A questão da legitimidade ativa na Adoção

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Resumo: O presente artigo busca demonstrar a legitimidade ativa da adoção, ou seja, aqueles que podem adotar. Visa demonstrar não somente o rol elencado na lei, mas também, breve comentário sobre decisão judicial proferida contrário ao estabelecido no Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente.

Palavra chave: Adoção – Legitimidade Ativa – Lacunas da lei

Introdução

Tem-se a informação, por meio dos livros, de que a adoção, desde os primórdios já era utilizada pela civilização, como o Egito, a Babilônia, a Palestina e em passagens bíblicas, no intuito de perpetuar o culto familiar, pois a família se extinguia se não houvesse prole para cultuar a sua memória e a de seus ancestrais.

Hoje, deixou de desempenhar, apenas, função social e política, transformando-se em instituto filantrópico, de caráter humanitário possibilitando aos menores desamparados a ter um novo lar, além de dar filhos a casais impossibilitados de tê-los.

Anteriormente, na vigência do Código Civil de 1916, a adoção era realizada mediante escritura pública, perante o Tabelião, por se tratar de negócio jurídico bilateral e solene, após o advento da Magna Carta de 1988, passou a constituir um ato complexo e dependente de sentença judicial, conforme de extrai do artigo 227, §5º: a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte dos estrangeiros.

Assim sendo, não basta, apenas, ter intenção de adotar, necessário se faz cumprir os requisitos legais, pois a adoção atribui a situação de filho ao adotado, considerando-o legítimo.

Daí a indagação do objeto em discussão: quem pode adotar?

1 Direito Objetivo de Adoção

A norma sobre adoção está inserida nos artigos 1618 a 1629 do Código Civil – CC e artigos 39 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, mas cada qual com suas especificidades, embora semelhantes, ou seja, as normas inseridas no ECA refere-se a adoção de criança e de adolescente; quanto as disciplinadas no Codex Civil são utilizadas tanto para adoção de menores como para maiores.

O que prevalece no ECA é a forma procedimental e a competência jurisdicional, atribuindo exclusividade ao Juízo da Infância e Juventude, observados os procedimentos do estatuto para conceder a adoção dos menores; quanto aos maiores, somente aqueles que já estavam sob a guarda e tutela dos adotantes. Nesse sentido buscou o legislador facilitar o procedimento, pois, como a guarda ou a tutela foram concedidas judicialmente, é provável que nos respectivos processos haja elementos que possibilitam uma melhor avaliação do pleito.

Não apenas as crianças ou os adolescentes podem ser adotados, as pessoas maiores de 18 anos também podem, desde que impender o requisito de diferença de idade. Pois bem, qualquer pessoa pode ser adotada, mas o adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado, cumprindo-se a formalidade do art. 1619 do CC e art. 42, §3º do ECA.

Dentro do protocolo legal, além da diferença de idade, há necessidade do consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar, conforme art. 1621 do CC e art. 45 do ECA. Não haverá o consentimento do representante legal se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos, estejam desaparecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano, conforme dispõem o artigo 1624 do CC.

Nota-se que o consentimento será dispensado se os pais do adotando forem desconhecidos ou se já destituídos do poder familiar.

Explica Gonçalves (2005, p. 345) que a destituição só pode ser feita com rigorosa observância de procedimento contraditório, inclusive, a desnecessidade de expressa cumulação de pedido de destituição do poder familiar com adoção, sendo aquele pressuposto lógico, quando implicitamente constar da finalidade da adoção, com referência do irregular exercício dos genitores.

Ainda insere no requisito consentimento, a ouvida do adolescente e o estágio de convivência. O adolescente consentirá ou não, em ser adotado, haja vista que deverá ser examinado pelo juízo, especialmente, as reais vantagens para ele, mesmo porque, o sucesso da nova relação dependerá da afinidade entre adotante e adotado.

Ainda que o juízo ouça o adolescente, buscando assegurá-lo a melhor convivência familiar o Magistrado não fica submisso a vontade do menor, pois não obstante a falta de consentimento dele poderá conceder a adoção.

Quanto ao estágio de convivência, o qual será fixado pelo juiz, fica adstrito nos casos em que o menor tenha mais de 1 ano de idade, visando melhor convivência entre adotante e adotado, e, consequentemente, menor adaptação, haja vista ser a adoção irrevogável.

Integra como elemento objetivo da adoção, a capacidade do adotante, pois só pessoa maior de 18 anos (art. 1618 CC) é que pode adotar, e trata-se de ato pessoal do adotante, portanto vedada a adoção por procuração (§ ú do art. 39 ECA).

A discussão sobre quem pode ou não adotar, não está presente somente no sujeito possuir ou não capacidade, mas principalmente nos elementos subjetivos do adotante.

1.1 Quem pode adotar

A lei é clara ao determinar que só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. Assim está implícito que o adotante deve apresentar condições morais e materiais de desenvolver a função de pai, oferecendo ambiente familiar adequado.

Reza o § único do artigo 1618 do CC que a adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado 18 anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

Elementos qualificadores do adotante não influem na capacidade ativa da adoção, seja o estado civil, o sexo e a nacionalidade.

Portanto, não se proíbe solteiro adotar. Mas para ocorrer adoção por duas pessoas, a lei impõe que sejam casados ou que vivam em união estável. (art. 1622 do CC). O fato de a lei cominar que os adotantes sejam casados ou vivam em união estável, não proíbe os divorciados ou separados judicialmente, conjuntamente, adotarem, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

Questão importante a ser discutida e observada nos dias atuais, é a possibilidade de casal homossexual adotar simultaneamente. Daí a indagação: a lei permite casal homossexual adotar?

1.2 Adoção por casal homossexual

Não há proibição de a pessoa homossexual solteira adotar, já que a adoção deve constituir efetivo benefício para o adotando.

Nota-se que o conflito existe na possibilidade de o casal homossexual pretender adotar conjuntamente, partindo-se do princípio que o adotado teria dois pais, ou então, duas mães. Estaria o adotado em conformidade aos padrões do que se entende por família?

A Constituição Federal no caput do artigo 226, não define o que é família, porém, nos §§ 3º e 4º, expõem como exemplos de família a união estável e o grupo formado por pai e filhos, isto é, comunidade monoparental:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º ….

§ 2º ….

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Para os conservadores, o artigo supramencionado da CF é taxativo e não admite extensão na sua interpretação gramatical. Entretanto, para outros, a interpretação gramatical foge do contexto da realidade social em que vivemos, pois fundamenta a família nos laços de afeto.

Explana Diogo de Calasans Melo Andrade (RBDF – n.º 30) que o rol de relações trazidos pelo art. 226 é meramente exemplificativo, pois o legislador constitucional ao proteger aquelas espécies, não excluiu outras, mesmo não estando expressamente previstas na Constituição. Afirma ainda, que as uniões homoafetivas encontram-se implicitamente tuteladas pela Constituição Federal, não necessitando esperar a manifestação do legislador ordinário a fim de regular a matéria, pois a doutrina e a jurisprudência igualam situações que necessitam de isonomia.

Roger Raupp Rios (2001) entende e admite a inclusão das relações homoafetivas no direito de família, haja vista a superação de antigos preconceitos acerca da impossibilidade de realização pessoal e da conquista da maturidade humana no seio de vivências homossexuais, considerando principalmente o princípio da dignidade humana.

No mesmo sentido, Paulo Luiz Lobo Neto (2002), pois sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida.

Atualmente, a idéia de família não está vinculada a de matrimônio, uma vez que é possível a reprodução sem sexo, sexo sem matrimônio e matrimônio sem reprodução, como afirma ANDRADE (RBDF, n.º 30).

Pois bem, ainda que apresentado pensamentos no sentido da entidade homoafetiva pertencer ao âmbito do direito de família, o que se presume a possibilidade da adoção por casal homossexual, há na esfera jurídica entendimento diverso.

Carlos Roberto Gonçalves (2005, p. 335) proferi em seu livro de Direito Civil Brasileiro, volume VI, Direito de Família, que “a adoção por homossexual, individualmente, tem sido admitida, mediante cuidadoso estudo psicossocial por equipe interdisciplinar que possa identificar na relação o melhor interesse do adotando”. Contudo, claramente insere que o “Código Civil não prevê a adoção por casais homossexuais porque a união estável só é admitida entre homem e mulher (CC, art. 1723; CF, art. 226, §3º)” (g.n)

De forma mais incisiva, Maria Helena Diniz (2008, p. 510) quanto ao imprescindível requisito de legitimidade ativa, categoricamente afirma:

“Efetivação por maior de 18 anos independentemente do estado civil (adoção singular) (CC, art. 1618) ou por casal (adoção conjunta), ligado pelo matrimônio ou por união estável, desde que um deles tenha completado 18 anos de idade, comprovada a estabilidade familiar … . Se, porventura, alguém vier a ser adotado por duas pessoas (adoção conjunta e cumulativa) que não sejam marido e mulher, nem conviventes, prevalecerá tão-somente a primeira adoção, sendo considerada nula a segunda, caso contrário ter-se-ia a situação absurda de um indivíduo com dois pais ou com dias mães.” (g.n)

Restringe também a possibilidade dos companheiros homoafetivos adotarem conjuntamente, Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 298):

“Não há qualquer restrição quanto ao estado civil do adotante: pode ser solteiro, divorciado, separado judicialmente, viúvo, concubino. A adoção, como percebemos, pode ser singular ou conjunta. A adoção conjunta é admitida por casal em matrimônio ou em união estável, entidade familiar reconhecida constitucionalmente. Se não são ainda os companheiros homoafetivos reconhecidos como entidade familiar, a eles não é dado adotar conjuntamente. Poderá o indivíduo homossexual adotar, contudo, dependendo da avaliação do juiz, pois, nessa hipótese, não se admite qualquer discriminação.”

Após os relatos e pensamentos dos autores referenciados, permite visualizar que cada pessoa da sociedade, assim como eles, podem interpretar de forma diversa a norma jurídica, no que tange a adoção, seja admitindo a adoção por casais homossexuais seja os excluindo do rol de admissibilidade.

A Justiça do Estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul vêm decidindo por meio dos juízes da Infância e Juventude, em ação de adoção e após o estudo do caso e social, a possibilidade de ser adotante o casal homossexual. Nesta hipótese, o mandado de averbação emitido constará na filiação somente os nomes dos adotantes, excluindo tratar-se de mãe ou pai.

O tema exposto é conflitante, pois da interpretação do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente não se extrai a permissão do casal homossexual adotar, pois taxativo o rol. Mas a Justiça aplica os princípios norteadores do direito visando o melhor para o adotando.

Em especial, por entender que a lei exibe rol restrito quanto a legitimidade ativa da ação de adoção, aos casos julgados recentemente, os quais permitiram a adoção conjunta por casal homossexual, foi aplicado o fenômeno da integração normativa, utilizando o juízo do disposto nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

CONCLUSÃO

Sustentar a possibilidade de pares homoafetivos serem adotantes, mesmo que preenchidos os requisitos procedimentais é seguir contrária a norma civilista. Porém, o provérbio de que a cada direito cabe uma ação, não permitindo a non liquet, traz poder ao judiciário decidir sobre a adoção, de maneira que melhor favoreça a educação, a criação e a saúde do adotando.

Não se questionou nesse artigo, ser bom ou ruim ter dois pais ou duas mães, mas tão somente o caráter de permissibilidade da norma, arraigando-se aos princípios gerais do direito.

 

Referências
ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. Revista Brasileira de Direito de Família, n.30, Jun./Jul.2005
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato:  de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-1-2002, 2 ed- São Paulo: Atlas, 2002.
BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL – Constituição 1988. Atualizada EC n.º 35. São Paulo: Saraiva
DINIZ, Maria Helena Curso do direito civil brasileiro: direito de família, v.5, 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008
GONÇAVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito de família, v.6. São Paulo: Saraiva, 2005
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, n.12, jan./fev./mar.2002
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado/Esmafe, 2001
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, v.6, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003,

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Adriana Augusta Telles de Miranda

 

Mestre em Direito Civil,
Pós graduada em Direito Civil e Processo Civil
Integrante do Grupo de Estudo Educação e Direito da UFSCAR
Professora Universitária na disciplina de Direito Civil desde o ano 2000 e Advogada

 


 

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