E os incentivos fiscais, Deputado?

Uma reflexão sobre o panorama atual das discussões sobre a reforma tributária nacional, tendo em vista os possíveis impactos nos incentivos fiscais

*Por Ana Campos

Os embates em torno da implementação de uma reforma tributária capaz de simplificar e/ou reduzir o montante de impostos aplicados no Brasil não vem de hoje. De FHC à Michel Temer, todos os últimos quatro presidentes do país, iniciaram discussões e, em alguma medida, fracassaram na tentativa de modernizar o sistema tributário nacional. Tal insucesso, enuncia, ao menos em parte, as dificuldades de aprovação de uma matéria capaz de alterar as rotinas de arrecadação fiscal não só do Governo Federal, mas também, de Governos Estaduais e Municípios, por consequência.

Dentro deste contexto, vem sendo desenhada na Câmara de Deputados uma nova proposta de reforma tributária que, ao que tudo indica, encontra mais eco de apoio entre a classe política, especialistas do âmbito fiscal e sociedade civil. Isso não significa que não haja pontos de atenção e divergências a serem tratadas. Uma delas envolve, por exemplo, a temática dos incentivos fiscais.

O escopo da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) 45/19

Para a construção desse artigo, tomaremos como ponto de partida a proposta de reforma tributária de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), baseada no trabalho do economista Bernard Appy e apoiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e que vem sendo debatida, com mais ênfase, nas últimas semanas. A observação é importante, uma vez que há outros projetos avulsos sendo discutidos na Câmara e até no Senado, além da promessa de uma proposta advinda do próprio Governo Federal.

O projeto de Rossi, que seria implementado por meio da PEC 45/19, é uma das prioridades da Câmara para este segundo semestre e, de modo sintético, conta com três eixos centrais:

  • O primeiro deles diz respeito a extinção dos tributos de IPI (federal), ICMS (estadual), ISS (municipal) e PIS/COFINS (federais);
  • Em substituição, seria criado o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), composto de três alíquotas (federal, estadual e municipal), as quais poderão ser definidas por cada respectivo ente e deverão valer para todo e qualquer bem ou serviço;
  • O IBS seguiria os moldes de um imposto sobre valor agregado, e imposto seletivo.

Vale salientar que a proposta estabelece duas regras para a transição de modelo: em relação a substituição dos tributos pelo IBS, o intervalo para que toda a transição ocorra é de 10 anos; por sua vez, para a repartição de receitas do IBS entre Estados e Municípios, o projeto prevê um intervalo ainda maior, que é de 50 anos, isto para que um possível impacto na arrecadação seja amenizado.

O principal benefício do projeto, caso aprovado, seria uma significativa redução da complexidade do sistema tributário brasileiro, ponto este que vem sendo levantado pela maioria dos especialistas em tributação no país. Um outro argumento em favor do projeto é o de que a proposta, nos moldes atuais, permitiria o arrefecimento da guerra fiscal do ICMS, uma vez que, conforme as alíquotas do imposto forem sendo reduzidas, os incentivos fiscais gerados pelos Estados perderiam a relevância.

A questão dos incentivos fiscais

É no terreno dos incentivos fiscais que os embates sobre a PEC 45/19. O fato é que, embora abra, realmente, uma janela de saída da guerra fiscal, ao mudar toda a dinâmica de incentivos no país, o projeto pode encontrar resistências para a sua devida aprovação.

Alguns especialistas argumentam, por exemplo, que determinados setores da economia precisam ser incentivados, e o caminho não deveria incluir a exclusão total dos incentivos, mas um comum-acordo sobre eles entre todos os Estados. Outro ponto importante envolve o impacto no desenvolvimento regional de localidades do país que, sem os incentivos fiscais, teriam seu crescimento significativamente reduzido, como no caso, por exemplo, da Zona Franca de Manaus.

Sobre este segundo ponto, já há, inclusive, uma proposta de emenda a PEC 45/19, de autoria do deputado Capitão Alberto Neto (PRB-AM), para que a região seja preservada das mudanças.

Esse assunto gerará inúmeros debates, pois na grande maioria dos Estados, a concessão de incentivos vem sendo o principal atrativo para que empresas possam instalar-se em seu território e os governadores, deputados e senadores lutarão com unhas e dentes para que continuem a existir.

São Paulo como exemplo

A contenda em torno dos incentivos fiscais é, de fato, um fator complexo e que ainda deve gerar muitas discussões antes da aprovação de um projeto final de reforma tributária.

Tomemos São Paulo como ponto de reflexão. Mesmo no estado mais rico do país, os incentivos fiscais são um instrumento para o fortalecimento econômico da região.

Em março deste ano, por exemplo, o Governador João Dória anunciou o IncentivAuto, que fornece desconto de 25% no ICMS para empresas automotivas que apresentarem plano de investimentos superiores a 1 bilhão de reais em São Paulo – o que culminou, segundo release do próprio Governo, na manutenção da fábrica da GM em SP e na preservação de 15 mil postos de trabalho.

No mês anterior, por sua vez, João Dória também havia anunciado uma redução de 25% para 12% na alíquota do ICMS dos combustíveis de avião para as companhias que criarem, no mínimo, 70 novos voos no estado.

Vale salientar, por fim, que o Governo de São Paulo definiu, no mês de maio, os procedimentos para o reconhecimento de créditos de ICMS concedidos por outros Estados, adequando, para tanto, a legislação paulista à Lei Complementar nº 160/2017 e ao Convênio ICMS 190/2017 – que estabelece, em linhas gerais, que os créditos de ICMS concedidos anteriormente à edição da Lei Complementar nº 160/2017 e que cumprem as exigências por parte do estado de origem, devem ser reconhecidos.

Como ficarão, pois, estes incentivos em caso de aprovação da PEC 45/19? Serão excluídos? Surgirão emendas que levarão em conta o impacto destes incentivos para a economia de São Paulo?

Conclusão

Como conclusão, é importante deixar claro, primeiramente, que uma reforma tributária capaz de simplificar o ambiente fiscal brasileiro é bem-vinda e, há muito tempo, esperada pelas empresas do país. Por outro lado, tal reforma não deve desconsiderar, consequentemente, o contexto macroeconômico nacional e uma discussão mais ampla sobre os incentivos fiscais deve ser levada em conta pelo Congresso Nacional, antes da aprovação de uma emenda constitucional.

Por parte das empresas, é preciso acompanhar os próximos capítulos que anunciarão o desenrolar (ou não), da(s) reforma(s) e, em caso de dúvidas, é sempre válido consultar especialistas em matéria tributária – que, como sabemos no Brasil, é cheia de idas e vindas.

*Ana Campos é Especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia fundadora da empresa Grounds, empresa de consultoria inteligente especializada nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira.

Sobre a Grounds

A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira. O core business da companhia abrange todas as áreas da empresa, se diferenciando assim dos serviços de advogados, por exemplo. No último ano de atuação, a Grounds solucionou mais de 40 projetos de due diligence, consultoria fiscal-financeira e assessoria permanente em vários segmentos de atuação: Investimentos e Private Equity, Energia e Infraestrutura, Serviços, Varejo e Indústria em geral. Saiba mais em: http://grounds.com.br/

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