Delimitação da conduta fraudulenta na emissão e escrituração de duplicata

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Resumo: O que se pretende é a análise da conduta fraudulenta de emissão de duplicata que não corresponde à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado, bem como a falsificação ou adulteração da escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, com enfoque para a proteção penal, visando inibir tal empreitada lesiva ao patrimônio e às relações mercantis.


Sumário: 1. Considerações sobre a duplicata; 2. O bem jurídico protegido; 3. Análise da conduta fraudulenta; 4. Falsificação ou adulteração no Livro de Registro de Duplicatas; 5. Conclusão; 6. Referências.


1. Considerações sobre a duplicata.


A Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968, dispõe sobre as duplicatas, informando que nas vendas com prazo superior a trinta dias, o vendedor estará obrigado a emitir, juntamente com a nota fiscal, a fatura com a respectiva duplicata.


Logo, constitui a duplicata uma promessa de pagamento, que poderá ser descontada em instituição financeira, o qual deduzirá a comissão e juros, como condição de entrega do numerário ao credor. Como título de crédito, a duplicata terá uma fiel correspondência à transação mercantil efetuada, no que tange aos bens ou prestação de serviços.


As mercadorias vendidas serão discriminadas, de forma extensiva ou resumidas, devendo conter ao menos os números e valores das notas expedidas por ocasião das vendas, despachos ou entregas das mercadorias.


No entanto, a confecção do referido título de crédito não é de forma livre, tendo a lei discriminado seus elementos, devendo o mesmo conter: a) denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; b) o número da fatura; c) a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; d) o nome e domicílio do vendedor e do comprador; e) a importância a pagar, em algarismos e por extenso; f) a praça de pagamento; g) a cláusula à ordem; h) a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; i) a assinatura do emitente.


O artigo 3º, da Lei nº 5.474/68, assevera que a duplicata indicará sempre o valor total da fatura, ainda que o comprador tenha direito a qualquer rebate, mencionando o vendedor o valor líquido que o comprador deverá reconhecer como obrigação de pagar. Além disso, não se incluirão no valor total da duplicata os abatimentos de preços das mercadorias feitas pelo vendedor até o ato do faturamento, desde que constem da fatura.


Quando a venda é por consignação, a situação é divergente, pois, se a mercadoria for vendida por conta do consignatário, este é obrigado, na ocasião de expedir a fatura e a duplicata, a comunicar a venda ao consignante. Por sua vez, o consignante expedirá fatura e duplicata correspondente à mesma venda, a fim de ser esta assinada pelo consignatário, mencionando-se o prazo estipulado para a liquidação do saldo da conta.


Destarte, não se pode olvidar que a duplicata tem a sua origem numa transação comercial, sendo sempre emitida juntamente com a fatura nos contratos de compra e venda e, após aceita e devolvida pelo comprador, ingressa em circulação (PRADO, 2000, p. 538).


Como bem aduz Paulo José da Costa Júnior (2005, p. 702), “não raro o comerciante, necessitado de numerário, cria o crédito fictício assentado numa duplicata “fria”, que não corresponde a uma transação comercial efetiva.”


A conduta fraudulenta acima aduzida fez com que comerciantes e industriais, em delicada situação financeira, passassem a obter ativo no mercado financeiro, “gerando graves prejuízos aos tomadores de tais títulos e desestabilizando as relações econômicas, o que gerou a repressão no âmbito do Direito Penal.” (PRADO, 2000, p. 538).


2. O bem jurídico protegido.


A duplicata é título que representa o crédito pelo fornecimento de mercadoria ou prestação de serviços, emitido com base em uma fatura, levando em consideração o disposto no artigo 2º, da Lei nº 5.474/68.


Por sua vez, a fatura ou a nota de venda, é o documento no qual são discriminadas as mercadorias vendidas ou inseridos o número e o valor das notas de venda, sendo emitidas pelos vendedores em todos os contratos de compra e venda mercantil celebrados no território nacional (artigo 1º, caput e § 1º, da Lei nº 5.474/68).


A duplicata também pode ser gerada pela prestação de serviços. O artigo 20 da referida lei dispõe: “As empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.”


A conduta fraudulenta consiste em emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado, nos termos do artigo 172, do Código Penal Brasileiro. Esse fato lesa o patrimônio do tomador da duplicata, que recebe um título de conteúdo creditício total ou parcialmente inexistente. (JESUS, 1997, p. 440)


O bem jurídico protegido é o patrimônio, particularmente as relações econômicas provenientes do comércio, “objetivando garantir a autenticidade dos institutos comerciais. Pretende proteger os interesses patrimoniais do sacado ou de quem eventualmente possa efetuar qualquer operação mercantil com o título fraudulento.” (BITENCOURT, 2008, p. 252)


3. Análise da conduta fraudulenta.


Comete a conduta fraudulenta todo àquele que emite duplicata sem a correspondente compra e venda ou prestação de serviços. O falso existe quando a venda é inexistente, ou, em outra situação, inexiste a correspondência quanto à qualidade ou quantidade da mercadoria vendida, isto é, entre o conteúdo da duplicata e a relação comercial efetivamente realizada.


No entanto, tratando-se de duplicata, somente comete o crime previsto no artigo 172 do Código Penal Brasileiro “o sujeito que põe em circulação, remetendo-a ao aceitante ou endossando-a antes do aceite” (JESUS, 1997, p. 440), sendo fixada uma pena de dois a quatro anos de detenção e multa.


Sobre o tema dissertou Wille Duarte Costa (2003, p. 383) , senão vejamos:


“A duplicata é um título de crédito causal e à ordem, que pode ser criada no ato da extração da fatura, para circulação como efeito comercial, decorrente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, não sendo admitida outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor ou do prestador de serviços pela importância faturada ao comprador ou ao beneficiário dos serviços. A duplicata admite o aceite do devedor e não é cópia ou segunda via da fatura. (…) Como título de crédito à ordem que é, pode circular por via do endosso, mas o sacador não pode eximir-se da garantia do pagamento ao endossar a duplicata. Embora seja um título causal, não é a duplicata título representativo de mercadorias ou de serviços. Exige uma provisão determinada, que se consubstancia no valor da compra e venda de mercadoria ou da prestação de serviços, discriminados na fatura ou na nota fiscal. Sem tal provisão a duplicata torna-se sem lastro e é chamada de fria, constituindo-se em crime de estelionato previsto no artigo 172 do Código Penal, por emissão de duplicata simulada.”


Na ótica de Luiz Regis Prado (2000, p. 538), o crime consuma-se com a emissão do título, sendo inadmissível a tentativa por se tratar de delito unissubsistente. Destarte, por não ser fracionável a execução, ou o agente coloca o título em circulação, consumando-se a infração, ou o retém consigo, havendo na hipótese apenas ato preparatório.


No mesmo sentido é o raciocínio de Paulo José da Costa Júnior (2005, p. 703) quando afirma que o crime de duplicata simulada consuma-se com sua expedição. “Tal expedição importa na circulação da duplicata, que pressupõe o seu desconto ou caucionamento, ou ao menos a tentativa.”


Acrescenta Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 254) que “com ou sem assinatura, verdadeira ou falsa, do aceitante, a emissão de duplicata a que não corresponde negócio enquadra-se no artigo 172 do Código Penal. A falsificação do aceite aposto em duplicata simulada não configura crime autônomo, pois está ínsita na figura do artigo 172.”


Por outro lado, o terceiro que descontou o título, sofrerá injustamente prejuízo, pois, ao apresentá-lo ao comprador das mercadorias este recusará a pagar o valor constante da cártula, já que não corresponde ao negócio efetivamente realizado. (CAPEZ, 2004, p. 501)


Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 569-570), com acerto, ressalta:


“Por uma imprecisão lamentável, deixou-se de constar expressamente no tipo que a emissão de fatura, duplicata ou nota por venda ou serviço inexistente também é crime. Mencionou-se a emissão que não corresponda á mercaria vendida ou ao serviço prestado, como se efetivamente uma venda ou um serviço tivesse sido realizado. Não faria sentido, no entanto, punir o emitente por alterar a quantidade ou qualidade da venda feita e não punir o comerciante que nenhuma venda fez, emitindo a duplicata, a fatura ou a nota assim mesmo. Portanto, é de se incluir no contexto a ‘venda inexistente’ ou o ‘serviço não prestado’. Trata-se de decorrência natural da interpretação extensiva que pode – e deve p fazer do tipo penal.”


4. Falsificação ou adulteração no Livro de Registro de Duplicatas.


Não se pode desprezar o fato de que a falsificação e adulteração da escrituração do Livro de Registro de Duplicatas também são capituladas no crime previsto no artigo 172 do Código Penal Brasileiro, mais especificamente eu seu parágrafo único. “O verbo falsificar é empregado no sentido de escriturar, no livro, um título inexistente. Adulterar é modificar o conteúdo de duplicata verdadeira.” (TELES, 2004, p. 470)


Apesar de o legislador enquadrar a conduta acima como crime patrimonial, trata-se de um crime de falsidade documental. Para Fernando Capez (2004, p. 503) “duas são as ações nucleares típicas: a) falsificar – consiste em criar a escrituração do livro; b) adulterar – a escrituração do livro é válida, mas é modificada.”


Em análise sobre o tema, Julio Fabbrini Mirabete esclarece que:


“Caso a falsificação anteceda a expedição da duplicata simulada e ocorra esta, o primeiro delito é absorvido. Caso o falso seja posterior, será considerado impunível. Assim, só há crime autônomo quando, falsificado ou adulterado o Livro de Registro de Duplicatas, não for expedida a duplicata simulada, bem como no falso registro por pessoa diversa daquela que expede o título simulado.”


É cediço que no Livro de Registro de Duplicatas serão escrituradas, cronologicamente, todas as duplicatas emitidas, com o número de ordem, data e valor das faturas originárias e data de sua expedição; nome e domicílio do comprador; anotações das reformas; prorrogações e outras circunstâncias necessárias. Além disso, os Registros de Duplicatas, que não poderão conter emendas, borrões, rasuras ou entrelinhas, deverão ser conservados nos próprios estabelecimentos. Por fim, o Registro de Duplicatas poderá ser substituído por qualquer sistema mecanizado, desde que os requisitos acima sejam observados.


Para Rogério Greco (2008, p. 276) “a falsificação é o comportamento praticado pelo agente no sentido de inserir dados inexatos no Livro de Registro de Duplicatas, a exemplo do que ocorre com a falsidade ideológica.” Não se questiona o fato do Livro de Registro de Duplicatas ser perfeito, pois a falsidade reside na idéia por ele lançada. Quando o sujeito adultera, o mesmo apenas modifica o conteúdo já existente.


Mais uma vez, elucidativa a ótica exposta por Luiz Regis Prado (2000, p. 539), senão vejamos:


“O Livro de Registro de Duplicatas, elementos normativo do tipo de injusto de valoração jurídica (Direito Comercial), é exigido para todos os comerciantes que adotem o regime de vendas através de emissão de duplicatas, nos termos do artigo 19, caput, da Lei nº 5.474/68. (…) Não agiu com propriedade o legislador ao inserir a referida figura no artigo 172, já que se aplica a ela toda a principiologia do delito de falsum, e a hipótese em questão é de falsidade de documento particular, equiparado a documento público (art. 297, § 2º). Ademais, a referida conduta gravita em torno da expedição de duplicata, sendo absorvida pelo delito definido no caput do crime em exame, por se tratar de antefato ou pós-fato impunível.”


5. Conclusão.


Como na duplicata tem-se uma declaração de crédito que emana do próprio credor, torna-se extremamente fácil sua emissão fraudulenta, isto é, “quando um vendedor ou prestador de serviço, sem que tenha havido um negócio subjacente que dê causa à emissão da duplicata, providencie sua criação simulada para, posteriormente, beneficiar-se de sua circulação.” (MAMEDE, 2009, p. 321)


Nota-se que a ação fraudulenta atenta contra a declaração de exatidão, contrariando a Resolução nº 102/68/Bacen que prevê: “Reconheço(emos) a exatidão desta duplicata de VENDA MERCANTIL [ou de PRESTAÇÃO DE SERVIÇO] na importância acima que pagarei(emos) a [nome do emitente] ou à sua ordem na praça de vencimento indicados.”


Tal conduta é de tamanha gravidade que mereceu a tutela penal, visando a proteção do bem jurídico patrimonial, conforme previsão expressa no art. 172 do Código Penal Brasileiro, com a rubrica de duplicata simulada, estipulando pena de detenção de dois a quatro anos e multa.


No entanto, somente cometerá a empreitada criminosa em tela aquele que, além de cometer a conduta descrita no comando principal do referido crime, colocando em circulação o título executivo; ou, na modalidade de falsificação ou adulteração da escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, com a falsidade ideológica.


 


Referências.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 3. v. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial. 2. v. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2004.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código penal anotado. São Paulo: Perfil, 2005.

COSTA, Wille Duarte. Título de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.   

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte especial. 3. v. 5. ed. Niterói: Impetus, 2008.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 2. v. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito. 3. v. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 2. v. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 2. v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

TELES, Ney Moura. Direito penal – parte especial. 2. v. São Paulo: Atlas, 2009.


Informações Sobre o Autor

Hálisson Rodrigo Lopes

Possui Graduação em de Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2000), Licenciatura em Filosofia pela Claretiano (2014), Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2001), Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho (2010), Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2011), Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (2011), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2014), Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes (2014), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2014), Pós-Graduado em Direito Educacional pela Claretiano (2016), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Atualmente é Professor Universitário da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e na Fundação Educacional Nordeste Mineiro (FENORD) no curso de Graduação em Direito; Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI); e Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Comarca de Governador Valadares


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