Sumário: 1. Introdução; 2. Protocolo de Cartagena; 2.1 Origem; 2.2 Objetivo geral do Protocolo; 2.3 Objetivos específicos; 3. Brasil; 3.1 A nova lei de biossegurança; 3.2 Avanços na agricultura; 4. Considerações Finais; 5. Referências.
1. Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de analisar o protocolo de cartagena sobre biossegurança no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica e os reflexos econômicos para o Brasil, principalmente em 2005, quando entrou em vigor a nova Lei de Biossegurança (Lei nº. 11.105, de 21 de março de 2005). Também observar os avanços na agricultura no que se refere ao comércio de transgênicos no Brasil e no cenário internacional.
O mundo está em constante evolução e isso obriga o direito a evoluir, adaptando-se para resolver novos problemas como, por exemplo, o comércio de alimentos ou produtos transgênicos. A tecnologia das sementes transgênicas é dominada por alguns países como os Estados Unidos, Canadá e Argentina, os quais querem impor as regras para seu comércio internacional. Por isso, cabe ao direito acompanhar esta transformação científica, estabelecendo normas e vigiando-as para que sejam cumpridas no âmbito internacional.
Os transgênicos, também conhecidos como organismos geneticamente modificados (OGM) são plantas que receberam genes desejáveis de uma outra espécie, o que não seria possível com o melhoramento genético clássico. Tais plantas são criadas em laboratório com técnicas da engenharia genética que permitem cortar e colar genes de um organismo para outro, mudando a forma do organismo e manipulando sua estrutura natural a fim de obter características específicas[1].
2.Protocolo de Cartagena
2.1 Origem
O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (PCB) é um tratado ambiental que faz parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O PCB foi criado para tratar dos produtos transgênicos, no âmbito da CDB. Esse protocolo internacional resultou da Conferência das Partes da CDB, realizada em 17 de novembro de 1995, com o objetivo de criar segurança relativa a produtos da biotecnologia, principalmente “focado no movimento transfronteiço de quaisquer transgênico, resultantes da biotecnologia, e que possam ter efeitos adversos sobre a conversação e utilização sustentável da diversidade biológica”[2].
O surgimento do PCB é muito importante para os Estados, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, pois ele dá oportunidade de todos os Estados no âmbito da CDB obterem informações sobre novos produtos transgênicos, já que reconhece o direito de cada Estado regulamentar o plantio e o comércio de transgênicos seguindo as regras internacionais existentes na atualidade. Contudo, o PCB tem uma cláusula de proteção que determina que os Estados signatários não perderam seus direitos e obrigações em qualquer acordo como, por exemplo, na OMC[3].
O PCB foi elaborado ao longo de várias e sucessivas reuniões e seu texto final foi aprovado pela Conferencia das Partes da CDB, em 29 de janeiro de 2000, com assinatura de cento e três Estados. O Brasil não assinou o tratado internacional, mas ratificou-o em 24 de novembro de 2003[4]. O PCB reafirma o item 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, incorporando o Princípio da Precaução no seu objetivo, que é expresso no artigo 1º, nos seguintes termos:
De modo a proteger o meio ambiente, o Princípio da Precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental[5].
Até o presente momento foram realizadas três reuniões das Partes, denominadas COP/MOP. Nestas reuniões as decisões são aprovadas, em consenso pelos países signatários, os procedimentos que orientam a implantação de seus artigos.
O Brasil foi a sede desde 13 de março, em Curitiba, do PCB. A reunião corresponde à terceira Conferência das Partes do Protocolo, chamada COP/MOP-3. Dela participam cento e trinta e dois países parte (entre eles Brasil, China, vários da União Européia e da América Latina e 37 da África), além de países observadores sem direito a voto[6].
2.2.Objetivo geral
O objetivo geral do PCB é contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguro dos produtos transgênicos, resultantes da biotecnologia moderna, que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços[7].
2.3.Objetivos específicos
O PCB tem diversos objetivos específicos, tais como: Garantir, por meio do mecanismo de Acordo Prévio Informado, que os países importadores tomem decisão quanto à importação de um produto transgênicos que será intencionalmente liberado no meio ambiente (sementes ou outros organismos vivos), mediante realização de avaliação de risco; Garantir que os países tenham acesso às informações referentes às autorizações de cultivo e de importação de produtos transgênicos destinados à alimentação humana, animal e ao processamento, bem como às legislações de cada país-parte sobre o assunto[8]. Para tanto, deverão implantar o Biosafety Clearing-House, ou mecanismo similar de troca de informações; Encorajar e fomentar a conscientização e a participação pública no que se refere à segurança do transporte e do manuseio dos produtos transgênicos em relação à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica; Desenvolver recursos humanos e capacidade institucional em biossegurança da moderna biotecnologia nos países signatários do Protocolo[9].
3.Brasil
3.1 A Lei de Biossegurança (Lei n.º 11.105/05)
O Brasil continua se alinhando ao cenário internacional no que se trata de transgênicos. Em 24 de março de 2005, o Brasil transformou o Projeto de Lei n.º 2.401 de 2003. Assim, passa a vigorar a nova Lei de Biossegurança, sob o número 11.105/05, trazendo algumas alterações na regulamentação acerca dos OGMs, bem como ratifica a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e suas competências, que são ainda completadas, além de criar o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e o Sistema de Informação de Biossegurança (SIB). Além disso, ocorreu a revogação expressa da Lei n.º 8.974/95, da Medida Provisória n.º 2.191-9/01 e dos artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei n.º 10.814/03.
O Brasil pretende com essa nova Lei de Biossegurança reordenar as normas de biossegurança e os mecanismos de fiscalização sobre as condutas que envolvam os organismos geneticamente modificados, sendo elas a condução, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e descarte, conforme preconiza o art. 1º, de forma a proteger a vida e a saúde humana, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente[10].
A aplicação da Lei de Biossegurança é realizada no mesmo sentido da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei. n.º 6.938/81), em que é objetivado o compatível desenvolvimento sócio-econômico com a preservação e a restauração do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o uso racional dos recursos ambientais, a conscientização pública acerca da necessidade de preservação e a imposição de sanções ao poluidor e ao predador, inclusive de com fins econômicos.
A vedação às pessoas físicas das práticas relacionadas aos OGMs é mantida. Assim, os profissionais da biogenética são obrigados a trabalhar apenas em estabelecimentos devidamente autorizados pela CTNBio, resumidos às pessoas jurídicas de direito público ou privado (art. 2º, caput e parágrafo 2º), o que novamente fere os preceitos constitucionais da liberdade de exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão e o livre exercício de atividade econômica (arts. 5º, XIII, e 170 da Constituição Federal).
Vale lembrar que os recursos arrecadados com o pagamento das multas será destinado aos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Estes, por sua vez, podem celebrar convênios de fiscalização com a União, os Estados e o Distrito Federal, inclusive efetuando o repasse de parte dessas receitas, conforme os parágrafos primeiro e segundo do art. 23.
Pode-se presumir, com base no texto do já estudado art. 225 da Constituição Federal, que a intenção é estabelecer a todas as autoridades públicas, às entidades envolvidas com a biogenética e à sociedade em geral essa obrigação, uma vez que a Carta Magna é clara em preconizar a defesa do meio ambiente de todas as formas possíveis, garantindo o amplo acesso aos mecanismos de tutela ambiental. Ademais, essas condutas obrigatórias conectam-se perfeitamente nas funções dos órgãos fiscalizadores, nos deveres de segurança de toda empresa de biotecnologia e nos interesses da sociedade de proteger-se e às gerações futuras de possíveis degradações ambientais.
Além disso, quanto à rotulagem, a Lei inova ao fazer referência à sua obrigação no produto que contenha OGM (art. 40). Contudo, as especificações continuam dependentes da regulamentação, prevalecendo o disposto no Decreto Sobre a Rotulagem dos OGMs (Decreto n.º 4.680/03).
Importante ressaltar que a constatação da correção da posição brasileira como país que fez seu dever de casa, seguindo o Princípio da Precaução e introduzindo em sua legislação uma Lei de Biossegurança (nº11.105, de março de 2005). Isto porque grande parte dos problemas com transgênicos é controlada no processo de sua criação, o que antecipa racionalmente o custo de contornar problemas criados depois do lançamento desses cultivares[11].
3.2.Avanços na agricultura
Na agricultura, o homem utiliza há muito tempo a biotecnologia, pois lidava com a biotecnologia na produção de vinhos, queijos, pães, cervejas e derivados lácteos, mas o domínio deste conhecimento ocorreu gradativamente[12].
No presente artigo entende-se a biotecnologia como todo o estudo científico que utiliza nas pesquisas algum tipo de organismo vivo existente no meio ambiente com objetivo de dar certas características às plantas transgênicas, e assim trazer benefícios em diversas áreas, desde agricultura até medicina[13].
No período entre 1995 e 2006, o mercado internacional de transgênicos evoluiu, em especial com a soja, que atingiu mais quatro bilhões de consumidores em diversas partes do mundo como, por exemplo, na África, na Ásia, na Oceania, nas Américas e na Europa, onde estão localizados alguns Estados que colocam barreiras ao comércio de transgênicos[14].
Em 2006 já são vinte e um Estados (EUA, Argentina, Canadá, Brasil, China, Espanha, França, Alemanha, Portugal, Checoslováquia, Irã, Índia, Romênia, Filipinas, Austrália, África do Sul, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Honduras e México) que estão cultivando lavouras transgênicas no mundo como a soja, o milho, o algodão e a canola[15].
Atualmente, cinco Estados cultivam quase 95% – 85,4 milhões de hectares – de toda área do planeta destinada aos transgênicos. Em primeiro lugar estão os EUA, com 49,8 milhões de hectares. Em segundo, aparece a Argentina, com 17,1 milhões de hectares. Em terceiro, aparece o Brasil, com 9,4 milhões de hectares; Em quatro o Canadá com 5,8 milhões de hectares; e quinto a China, com 3,3 milhões de hectares[16].
No ano passado o Brasil registrou a maior expansão no plantio de culturas transgênicas, pois em 2005 o país cultivou 9,4 milhões de hectares, contra 5 milhões de hectares em 2004. Em 2005 passaram a plantar culturas transgênicas diversos Estados como, por exemplo: França, Portugal, Checoslováquia e Irã[17].
O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor de alimentos transgênicos em todo o mundo, em 2005, comum aumento estimado de 88 % na área de soja transgênica. O país também aderiu ao algodão transgênico pela primeira vez em 2005. O Brasil está preparado para tornar-se líder mundial na adoção de alimentos transgênicos, com crescimento significativo em hectares de soja transgênica, rápida expansão ao algodão Bt e oportunidades significativas para o cultivo de milho e arroz transgênicos[18].
Quando as plantações de culturas transgênicas começaram a ser comercializadas, os críticos comentaram que a tecnologia nunca seria valorizada nos países em desenvolvimento. Atualmente, os agricultores com poucos recursos nos países em desenvolvimento somam 90 % dos 8,5 milhões de agricultores que se beneficiam da biotecnologia, e as nações em desenvolvimento representam mais de um terço da área global do plantio de transgênicos em 2005[19].
Vale ressaltar que as avaliações dos riscos nos produtos da biotecnologia são realizadas de acordo com padrões rigorosos e com os princípios definidos no Anexo III do Protocolo de Biossegurança. Trata-se de um processo comparativo, baseado em resultados científicos, caso a caso, nos quais a natureza da peculiaridade, a colheita e o possível meio ambiente são utilizados para determinar a informação necessária. A transparência é um elemento-chave no processo de avaliação dos riscos. A ausência de conhecimento científico/consenso não deve ser interpretada como ausência/existência de risco, nem de risco aceitável. Além disso, no Brasil a avaliação da análise e do monitoramento do risco é realizada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)[20].
4. Considerações Finais
No decorrer do presente artigo, percebe-se que os interesses nacionais geralmente ditam que a responsabilidade e a compensação são melhores manejadas nacionalmente, apoiadas pelo desenvolvimento da capacidade e pela orientação internacional não-vinculante. Em qualquer nível, os sistemas de responsabilidade por culpa são a escolha padrão para assegurar a responsabilidade jurídica, ao mesmo tempo em que se abstém de desestimular atividades benéficas à sociedade.
Se a análise conclui que um regime internacional é necessário para a responsabilidade e a compensação por danos à biodiversidade, ele deveria ser desenvolvido de acordo com a Convenção, ser baseado em culpa e não ser específico do setor. Também, se as regras complementares forem julgadas necessárias de acordo com o Protocolo, elas deveriam estar limitadas aos assuntos pertinentes às definições, que são específicas à biotecnologia moderna, e deveriam focar nos aspectos relacionados a processos que tenham como objetivo o aumento da eficiência dos sistemas nacionais para lidar com os movimentos transfronteiriços dos produtos transgênicos.
É clara a evolução do sistema legal brasileiro, com a entrada em vigor da Lei n.º 11.105/05, sobretudo no que diz respeito à intenção de proteger o patrimônio natural e a saúde e o bem estar de toda a sociedade. Nesse sentido, nova legislação procura acompanhar o desenvolvimento científico e tecnológico da engenharia genética, aplicados aos OGMs, procurando oferecer o conforto necessário à população quanto à prevenção dos riscos que podem advir dessa nova atividade.
A pequena escala em que os alimentos transgênicos aparecem em nossa sociedade demonstram que a precaução preconizada tanto na carta constitucional quanto na legislação ordinária apresenta efeitos, ainda que tenhamos deliberações em contrário, o que mantém o país em uma condição favorável na segurança ambiental e populacional, e assegura um bom status enquanto potência agrícola exportadora.
Contudo, a novidade do assunto do assunto, aliada à velocidade com que evoluem as técnicas de produção e o desenvolvimento de novas espécies de organismos geneticamente modificados, constitui um grande obstáculo para que se obtenha um nível de segurança que inspire o conforto desejado, além de dificultar o trabalho dos órgãos de fiscalização, regulamentação e monitoramento no exercício de suas funções.
Outro ponto a ser superado é a questão da supremacia das decisões do CTNBio. A forma arbitrária com que delibera nas questões envolvendo os OGMs e a forma com que descarta a garantia constitucional da exigência do estudo prévio de impacto ambiental podem trazer sérias conseqüências a vários segmentos do país. Deve prevalecer o bom senso, e sendo a atual situação mais passível a dúvidas do que a certezas, mister se faz privilegiar as pesquisas voltadas para a segurança, e não o atual posicionamento de liberar as atividades e agir posteriormente, no caso de algum impacto ambiental ocorrer.
Mesmo assim, em que pesem os entraves, obstáculos e incertezas que cercam os OGMs e a Lei de Biossegurança, o que se vê atualmente é o desenvolvimento de um sistema legal complexo, que versa sobre todos os pontos ligados aos OGMs, e extremamente abrangente, trazendo à baila de todos os setores envolvidos, administrativos ou sociais, a participação em órgãos que fazem parte dos trabalhos com os organismos geneticamente modificados no Brasil, e à sociedade em geral o amplo acesso à justiça para garantir os interesses coletivos direcionados ao meio ambiente, à saúde pública e à fiscalização das funções das entidades governamentais envolvidas.
Nesse sentido, a utilização das garantias constitucionais de acesso à justiça vem sendo muito bem utilizada pelos grupos de defesa do meio ambiente, pelas associações de defesa do consumidor e outros grupos de interesse, estando suas ações, inclusive, prestes a criar jurisprudência.
Conclui-se, dessa forma, pela necessidade da correta aplicação da nova norma, de forma a desenvolvê-la e aprimorá-la. Para tanto, deve haver a prevalência das garantias constitucionais nas decisões que forem tomadas, preconizando o correto uso do meio ambiente e a melhor exploração para as presentes gerações sem prejuízo às futuras.
A biodiversidade e a variedade genética do Brasil constituem patrimônio mundialmente invejado, alvo inclusive de discussões políticas internacionais. Deve-se afastar o desejo de lucro imediato dos grupos econômicos e as pressões políticas de seus aliados das atividades que tragam risco de degradação a esse acervo, através de um amplo estudo que vise a melhor exploração e a prevalência dos interesses sócio-econômicos nacionais nos assuntos que envolvam o meio ambiente.
Além disso, a chegada dos alimentos geneticamente modificados à mesa dos consumidores não pode trazer consigo qualquer risco de alergia, intoxicação ou outro malefício. Se são indispensáveis os estudos das conseqüências dos OGMs sobre o meio ambiente, impossível o afastamento dos exames laboratoriais que comprovem sua segurança quando estiverem disponíveis à população.
Informações Sobre o Autor
Germano Giehl
Bacharel em Relações Internacionais e Especialista em Direito Ambiental pela Univali. Aluno especial do mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC