O respeito ao princípio da cidade sustentável como direito fundamental na urbanização brasileira

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Resumo: Este artigo científico trata de uma questão de grande relevância para o contexto mundial no qual o Brasil está inserido: o princípio da cidade sustentável na urbanização brasileira. Para realização desse trabalho foi utilizado o método da revisão bibliográfica acompanhada da necessária análise dos princípios fundamentais ligados à urbanização. Tudo isso, a fim de transmitir uma melhor compreensão do tema aqui exposto. Este trabalho exigiu a realização de uma explanação acerca do princípio do direito à cidade sustentável, considerando os princípios no Sistema Brasileiro, a importância dos princípios para o Direito Ambiental e Direito Urbanístico, passando pelos conceitos dos direitos fundamentais, dando ênfase ao princípio do direito à cidade sustentável como direito fundamental. Ainda, pretendeu discutir a situação urbanística das cidades brasileiras, principalmente, quanto à mobilidade urbana.

Palavras-chave: Cidade Sustentável. Direito Ambiental. Urbanização. Mobilidade Urbana.

Abstract: This scientific article is a matter of great importance to the global context in which Brazil is inserted: the principle of sustainable city in the Brazilian urbanization. To perform this study we used the method of literature review accompanied by the required analysis of the fundamental principles arising from urbanization. All this in order to convey a better understanding of the issue here presented. This work required the completion of an explanation about the principle of the right to sustainable city, considering the principles in the Brazilian System, the importance of the principles for Environmental Law and Urban Law, through the concepts of fundamental rights, emphasizing the principle of the right to sustainable city as a fundamental right. Still, it was intended to discuss the situation of urban Brazilian cities, especially regarding urban mobility.

Keywords: Sustainable City. Environmental Law. Urbanization. Urban Mobility.

Sumário: Introdução; 1. Princípios no Sistema Brasileiro; 2. A Importância dos Princípios para o Direito Ambiental e Direito Urbanístico; 3. Conceituação dos Direitos Fundamentais e dos Direitos Fundamentais de 3a Geração; 4. O Princípio do Direito à Cidade Sustentável; 5. O Princípio do Direito à Cidade Sustentável como Direito Fundamental; 6. O Desrespeito ao Princípio do Direito à Cidade Sustentável; Considerações Finais.

Introdução

Este artigo apresenta uma explanação acerca do princípio do direito à cidade sustentável, considerando os princípios no Sistema Brasileiro, a importância dos princípios para o Direito Ambiental como também para o Direito Urbanístico, passando pelos conceitos dos direitos fundamentais, dando ênfase ao princípio do direito à cidade sustentável como direito fundamental capaz de tornar uma cidade urbanizada e humana, ligando o homem a um habitat digno para se viver em sociedade.

1. Princípios no Sistema Brasileiro

O sistema jurídico brasileiro é alicerçado por princípios, de tal maneira que a própria Constituição Brasileira de 1988 foi totalmente estruturada por princípios regedores da vida estatal. Segundo J.J. Gomes Canotilho (1997, p. 1091-1092), os princípios fundamentais “explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte”.

Importante analisar, então, o significado de princípio para o direito. Humberto Ávila (2006, p. 35) cita Josef Esser, o qual define princípios como “normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja concentrado”. Já para Karl Larenz (2005, p. 23), os princípios seriam pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, porém não são regras suscetíveis de aplicação, na medida da falta do caráter formal de proposições jurídicas, isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica.

Dworkin (2005, p 41) afirmou existir uma distinção baseada no modo de aplicação do princípio e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas. A partir dessas considerações, Alexy (2006, p. 90) tornou mais precisa tal definição, de modo a conceituar os princípios como uma espécie de norma jurídica por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas.

Humberto Ávila (p. 167) finaliza seu estudo concluindo os princípios como normas, imediatamente, prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, cuja aplicação demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Carlos Maximiliano (1991, p. 295) entende por princípios, a partir de suas concepções jusnaturalistas, como sendo:

“Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas ideias (sic) do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica. Se é deficiente o repositório de normas, se não oferece, explícita ou implicitamente, e nem sequer por analogia, o meio de regular ou resolver um caso concreto, o estudioso, o magistrado ou o funcionário administrativo como que renova, em sentido inverso, o trabalho do legislador: este procede de cima para baixo, do geral ao particular; sobe aquele gradativamente, por indução, da ideia (sic) em foco para outra mais elevada, prossegue em generalizações sucessivas, e cada vez mais amplas, até encontrar a solução colimada.”

Robert Alexy (2006, p. 90) entende que o princípio é:

“O ponto decisivo de distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.”

Carlos Eduardo de Freitas Fazoli (2007, p. 26) chegou à conclusão que os princípios são espécies, ao lado das regras, no qual, as normas são o gênero que tem por objeto os valores fundamentais de uma dada sociedade, com alto grau de abstração, normatividade, eficácia imperatividade e precedência material, estando na base do seu ordenamento jurídico, a fim de limitar as regras que com ele se relacionam, integrar as lacunas legais e servir de parâmetro para a atividade interpretativa. O mesmo autor afirma que, por possuir eficácia, pode ser concretizado e gerar direitos subjetivos, isto porque, por possuírem uma estrutura aberta, podem ser aplicados a um número indeterminado de casos, enquanto que as regras possuem estrutura fechada com incidência determinada a situações específicas.

Uadi Lammego Bulos (2011, p. 496) estabelece sua conceituação sobre princípios como sendo:

“Princípios e valores: Francisco Javier Díaz Revorio, princípios não se confundem com valores. Mas ele próprio reconhece que estes últimos – valores – podem servir de parâmetro de constitucionalidade, assim como os princípios (Valores superiores e interpretación constitucional, p. 172 e s.). Na doutrina italiana, o termo valor, que comporta múltiplos significados, é usado numa acepção ampla, interagindo com os princípios. Nesse sentido: Gianformaggio, L’interpretazione dela Costituzione tra applicazione di regole ed argo mentazione basata sul principi, Revista Internazionale de Filosofia del Diritto, [s.1.] n.1, 1985.”

Assim, os princípios podem ser entendidos como instrumentos de suma importância para o sistema constitucional, de maneira a serem considerados como um verdadeiro suporte para o ordenamento jurídico, os quais, apesar de possuírem alto grau de abstração, devem servir, necessariamente, de inspiração para o legislador e serem determinantes no momento da tomada de ações dos administradores.

2. A Importância dos Princípios para o Direito Ambiental e Direito Urbanístico

A defesa do meio ambiente encontra-se, pioneiramente, na atual Constituição Brasileira, a de 1988, a partir do art. 225, demonstrando uma preocupação do constituinte em proteger o meio ambiente, buscando a sustentabilidade. Para isso, foi necessária essa proteção constitucional a fim de tutelar a efetivação desse direito, tornar o meio ambiente equilibrado com as relações humanas, sociais, políticas. Está aí a importância do Direito Ambiental para dispor sobre o assunto. Segundo o Ministro Paulo Bessa Antunes (2010, p. 5): “O Direito Ambiental é a norma que, baseada no fato ambiental e no valor ético ambiental, estabelece os mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente”.

O Direito Ambiental é um ramo novo do direito, o qual, mesmo sendo autônomo, depende de institutos de outros ramos do direito para se autocompletar, bem como muitas de suas normas ainda estão baseadas em princípios, fazendo com que sejam de suma importância para este novel ramo. Vale também ressaltar valer esta afirmação para o direito urbanístico, havendo ambos obtido destaque com o advento da Constituição de 1988, em razão da preocupação com o meio ambiente expressa no texto constitucional.

A autonomia do Direito Ambiental, apesar de ter sido questionada por alguns doutrinadores de peso da década de 70, tais como Sérgio Ferraz (1972, p. 49), que cita inclusive Diogo de Figuêredo Moreira Neto como pertencente a esta corrente, em virtude de que, à época, o então Direito Ecológico não tinha métodos próprios de pesquisa ou de sistematização nem princípios ou instrumentos específicos. E, mais recentemente,  Toshio Mukai (2002, p. 11-13) entendia que, por conta da natureza interdisciplinar, ao recobrir todos os ramos clássicos do direito, o Direito Ambiental não constitui um ramo autônomo e sim um direcionamento para um sentido ambientalista da parcela de cada um dos ramos da Ciência Jurídica com que o Direito Ambiental se relaciona.

Hodiernamente, vários autores de peso defendem a tese da autonomia do direito ambiental.  Luís Paulo Sirvinskas (2012, p. 117), entende que a “autonomia caracteriza-se pelo fato de possuir próprio regime jurídico, objetivos, princípios, sistema nacional do meio ambiente, etc. Contudo, ele não é autônomo em relação aos demais ramos do direito, mesmo porque nenhum deles o é”.

Cristiane Derane et al. (2006, p. 15) analisam a questão assim:

“A autonomia do Direito Ambiental se verifica nas suas relações ordenadas por princípios que lhe são próprios e que, por muitas vezes, não compartilha com outros ramos da ciência jurídica. Isso quer dizer que o Direito Ambiental baseia-se em fontes que primordialmente lhe são exclusivas, mesmo que guarde certa interdependência com outros diplomas.”

Importante analisar a Lei n. 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos e aplicação, cujo texto trouxe definições e conceito de meio ambiente e de poluição, objeto de estudo da ciência ambiental, objetivos, princípios, responsabilidade objetiva, diretrizes, instrumentos, regime jurídico próprio, o sistema nacional do meio ambiente e sua composição. Desta forma, a referida lei deu ao Direito Ambiental a autonomia, o que muitos autores alegavam que este direito não tinha.

Paulo de Bessa Antunes (2006, p. 22-23) discute o tema da seguinte maneira:

“É absolutamente despropositado tentar compreender o DA como um ramo ‘autônomo’ do Direito em geral (…) O DA não se encontra ‘paralelo’ a outros ‘ramos’ do Direito. O DA é um direito de coordenação entre diversos ‘ramos’ do Direito. O DA é um Direito que impõe aos demais setores do universo jurídico o respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de validade é emanado diretamente da Norma Constitucional. Trazer o DA à discussão sobre ser este autônomo ou não, é reproduzir uma discussão ontologicamente superada.”

Desta maneira, o Direito Ambiental como ciência multidisciplinar tem conexões diversas com vários ramos do Direito, tais como: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Econômico, Direito Urbanístico, dentre outros. Vale destacar que tanto o Direito Ambiental quanto o Urbanístico são totalmente conexos, pois ambos tratam do mesmo assunto: o meio ambiente. O Direito Ambiental reflete-se em todo o território, como direito difuso que é. O direito urbanístico reflete-se em normas predominantemente municipais, sem deixar de aplicar todas as determinações impostas pelos órgãos do SISNAMA, o qual estabelece restrições a atividades nocivas ao meio ambiente, como também estabelece outras formas de proteção ao ambiente. Por conseguinte, Paulo Bessa Antunes (2010, p. 9) entende que:

“Meio ambiente compreende o humano como parte de um conjunto de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a partir da apropriação dos bens naturais que, por serem submetidos à influência                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       humana, transformam-se em recursos essenciais para a vida humana em quaisquer aspectos. A construção teórica da natureza como recurso é o seu reconhecimento como base material da vida em sociedade.”

Essa afirmação é bem aplicável ao contexto do presente trabalho, tendo em vista tratar-se de um meio ambiente o qual envolve, exatamente, as relações econômicas, sociais e políticas, formando cidades por meio dessas relações ao longo do tempo, as quais resultam num meio ambiente equilibrado ou não, dependendo dos princípios atendidos para delinear uma cidade sustentável.

3. Conceituação de Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais, simplificadamente, consistem em instrumentos de proteção ao indivíduo frente à atuação do Estado. Contudo, esta é uma visão clássica que se tornou, de certa forma, obsoleta, dada a sua simplicidade.

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu Título II, os direitos e as garantias fundamentais, compreendidos nos artigos 5o a 17. Trata-se de um rol de direitos fundamentais que não se restringem apenas aos artigos citados nos referidos artigos.

Cumpre ressaltar que aparentemente, os direitos e garantias fundamentais só estariam dispostos neste Título II, contudo, o § 2o, do artigo 5o, informa que os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais na qual a República Federativa do Brasil seja parte. Por esta razão, a conceituação dos direitos fundamentais tornou-se mais ampla e mais complexa. Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 88) dispõe ser uma conceituação meramente formal, no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que, como tais, foram reconhecidos pela Constituição, revelando sua insuficiência também para o caso brasileiro, uma vez que a nossa Carta Magna, como já fora referido, admite expressamente a existência de outros direitos não integrantes do catálogo (Título II da CF), seja com assento na Constituição, seja fora desta, além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o seu conteúdo (isto é, a matéria propriamente dita) dos direitos fundamentais.

Dirley da Cunha Júnior (2011, p. 615) chama tais direitos de direitos humanos fundamentais, em razão de toda a história de luta por direitos mínimos ao ser humano. Desta feita, o autor afirma que os direitos humanos fundamentais não são, porém, apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito, enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguradores dos direitos aos indivíduos e à coletividade, estabelecendo obrigações jurídicas concretas aos Estados, compõem-se de uma série de normas jurídicas claras e precisas, voltadas a proteger os interesses mais fundamentais da pessoa humana. Os direitos fundamentais, portanto, são normas cogentes que obrigam e vinculam os Estados no plano interno e externo.

Salienta-se nascerem os direitos fundamentais a partir do processo de positivação dos direitos humanos, a partir do reconhecimento pelas legislações positivas de direitos considerados inerentes à pessoa humana. Como ocorreram com diversos tratados de direitos humanos que se tornaram normas do direito brasileiro, passando a ter status de direito fundamental.

Pela análise de Dirley da Cunha Júnior (2011, p. 615), pode-se verificar as seguintes características dos direitos fundamentais, quais sejam: são direitos naturais, por nascerem com o próprio ser humano; são inalienáveis e imprescritíveis, ou seja, não podem ser objeto de qualquer negócio jurídico, transferências, nem podem ser postos à disposição, também não se predem no tempo, sempre são exigíveis; e, embora não sejam ilimitados, sempre que colidirem, deve-se realizar uma ponderação ou conciliação dos direitos fundamentais no caso concreto; cumpre salientar, ainda, que são imprescindíveis à existência mínima do ser humano, para uma vida digna, livre e isonômica.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 109-110) entendem que os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, esses princípios têm natureza polifacética, tal qual o ser humano, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).

Para finalizar acerca da epistemologia dos princípios fundamentais, cita-se Robert Alexy (2008, p. 67), o qual conceitua direitos fundamentais como “aqueles dotados de uma determinada estrutura, qual seja, a dos direitos individuais de liberdade”. Portanto, analisando os conceitos já citados, pode-se afirmar que direitos fundamentais são aqueles consagrados positivamente na Constituição Federal de 1988, em especial no Título II, como também aqueles acolhidos amplamente pela Carta Magna, como previsão no § 2o, do artigo 5o, o qual torna o referido título em um rol exemplificativo e, não taxativo, são direitos fundamentais aqueles que envolvem a vida, a saúde, a dignidade da pessoa humana e todos os demais direitos a esses relacionados. E, é com esse entendimento, que se pode incluir o meio ambiente, in lato sensu, como direito fundamental, a ser discutido posteriormente.

Os direitos fundamentais como os conhecidos hodiernamente são resultado de um processo histórico em decorrência de inúmeras transformações sociais, políticas, religiosas ou econômicas. Conforme a evolução histórica da humanidade, muitas vezes lenta e gradual, os direitos fundamentais vão evoluindo, o que os doutrinadores chamam de gerações de direitos ou dimensões.

O surgimento dos direitos fundamentais de 3a geração já começou incipiente com a Organização Internacional do Trabalho – OIT (1919), tendo se dado de forma mais intensa após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), uma vez que, logo em seguida ao fim dessa guerra, surgiu a Organização das Nações Unidas – ONU (1945). Nessa época, havia um consenso sobre a necessidade de uma nova ordem internacional baseada na cooperação entre todos os países.

A OIT e a ONU são organismos internacionais voltados para a proteção internacional dos direitos humanos, preocupados intensamente com o destino da humanidade e com a coletividade humana, não, necessariamente, ao ser humano isolado. A OIT, especificamente, preocupa-se com a proteção dos trabalhadores em nível mundial. Já a ONU, preocupa-se com o gerenciamento da paz mundial.

Neste cenário de preocupação com uma nova ordem mundial, nasceram os direitos fundamentais de 3a geração, o que leva Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 116) a pensarem que:

“[…] a aparição dessa terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente ou à vantagem das transnacionais e corporações que controlam a produção de bens de consumo, o que desdobra na proteção aos consumidores na atual sociedade de massas.”

Até aqui, entende-se que os direitos fundamentais de 3a geração dizem respeito à proteção dos interesses de um indivíduo, bem como de um grupo, ou mesmo de um determinado Estado. Este grupo de interesses tem como objeto o gênero humano, o qual é o valor maior tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda, acerca do assunto, Alexandre de Moraes (2006, p. 60) ensina que:

“Por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos […]”.

Com o passar dos tempos e com a própria evolução dos direitos fundamentais vão ganhando nova conformação, sem que haja qualquer retrocesso, ou seja, os direitos fundamentais já adquiridos não poderão ser revogados nem mesmo por nova ordem constitucional, pois são considerados parte das cláusulas pétreas, conforme art. 60, § 4º, inciso IV, do texto constitucional atual. O que significa dizer-se que a inclusão dos novos direitos como o direito à paz, a autodeterminação dos povos, o meio ambiente, dentre outros são agregados aos direitos já garantidos anteriormente, os quais não perderam eficácia.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 116) concordam  que a essência desses direitos fundamentais se encontra em sentimentos de solidariedade e fraternidade, constituindo mais uma conquista da humanidade, no sentido de ampliar os horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos. 

Um direito fundamental, o direito à vida, gera vários outros direitos típicos, e transindividuais, que é amplamente tutelado pela ordem jurídica internacional, conforme se pode conferir na própria Carta da ONU, além outros Tratados. Desta proteção nascem muitos outros direitos, dentre eles, pode-se destacar o direito ao meio ambiente, um dos pontos-chave dessa dissertação, também classificado como direito transindividual. Cabe ressaltar, que direitos transindividuais são o gênero, dos quais os direitos difusos, os coletivos e os individuais homogêneos são as espécies. Nesses tipos de direito, é onde se encontra a proteção ao meio ambiente, fruto da própria evolução humana.

4. O Princípio do Direito à Cidade Sustentável

Como resultado da preocupação com o meio ambiente, o Direito Ambiental como também para o Direito Urbanístico, tornaram-se mais importantes para as atividades estatais e  tomaram contornos mais fortes com o texto constitucional, o qual trouxe em seu texto o Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo II – Da Política Urbana, a previsão de que a política urbana deve ser executada pelo Poder Público municipal, em cooperação com a sociedade civil, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Por conta das constantes preocupações com a urbanização das cidades, foram realizadas diversas discussões sobre o assunto, tais como: o Fórum Social das Américas, em Quito, julho de 2004, o Fórum Mundial Urbano, em Barcelona, setembro de 2004 e o V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, janeiro de 2005. Tais encontros originaram a intitulada Carta Mundial do Direito à Cidade, cujo texto sobre o direito à cidade segue integral:

Parte I. Disposições Gerais

ARTIGO I. DIREITO À CIDADE

1. Todas as pessoas devem ter o direito a uma cidade sem discriminação de gênero, idade, raça, etnia e orientação política e religiosa, preservando a memória e a identidade cultural em conformidade com os princípios e normas que se estabelecem nesta carta.

2. O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo (sic) das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social; é um direito que confere legitimidade à ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente e inclui os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Inclui também o direito a liberdade de reunião e organização, o respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança histórica e cultural.

3. A cidade é um espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a todos os seus habitantes.

4. As Cidades, em co-responsabilidade com as autoridades nacionais,  comprometem-se a adotar medidas até o máximo de recursos que disponha, para conseguir progressivamente, por todos os meios apropriados, inclusive em particular a adoção de medidas legislativas e normativas, a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais sem afetar seu conteúdo mínimo essencial.

5. Para os efeitos desta carta se denomina cidade toda vila, aldeia, capital, localidade, subúrbio, município, povoado organizado institucionalmente como uma unidade local de governo de caráter Municipal ou Metropolitano, e que inclui as proporções urbanas, rural ou semi-rural de seu território”.

Este texto demonstra a importância do direito às cidades sustentáveis, principalmente, porque traz uma definição do que seria o direito à cidade sustentável, tornando mais claro o que significa ser sustentável no convívio com outros ocupando um espaço coletivo, submetido a direitos transindividuais.

O ordenamento jurídico brasileiro trouxe o direito à cidade sustentável como um princípio insculpido na Lei n. 10.257/2001, chamado de Estatuto da Cidade, a qual foi criada para regulamentar os mandamentos constitucionais dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que tratam da política urbana.

Tanto Paulo Bessa Antunes (2010, p. 231) como Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2010, p. 450) e Luís Paulo Sirvinskas (2012, p. 665) comentam sobre o Estatuto da Cidade concordando tratar-se de uma lei que estabelece as diretrizes (rectius: princípios) norteadoras da política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, observando a garantida do direito às cidade sustentáveis, a saber: o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer. Significa, em consequência, importante diretriz destinada a orientar a política de desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários – os brasileiros e os estrangeiros residentes no País -, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais.

Segue o artigo 2º, I, do referido Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), informando que o princípio da cidade sustentável é definido da seguinte forma:

“(i) Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”

O Estatuto da Cidade, por ter trazido as diretrizes da política urbana para as cidades, tornou-se a mais importante norma reguladora do meio ambiente artificial, fundando-se no equilíbrio ambiental, de tal forma que a tutela ao meio ambiente das cidades tornou-se imediata. Esta tutela imediata é oriunda de normas cogentes, as quais passam a regular não só o uso da propriedade urbana nas cidades, mas principalmente aquilo que a lei denominou equilíbrio ambiental, ou seja, o referido Estatuto ordenou o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais, criando a garantia do direito a cidades sustentáveis.

Desta feita, convém analisarmos que o direito à cidade sustentável foi uma das diretrizes trazidas pelo Estatuto da Cidade, mas que para muitos doutrinadores trata-se de mais um princípio do direito, do qual, doutrinariamente, não há divergências sobre isso. Porém, cabe salientar que este é um princípio fundamental o qual visa resguardar o direito àqueles que habitam as cidades de maneira a equilibrar as relações sociais, políticas, culturais, econômicas, enfim, as relações humanas em geral, com um meio ambiente capaz de proporcionar uma vida com dignidade, uma boa qualidade de vida, visando erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades sociais, proporcionando bons serviços públicos para a população.

5. Princípio do Direito à Cidade Sustentável como Direito Fundamental

Diante da análise anterior a respeito de princípios e do direito à cidade sustentável, levando-se em consideração que estes são de suma importância para o Direito Ambiental, deve-se analisar a aplicação do princípio da cidade sustentável como um direito fundamental disposto no nosso ordenamento jurídico.

Em uma primeira análise, devemos nos ater ao fato de o meio ambiente ter incidência direta na vida humana e, assim, influência nas condições de saúde, de qualidade de vida, pois abrange o ar, a água, o solo, o trabalho, a cidadania, a propriedade, a paisagem urbana, dentre outros.

Indubitavelmente, um meio ambiente que não proporciona qualidade ou que seja poluído não concorre para os direitos assentados na Constituição Federal de 1988, os quais se destacam o artigo 3o, que dispõe sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como também o artigo 5o, que trata dos direitos fundamentais.

Desta forma, pode-se justificar a inclusão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no rol de direitos fundamentais, tendo em vista que estas condições externas conformam toda a vida humana. Esse é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet e Thiago Fensterseifer (2012, p. 36): “Com efeito, considerando a insuficiência dos direitos de liberdade e mesmo dos direitos sociais, o reconhecimento de um direito fundamental do meio ambiente (ou à proteção ambiental) constitui aspecto central da agenda político-jurídica contemporânea”.

O próprio texto constitucional afirma que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental. O artigo 225, da CF preceitua ser um direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dando a ele status de bem de uso comum do povo, considerando-o essencial à sadia qualidade de vida, e impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. E, no artigo 5o, §2o, do texto constitucional, prescreveu que no tocante aos Direitos Fundamentais: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Ocorre que a comunidade internacional sedimentou o entendimento de ser o meio ambiente um direito fundamental, tendo tal entendimento sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5o, §2o, transcrito anteriormente.

Ingo Wolfgang Sarlet e Thiago Fensterseifer (2012, p. 36) entendem da mesma maneira:

“A CF88 (art. 225 e art. 5o, §2o), por sua vez, seguindo a influência do direito constitucional comparado e mesmo do direito internacional, sedimentou e positivou ao longo do seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito ao ambiente o status de direito fundamental, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da solidariedade (…).”

José Afonso da Silva (2010, p. 58) trata de como o direito ao meio ambiente tornou-se direito fundamental, tendo sido reconhecido pela Declaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em junho de 1972, cujos 26 princípios constituem prolongamento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamando que o homem é o resultado e artífice do meio que o circunda, o qual lhe dá o sustento material e a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral e espiritualmente.

Apropriando-se, mais uma vez, das lições de José Afonso da Silva (2010, p. 57), entende-se que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, há de orientar todos os demais direitos fundamentais, orientando todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente.

O próprio Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança, MS 22.164/SP, cujo relator é o Ministro Celso de Melo, j. 30.10.1995, DJe, de 17-11-1995, reconheceu este entendimento dizendo ser de terceira geração o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou o direito à integridade jurídica ao meio ambiente, constituindo uma prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos.

Para Édis Milaré (2012, p. 128), a vida humana é o valor supremo do ordenamento jurídico pátrio, o qual deve viabilizar a realização plena do potencial criativo e produtivo intrínseco a cada indivíduo. Assim, sem descartar a importância das demais formas de vida, a vida humana encontra-se no topo da pirâmide hierárquica, inspiradora de todos os demais direitos subjetivos conferidos pelo nosso sistema jurídico. E continua Édis Milaré (2012, p. 129), o Constituinte de 1988 transcendeu o próprio direito à vida, pois, do conjunto das normas constitucionais depreende-se que o indivíduo tem direito não simplesmente à vida, mas à qualidade de vida, em ordem a possibilitar a plena personalidade humana.

Analisando o entendimento de Édis Milaré, pode-se aplicar o disposto acima ao conceito de cidade, pois esta é o espaço onde se concentram as atividades sociais e econômicas, ou seja, é o local geográfico onde a vida humana realiza plenamente seu potencial criativo e produtivo, é também chamado de meio ambiente artificial. Por isso, no que tange ao tema, não restam dúvidas a respeito da inserção do direito ao meio ambiente equilibrado como um direito fundamental, incluindo-se neste contexto, o direito à cidade sustentável, pois o meio ambiente artificial, que trata das cidades, é uma espécie de meio ambiente.

Desta feita, não há como negar a sua existência do princípio do direito à cidade sustentável como direito fundamental, lembrando que as cidades abrigam interações físicas, químicas e biológicas, permitindo, regendo a vida em suas mais diversas formas (conceito de meio ambiente, aliado ao conceito das cidades). No que diz respeito ao meio ambiente artificial, essas interações humanas ocorrem dentre das cidades que são as atividades econômicas, atividades sociais, moradia, lazer, segurança, dentre outros fatores, e, por ser entendido como meio ambiente, necessita de toda a tutela jurídica que vise à manutenção deste meio ambiente artificial equilibrado.

6. O Desrespeito ao Princípio do Direito à Cidade Sustentável

No contexto dos artigos 182, 183 e 225, a Constituição efetivou novos institutos jurídicos, com destaque para os jus-urbanísticos, entre os quais previu também a elaboração de leis, em âmbito federal e municipal, no intuito de regulamentarem a política de desenvolvimento e expansão urbana.

O panorama vivido nas cidades brasileiras tem se tornado cada vez mais caótico, são quilômetros de congestionamentos, violência urbana, falta de saneamento básico, desmatamento desordenado, desemprego, pobreza, tudo isso só aflora, sobremaneira, a desigualdade social nas cidades brasileiras. Em algumas cidades do Brasil, nota-se certo grau de investimento por parte do Poder Público, noutras, esse fica a dever o mínimo de infraestrutura adequada para uma boa convivência social.

As grandes cidades brasileiras são resultados do processo de marginalização social, cultural e urbana que promovem uma ocupação e utilização predatória e irresponsável do uso do solo, tanto por parte do Poder Público que permite e não pune, quanto por parte da própria sociedade que comete esses atos.

O resultado deste processo de urbanização desordenado é desastroso, tendo em vista as grandes e recentes catástrofes urbanas, tais como:

– Alagamentos em São Paulo – as chuvas na cidade ocorridas em dezembro de 2009 e início de 2010 causaram estragos e destruição a milhares de pessoas, tornando o trânsito insuportável e deixando 78 mortos. Em 2011, as chuvas causaram novos estragos e transtornos, seu índice ultrapassou o record histórico, deixando cerca de 23 mortos (Luís Paulo Sirvinskas, 2012, p. 688).

– Chuvas no Rio de Janeiro – em 2010, morreram 253 pessoas soterradas, e houve inúmeros desabrigados e/ou desalojados, em razão dos deslizamentos ocorridos no Morro do Bumba, em Niterói. Neste caso, inúmeras casas foram construídas sobre um antigo aterro sanitário e/ou lixão, sem qualquer critério e com a inércia do Poder Público. Já em 2011, a Defesa Civil contabilizou, até 3 de fevereiro, 872 mortos, 294 desaparecidos e mais de 30.242 mil pessoas desalojadas e desabrigadas na região serrana do Rio de Janeiro atingida pela chuva: Teresópolis, Nova Friburgo, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Areal e Bom Jardim. Nestas cidades, foi atingido também o patrimônio histórico e cultural em decorrência dos inúmeros desmoronamentos que levaram uma quantidade incontável de lama para dentro da cidade (Luís Paulo Sirvinskas, 2012, p. 693-694).

A chuva, aliada à impermeabilização da cidade e a ocupação desordenada nas encostas, possibilitou as enchentes e os desmoronamentos das terras, causando inúmeros danos ambientais, muitas mortes e milhares de desabrigados. Além do mais, as cidades, de maneira geral têm se espalhado horizontalmente, expondo o solo, principalmente sobre as regiões montanhosas, como o caso das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, ocasionando uma exposição excessiva do solo, consequentemente, a processos erosivos, assoreamento, impedindo a capacidade de vazão dos rios, córregos e drenagens construídas.

Essas catástrofes socioambientais demonstram claramente o processo da falta de urbanização voltada para a mínima sustentabilidade. A preocupação com a criação das cidades ocorreu após a promulgação da Lei nº 6.766/79, iniciando um processo incipiente de urbanização reforçado, posteriormente, impulsionada pelas disposições contidas no Estatuto da Cidade. Ocorre que, nesse período, muitas cidades já estavam formadas ou em processo de formação, o que acarretou a presente situação de cidades desestruturadas com necessidade premente de reurbanização, a fim de tentar minimizar os problemas já existentes.

Neste sentido, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2010, p. 444) escreve:

“Marcado pela necessidade de acomodar quase 170 milhões de seres humanos e convivendo com realidades que apontam a existência de mais de um milhão de pessoas em algumas capitais do País, o Brasil convive com a formação de uma cidade irregular ao lado da regular, obrigando a considerar, nos dias de hoje, uma realidade no campo jurídico que nasce com o regramento constitucional (Constituição Federal de 1988), visando superar as discriminações sociais da cidade pós-liberal e dar a todos os brasileiros e estrangeiros que aqui residem os benefícios de um meio ambiente equilibrado artificial cientificamente concebido.”

Este pensamento traduz a preocupação que tomou conta da atualidade nas cidades brasileiras, as quais passaram de problemas sociais graves para inquietações no plano jurídico, tendo em vista tais fatos terem sido, extremamente, graves a ponto de tornarem-se discussões jurídicas a respeito das soluções a serem tomadas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade civil como um todo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à cidade sustentável tem sido considerado um direito fundamental porque as cidades são consideradas como meio ambiente artificial, sendo um conceito albergado pelo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o qual determina que todos têm direito a um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

O entendimento da Doutrina tem sido no sentido de que o meio ambiente influencia diretamente na dignidade da pessoa humana. Assim considerado, o direito à cidade sustentável é um dos pressupostos para a efetivação da dignidade da pessoa humana e, portanto, está intimamente relacionado com outros direitos, quais sejam: direito à moradia, ao trabalho, ao lazer, viabilizados por um sistema de acessibilidade urbana (circulação), conforme as recomendações da Carta de Atenas (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, 1931).  

Nesse diapasão, deve-se entender que, sem que haja uma cidade com infraestrutura adequada para todos viverem bem, não há que se falar na efetividade do Estado Social e no respeito aos direitos fundamentais no meio urbano, pois o que se vê nas periferias das cidades brasileiras são as precárias condições de salubridade, de moradia, de lazer, de transportes, ou, ainda, a segregação espacial, contribuindo para a estigmatização de sua população, assim ferindo o princípio da dignidade humana, pilar da Constituição Federal.

Torna-se bem clara a crise de efetividade dos direitos fundamentais sob a ótica da urbanização brasileira, pois o Estado tornou-se débil, ao longo dos tempos, em efetivar tais direitos quando da necessidade da população por moradia digna, a manutenção de um meio ambiente saudável, ruas salubres, dentre outras.

O que se observa é uma total falta de respeito tanto às normas urbanísticas, principalmente o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores, quanto uma falta de planejamento urbanístico para as cidades. Esta falta de respeito e planejamento gera os desastres temidos pela população e a situação só piora, pois não há qualquer responsabilização ante a ineficiência dos Estados e Municípios brasileiros.

A questão do direito à cidade sustentável pressupõe um pensamento nas relações humanas, devendo ser realizada de forma planejada com vista à busca de um meio ambiente equilibrado, pois, o meio ambiente urbano não delimita apenas um espaço geográfico, devendo ser pensado de forma global, observando todos os problemas setoriais, buscando soluções sustentáveis adequadas para uma vida digna em sociedade.

 

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Informações Sobre os Autores

Penélope Aryadne Antony Lira

Advogada Militante. Professora Universitária na Faculdade Metropolitana de Manaus – Fametro. Formada pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – Ciesa. Pós-graduada em Finanças Coorporativas – IDAAM/Gama Filho. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA

Yonete Melo das Chagas

Bacharel em Direito e Contabilidade pela Universidade Federal do Amazonas. Pós-graduada em Contabilidade Pública e Tributária pela Centro Universitário do Norte – Uninorte/Laurate International Universities e Finanças Corporativas – IDAAM/ Gama Filho. Servidora Pública do Estado do Amazonas.


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