Extensão da exigência de regularidade fiscal na fase de habilitação do procedimento licitatório

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Resumo: O presente artigo trata, essencialmente, de opinião jurídica acerca do correto limite de indução de regularidade fiscal que pode ser dado na interpretação do art. 193 da Lei no 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN) conjugado com o inc. III do art. 29 da Lei no 8.666/93.


Palavras-chave: Regularidade fiscal. Código Tributário Nacional. Lei no 8.666/93. Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Habilitação.


Sumário: 1  Introdução – 2 Desenvolvimento – 3 Conclusão


1 Introdução


Com efeito, buscamos saber se nas licitações patrocinadas pela União, mais precisamente na fase de habilitação, faz-se necessária a apresentação por parte das empresas licitantes de comprovante de regularidade fiscal para com as Receitas Estadual e Municipal. As conclusões, por óbvio, aproveitam, mutatis mutandis, aos demais entes administrativos estatais (Estados, Municípios e Distrito Federal) quando em seus respectivos certames licitatórios.


Por oportuno, trataremos também das modificações recentemente lançadas pelo novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/06), publicada em 15 de dezembro de 2006, o que faremos, obviamente, dentro dos limites do estudo da necessidade de comprovação da regularidade fiscal na etapa da habilitação das empresas licitantes.


2 Desenvolvimento


Bem, como sabemos, a necessidade de comprovação da regularidade fiscal relativa à Seguridade Social, FGTS e Fazenda Nacional é universal, inclusive nos casos de contratação direta. Esse imperativo reverbera em inúmeras normas que compõem o ordenamento jurídico pátrio, vejamos: §3º do art. 195 da CRFB (regularidade fiscal relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS); inc. IV do art. 27 e art. 29, ambos da Lei nº 8.666/93; inc. II do art. 1º da Lei nº 7.711/88; alínea “a” do art. 27 da Lei nº 8.036/90; art. 2º da Lei 9.012/95; arts. 11 e 47 da Lei nº 8.212/91; parágrafo único e caput do art. 16, alínea “a” do inc. I e alíneas “a” e “b” do §10, todos dispositivos do art. 84 do Decreto nº 612/92; art. 62 do Decreto-lei nº 147/67[1] — regularidade fiscal relativa à Fazenda Nacional (i. é, perante a Secretaria da Receita Federal e à Procuradoria da Fazenda Nacional).[2]


O desafio do tema aqui enfrentado está também no espectro da comprovação da regularidade fiscal, mas tem outro matiz, i. é., buscamos descortinar a exata extensão do inc. III do art. 29 da Lei nº 8.666/93 quando em cotejo com o art. 193 do CTN. Queremos saber, no caso das licitações promovidas por órgãos da União, se é obrigatória a apresentação de comprovante de regularidade fiscal pelas empresas licitantes para com as Receitas Estadual e Municipal.


Atentos às conseqüências das Súmulas nº 110[3] e nº 222[4] do Tribunal de Contas da União (TCU), começamos por registrar que não há jurisprudência consolidada sobre essa matéria no órgão de Controle Externo, é o que, inclusive, assere o Acórdão nº 488/2004 da Primeira Câmara. De igual modo, isso pode ser constatado pela total ausência de quaisquer excertos de Acórdãos sobre essa questão no livro Licitações e Contratos (TCU, 3. ed. revista, atualizada e ampliada).


Sobre esse tema, pareceristas da empresa Zênite Consultoria[5] destacam três correntes de interpretação acerca do art. 29, inc. III, da Lei de Licitações cumulado com o art. 193 do CTN, que passaremos a abordar, somando ainda uma outra corrente, a terceira a ser apresentada, que é, na verdade, um tertium genus nascido da síntese das duas primeiras linhas de entendimento.


A primeira defende a idéia segunda a qual “o interessado em contratar com a Administração Pública deve demonstrar a regularidade fiscal junto à Fazenda Pública interessada” (titular do procedimento de licitação, ou responsável pela celebração do contrato). Perfilha essa tese, v.g., Carlos Valder Nascimento.[6]


A segunda linha de entendimento aponta para a necessidade de comprovação de regularidade fiscal do interessado consoante o ramo de atividade a ser contratado, ou seja, é, deve-se, a partir do conhecimento da hipótese de incidência de determinado(s) tributo(s), inerente(s) à atividade do licitante, saber em relação a qual(is) Fazenda(s) solicitar a demonstração da documentação hábil. Afinado por esse diapasão está, por exemplo, o jusdoutrinador Marcos Juruena Villela, que assim assere em seu mais recente livro:[7] “A prova de regularidade fiscal só abrange a quitação para com os tributos inerentes à atividade do licitante (não se incluindo, pois, o IPTU, IPVA, ITR etc.).”


Ainda nessa segunda via de entendimento parece estar a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[8] que, ao examinar os art. 28 a 31 da Lei nº 8.666/93, afirma que “a própria redação deixa clara a não obrigatoriedade de exigir todos os documentos mencionados nos seus incisos; os arts. 28 e 29 falam que a documentação relativa à habilitação jurídica e à regularidade fiscal, “conforme o caso, consistirá em…”;… “A exigência de documentação será feita de modo a atender às várias situações possíveis.” (g.n.)


Jessé Torres Pereira Junior,[9] de igual modo, afirma que “a prova de regularidade fiscal deve referir-se aos tributos devidos em razão da atividade pertinente ao objeto em licitação, em que o concorrente atue. Esta a orientação adotada, entre outros, pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, ao interpretar o art. 193 do Código Tributário Nacional (decisão plenária, unânime, no processo nº 2.479/97).”


Essa é, também para nós, a melhor interpretação que se pode dar a esta controvertida questão, porquanto conjuga o prestígio ao princípio da razoabilidade com o respeito ao princípio constitucional que subordina as exigências de habilitação ao mínimo possível, preservada a segurança da execução do objeto contratual, ex vi do inc. XXI do art. 37 da CRFB/88.


A terceira forma de entender a questão é patrocinada por um autor de peso, referimo-nos a Marçal Justen Filho,[10] para quem “é inviável reconhecer como indispensável a regularidade fiscal em face de outro ente federativo que não aquele que promove a licitação.” De outro lado, acha ele ainda que “pode (deve) exigir-se do licitante comprovação de regularidade fiscal atinente ao exercício da atividade relacionada com o objeto do contrato que se pretende firmar.


A quarta corrente doutrinária propugna por uma interpretação mais extensiva, muito menos liberal, segunda a qual os interessados em contratar com a Administração Pública devem demonstrar a regularidade fiscal para com as três Fazendas, i. é.: a Municipal, a Estadual e a Federal. Defendem tal entendimento Carlos Ari Sunfeld[11] e Renato Geraldo Mendes.[12]


O parecer da Zênite Consultoria, acima referido, reporta-nos a uma decisão do STJ,[13] apenas uma decisão, frisamos, que acolhe o entendimento dessa quarta corrente.


Por fim, não podemos deixar de mencionar aqui que mui recentemente foi aprovada pelo Congresso Nacional, e sancionada pelo Presidente da República, a Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006, auto-intitulada Estatuto da Micro e Pequena Empresa, que teve por fundamento de validade a alínea “d” do inc. III do art. 146 da Constituição da República.


A partir da vigência dessa nova Lei, a comprovação de regularidade fiscal só será exigida para efeito de assinatura do contrato (art. 42), podendo essas empresas participar do certame mesmo apresentando alguma irregularidade (art. 43).


A despeito de não nos filiarmos ao entendimento do ilustre doutrinador Joel de Menezes Niebuhr,[14] que vê nessa nova Lei uma “aventura legislativa” que virá a causar “prejuízos de monta à Administração Pública”, não podemos deixar de registrar uma aparente antinomia entre o art. 42 e o §1º do art. 43 da Lei Complementar nº 123/2006, que é solucionada a partir do entendimento de que, na presença de alguma não conformidade fiscal por parte das empresas licitantes, o prazo mínimo a ser respeitado pela Administração para proceder à assinatura do contrato deve ser de 2 (dois) dias úteis, tempo esse que será utilizado pela empresa vencedora para o eventual saneamento da sua situação fiscal, com a regularização da documentação.


Verdadeiramente, do ponto de vista do exame da isonomia, vemos máxima juridicidade nessa nova Lei, que nos traz o chamado “supersimples”, respeitados, pois, todos os elementos necessários ao discrímen legal,[15] sendo que o modo de igualar, substancialmente, pessoas entre si tão diferenciadas é desigualá-las em termos jurídicos para que através desse desigual tratamento se obtenha maior igualdade substancial.[16]


3 Conclusão


De tudo o que foi aqui lançado sobre o tema axial, com as vênias de estilo, filiamo-nos à segunda corrente, sendo que para nós a exigência de comprovação da regularidade fiscal deve se circunscrever ao ramo de atividade inerente ao objeto da contratação, defender tese diversa implicaria dar de ombros para um princípio tão central, qual seja o da universalidade de acesso a licitações.


 


Notas:

[1] Verbis: “Art 62. Em todos os casos em que a lei exigir a apresentação de provas de quitação de tributos federais, incluir-se-á, obrigatoriamente, dentre aquelas, a certidão negativa de inscrição de dívida ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente.”

[2] O TCU, desde a prolação da Decisão nº 246/97 – Plenário, firmou entendimento de que, na aplicação do inc. III do art. 29 da Lei nº 8.666/93, a prova da regularidade para com a Fazenda Nacional deverá incluir obrigatoriamente, além da certidão de quitação de tributos e contribuições federais, a certidão da quitação da dívida ativa da União.

[3] Súmula nº 110Nas consultas formuladas ao Tribunal pelas autoridades competentes, ante dúvidas suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares que abranjam pessoas ou entidades e matérias sob a sua jurisdição e competência, as respostas têm, caráter normativo e constituem prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto. (g.n.)

[4] Súmula nº 222 – As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

[5] Parecer da lavra dos Drs. Luciano Elias Reis e Ricardo Sampaio, feito por demanda do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em 03 jan. 2006 <http://www.zenite.com.br/jsp/site/consultoria/MinhasConsultas.jsp?IntPrdcId=1>.

[6] NASCIMENTO, Carlos Valder. Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 484.

[7] SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 180.

[8] “Princípio da Razoabilidade”, texto integrante do livro “Temas polêmicos sobre licitações e contratos”, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 24-32.

[9] Fragmento do livro Licitações de informática. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 138.

[10] Ver em Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 320-321.

[11] SUNFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 122.

[12] Ver MENDES, Renato Geraldo. Lei de licitações e contratos anotada. 5. ed. Curitiba: Zênite, 2004. p. 99. Nota 794.

[13] STJ. Resp 138745/RS. Recurso Especial 1997/0046039-8. Relator: Min. Franciulli Netto. Data da Decisão: 05 abr. 2001. DJ, 25 jun. 2001, p. 150.

[14] NIEBUHR, J. M. Repercussões do novo estatuto das microempresas e das empresas de pequeno porte nas licitações públicas. Disponível em: <www.zenite.com.br/jsp/site/institucional/index.jsp>. Acesso em: 19 jan. 2007.

[15] Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. Malheiros, p. 41), para que o critério discriminador adotado pela norma esteja em harmonia com a isonomia devem concorrer quatro elementos: “a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa — ao lume do texto constitucional — para o bem público.”

[16] PASSOS, J. J. Calmom de. O princípio de não discriminação. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, ano 1, n. 2, maio 2001.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Neves

Assessor da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – TRT/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Administração Pública pela FGV.


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