Direito a saúde e a atuação do poder judiciário diante da inércia das instituições governamentais

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Sumário: 1. Introdução; 2. Do direito a saúde; 3. Princípios Constitucionais e a ponderação de interesses; 3.1. Método da Ponderação de Interesses; 4. Entendimentos jurisprudenciais pertinentes; 5. Considerações Finais; Referências.


1. INTRODUÇÃO


Sabe-se que o Estado Brasileiro não é garantidor universal das necessidades de seus cidadãos. No entanto, a Constituição Federal de 1988, trata o direito à saúde como um dever do Estado, demonstrando o grande relevo com que é tratada essa garantia constitucional.


 O presente ensaio se propõe a examinar o cabimento de decisões judiciais para o atendimento do pleito de fornecimento de medicamentos de alto custo, quando não fornecidos pelo poder público.


Desta feita, diante da necessidade do fornecimento de medicamentos para sobrevivência de pacientes, o Estado alega tal impossibilidade, pois a exigência desse provimento geraria grave lesão à ordem econômica e a saúde pública em geral.


A imposição, por ordem judicial ao Estado a fornecer determinados medicamentos de alto custo acarretaria na descontinuidade da prestação dos serviços de saúde para os demais membros da população, no entanto, necessário uma ponderação de interesses a fim de solucionar os casos concretos, diante da necessidade de se tutelar a saúde de indivíduos que carecem de tais medicamentos.


Inicialmente, se fará uma pequena analise sobre o direito a saúde, para, na sequência, dar início ao estudo relativo à ponderação de interesses, partindo-se posteriormente para as analises jurisprudenciais que chegam ao entendimento pretendido.


2. DO DIREITO A SAÚDE


Primeiramente, necessário analisar que a Constituição Brasileira, ao tratar do direito a vida e do direito a saúde busca proteger e promover um bem jurídico que não possui gradação[1].


O Estado Brasileiro, somente passa a atuar no sentido de tutelar a saúde pública por volta de 1870 e 1930. Nesse período, o Estado adotou o modelo “campanhista”, que consiste no uso de força policial e obteve relevante sucesso no controle de epidemias. Não havia políticas públicas curativas[2].


A partir da Constituição de 1988 o foco passa a ser no sentido de universalizar os serviços públicos de saúde[3].  A Constituição Brasileira passa então a proteger amplamente o direito a saúde, como direito individual de caráter fundamental.


Conforme o art. 6° da Constituição Federal, o direito a saúde é um direito social. O entendimento de José Afonso da Silva sobre os direitos sociais é que são estes prestações positivas, fornecidas direta ou indiretamente pelo Estado, proporcionando uma melhor condição de vida.[4]Compreendido no título VIII, dos art. 196° ao art. 202°.


Sem duvida, os direitos sociais são originalmente prestacionais, ademais, se assim não fosse, não passariam de direitos de defesa, característicos de um Estado liberal e abstencionista. No entanto, essa característica os torna próprios e típicos de um Estado Social[5].


Enfim, os direitos sociais, para serem usufruídos, necessitam, em face de suas peculiaridades,a disponibilidade das prestações materiais que constituem seu objeto. Vale dizer, que os direitos sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, que exigem dos órgãos do poder publico certas prestações materiais[6].


O disposto no art. 196° da Constituição de 1988 conduz às ações e meios que asseguram que o direito a saúde seja eficaz.


“Art.196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”


O conceito de saúde deve estar ligado a sua qualidade de vida. Desta forma, o Estado deve garantir que o cidadão tenha uma vida saudável, no seu sentido mais amplo. Ademais, o artigo supramencionado determina ainda que o direito a saúde deve ser garantido a todos, sem distinções, através de um acesso universal e igualitário.


Deve o direito a saúde abarcar, portanto, o bem estar social, sua moradia adequada, proporcionando saneamento básico, serviços médicos, assistência psicológica, bem como, preocupar-se com uma política de precaução para a não ocorrência de epidemias ou doenças evitáveis.


Com efeito, a determinação de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão aplicar anualmente recursos mínimos destinados à saúde, fora acrescentado pelo §2° e incisos, ao art. 198 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 29 de 2000.


Ademais, para garantia do direito a saúde, o cidadão pode exigir do Estado a prestação, através de emprego de recursos públicos, pois trata-se de um direito subjetivo de natureza pública.


3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A PONDERAÇÃO DE INTERESSES


Para melhor entendimento do tema, primeiramente é importante definir o que são princípios para o nosso ordenamento jurídico. Esse conceito será concebido em decorrência do relevante papel exercido pelos princípios, de estabelecer fundamentos normativos para permitir a interpretação e conseqüentemente a aplicação do direito. 


Assevera Robert Alexy, que os princípios são normas, tanto quanto as regras, mas que possuem, geralmente, um grau de generalidade maior. Seriam eles, os princípios, mandamentos de otimização, considerando ser um mandamento tanto uma permissão como uma proibição[7].


De acordo com este autor, “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”[8].


Considerando que os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, J.J Gomes Canotilho, expõe que, conseqüentemente, os princípios permitem um balanceamento de valores e interesses.  Nesse diapasão, a depender do seu peso e da ponderação com os princípios eventualmente conflitantes eles podem ser harmonizados[9].


Ademais, os princípios, por não possuírem a característica de mandamento definitivo, apresentam razões que permitem que o próprio princípio seja afastado por razões antagônicas[10]


Trata-se, portanto, os princípios, por sua natureza, finalidade e formulação, incapazes de provocar conflitos permanentes, criando apenas momentâneos estados de tensão ou de mal estar hermenêuticos, ou seja, um conflito de forma passageira, superável através da aplicação do Direito[11].


Robert Alexy afirma ainda que normalmente os princípios são relativamente gerais, devido ao seu distanciamento com as possibilidades do mundo fático e normativo[12].


Desta forma, entende J.J. Gomes Canotilho que os princípios não proíbem, permitem ou exigem na forma do tudo ou nada, eles observam a reserva do possível, impondo uma optimização[13].


Assim, relevante destacar que os princípios pertinentes a limitação do fumante, por tratar-se de princípios com interesses conflitantes, devem ser ponderados, embora permaneçam momentaneamente em conflito.


3.1. Método da ponderação de interesses


Considerando as lições de Ronald Dworkin, para melhor compreender os motivos para a prevalência de um principio sobre outro, primeiramente, é importante estabelecer a premissa de que um princípio estabelece condição para conduzir um argumento em certa direção. Desta forma, admite, que pode haver outros princípios que argumentem em outra direção, e que embora nesse caso um dos princípios não irá prevalecer, não significa que não se trata de um principio do nosso ordenamento jurídico[14].


“Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. […] Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser valida”[15].


Os princípios interagem uns com os outros, embora também entrem em conflito, evidenciando a possibilidade de que em cada problema jurídico particular, um determinado princípio se torne relevante, fornecendo uma razão que sustente uma solução, não obstante não a estipule. O interprete não irá identificar apenas um principio como válido[16].


Ocorre que, quando dois princípios colidem, geralmente o conflito que se forma diz respeito a um principio que é permissivo e o outro principio é proibitivo, propiciando a necessidade de um dos princípios ceder. Isso ocorre, pois, um princípio pode ter precedência em face do outro quando submetidos a determinadas condições[17].


Diante de uma situação na qual os princípios possuem interesses conflitantes, tornou-se necessário criar uma técnica para permitir fundamentar a prevalência de um dos princípios perante os demais, visto que, nessa situação, o interprete não deveria optar simplesmente por um deles aleatoriamente. Importante observar a existência de pelo menos dois princípios para justificar a utilização da técnica da ponderação de interesses.


Com efeito, Robert Alexy pondera que em uma colisão entre princípios, a solução não se encontra na declaração de invalidade de um dos princípios, consiste no estabelecimento de uma precedência condicionada entre os princípios, de acordo com o caso concreto[18].


Essa precedência condicionada é entendida por Alexy como dependente das peculiaridades do caso concreto, pois, ele não descarta que, em outra situação, o mesmo princípio que ora houvera prevalecido, possua menor valor.


Para J.J Gomes Canotilho a proposta metodológica da ponderação significa fazer um “balancingprocess”, ou seja, equilibrar e ordenar bens conflitantes num determinado caso. Segundo ele, “a ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens”[19].


Segundo Luis Roberto Barroso, nesses casos é preciso destacar alguns elementos na medida da sua importância e pertinência para o caso concreto, definindo assim a técnica da ponderação de interesses como sendo:


“A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável em casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma situação concreta dá ensejo a uma situação concreta à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas”[20].


Nesse sentido, Ana Paula de Barcellos, reconhece a necessidade da utilização da técnica da ponderação de interesses nos casos difíceis, tratados por ela como sendo casos nos quais as premissas maiores são igualmente válidas e de mesma hierarquia, que por sua vez, indicam soluções diversas e muitas vezes contraditórias[21].


Há de se destacar que o método da ponderação de interesses preocupa-se com a análise do caso concreto o qual gerou o conflito. Tendo em vista que em cada situação fática a ser examinada deve-se atribuir um peso específico a cada um dos princípios que se afiguram em confronto[22].


No entanto, para possibilitar a aplicação do teorema da colisão, Robert Alexy não admite a existência de princípios absolutos, ou seja, daqueles princípios que em nenhuma hipótese cedem em favor de outros. Considera o autor, que admiti-los seria reconhecer que esses princípios não conhecem limites jurídicos. Para ele, nem mesmo a norma da dignidade humana é uma norma absoluta[23].


Possui a ponderação o propósito de solucionar o conflito entre os princípios da maneira menos traumática para o sistema, permitindo a convivência das normas que encontram-se em oposição, sem que haja a negação de uma delas[24]. Nesse sentido, Daniel Sarmento reconhece por sua vez que:


“A maleabilidade inerente à ponderação de interesses, se, por um lado, torna extremamente dinâmica e fecunda a técnica em questão, por outro, exacerba as dificuldades na construção de uma metodologia racional e controlável que lhe informe o conteúdo”[25].


Na primeira fase de realização da ponderação, identificam-se os comandos normativos ou normas relevantes que estejam em conflito. Deve-se ainda agrupar as normas de acordo com a solução que estejam sugerindo[26].


Cabe ao intérprete, nessa etapa, estabelecer as fronteiras e tentar detectar o campo de incidência dos princípios em embate. Detectada uma esfera de colisão, confirma-se a necessidade de utilização da ponderação[27].


Em uma segunda etapa, afigura-se necessário o exame dos fatos e os reflexos que as normas identificadas na primeira etapa possuem no caso concreto. Dessa forma, consegue-se identificar com maior nitidez a influência de cada um desses princípios, delimitando a sua extensão[28]. Assinala Daniel Sarmento que nessa fase o intérprete deve:


“À luz das circunstâncias concretas, impor “compressões” recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à sua convivência com o outro”[29].


Importante destacar que a técnica de ponderação de interesses vem sendo cada vez mais aplicada pelos juízes e Tribunais, para solução de colisões entre os princípios, não somente no Brasil, mas, principalmente, pelos países Europeus.


Com relação ao fornecimento de medicamentos de alto custo para determinadas pessoas, através de ações judiciais, o que se deve ponderar no caso concreto é a saúde do individuo, e consequentemente o seu bem maior que é a vida, em detrimento da ordem econômica e a saúde da coletividade, através do risco de descontinuidade na prestação de serviços de saúde ao restante da população.


4. ENTENDIMENTOS JURISPRUDÊNCIAIS PERTINENTES


No que diz respeito ao argumento trazido pelo poder público, quando diante de situações em que membros da população pleiteiam o fornecimento de medicamentos de alto custo, de logo afastados os argumentos da separação dos poderes e da reserva do possível.


A possibilidade de se recorrer ao judiciário encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, que assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, nos termos do art. 5, XXXV, CF/88.


Desta feita, o argumento da separação dos poderes não é adequado para se averiguar a existência ou não de um direito. Enquanto a analise da existência de um direito atua no plano da eficácia da norma, a atuação do judiciário opera no plano da sua efetividade. [30]


Esse argumento encontra respaldo na jurisprudência pátria, onde se destaca a decisão proferida na ADPF MC 45/DF, no qual é relator o Ministro Celso de Mello, DJ 29.4.2004:


“EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. AQUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”.NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE EDA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”


No mesmo sentido, o argumento da reserva do possível, que significa inexistência de recursos suficientes para atender a todas as necessidades, consubstancia-se em que os Poderes Legislativos e Executivo decidem sobre as respectivas atuações, não atuando no plano da eficácia da norma, assim, não podem fundamentar a existência ou não de determinado direito subjetivo[31].


O Ministro Celso de Mello enfrenta ainda o tema da reserva do possível na ADPF 45/DF destacando que o Estado não pode simplesmente invoca-lo a fim de exonerar-se do cumprimento de obrigações constitucionais, conforme se lê:


“Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The CostofRights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige,deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.


É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.


Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”.(grifos nossos)


Cumpre explicitar, que o objeto dos direitos sociais depende da existência de recursos financeiros ou meios jurídicos imperiosos a satisfazê-los. Deste modo, sustenta parte da doutrina, que os direitos sociais sujeitam-se a uma reserva do possível[32]. Esse argumento não deve prevalecer.


No entanto, o direito a saúde, por estar mais diretamente ligado a vida, é tão fundamental que na ausência ou insuficiência dessas prestações materiais pode ser pleiteado por meio judicial. O titular do direito a saúde pode exigir do Estado providencias fáticas relevantes para o desfrute da prestação que lhe constitui o objeto[33].


Prestações relativas à saúde devem corresponder ao mínimo existencial, conforme ponderações e respectivas conexões axiológicas, deste modo, seria inadequado excluí-las quando demonstradas serem essenciais para a vida digna do ser humano.  Nesse caso, fariam parte de um mínimo existencial e deveriam ser concedidas pelo Poder Judiciário[34].


Partindo-se para uma analise casuística, há de se observar que o Brasil é um país com relativa escassez de recursos, no entanto, essa escassez não pode se tornar um óbice ao reconhecimento do direito ao mínimo existencial.


Assim entendeu o Ministro Gilmar Mendes no STA 175-Agr / CE, Dj 30.04.2010, in verbis:


“Ementa: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.”


Sustenta o Ministro Gilmar Mendes que o argumento de que o fornecimento de medicamentos de alto custo ou de medicamentos que possuem registro na ANVISA traria grave lesão à economia e à saúde publica não são suficientes para impedir o seu fornecimento pelo Poder Publico.


Ademais, destaca que a analise das decisões dessa natureza devem ser feitas caso a caso, ou seja, em cada caso deve ser feita uma ponderação de interesses que considerem todos os elementos fáticos e normativos do pleito.


É também o entendimento sustentado pelo Ministro Celso de Mello no RE 393.175/RS, DJ 02.02.2007 no qual é relator:


“PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO – PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES – DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, “CAPUT”, E 196) – PRECEDENTES (STF) – ABUSO DO DIREITO DE RECORRER – IMPOSIÇÃO DE MULTA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.


O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.”


Deste modo, cabe ao Poder judiciário a analise casuística para, enfim, conferir a plena e imediata efetividade dos direitos sociais, podendo, inclusive, obrigar o Estado a realizar tais politicas sociais.


Outrossim, deve-se ponderar entre proteger a inviolabilidade do direito a vida e à saúde, direitos fundamentais esses que são assegurados pela Constituição Federal, ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado[35].


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Sem duvida, o direito a saúde, como direito fundamental a pessoa humana, não pode ser menosprezado pelo Estado. O não atendimento desse direito pelo Poder Público configura grave lesão a um compromisso constitucional e consequentemente ao individuo que necessita de atendimento médico.


Assim, a omissão do Poder Público diante a censurável conduta de não fornecimento de medicamento, ainda que de alto custo, pode acarretar na busca dessa satisfação através do Poder Judiciário.


Deste modo, a analise casuística a ser feita deve observar a importância que se é a tutela do direito a vida e a saúde, ainda que esse venha a confrontar-se com a lesão à ordem, à economia e a saúde pública.


Cabe ao Poder Judiciário agir diante da inércia governamental no adimplemento de prestações positivas conferidas ao Poder Público, sem se deixar levar pelo falho argumento da reserva do possível, invocado muitas vezes pelo Estado para exonerar-se, dolosamente, da realização de suas obrigações constitucionais.


 


Referências bibliográficas:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

BARCELLOS, Ana Paula. Direitos Sociais, fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

______. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: Barroso, Luís Roberto. A nova interpretação Constitucional, ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à jurisdicionalização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Sarmento, Daniel (coord). Direitos sociais, fundamento, jurisdição e direitos sociais em espécie, Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina.

CUNHA JUNIOR, Dirley, Controle judicial das omissões do poder publico. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MEIRELES, Ana Cristina Costa. A eficácia dos direitos sociais. 1 ed. Salvador: Juspodvm, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: LúmenJúris, 2003.

 

Notas:

[1]BARCELLOS, Ana Paula. Direitos Sociais, fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 803

[2] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à jurisdicionalização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Sarmento, Daniel (coord). Direitos sociais, fundamento, jurisdição e direitos sociais em espécie, Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008,p. 883-884.

[3] Idem. Ibidem, p. 884.

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 308.

[5] MEIRELES, Ana Cristina Costa. A eficácia dos direitos sociais. 1 ed. Salvador: Juspodvm, 2008, p. 394.

[6]CUNHA JUNIOR, Dirley, Controle judicial das omissões do poder publico. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 293. 

[7] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

[8]Idem. Ibidem, loc.cit.

[9]CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed.Coimbra: Almedina, p.1161.

[10]ALEXY, Op. cit. p. 104.

[11] MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 33.

[12] ALEXY, Op. cit. p. 108.

[13]CANOTILHO, Op. cit. p.1255.

[14] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 41.

[15]Idem.Ibidem., p. 42-43.

[16] DWORKIN, Op. cit,, p. 114.

[17] ALEXY, Op. cit., p. 93.

[18] Idem. Ibidem, p. 96.

[19]CANOTILHO, Op. cit., p.1237.

[20] BARROSO, Op. Cit., p. 263.

[21] BARCELLOS, Ana Paula. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: Barroso, Luís Roberto. A nova interpretação Constitucional, ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 55.

[22] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 97.

[23] ALEXY, Op. cit., p. 111.

[24] BARCELLOS, Op. cit., p. 57.

[25] SARMENTO, Op. cit., p. 99.

[26]BARCELLOS, Op. cit., p. 57.

[27] SARMENTO, Op. cit., p. 102.

[28] BARROSO, Op. cit., p. 264.

[29] SARMENTO, Op. cit., p. 102.

[30]MEIRELES, Op. cit., p. 425.

[31] MEIRELES, Op. cit., p. 426.

[32]CUNHA JUNIOR, Op. cit., p. 293.

[33]CUNHA JUNIOR, Op. cit., p. 314.

[34] MEIRELES, Op. cit, p. 432.

[35]CUNHA JUNIOR, Op. cit, p. 324.


Informações Sobre o Autor

Suzana Lessa Vieira

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Salvador-UNIFACS. Pós Graduanda em Direito Público pela Faculdade Ruy Barbosa.


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