Teoria do risco abstrato como instrumento eficaz para garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado

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Resumo: A sociedade contemporânea, caracterizada pela transição de uma era industrial para uma pós-industrial, complexa e produtora de riscos globais, entre eles os riscos ambientais que são, muitas vezes, irreversíveis e transnacionais, exige a instituição de instrumentos jurídicos capazes de não só reparar os danos já concretizados (teoria do risco concreto), mas de prevenir e de gerenciar riscos futuros (teoria do risco abstrato), com base em disposições constitucionais e infraconstitucionais.


Palavras-chave: Teoria do Risco – Direito ambiental – responsabilidade civil objetiva – Risco abstrato.


Abstract: Contemporary society, which is characterized by a transition from an industrial to a post-industrial age, complex and producer of global risks, including environmental hazards that are often irreversible and transnational, requires the establishment of legal instruments capable of not only repairing damages already implemented (theory of the real risk), but preventing and managing future risk (theory of the abstract risk) based on constitutional and infraconstitutional dispositions.


Keywords: Theory of Risk – Environmental law – objective liability – Abstract risk.


Sumário: 1. Introdução 2. Teoria da Responsabilidade Civil 2.1 Evolução histórica 3. Teoria do Risco Abstrato 4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas


1. Introdução


São de grande relevância a construção, aplicação e atualização de institutos jurídicos que visem à proteção do meio ambiente. Ocorre que estamos a tratar de um bem jurídico singularmente valioso: o substrato da própria existência humana.


     Não obstante a importância, há que se destacar também a fragilidade do Meio Ambiente. As relações ecológicas estabelecem o equilíbrio mediante intricadas cadeias de interdependência entre os elementos inanimados e os seres vivos, como também entre seres vivos e seres vivos. O rompimento de um desses elos pode acarretar disfunções em todo o sistema.


     Atentando a essas características, percebe-se que as atividades humanas, embora necessárias ao funcionamento da sociedade, causam impactos ao meio ambiente, interferindo na dinâmica dos sistemas ambientais. Quando excedem ao tolerável, esses impactos tornam-se danos ambientais.


Para disciplinar a tutela de qualquer dano, o instituto jurídico adequado é a responsabilidade civil. Dessa forma, quando falham as medidas preventivas, que visam a impedir a ocorrência de danos ambientais (principio da prevenção), estaremos diante de um ilícito civil, e do consequente direito a uma reparação.


Mas nossa sociedade evoluiu, trazendo uma nova gama de possibilidades de danos ambientais. Essa nova espécie produzida pela sociedade de risco consiste em danos indefinidos, e que pela primeira vez põe em risco a existência de todo o gênero humano.


Para lidar com esses riscos, desponta a Teoria do Risco Abstrato, como proposta de modificação da responsabilidade civil.


Antes de adentrar ao estudo da Teoria do Risco Abstrato em si, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre a estrutura da responsabilidade civil, e sobre seu desenvolvimento histórico.


2.Teoria Geral da Responsabilidade Civil


A responsabilidade civil é espécie do gênero de responsabilidade que, segundo Carlos Roberto Gonçalves, comporta a idéia de “restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de danos”[1].


Esse instituto é aplicado sempre que ocorre um comportamento contrário ao Direito. Sendo muitos os contextos possíveis de contemplar ilícito, a responsabilidade desdobra-se em civil, penal e administrativa.


Esse trabalho trata especificamente da modalidade civil, que tira seu fundamento do ilícito civil. Este tipo de ato consiste em causar dano mediante violação de direito, ou, ao exercê-lo, excede os limites que lhe são impostos.


     Na ocorrência de uma dessas duas situações, aquele agente, causador do dano, lesionará outro sujeito, culminando em desequilíbrio social. A existência desse injusto desequilíbrio é que se busca evitar com o instituto da responsabilidade civil. Assim, verificada essa situação, o responsável pelo dano deverá reparar o prejuízo que causou.


É diferente a responsabilidade penal. Na qual não existe previsão genérica de responsabilização, limitando-se a mesma, às condutas especificamente tipificadas. Além disso, a restauração do equilíbrio nesse bojo não se dá pela reparação do dano (função primária da responsabilidade civil), mas pela ressocialização do causador da lesão jurídica.


Feita essa diferenciação, passa-se a analisar apenas, a responsabilidade em sua modalidade civil.


Para que se configure a responsabilidade, e a reparabilidade do dano, a doutrina destaca classicamente os seguintes elementos:


a) Conduta: consiste no comportamento do sujeito, na consecução de seus atos ou na ausência dos mesmos. Pode tanto ser comissiva (o agente mobiliza-se para realizar) como omissiva (o agente abstém-se de agir).


b) Dano: consiste na lesão causada a direito de alguém. Pode ser material (redução do patrimônio), como moral (prejuízo imaterial).


c) Nexo causal entre conduta e dano: é indispensável que o dano em questão tenha sido causado pela conduta. De outro modo, não há que se falar em responsabilidade.


d) Culpa lato sensu: em Direito Civil a culpa abrange tanto o dolo como a culpa propriamente dita. Não há diferença se o agente praticou, ou deixou de praticar o ato com plena intenção, de ver concretizado o dano, ou se o fez por negligência, imprudência ou imperícia. Como se verá adiante, a culpa nem sempre é elemento indispensável para a responsabilização.


Além da observância desses pressupostos, é importante observar possibilidades de classificação da responsabilidade civil, tais quais:


a) Contratual e Extracontratual. No caso da responsabilidade contratual, existe necessidade de indenização devido ao inadimplemento da prestação em uma relação obrigacional assumida pelas partes de comum acordo.


A responsabilidade extracontratual ou aquiliana provém do simples fato de provocar dano; não existe nessa hipótese nenhum vínculo preexistente, tão somente o ato lesivo.  


b) Direta ou indireta, dependendo de quem é responsabilizado pelo evento danoso, se o próprio agente causador (direta) ou se terceiro ligado a ele (indireta).


Elucida muito bem Washington de Barros Monteiro:


“O ato ilícito pode ser praticado pelo próprio imputado ou a ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob sua esfera jurídica. Se o ato é praticado pelo imputado, a responsabilidade civil classifica-se como direta se o ato é praticado por terceiro, ligado ao imputado, sendo que essa ligação deve constar da lei, a responsabilidade é indireta”.[2]


c) Subjetiva ou objetiva. Essa classificação é de suma importância para a aplicação do Direito, inclusive um dos maiores debates sobre o tema se deu quando da construção da teoria objetiva.


A responsabilidade civil subjetiva é considerada a regra em nosso ordenamento jurídico, e tem por base legal os artigos 186[3], 187[4], 927 “caput[5] do Código Civil.


A responsabilidade civil objetiva trata-se da modalidade que exclui a culpa de seus pressupostos, mantendo como elementos a conduta, o dano e o nexo causal entre eles.


É pertinente estudar-se então como se deu a evolução histórica da teoria da responsabilidade para entender melhor o tema.


2.1 Evolução Histórica


Não se encontra referência à responsabilização por atos danosos na antiguidade. Têm-se dentre as primeiras citações textos legislativos de sociedades do Oriente, como o Código de Hamurabi e o Código de Manu e no Direito Hebreu, nas Escrituras Sagradas.


Contudo não se cogitava na idéia de responsabilização qual se tem hoje, principalmente pelo fato de não se diferenciar entre a responsabilidade civil e penal. O que vigorava era a pena de talião. O agente causador do dano não era coagido a reparar a lesão, mas era, ao contrário, submetido ao mesmo prejuízo que causara à vitima, o principio dessa responsabilidade primitiva consubstanciava-se na máxima: “olho por olho, dente por dente”, ou seja, a vingança privada.


Ensina Caio Mário da Silva Pereira:


“Nos primórdios do antigo Direito romano prevaleceu a noção básica do delito. Os delicta constituíram o fator genético da responsabilidade, com a caracterização de algumas figuras delitos civis: furtum, noxia et iniuria. (Giffard, Précis de Detroit Romain, vol.II, nº 310)[6]


Com o avanço do sistema jurídico romano, além da limitação dessa vingança privada por parte do Estado, também surge possibilidade da composição voluntária entre as partes. A vítima tanto podia infligir ao agressor o mesmo dano que sofrera como poderia acordar uma indenização a título de pena (poena).


Ressalva-se que não havia ainda a divisão em responsabilidade civil e penal.


O marco no desenvolvimento romano sobre o tema é a Lex Aquilia. A importância desse documento deve-se a certos aspectos tais quais: proporcionalidade da reparação e do dano causado e a possibilidade da reparação de qualquer dano.


A partir de então, segundo a opinião de muitos autores, a atuação dos pretores júris consultos promoveu o surgimento da culpa como elemento da responsabilidade.                          


 Outra expressiva contribuição romana ao desenvolvimento da responsabilidade civil foi a Lex Poetelia Papiria. Através dela a mudança da poena passa da pessoa do lesante para seu patrimônio. Não era mais o corpo do lesante a responder, mas sim os seus bens.


Com base nessa fase final de desenvolvimento no direito romano é que foi construída a teoria da responsabilidade civil da idade moderna, e o maior documento legislativo sobre o tema dessa época é o Código de Napoleão. É a partir desse feito que a doutrina se desenvolve.


Durante a idade Moderna e Contemporânea, a doutrina clássica adotava a teoria subjetiva, aonde, como já vimos não se configura responsabilidade do agente, se este não tivesse agido com culpa.


Com a Revolução Industrial, houve a massificação das relações de trabalho, a explosão demográfica das cidades que, aliadas ao avanço tecnológico da produção e também de outros setores, tais como o transporte, criou uma nova gama de danos potenciais. Assim, aumentaram significativamente o número de vítimas resultantes do maquinismo industrial (acidentes do trabalho), bem como da proliferação de meios de transporte.


Cavalieri Filho explica que a ocorrência de tais situações deixava as vítimas em desvantagem porque era difícil comprovar que o agente obrou com culpa em casos como os indicados acima. Partindo desse momento, os juristas começaram a perceber a necessidade de reformar a teoria da culpa[7].


Dentre os pioneiros na elaboração doutrinária da teoria objetiva temos Raymond Saleilles, que, se utilizando de métodos interpretativos, fundamentou a tese objetiva no próprio Código Civil Francês, mais especificamente no art.1382.   Segundo Saleilles, o vocábulo que designou culpa no referido artigo, na verdade deve ser entendido como outro termo (“fait”), que por sua vez designa a causa determinante de qualquer dano.


Segundo Caio Mário[8], em torno das disposições do Código Civil francês de 1804, Saleilles chega a uma conclusão diametralmente oposta à doutrina legal adotada pelos autores do Código. Partindo de preceitos que originariamente teriam em vista a responsabilidade fundada na culpa, desenvolve uma teoria em face da qual o dever de ressarcimento independe da culpa. Para Saleilles, “a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam”.[9]


Semelhante caminho seguiu Louis Josserand, que justifica a objetivação da responsabilidade frente à nova gama de danos produzidos, mediante a interpretação das leis. Ele acentua que o direito tem que acompanhar a evolução da sociedade, devendo-se, pois, interpretar as normas de acordo com a necessidade coletiva, de acordo com o panorama em que se encontra. E para impedir o desamparo das vítimas desses danos, onde ficava por vezes difícil comprovar a culpa, dever-se-ia adotar a responsabilização objetiva com intuito de alcançar o bem comum.


A partir daí, a doutrina passa a embasar a responsabilidade objetiva na teoria do risco, e suas subsequentes ramificações. Ao longo do último século, diversos juízes e tribunais passaram a adotar a teoria objetiva para fundamentar suas decisões.


No Direito brasileiro, assim como no francês, a princípio imperou a teoria subjetiva. O Código Civil de 1916 era eminentemente subjetivista, porém os Tribunais passaram a acolher a responsabilização objetiva, assim como a mesma passou a ser prevista em muitos decretos e leis especiais.


Segundo Cavalieri Filho, o primeiro dispositivo a trazer a responsabilidade civil objetiva ao novo Direito foi o Decreto n.º 2.681/1912 que, em seu art. 26, responsabilizava objetivamente as estradas de ferro por todos os danos que, na exploração de suas linhas, causavam aos proprietários, e, no art. 17, responsabilizava objetivamente o transportador em relação aos passageiros[10]. As diversas hipóteses de responsabilidade objetiva tais como a responsabilidade civil do Estado, responsabilidade por danos ambientais e responsabilidade civil na relação de consumo, levaram a mudanças importantes quando da elaboração do Código Civil de 2002, que, em seu art.927, parágrafo único, estabelece uma regra genérica baseada no risco criado.


Devido a isso, alguns autores, como Sérgio Cavalieri Filho, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho discordam da afirmação de que a teoria subjetiva é regra e a objetiva exceção. Cavalieri[11] chega mesmo a afirmar que nosso ordenamento optou pela teoria objetiva.


3. A Teoria do Risco Abstrato


A afirmativa de que a responsabilidade civil precisa ser repensada para lidar com os novos problemas ambientais fundamenta-se na conjuntura social da Sociedade de Risco.


Pode-se visualizar muito bem em Ulrich Beck[12] a transição de uma sociedade industrial, voltada para a distribuição de riquezas, para um modelo social próprio da pós-modernidade. Nesse primeiro momento, da sociedade industrial, as atividades humanas apresentavam desdobramentos plenamente verificáveis. Era fácil determinar as consequências futuras das atividades, ou seja, os riscos eram calculáveis sem grande margem de erro. Assim, para lidar e disciplinar os danos decorrentes dessa atividade, bastou que excluísse a culpa como elemento da responsabilidade civil.


Porém, a evolução da sociedade, tanto na técnica como na ciência, impõe uma nova perspectiva: a sociedade de risco. Nesse novo contexto, o homem está a todo  momento envolvido em processos de tomada de decisões. Desse modo, continuamente o ser humano é também exposto a riscos.


Mas o elemento específico que justifica a aplicação de uma nova estrutura para o instituto da responsabilidade civil é a nova gama de riscos que essa sociedade de risco produz. Além das mesmas possibilidades de danos que a sociedade industrial já comportava, a conjuntura tecnológica e científica atual impõe uma nova modalidade.


Para Délton Winter de Carvalho[13], tratam-se de riscos ambientais revestidos de características bem específicas, quais sejam: a) transtemporalidade: a ocorrência do dano gera consequências indeterminadas no tempo, não só quanto a sua duração, como também no que diz respeito ao momento em que hão de manifestar-se; b) globalidade: não há determinação do espaço afetado; pode prejudicar desde uma comunidade isolada até todo o planeta; c) invisibilidade: essa nova modalidade de riscos não pode ser percebida pelos sentidos, sendo sua existência indicada apenas pela ciência e, mesmo assim, ainda não determinação sobre sua real natureza.


Ilustra bem tais situações o acidente nuclear em Chernobyl. Vários países foram de alguma forma afetados (globalidade), sendo que ainda há prejuízos (transtemporalidade) e não se imaginava que o ocorrido se manifestaria daquela forma (invisibilidade).


A responsabilidade civil objetiva, tal qual foi concebida, é eficiente para lidar apenas com os riscos que a sociedade industrial produziu. Trata-se de riscos concretos, com proporções e visibilidade plenamente verificáveis. Esses novos riscos, indeterminados e imperceptíveis, por sua vez precisam de um novo tratamento, uma vez que são abstratos: não há manifestação precisa de sua existência, só a concepção e a proporção inaceitável de dano que podem causar.


Diante dessas observações é que se pode afirmar que tal qual a Teoria Subjetiva era insuficiente para lidar com os problemas da sociedade industrial, a Teoria do Risco Concreto o é para lidar com as mazelas exclusivas da sociedade de risco.


Fundamentando-se nisso é que Ulrick Beck[14], Délton Winter de Carvalho[15], entre outros, propõe uma responsabilidade civil por dano ambiental futuro, tendo como fundamento a Teoria do Risco Abstrato. Trata-se de uma nova concepção de pressupostos para a responsabilização civil, a ser aplicados a questões ambientais que apresentem os requisitos de transtemporalidade, globalidade e invisibilidade.


Porém, antes de adentrar-se a essa proposta teórica, deve-se analisar a fundamentação jurídica para a existência de responsabilidade por dano futuro.


Primeiramente, destaca-se o princípio de Direito Ambiental da prevenção latu sensu, consagrado pelo art. 225 da CF/88 (principalmente caput e parágrafo primeiro)[16], que, por sua vez, abrange os princípios da Prevenção stricto sensu e da Precaução.


O primeiro refere-se aos riscos que já se conhecem. São aqueles anteriores à sociedade de risco e cujas relações de causalidade, como também a extensão de eventuais prejuízos, já são determináveis com margem aceitável de segurança. Nosso Direito já se encontra equipado com instrumentos capazes de garantir a observância deste princípio, impondo limites a qualquer atividade que promova riscos concretos ao meio ambiente.


Já o Princípio da Precaução está vinculado às situações de riscos próprias da sociedade pós-industrial. Postula que por motivo de incerteza científica não se pode expor o ambiente a riscos. A simples oportunidade de lucro não justifica a possibilidade de lesões irreparáveis das presentes e futuras gerações.


É nesse último que a Teoria do Risco Abstrato sustenta a necessidade de responsabilização por dano futuro.


Além do que, Carvalho[17] ainda aponta ilicitude em submeter o bem jurídico meio ambiente a esses riscos. Consistiria no abuso no exercício de um direito, tal qual configurado no art. 187 do Código Civil. Havendo ilicitude, o instrumento apto a atuar é a responsabilidade civil.


Assim, esse novo modelo de responsabilidade civil objetiva teria como pressupostos a conduta, o nexo causal, e a possibilidade de dano.


Haveria configuração de ilícito ambiental sempre que determinado agente, por meio de sua conduta, colocasse o equilíbrio ambiental em risco global, transtemporal e invisível. Não se pode admitir o dano como pressuposto nesses casos, pois pode não haver solução para o desequilíbrio. A ação do Direito deve incidir imediatamente sobre a atividade indesejada.


Nessa linha de pensamento, só há que se falar em dano em uma circunstância: quando o risco de irreparabilidade decorrer de expansão de danos já existentes. Segundo Délton Winter de Carvalho, podem-se classificar os danos ambientais futuros em duas espécies[18]: a) danos ambientais futuros propriamente ditos, onde não há nenhum dano concretizado, mas apenas possibilidade; b) consequências futuras de danos atuais, que consistem no agravamento de situações, culminando em irreparabilidade.


Tal distinção é importante para definir a obrigação a ser imposta. Se houver lesão efetiva, haverá obrigação de indenizar; se houver possibilidade, o Estado deve impor obrigação de fazer ou não fazer, com vistas a impedir a concretização do prejuízo.


A responsabilidade civil é instrumento eficaz para trabalhar essas questões devido à complexidade inerente aos sistemas ecológicos. A sociedade pós-industrial produz riscos através de intrincadas cadeias causalísticas.


Tendo isso em conta, devem-se empregar equipes transdisciplinares para averiguar a responsabilidade. Carvalho propõe três etapas a serem seguidas para o processamento desses riscos: investigação, avaliação e gestão.


Durante a investigação, serão colhidas informações fáticas sobre o caso em questão, devendo ser empregados conhecimentos de várias vertentes do conhecimento para tanto.


De posse desses dados, parte-se para a avaliação. O que foi colhido deverá ser submetido a analises buscando estimativas sobre a probabilidade e extensão do dano, bem como maneiras de evitá-lo.


Somente na gestão, quando se tem um conhecimento mais amplo do risco, é que se determina um caminho a ser tomado. Se injustificados os riscos, se a avaliação custo benefício for desfavorável, há ilicitude e responsabilização; se não há riscos intoleráveis (não necessariamente ausência de risco), a atividade pode ser exercida. Podem ainda ser feitas restrições a somente alguns aspectos da conduta do agente, não havendo qualquer interferência nos demais.


Assim, a ilicitude do risco somente deve ser declarada mediante a observância desse procedimento. Como destaca Carvalho:


“Tendo em vista o fato de que todo desenvolvimento humano gera riscos, nem todos os riscos devem ser considerados ilícitos ambientais, devendo haver um sopesamento de sua probabilidade, irreversibilidade e grau de tolerabilidade (gravidade das possíveis lesões) destes à qualidade ambiental. Por essa razão, o direito deve lidar com os riscos ambientais atribuindo-lhes um sentido de licitude ou de ilicitude, avaliando os elementos mencionados para a constatação da violação ou não do “dever de preventividade objetiva”.”[19]


É necessária a observância do Princípio da Proporcionalidade, que nas palavras de Carvalho, é assim definido:


“O princípio da proporcionalidade consiste em programa de decisão jurídica utilizado como critério valorativo para a avaliação da licitude ou ilicitude dos riscos ambientais a partir da aplicação dos códigos probabilidade/improbabilidade; risco/benefício; irreversibilidade/reversiblidade. Assim, a configuração ou não dos danos ambientais futuros e, consequentemente, da imposição de medidas preventivas dependerá da constatação da existência de riscos ambientais ilícitos.”[20]


Embora se deva impedir a existência dessa espécie de risco, é indispensável o cuidado para não engessar o progresso da humanidade.


4. Conclusão


A sociedade evoluiu em conhecimento e técnica. Mas o progresso tem seu preço: riscos cada vez mais complexos e intoleráveis, sendo que o meio ambiente é um dos bens mais ameaçados.


Diante desses fatos, cabe ao Direito adaptar seus sistemas à nova necessidade, sendo que a proposta mais viável é utilizar a responsabilidade civil de uma forma mais ampla e com funções mais abrangentes.


Esse instituto já passou por muitas modificações ao longo da história. De um momento que não se distinguia da responsabilidade penal, para uma existência autônoma, desvinculada de figuras típicas. De uma forma vinculada a elemento subjetivo, para uma que ignorava esse elemento quando necessário.


Hoje se repete a necessidade de alterarmos esses elementos mais uma vez. Da mesma forma que a evolução anterior se deu por ineficiência do sistema para lidar com os danos da Era Industrial, a responsabilidade civil deve ser retrabalhada para lidar com os danos produzidos pela sociedade de risco.


É o instrumento que nosso sistema jurídico deve utilizar para manter um meio ecologicamente equilibrado. Incertezas não podem privar as presentes e futuras gerações do que lhes é fundamental.


 


Referências bibliográficas

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008

BECK, ULRICK.  Risk Society: towards a new modernity. Londres: Sage,1992.

CANOTILHO,J. J. G.; LEITE, J.R.M. (org.). Direito ambiental constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2 007.

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008

CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por daños al medio ambiente. Elacano

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 7.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. IV

MILLARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina – prática – jurisprudência – glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001.

MONTEIRO, Washington. Curso de Direito das Obrigações 2º parte, atualizado por Carlos A. D. Maluf e Regina Beatriz T. da  Silva. 35.ed.São Paulo: Saraiva.2007 v.5.

PEREIRA,Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil.  3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001

RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2007 v. IV

SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

  

Notas:

[1] GONÇALVES ( 2007, p.1-2)

[2] MONTEIRO (2007, p.517)

[3] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[4] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa- fé ou pelos bons costumes.

[5] Art. 927 “caput” Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[6]  PEREIRA( 1992,  p. 2)

[7] CAVALIERI FILHO (2008)

[8] PEREIRA (1992, p. 16)

[9]  RAYMOND, Saleilles, apud.PEREIRA(1992,p.16)

[10] CAVALEIRI FILHO (2008,p.141)

[11] Idem p.149

[12] BECK (1992)

[13] CARVALHO( 2008)

[14] BECK (1992).

[15] CARVALHO (2008)

[16] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

[17] CARVALHO (2008)

[18] Idem (2008, p.129)

[19] CARVALHO (2008, p. 154)

[20] Idem p. 159


Informações Sobre os Autores

Sandra Regina Remondi Introcaso Paschoal

professora titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade José do Rosário Vellano-Unifenas, mestre em Direito das Relações Econômico;Empresariais pela Unifran-SP e doutorando em Ciências Jurídicas pela UMSA-Ar.

Fernando Amorelli Vieira Junior


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