. Senão vejamos:


AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRANSMISSÃO DO APELO POR E-MAIL – NECESSIDADE DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL ACEITA PELA ICP-BRASIL – INAPLICABILIDADE DA LEI 9.800/99 – INTEMPESTIVIDADE – PROTOCOLO APÓS O ENCERRAMENTO DO EXPEDIENTE FORENSE – ORIGINAL NÃO APRESENTADO. A Lei n° 9.800/99 aplica-se unicamente ao fac-símile, mecanismo díspar do e-mail. O envio de recurso por correio eletrônico é juridicamente aceitável apenas se houver certificação digital reconhecida pela ICP-Brasil, nos termos da MP 2.200-2/01. Logo, é juridicamente inexistente petição apresentada por intermédio de e-mail sem qualquer tipo de certificação digital. Ademais, se o envio tivesse se dado por fac-símile, o que não foi o caso, ainda assim o recurso seria inaceitável, pois este só deve ser considerado interposto quanto protocolado na repartição judiciária. In casu, o agravo de instrumento foi recebido pelo 2° TRT, por e-mail, no último dia do octídio recursal, às 18h52min, após encerrado o expediente forense, tendo sido protocolado somente no dia seguinte. Ora, os atos a cargo das partes devem ser realizados até o fechamento normal do expediente forense. Por fim, se fosse o caso de aplicação da legislação sobre fac-símile, seria necessária a apresentação do original do agravo de instrumento, visando à convalidação do ato processual, o que não ocorreu na hipótese dos autos. Agravo não conhecido.  (Grifo nosso).


Na decisão supracitada o voto do relator, acolhido por unanimidade, embora não tenha conhecido  o agravo  de instrumento por e-mail, pois foi interposto quando o expediente


forense já havia encerrado, trouxe uma excelente contribuição para a afirmação da ICP-Brasil


no meio jurídico brasileiro, uma vez que considerou juridicamente inexistente o apelo que, remetido por meio eletrônico, não contenha certificação de acordo com a ICP-Brasil.


Entretanto, a presente decisão demonstrou também que a referida Corte ainda não aceita o documento eletrônico sem que seja representado pela sua cópia escrita, a ser juntada ao processo, uma vez que comparou a remessa da petição em formato eletrônico àquela realizada por fac-símile e destacou a exigência de se protocolar a versão escrita desta a fim de convalidar o ato processual.


Dessa forma, percebe-se que a efetividade do direito à informação em relação à concreção legislativa encontra-se muito bem elaborada, mediante a instituição da ICP-Brasil, embora a grande dificuldade ainda esteja na resistência de parte da doutrina e jurisprudência tradicionais e dos próprios cidadãos que, muitas vezes por falta de conhecimento, representam obstáculos na realização da inclusão digital.


Conclusão


As tecnologias da informação trouxeram profundas modificações para as relações interpessoais dos indivíduos nas sociedades pós-globalização, especialmente quanto à realização de atos jurídicos e práticas negociais no meio eletrônico.


Todavia, para que esses atos jurídicos sejam realizados de modo eficiente e juridicamente válidos é necessário que sejam adotados alguns requisitos para a proteção da informação a ser transmitida devido às particularidades do referido meio.


Por isso, é possível afirmar, atualmente, que o direito à informação adquiriu uma nova forma de se concretizar, que, embora diferente das demais, ainda conserva a necessidade de se preservar a liberdade do acesso a fatos e dados sobre eventos da vida humana. Porém, esse acesso agora se dá de maneira célere, mediante redes de computadores, em que culturas diversas e múltiplos interesses em questão de segundos se inter-relacionam. Ainda que existam vantagens na utilização do meio eletrônico, há que se atentar quanto a autenticidade dos dados a serem por ele transmitidos.


Assim, uma das maneiras de se atingir essa autenticidade consiste no uso de tecnologias de segurança, dentre essas a de assinatura digital, associada ao uso de certificados digitais, tem sido a mais confiável na função de proteção das informações automatizadas.


Eis o motivo de no Brasil ter se implementado um sistema de certificação digital denominado ICP-Brasil, baseado na emissão de certificados digitais tanto por entidades públicas como privadas a fim de autenticar a assinatura digital do autor do documento, permitindo que o receptor de tais informações possa ter conhecimento da autenticidade dos autores e do conteúdo de tal documento.


Apesar de muitas argumentações doutrinárias no sentido de considerar o modelo brasileiro inconstitucional, foi possível observar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 236, não proíbe a regulamentação via norma infraconstitucional da certificação de documentos eletrônicos, uma vez que a Lei nº 8.935/94 se omite sobre a validade e utilização de documentos eletrônicos.


Ademais, a abertura de mercado quanto à certificação de documentos eletrônicos irá possibilitar ainda mais a inclusão digital, uma vez que os princípios da ordem econômica de livre iniciativa e livre concorrência poderão ser aplicados a fim de que se amplie o acesso dos indivíduos ao meio eletrônico.


Percebe-se, então, que do âmbito legislativo não há problemas para a efetivação do direito à informação no meio eletrônico, entretanto, ainda é possível detectar uma certa resistência dos tribunais e de parte da doutrina tradicional que ainda persistem em não dar validade jurídica às informações automatizadas, embora seja uma realidade já instituída e perene no meio social brasileiro.


Destarte, impende à parcela do meio jurídico brasileiro impulsionar estudos empíricos e divulgar informações a respeito do funcionamento do sistema de certificação digital brasileiro com intuito de diminuir ou mesmo extinguir os obstáculos existentes para que o direito à informação possa verdadeiramente ter aplicabilidade imediata no meio eletrônico e, desse modo, impulsionar as vantagens que esse tem a oferecer.


 


Notas bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2004.

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VOLPI, Marlon Marcelo. Assinatura  digital: aspectos técnicos, práticos e legais.              Rio de Janeiro: Axcel Books, 2001.

 

Notas

[1] SOARES, Orlando. apud FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na Constituição brasileira. 1997,  p. 150.

[2] FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na Constituição brasileira. 1997. 168.

[3] GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito à informação. 1994,  p. 24-27.

[4] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. 2001, p. 19.

[5] BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 1992,  p. 63.

[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2004,  p. 571.

[7] PERÉZ, LUÑO, Antonio E. apud BISCARO, Beatriz R. Responsabilidade de los medios de prensa. 1993, p. 143.

[8] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato Jurídico: Plano da Existência. 2003,  p. 13-14.

[9] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia 1ª parte. 2004,  p. 1-2.

[10] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 2004,  p. 248.

[11] Idem. p. 256.

[12]  Espécie de números que funcionam como o código secreto para encriptação e decriptação dos dados.

[13] VOLPI, Marlon Marcelo. Assinatura digital: aspectos técnicos, práticos e legais. 2001, p. 5

[14]TANENBAUM, Andrew S. Redes de computadores. 1998, p. 703. 

[15] VOLPI, Marlon Marcelo. Op. cit. 2001, p. 35.

[16] São consideradas autorizadas a exercer o serviço de certificação as entidades que preencherem os requisitos exigidos pela ICP-Brasil em suas regulamentações. 

[17] “Art. 10… § 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.”

[18] TST –  AIRO Proc nº 76787/2003-900-02-00.4. Relator da Subseção II, especializada em Dissídios Individuais. Ministro Ives Gandra Martins Filho. DJ 13 de junho de 2003.


Informações Sobre o Autor

Catarine Gonçalves Acioli

Advogada. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professora de Graduação no Curso de Direito da Faculdade de Alagoas (FAL).


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