A responsabilidade civil do prático

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Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar um panorama sobre a responsabilidade civil do prático. Para isso, atentar-se-á às questões gerais de responsabilidade civil e será conceituado o que é ser prático, assim como a história e a legislação. Por fim, com conhecimento da responsabilidade civil e das particularidades do prático, pretende-se abordar o assunto de tal forma que não restem dúvidas de como se dá essa responsabilidade e quais são suas particularidade. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica, sendo adotado o método dialético, com a contraposição e comparação de teses doutrinárias para alcançar os objetivos almejados.

Palavras-chave: responsabilidade civil; praticagem; prático.

Abstract: The aim of this study is to present an overview of the pilot’s civil liability. For this, it will look at general issues of liability and will be conceptualized what is to be a pilot, as well as the history and legislation. Finally, with knowledge of liability and the particularities of the pilot, intend to address the issue so that no doubts remain as to give this responsibility and what are their particularity. Therefore, bibliographical research was made, being adopted the dialectical method, with the contrast and comparison of doctrinal thesis to achieve the desired goals.

Keywords: Civil liability; Pilotage; Pilot.

Sumário: 1 Introdução. 2 Responsabilidade Civil. 2.1 Histórico. 2.1.1 Tempos primitivos. 2.1.2 Direito Romano. 2.1.3 Direito Francês. 2.1.4 Direito Brasileiro. 2.2 Conceito. 2.3 Obrigação X Responsabilidade. 2.4 Modalidades. 2.4.1 Responsabilidade extracontratual. 2.4.2 Responsabilidade contratual. 2.4.3 Responsabilidade objetiva. 2.4.4 Responsabilidade subjetiva. 3 Praticagem. 3.1 Conceito. 3.2 Histórico. 3.3 Legislação no Brasil. 3.4 Requisitos para ser prático. 4 Responsabilidade civil do prático. 4.1 Limitações à responsabilidade civil do prático. 4.2 Natureza jurídica do serviço de praticagem. 4.3 Responsabilidade civil perante o 3° prejudicado. 4.4 Responsabilidade civil perante o armador. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é área de grande proporção, fazendo parte das mais diversas áreas do cotidiano. Sua discussão, iniciada na doutrina e jurisprudência, atualmente pode ser ouvida nos locais mais improváveis, como na mesa de um bar.

O seu surgimento se deu para proteger aqueles que sofreram um dano, tendo sofrido prejuízos. Com este instituto, além de reparar o dano, foi possível conscientizar a todos, na medida em que se cometem um dano a outrem, seja relação contratual ou extracontratual, deverão repará-lo. Desta forma, não há como se aproveitar do patrimônio alheio e as ações/omissões são importantes, com os agentes não podendo atuar com descuido.

Assim como a responsabilidade, o transporte de mercadorias por via marítima atrai olhares das mais diversas áreas, tais como, administradores, fornecedores, clientes, dentre outros, nos mais diversos locais deste globo.

Atualmente, cerca de 90% de todas as mercadorias que circulam pelo mundo são transportadas por via marítima, demonstrando a importância fundamental na economia, política, sociedade, e em outros setores.

Pensando em ambos os institutos, a responsabilidade civil e o transporte marítimo, constata-se que há um profissional cujos préstimos são obrigatórios em zonas costeiras, próximas aos portos.

A praticagem remonta aos tempos mais longínquos, tal qual o uso de embarcações marítimas para o transporte de mercadorias e locomoção de pessoas e animais. Esse profissional é requisitado a cada vez que um navio vai atracar ao porto ou desatracar deste.

É o prático quem auxiliará ao comandante para que as manobras de ingresso e atracação ao porto sejam bem sucedidas. Um erro cometido neste intervalo pode resultar em grandes proporções financeiras. Caso este erro seja do prático, surge a discussão acerca da responsabilidade civil do prático.

É tema ainda pouco explorado na doutrina pátria, à exceção de Matusalém Gonçalves Pimenta, Carla Adriana Comitre Gilbertoni e Theophilo de Azeredo Santos. Na doutrina internacional, maior destaque para autores italianos e argentinos.

Dar a devida importância a um tema tão antigo, enraizado em nossa cultura, fundamental neste momento de globalização, é o objetivo do presente trabalho.

Espera-se que seja explanada de forma clara em quais hipóteses a responsabilidade civil recai sobre o prático e como ela se dará.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 HISTÓRICO

2.1.1 Tempos Primitivos

O Código de Hamurabi foi um dos primeiros a retratar a vontade em aplicar sanções aquele que causa um mal a outro, assim como no Código de Manu e no Código Hebreu. Esses códigos visavam punir o causador de forma proporcional ao dano cometido.  

Exemplificando, percebe-se o caráter de punição do Código de Hamurabi em seus artigos a seguir destacados:

Art. 1 – Se alguém acusa um outro, lhe imputa um sortilégio, mas não pode dar a prova disso, aquele que acusou deverá ser morto.

Art. 3 – Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação e não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá ser morto (ALTAVILA, 2004, p. 40)”.

Um adendo interessante é que o artigo quinto pune o juiz que erra em sua sentença e estabelece rígida punição:

“Art. 5 – Um juiz deve julgar um caso, alcançar um veredicto e apresentá-lo por escrito. Se erro posterior aparecer na decisão do juiz, e tal juiz for culpado, então ele deverá pagar doze vezes a pena que ele mesmo instituiu para o caso, sendo publicamente destituído de sua posição de juiz, e jamais sentar-se novamente para efetuar julgamentos (ALTAVILA, 2004, p. 10)”.

Apesar de seu caráter punitivo, já estava prevista compensação pelos danos, como se constata nos artigos 198 e seguintes:

Art. 198 – Se alguém arranca o olho de um liberto, deverá pagar uma mina.

Art. 199 – Se ele arranca o olho de um escravo alheio, ou quebra um osso ao escravo alheio, deverá pagar a metade de seu preço.

Art. 201 – Se ele partiu os dentes de um liberto, deverá pagar um terço de mina.

Art. 203 – Se um nascido livre espanca um nascido livre de igual condição, deverá pagar uma mina.

Art. 204 – Se um liberto espanca um liberto, deverá pagar dez siclos.

Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto.

Art. 210 – Se essa mulher morre, então se deverá matar o filho dele” (ALTAVILA, 2004, p. 10)”.

Essa sanção acaba por ser “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal” (LIMA apud DIAS, 2006, p. 26).

Com o passar dos anos, deixa-se esse caráter punitivo físico, passando para uma composição de valores. As partes constatam que no formato antigo, se havia um que sofrera danos, com o uso do caráter punitivo, passam a ser dois os que sofreram dano sem que o status quo ante seja alcançado. Assim, mediante a composição, o ofensor ao prestar a poena, acaba por ser agraciado com o perdão do ofendido (LIMA apud DIAS, 2006, p. 26).

Nesse contexto, com a intervenção da Autoridade entre os particulares para se chegar à composição, ela constatou que em dados momentos era atingida indiretamente pelo ofensor. Destarte, passou-se a haver a justiça distributiva, ocorrendo a cisão dos delitos em públicos e privados. Àqueles faziam parte as ações de natureza mais grave, que alteravam a ordem da sociedade, de modo que a Autoridade era atingida, estando na qualidade de sujeito passivo. Aos delitos privados, os particulares procuravam e a Autoridade atuava estabelecendo a quanto da composição, não figurando como parte na relação (MAZEAUD, H., MAZEAUD, L., TUNC, A., 1962, p. 37).  

Passo seguinte, ao Estado coube a função de punir, ser julgador, de modo que a ação de indenização foi criada. Responsabilidade civil e penal passaram a caminhar conjuntamente (MAZEAUD, H., MAZEAUD, L., TUNC, A., 1962, p. 37).

Jorge Bustamante Alsina assevera que quando o Estado assume a função de aplicar sanção punitiva aos acusados, o conceito de responsabilidade sofre uma transformação: há o desdobramento em responsabilidade penal que se ocupa do castigo ao delinquente e responsabilidade civil, que busca a reparação do dano à vítima (ALSINA, 1997, p. 29).

2.1.2 Direito Romano

A Lex Aquilia trouxe um norte na reparação do dano. Apesar de não haver “uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno” (LIMA apud DIAS, 2006, p. 28), deu início à jurisprudência clássica a respeito da injúria e conforme preceituava Chironi, foi “fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana que tomou da Lei Aquilia o seu nome característico” (CHIRONI apud DIAS, 2006, p. 28).

A referida lei possui três capítulos. O primeiro dizia respeito à morte de escravos ou animais, estes das espécies que pastam em rebanhos. O segundo pautava a quitação pelo adstipulator com prejuízo do credor estipulante. O terceiro capítulo tratava do damnum injuria datum, cujo alcance era amplo, abarcando as lesões a escravos ou animais e destruição ou deterioração de coisas corpóreas (LIMA apud DIAS, 2006, p. 26).

A Lex Aquilia só considerava delito quando estivessem presentes as seguintes características:

O dano deveria consistir na destruição ou deterioração de algo material e que houvesse ocorrido contato físico;

O dano deveria ter sido cometido sem direito, ou seja, que a ação tivesse sido dolosa ou que estivesse presente a mais leve forma de culpa;

Por fim, o dano necessitaria vir de uma ação humana (ALSINA, 1997, p. 34)”.

A jurisprudência, aos poucos, dilatou o campo abarcado pelo damnum injuria datum, de modo que não só cidadãos poderiam estar protegidos, mas também os peregrinos e titulares de direitos reais (LIMA apud DIAS, 2006, p. 26).

Nessa seara, o dano acabou por sofrer mudanças ao serem reduzidas as condições necessárias para o exercício da ação. O dano corpore corpori datum, que exige contato material entre o causador do dano e o objeto atingido, que era o único protegido passou a ser conviver com a proteção ao damnum non corpore datum, não necessitando da comprovação do contato. Essa mudança na interpretação permitiu que uma simples omissão também passasse a ser punida, ocorrendo uma evolução (LIMA apud DIAS, 2006, p. 29).

Luiz Roldão de Freitas Gomes relata este alargamento jurisprudencial:

“(…) Sancionaram-se hipóteses em que o dano era causado sem que ocorresse o requisito corpore corpori, e em que ele resultava de simples omissão, desde que esta se vinculasse a ato anteriormente realizado pelo ofensor (por exemplo: era responsabilizado o médico que, depois de iniciado o tratamento do escravo, abandonasse o doente e este viesse a falecer) (GOMES, 2000, p. 9)”.

Desse modo, eis a evolução ocorrida no direito romano: a vingança privada foi substituída pela impossibilidade em fazer justiça pelas próprias mãos, submetendo-se aos desígnios do Estado; o uso inicial de pena através da compensação resultou na distinção entre responsabilidade civil e penal, em face da presença do elemento culpa, quando do princípio nulla poena sine lege. Foi tal a evolução que, se antes era usada a reparação para danos materiais, em sua fase final protegia, ainda, os danos morais (DIAS, 2006, p. 29).

2.1.3 Direito Francês

A Lex Aquilia protege apenas o prejuízo visível, constatável de forma material em objetos, não defendendo as perdas ocorridas na perda de uma oportunidade. Era imperativo a culpa caracterizada para a actio doli. Todavia, no Direito Francês, a gravidade da culpa do responsável não é objeto de avaliação na reparação. Domat, citado pelos irmãos Mazeaud, estabelece categorias da culpa que enseja o dano: a que resulta, ao mesmo tempo, a responsabilidade penal do ofensor, perante o Estado, e a responsabilidade civil, para com a vítima; a daqueles que descumprem suas obrigações, uma culpa contratual; e a resultante de imprudência ou negligência (MAZEAUD, H., MAZEAUD, L., apud DIAS, 2006, p. 30).

No Código de Napoleão, os artigos 1382 e 1383 foram inspirados em Domat e Pothier. Então, no Código foi inserida uma definição que serviu de base às legislações de todo o mundo: a responsabilidade civil se funda na culpa (DIAS, 2006, p. 30).

Nesse momento, a culpa é fundamental nas responsabilidades extracontratuais porque reveste o ato com a capa da ilicitude, ocasionando a obrigação em reparar o dano (ALSINA, 1997, p. 48).

Na responsabilidade por ato ilícito não havia distinção entre os diversos graus de culpa: apenas era feita uma diferenciação entre os delitos intencionais e os não intencionais, chamados de quase-delitos (ALSINA, 1997, p. 49).

Já na responsabilidade contratual, a doutrina entendia que em certos casos era necessário analisar a conduta do devedor, para caso tenha havido negligência ou imprudência, ao passo que em outros casos a simples constatação do inadimplemento era fato suficiente para gerar a responsabilidade, como se houvesse ocorrido culpa (MAZEAUD, H., TUNC, A., apud ALSINA, 1997, p. 49).

2.1.4 Direito Brasileiro

O Código Criminal de 1830 já previa regras para nortear a avaliação da responsabilidade civil.  Como bem assevera José de Aguiar Dias, já estava previsto o seguinte rol: a reparação natural, a garantia da indenização, a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da reparação (até onde fosse possível), a solidariedade, a hipoteca legal, a contagem dos juros reparatórios, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros, a preferência do direito de reparação sobre o pagamento das multas, dentre outros (DIAS, 2006, p. 30).

O artigo 32 do citado código impunha a prisão com trabalhos caso o devedor não possuísse meios em arcar com a reparação. Pimenta Bueno alerta que só cabia esta hipótese caso condenação ocorrida na esfera criminal, não podendo ser utilizada caso sanção de cunha civil (DIAS, 2006, p. 30).

O Código Civil de 1916 de Clóvis Bevilácqua, desde sua vigência estava defasado acerca da responsabilidade civil. A esse infortúnio, lançou-se mão do projeto do Código das Obrigações e da reforma do próprio código.

Dentre as alterações, a reparação não consiste apenas quando atos contrários à lei, mas também quando atos atentatórios aos bons costumes e às normas da vida social, o que representa uma mudança, uma possibilidade de adaptação a cada nova época. Ainda, a reparação do dano moral, isolada ou conjuntamente com os danos de natureza patrimonial, é outro fato a salientar (DIAS, 2006, p. 30).

2.2. CONCEITO

Carlos Roberto Gonçalves relata que é costumeiro conceituar a obrigação como “o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação.” Finaliza comentando que o patrimônio do devedor é responsável pelas obrigações deste (GONÇALVES, 2008, p. 1).

Sérgio Cavalieri Filho assenta que, etimologicamente, responsabilidade tem como conotação a obrigação, o encargo, uma contraprestação. Em seu aspecto jurídico, trata-se do dever de reparação que o violador de dever jurídico alheio tem. Esse dever surge como uma forma de minorar os danos, uma recomposição (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 24).

Dessa forma, caso haja violação de um dever jurídico e dano, surge a responsabilidade civil. O responsável pela conduta violou um precedente dever jurídico, descumpriu uma obrigação, e deve ressarcir o patrimônio do afetado (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 24).

Savatier conceituava a responsabilidade civil “como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” (SAVATIER apud RODRIGUES, 2003, p. 6).

Maria Helena Diniz realça: “Não pode haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e concreta dessa lesão” (DINIZ, 2005, p. 64).

Este dano sofrido pelo agente pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou seja, econômico ou não. É necessário que o dano seja provado pelo autor, demonstrando que é atual e certo, não cabendo reparação a hipotéticos danos ou meras transgressões ilícitas que não causem prejuízo (VENOSA, 2007, p. 31).

2.3 OBRIGAÇÃO x RESPONSABILIDADE

A obrigação surge de um dever originário, ao passo que a responsabilidade surge com a violação da obrigação. Assim, em toda obrigação há um dever originário, um comando a ser feito ou não feito, estabelecido em contrato, em acordo, ou disposto pelos costumes e moral coletiva. A obrigação visa ao cumprimento desta obrigação. Todavia, nem sempre há o efetivo cumprimento e não ocorrendo o respeito ao dever, não executando o que era necessário, surge um dano que dá ensejo a uma reparação. As partes da obrigação possuíam uma expectativa que ao final houvesse o cumprimento e com a quebra do acordado, surge uma obrigação secundária que substituirá a obrigação anterior (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 24).

Na responsabilidade há o dever em recompor o dano sofrido, incumbido ao causador direto ou indireto. O objeto dela é o ressarcimento (LISBOA, 2004, p. 427).

Gèza Marton explana que a responsabilidade decorre de infração a um dever prévio. A obrigação que havia entre as partes é a fonte da responsabilidade e que dá o seu fundamento (MARTON apud DIAS, 2006, p. 117).

Maria Helena Diniz vai além e expressa que o objeto da responsabilidade civil é uma prestação de ressarcimento por inexecução contratual e por lesão a direito subjetivo. Todavia, o objeto da obrigação é uma prestação que pode advir de um ilícito por natureza (teoria da culpa, na responsabilidade subjetiva) ou por resultado (teoria do risco, na responsabilidade objetiva), porém decorrendo de negócio jurídico ou norma jurídica (DINIZ apud DIAS, 2006, p. 117).

2.4 MODALIDADES

2.4.1 Responsabilidade Extracontratual

A responsabilidade extracontratual também é chamada de responsabilidade aquiliana, pois, foi a Lex Aquilia precursora quando estabeleceu no Direito Romano os fundamentos dessa modalidade, criando a forma de indenizar o dano através da pecúnia, após cálculo do dano sofrido (AZEVEDO, 2008, p. 245).

Este tipo de responsabilidade é fonte de obrigações e inicia-se com a prática do ato ilícito (VENOSA, 2007, p. 2). Em resumo, ocorre quando a responsabilidade não decorre de contrato. Não há vínculo existente entre a vítima e o causador do dano (GONÇALVES, 2007, p. 27).

A extracontratualidade é originária do desrespeito ao direito alheio e às normas que regem a conduta, lesando direitos, numa relação não abarcada por contrato ou negócio. Dessa forma, o ato ilícito é praticado de maneira contrária à ordem jurídica, causando prejuízo a outrem. Junto com a sua ocorrência, surge o dever de reparar (TARTUCE, 2008, p. 318).

Clayton Reis reforça essa idéia:

“No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, os atos praticados em desacordo com os padrões comportamentais poderão ensejar a responsabilidade do agente, quando decorrerem da deficiente interpretação ou entendimento dos fatos estatuídos nas normas jurídicas (REIS, 2003, p. 31)”.

Aprofundando a análise, constata-se duas subespécies: a responsabilidade delitual ou por ato ilícito, no qual não há contrato avalizando a relação, havendo idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa, fundada no risco.

Na responsabilidade delitual ou por ato ilícito, é analisada a conduta do autor do dano, se houve dolo ou culpa na ação. Ao fazer esta análise do sujeito, acaba esta teoria por ser chamada de subjetiva, quando de uma ação ou omissão resulta dano a outrem (AZEVEDO, 2008, p. 247).

A responsabilidade pelo risco ocorre quando se está presente de algum dos fatos previstos em lei para que haja a materialização, respondendo aquele cuja atividade levou ao risco. A essa teoria, chama-se objetiva (AZEVEDO, 2008, p. 247).

Miguel Maria de Serpa Lopes, ao diferenciar a culpa contratual da extracontratual, comenta cinco distinções entre os institutos:

1 – Na culpa contratual, é necessário que ocorra um delito de certa gravidade, ao passo que não há essa necessidade na extracontratual, já que qualquer lesão, por menor que seja, atingiu o direito alheio;

2  –  Na culpa contratual é presumida a culpa, por estar em desacordo com o estabelecido. Todavia, na culpa extracontratual, há a necessidade em demonstrar o dano;

3 –  A extensão do dano também é fator diferencial: na extracontratual, o dano deve ser integralmente indenizado, ao passo que na contratual será de acordo com o previsto no contrato entre as partes;

4 –  A mora do devedor deve ser promovida pelo credor na contratual, enquanto que na extracontratual o advento do dano dá ensejo direto à mora;

5 –  Na culpa extracontratual não há como afastar a responsabilidade. Porém, na culpa contratual é possível que haja essa previsão em contrato (LOPES, 1995, p. 180)”.

2.4.2 Responsabilidade Contratual

A responsabilidade contratual surge quando há o inadimplemento de um contrato, o que pressupõe a existência de vínculo jurídico anterior entre as partes (CARVALHO, 2005, p. 25).

Todavia, como bem recorda Sérgio Cavalieri Filho, a doutrina sugere que fosse chamada esta modalidade de responsabilidade negocial ou responsabilidade obrigacional. Esta sugestão parte do princípio de que além dos contratos bilaterais, os negócios unilaterais e as obrigações em sentido técnico provindas de preceitos legais, quando descumpridos, também resultam nessa modalidade de responsabilidade. Entretanto, como o próprio autor defende, estas expressões também são equivocadas e o nome responsabilidade contratual é utilizado pela doutrina e jurisprudência a longo tempo, o que somado à falta de algum outro nome que melhor represente, acaba por reafirmar a nomenclatura usada (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 292).

Nesta, que incumbe ao ato lícito, a obrigação possui origem legal, já que as partes seguem o disposto no Direito e, assim, gera um direito de exigir o cumprimento deste ato acordado. Quando há um ato contrário ao estabelecido, surge o inadimplemento e, com ele, a possibilidade de exigir a reparação do dano (ALTERINI, 1999, p. 29).

É infração a um dever acordado entre as partes, baseado no dever de resultado, de modo que é presumida a culpa quando o estabelecido não ocorre. Assim, há duas obrigações: a inicial, nos termos da vontade das partes, que se comprometeram em algo, de forma legítima, e a obrigação decorrente da não execução desta inicial, substituindo-a, visando agora à reparação do dano. Para evitar a obrigação de reparar, o devedor deve evidenciar que a inexecução contratual se deu por caso fortuito ou força maior (DINIZ, 2005, p. 128).

Ante o exposto, conclui-se que, antes de gerado o dever em reparar, há uma relação jurídica prévia entre as partes, baseada na autonomia da vontade em contratar e dispor, regidas pelas regras civis. Assim, antes do dano, há uma ligação entre as partes, algo que as aproxima e que se não houvesse, o dano não ocorreria. É isso que transmuta a obrigação para que seja considerada distinta da extracontratual (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 295).

Mister se faz ressaltar que há presunção de culpa por parte daquele que deixou de adimplir ao acordado, cabendo prova em contrário. Nessa modalidade de responsabilidade não se analisa a presença ou não da culpa para que dê ensejo à responsabilidade. Havendo o descumprimento ou a não execução, parte-se para a responsabilidade civil. A parte que ensejou a indenização é que terá que provar que não concorreu para o resultado, que não agiu com culpa ou que se está diante da presença de alguma excludente. Porém, cabe lembrar que se a obrigação foi de resultado, e este não foi alcançado, a culpa é presumida (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 297).

2.4.3 Responsabilidade Objetiva

Na Responsabilidade Objetiva, a existência do dano motiva o ressarcimento, numa tentativa de retornar ao status quo ante, sem ser aferida a idéia de culpa (PEDROTTI, 1990, p. 31).

Ela atende de melhor proveito a sociedade contemporânea, na medida em que se uma conduta anti-social, contrária à ordem jurídica, é impetrada, o afetado não necessita demonstrar essa falta para ser agraciado com a reparação que lhe é justa. Destarte, uma boa convivência em sociedade pressupõe o conhecimento dos princípios norteadores por parte do agente e a respectiva aceitação dessas regras, atendendo aos comandos, de modo diligente e previsível (REIS, 2003, p. 68).

Como assegura Caio Mário da Silva Pereira, quando a lei estabelece hipóteses de reparação do dano, estando confirmada a autoria da conduta, a obrigação em reparar surge por si só, não necessitando prova ou análise do estado anímico do agente transgressor. Entretanto, como bem ele alerta, em face da não necessidade em provar a culpa, só é cabível essa modalidade de responsabilidade civil aos casos expressamente previstos em lei (PEREIRA, 2007, p. 562).

A Responsabilidade Objetiva foi desenvolvida em várias teorias: o risco integral, o risco proveito, a teoria dos atos normais e anormais e do risco criado. O risco integral discorre que quando da existência de dano ligado a um fato, surge direito à indenização, não importando qual fato seja este. O risco proveito trata daqueles que tiram vantagem ou proveito de uma atividade e cuja conduta causa dano a outrem, gerando assim, o dever de indenizar. A teoria dos atos normais e anormais estipula a conduta baseada no quê especificamente o homem médio faria na mesma condição. Todavia, a teoria de maior aceitação é a do risco criado, que não analisa se a conduta habitualmente exercida pelo agente resulta em proveitos ou vantagem, bastando que ela crie risco a direito ou interesse de outrem, dando ensejo à reparação (MONTEIRO, 2003, p. 456).

Como se depreende, a teoria do risco criado não possui fator de ordem subjetiva, devendo estar, apenas, o dano entrelaçado à conduta geradora de risco, exercida normalmente (MONTEIRO, 2003, p. 456).

2.4.4 Responsabilidade Subjetiva

Na Responsabilidade Subjetiva, há a idéia de dolo e culpa. Não basta apenas a imputabilidade para que o causador do dano seja obrigado a repará-lo. É necessário de que seja demonstrada a culpa dele, ainda que a lei a presuma (LISBOA, 2004, p. 544).

Ela se fundamenta “na existência do dano ao direito, na relação de causa e efeito entre ele (dano) e o fato praticado, e na culpa do agente por negligência, imprudência ou imperícia”, como bem relata Irineu Antônio Pedrotti (PEDROTTI, 1990, p. 21).

Nesta teoria, é necessária a presença da culpa, que abrange o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa stricto sensu (violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência, imprudência ou imperícia). Caso haja comprovação que os atos efetuados com culpa deram fim ao dano, surge o dever de repará-lo (MONTEIRO, 2003, p. 449).

A doutrina distingue a intensidade da culpa em grave, leve ou levíssima. A presença de qualquer delas resulta no dever de reparar o dano. No Código Civil de 2002, em seu artigo 944, há a concessão de poder ao magistrado para reduzir o valor da indenização quando a gravidade da culpa e o quantum a ser indenizado estão desproporcionais (WALD, 2004, p. 692).

Para chegar à graduação da culpa, é possível comparar a conduta do caso concreto com a desejada pelo homem padrão, que executaria da forma esperada por todos, de acordo com os costumes (critério abstrato). Outra opção é comparar a conduta realizada com a que habitualmente o agente executaria (critério concreto) (WALD, 2004, p. 692).

È possível que a culpa seja presumida juris tantum, ou relativa, cabendo prova em contrário, ou juris et de jure, quando a lei não permite que se comprove a sua inexistência. Há casos em que a responsabilidade pelo ato de outrem decorre da culpa in vigilando ou in eligendo. Nesta, há a má escolha do preposto, empregado ou representante, ao passo que naquela há falha na fiscalização, o que tornou possível a ocorrência do dano (WALD, 2004, p. 692).

Essa presunção acima descrita acaba por inverter o ônus da prova, posto que ao autor basta a demonstração da ação ou omissão do agente e o dano. É dever do réu demonstrar que essa presunção não está correta (KFOURI NETO, 2001, p. 56).

3 PRATICAGEM

3.1 CONCEITO

A utilização da água como meio de transporte vem desde os primórdios da civilização. Com ela, a profissão do comandante ou capitão do navio aparece.

J. C. Sampaio de Lacerda traz que Capitão do navio é “a pessoa a quem é confiada, por quem de direito, o comando da equipagem e a direção do navio” (LACERDA, 1969, p. 84).

Este profissional necessita do auxílio de outro profissional quando em locais que exijam conhecimento específico. Nesse caso, ele se utiliza dos préstimos do prático, que a Lei 9357/97 trata em seu artigo 2°, inciso XV, como “aquaviário não-tripulante que presta serviços de praticagem embarcado”.

Esclarecendo melhor a questão, “o serviço de praticagem consiste no conjunto de atividades profissionais de assessoria ao Comandante requeridas por força de peculiaridades locais que dificultem a livre e segura movimentação da embarcação”, conforme o artigo 12 da referida Lei.

Já José Domingo Ray expressa que: “El práctico (pilot) es la persona que tiene conocimientos especiales para la navegación en los rios y canales de acceso a los puertos y dentro de los mismos” (RAY, 1991, p. 69).

Pode-se dizer que é a navegação que exige de quem dirige perfeito conhecimento, adquirido pela prática, de particularidades locais ou regionais, que dificultam a livre e segura movimentação das embarcações, ao longo de trechos de costa, em barras, em portos, em lagoas e rios (GILBERTONI, 2005, p. 133).

3.2 HISTÓRICO

No Brasil se utiliza a nomenclatura prático para denominar ao profissional. Outrossim, a comunidade internacional não adota o mesmo procedimento, preferindo a nomenclatura piloto, a qual era utilizada na nossa legislação no princípio.

Theophilo de Azeredo Santos explica a origem do termo piloto:

“A palavra piloto (pilote, em francês, e pilota, em italiano) empregada no direito francês para designar o práctico, segundo alguns vem do holandês piloot, composto de duas palavras – peilen, medir, e lood, chumbo. O piloto era assim aquele que, nos lugares onde a água era pouco profunda, media com sonda de chumbo se o navio podia ou não continuar a avançar, sem perigo, na mesma direção. A palavra alemã lotse, que possui sentido idêntico, deriva igualmente da palavra anglo-saxã lead, chumbo (SANTOS, 1968, p. 168)”.

Theophilo persiste e comenta que no Digesto, Ulpiano confirma a existência da praticagem costeira, na época romana. Entretanto, apenas nos séculos XII e XIII foram encontrados documentos que possibilitassem o estudo da praticagem no tempo antigo (SANTOS, 1968, p. 169).

Carla Adriana Comitre Gibertoni relata que nas Ordenações de 1681 havia a exigência da presença a bordo de pessoa que conhecesse os lugares mais longínquos (GILBERTONI, 2005, p. 133).

José Domingo Ray descreve

“Com el transcurso del tiempo y cuando el capitán asumió las funciones técnicas del piloto de altura, las de este quedaron reducidas al asesoramiento para la navegación em ciertas zonas, especialmente em los puertos o rios. Por esta razón se le denomina práctico, y podemos decir que este es um técnico equivalente al piloto (pilot), denominación del pasado que puede considerarse equivalente (RAY, 1991, p. 74)”.

Um fato a atentar é quanto à terminologia. Em dados momentos da história, a profissão era conhecida por piloto, piloto prático e, por fim, prático. Matusalém Gonçalves Pimenta relata o tema e traz que a Comunidade Marítima Internacional utiliza o termo “piloto”, de modo que é esta a palavra empregada em Portugal, assim como é chamado de “pilot” na língua inglesa, “pilota” na Itália, “pilote” na França etc. Em nosso país, como será relatado, o primeiro termo utilizado foi “Piloto Prático”, face o piloto aprender na prática esses conhecimentos para as manobras em dados locais, auxiliando ao Comandante, dentre outros (PIMENTA, 2007, p. 61).

Todavia, em 18 de março de 1863, o então Capitão do porto da Corte, seguindo ordens do Imperador D. Pedro II, lançou um regulamento para a praticagem de São João da Barra, Província de Rio de Janeiro, onde ao invés de fazer menção ao “piloto prático”, tratou simplesmente por “Prático”. O substantivo acrescido por adjetivo foi trocado para que se usasse apenas o adjetivo. Como bem assevera Matusalém Gonçalves Pimenta, várias profissões podem sofrer o acréscimo do sufixo adjetivo “prático”, mas o simples uso deste para nomear uma profissão é inconcebível pela falta de idéia ou significado intrínseco (PIMENTA, 2007, p. 61).

3.3 LEGISLAÇÃO NO BRASIL

A praticagem, apesar de sua existência fática no país, não era regulada nos ordenamentos jurídicos pátrios. Apenas com a chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, em 1808, que passou a existir regulamentação acerca do tema. Ela foi abordada pela primeira vez no Decreto de 12 de junho de 1808, baixado por D. João VI:

“Por quanto pela Carta Régia de vinte e oito de janeiro próximo passado fui servido permitir aos navios de potências aliadas, e amigas da Minha Coroa a livre entrada nos portos deste Continente; e sendo necessário, para que aqueles dos referidos navios, que demandarem o porto desta capital, não encontrem risco algum na sua entrada ou sahida, que haja Pilotos Práticos desta Barra, capazes e com os suficientes conhecimentos, que possam merecer a confiança dos Comandantes, ou Mestres das embarcações, que entrarem, ou sahirem deste porto: hei por bem crear o Lugar de Piloto Prático da Barra deste Porto do Rio de Janeiro, e ordenar que sejam admitidos a servir nesta qualidade os indivíduos que tiverem as circunstâncias prescritas no Regimento, que baixa com este, assignado pelo Visconde d’Anadia, do meu Conselho de Estado, Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos; e que possam perceber pelo seu trabalho os emolumentos ahi decretados. O infante D. Pedro Carlos, meu muito amado, e prezado sobrinho, Almirante General da Marinha, o tenha assim entendido, e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em doze de junho de mil oitocentos e oito. Com a rubrica do PRÍNCIPE REGENTE N.S. (PIMENTA, 2007, p. 58)”.

Conforme se depreende do acima exposto, quando algum navio de país aliado quisera adentrar ao porto, haveria um piloto prático a disposição para auxiliar, evitando que acidentes ocorressem.

Conjuntamente, Visconde d’Anadia assinou Regimento para os Pilotos Práticos da Barra do porto desta cidade do Rio de Janeiro, no qual havia a regulamentação das condições e procedimentos para a aprovação e ingresso na função (PIMENTA, 2007, p. 65).

Em 1815, foi promulgada Lei de Marinha Portuguesa, não válida ao Brasil, mas citada aqui para demonstrar a rigorosidade:

“Art. 1, XVIII – Os Pilotos da Barra, que por ignorância tiverem feito encalhar uma embarcação, serão condenados a açoites, e privados para sempre da pilotagem; e a respeito daquele que tiver maliciosamente lançado um navio sobre um banco, ou rochedo, ou costa, será punido de morte, e seu corpo amarrado a um mastro, levantado perto do lugar do naufrágio (PIMENTA, 2007, p. 65)”.

Em 25 de junho de 1850 é iniciada a vigência do Código Comercial. Ele, em seu artigo 507, traz a obrigação, por parte do capitão “a tomar pilotos e práticos necessários em todos os lugares em que os regulamentos, o uso e a prudência i exigirem; pena de responder por perdas e danos que da sua falta resultarem” (SANTOS, 1968, p. 169).

A seguir, em 1863 surgiu o Regulamento para a Praticagem de São João da Barra, no qual previa os direitos e deveres dos práticos, responsabilidades e penalidades, como em um estatuto jurídico da carreira (PIMENTA, 2007, p. 67).

Em 1940 foi lançado o Decreto n.° 5.798 que instituiu as Corporações de Práticos. A Capitania dos Portos era quem controlava o órgão, a serviço da Marinha. Outro detalhe é que a remuneração correspondente aos práticos era um percentual da renda obtida pelos serviços, que seguiam uma tabela de taxas aprovadas pelo Ministro da Marinha (PIMENTA, 2007, p. 68).

Sugerido pela Comissão Interministerial, foi aprovado Decreto n.°119/1961 que alterou o sistema de organização dos Práticos: as corporações deixaram de existir e a categoria passou a negociar livremente seus preços, com o Capitão dos Portos, Delegado ou Agente intervindo se houvessem divergências (PIMENTA, 2007, p. 69).

Atualmente, está em vigor a Lei 9537 de 1997, também chamada de Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário. Esta é regulamentada pelo Decreto 2596 de 1998, que ensejou a Portaria Ministerial de n.° 67/98 e a Portaria n.°28/98, chamada de Norman 12.

3.4. REQUISITOS PARA SER PRÁTICO

A Norman 12, em seu artigo 202, relata as condições necessárias aos que visam participar do processo seletivo para a Praticagem:

a) Ser brasileiro (ambos os sexos), com idade mínima de 18 anos completados até a data estabelecida no Edital;

b)  Possuir curso de graduação (nível superior) oficialmente reconhecido pelo Ministério da Educação e concluído até data estabelecida no Edital;

c) Ser aquaviário da seção de convés ou de máquinas e de nível igual ou superior a 4, Prático ou Praticante de Prático até data estabelecida no Edital; ou pertencer ao Grupo de Amadores, no mínimo na categoria de Mestre-Amador, até a data do encerramento das inscrições, inclusive conforme a correspondência com as categorias profissionais estabelecida nas Normas da Autoridade Marítima para Amadores, Embarcações de Esporte e/ou Recreio e para Cadastramento e Funcionamento das Marinas, Clubes e Entidades Desportivas Náuticas (NORMAN-03/DPC);

d) Não ser militar reformado por incapacidade definitiva ou civil aposentado por invalidez;

e) Estar em dia com as obrigações militares, para candidatos do sexo masculino (Art. 2° da Lei 4375/64- Lei do Serviço Militar)

f) Estar quite com as obrigações eleitorais (art. 14°, § 1°, incisos I e II da Constituição Federal);

g) Possuir registro no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);

h) Possuir documento oficial de identificação válido e com fotografia;

i) Efetuar o pagamento da taxa de inscrição; e

f) Cumprir as normas e instruções estabelecidas para o Processo Seletivo”.

O artigo 206, da Norman 12, traz as fases do processo seletivo para ser prático. A primeira fase é escrita. Após, os aprovados passam por apresentação e verificação de documentos, seleção psicofísica e teste de suficiência física. Na terceira etapa há prova de títulos, na qual será pontuada a qualificação comprovada e experiência profissional. A seguir, a quarta etapa consiste em prova prático-oral. Por fim, tem-se a classificação final.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRÁTICO

4.1 LIMITAÇÕES À RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRÁTICO

Como já demonstrado anteriormente, faz-se necessário ter conhecimento da relação jurídica existente com relação ao prático e o armador/comandante para que então se constate a responsabilidade devida do prático.

No Brasil, a relação jurídica entre as associações de praticagem e as empresas de navegação se dá por prestação de serviços.

Theophilo de Azevedo Santos entende que há um contrato consensual, formado pela troca de sinais ou pela chamada pelo rádio. O comandante, baseando-se em Códigos Internacionais, comunica a necessidade do profissional e transmite uma informação básica e necessária: o calado do navio (parte submersa, da linha d’água à extremidade inferior do navio). Assim, o prático aceitando (a seguir se discorrerá que a lei obriga o aceite), dirigir-se-á ao navio, sabendo da rota pela qual tomará, conhecendo as particularidades do local e será informado das características do navio, para que realize a atracação no porto (SANTOS, 1968, p. 171).

O referido autor segue e explana que há três posicionamentos na doutrina:

“a) Contrato ou negócio sui generis, defendido por Antonio Scialoja e Plínio Manca;

b) Locatio Operis, seguido por Adriano Fiorentino, Roberto Sandiford, Lefebvre D’Ovidio, dentre outros autores italianos;

Locação de Serviços, cujos adeptos são Ripert, Bennettini e o brasileiro J. C. Sampaio de Lacerda (SANTOS, 1968, p. 172)”.

Antonio Scialoja afirma que se trata de um negócio sui generis porque o regime jurídico do contrato de praticagem não é oriundo da prestação, pois a obrigação do prático é um trabalho ou serviço suscetível de constituir o objeto de um contrato comum, mas que deriva de uma organização especial da categoria (SCIALOJA, 1950, p. 419).

Todavia, Matusalém Gonçalves Pimenta demonstra que não há como ser contratual ou de prestação de serviços. Ele defende que se trata de uma relação jurídica híbrida, face a ausência de pressupostos de suma importância: a liberdade em contratar, bilateralidade quanto à escolha do conteúdo e equilíbrio entre as partes (PIMENTA, 2007, p. 124).

A liberdade em contratar não impera devido à imposição legal em que haja a relação jurídica. Ao prático não cabe a recusa à prestação do serviço, podendo ser punido com suspensão do certificado de habilitação ou até o cancelamento deste, em casos de reincidência, conforme preceitua o artigo 15, da Lei n° 9537/1997.

A escolha do conteúdo tampouco é livre. Há regulamentos técnicos e lei, que estabelecem como será executada a função, quais procedimentos serão adotados. Não é possível seguir em descompasso com a Lei n° 9537/1997, o Decreto n° 2596/1998 e das Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem n° 12, chamada de NORMAN 12.

O equilíbrio entre as partes, em uma relação jurídica comum, orientaria uma parte lesada em um momento de desequilíbrio contratual a procurar o Poder Judiciário para restabelecer a igualdade. Na praticagem, não há essa hipótese. Quando o prático adentra ao navio, ele passa a ser hierarquicamente subordinado ao comandante, como o artigo 9°, da Lei n° 9537/1997, bem assevera (PIMENTA, 2007, p. 125).

Destarte, é relação híbrida esta que está sendo estudada. É revestida em seu formato pela contratualidade, porém, na execução, adequa-se a uma relação de trabalho, com conseqüente subordinação (PIMENTA, 2007, p. 61).

4.2 NATUREZA JURÍDICA DO SERVIÇO DE PRATICAGEM

O artigo 12, da Lei n° 9537/1997, estipula o conceito do serviço de praticagem: “O serviço de praticagem consiste no conjunto de atividades profissionais de assessoria ao Comandante requeridas por força de peculiaridades locais que dificultem a livre e segura movimentação da embarcação”.

Em momento algum o prático assumirá a direção do navio. Isto é claro no já citado artigo 9°, da Lei n° 9537/1997, e é reforçado pelo artigo 497, do Código Comercial (Lei n° 556/1850, em vigor face o artigo 2045, do Código Civil de 2002, ter revogado a primeira parte do Código Comercial, consistente nos artigos 1° a 456), que assim estipula: “O capitão é o comandante da embarcação; toda a tripulação lhe está sujeita, e é obrigada a obedecer e cumprir as suas ordens em tudo quanto for relativo ao serviço do navio”.

Dessa forma, o prático é um assessor ou auxiliar técnico do comandante, necessário para prestar auxílio às manobras em zonas de praticagem (aquelas próximas aos portos). Logo, caso ocorra acidente derivado de erro técnico de navegação, a responsabilidade é do comandante, como regula os artigos citados acima (PIMENTA, 2007, p. 126).

Esse posicionamento não é tranqüilo na doutrina. Carla Adriana Comitre Gibertoni defende que desde quando o prático adentra ao navio, ou o conduza, tendo-o sob sua responsabilidade, há presunção de que seja responsável por qualquer acidente ou fato da navegação, respeitados os limites de suas atribuições (GILBERTONI, 2005, p. 139).

O artigo 2°, em seus incisos IV e XV, da Lei n° 9537/1997, traz o conceito legal de prático e comandante:

IV – Comandante (também denominado Mestre, Arrais ou Patrão) – tripulante responsável pela operação e manutenção de embarcação, em condições de segurança, extensivas à carga, aos tripulantes e às demais pessoas a bordo;

XV – Prático – aquaviário não-tripulante que presta serviços de praticagem embarcado”.

Matusalém Gonçalves Pimenta cerra o tema: “Portanto, a lei atribui ao comandante responsabilidade não só pela segurança da embarcação, mas também sobre o serviço prestado pelo prático” (PIMENTA, 2007, p. 128).

Na NORMAN 12, no Capítulo 2°, em seu artigo 230, alínea “b”, há a seguinte autorização:

“b) Compete ao Comandante da embarcação, quando utilizando o serviço de praticagem:

4) Dispensar a assessoria do Prático quando convencido que o mesmo está orientando a faina de praticagem de forma perigosa, solicitando, imediatamente, um prático substituto. Comunicar à CP/DL/AG, formalmente, no prazo máximo de 24 horas após a ocorrência do fato, as razões de ordem técnica que o levaram a essa decisão”.

Ainda no mesmo artigo consta a observação de que o Comandante e a tripulação devem seguir seus deveres e obrigações para com a segurança do navio, mesmo com a presença do prático, devendo aqueles monitorar as ações deste.

Entretanto, detalhes da localidade podem não estar dentre os conhecimentos do comandante. Como ao prático cabe o assessoramento, é função dele informar esses pormenores e, caso informação errônea, que leve ao encalhe do navio, é o prático quem deve ser responsabilizado. O comandante não responde por acidente ou fato da navegação, quando resultado de sugestão equivocada do prático a respeito das particularidades locais, o que não cabe ao comandante conhecer. Assim, caso o prático apresente erro genérico de navegação ou manobra, possível ao comandante evitar, este deve agir e caso não o faça, responderá pelo dano. Porém, se, por ventura, erro específico do prático advir, estando fora do conhecimento do comandante, a responsabilidade recai sobre o prático (PIMENTA, 2007, p. 129).

É entendimento de Eliane M. Octaviano Martins:

“Atualmente, a Jurisprudência Cível e do Tribunal Marítimo têm adotado a responsabilidade subjetiva, pessoal do comandante, fundada em culpa no sentido lato sensu (atos dolosos ou culposos). Destarte, o comandante não será responsável pelos acidentes advindos de sugestão do prático, a menos que fique evidenciado que essas sugestões estavam evidentemente erradas e o comandante teria condições de perceber tal fato (MARTINS apud PIMENTA, 2007, p. 130)”.

Conclui-se, assim, que o comandante é isento de culpa caso erro do prático relacionado a sua especialidade, a qual o comandante não é obrigado a ter ciência para evitar o dano.

4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE O TERCEIRO PREJUDICADO

A responsabilidade, como já proferido, é do comandante quando ocorre qualquer varia, tendo como única exceção a responsabilidade do prático quando erros específicos acerca de particularidades da região, as quais não havia como saber o comandante.

Caindo a responsabilidade ao comandante, não há dúvidas sobre a reparação. Entretanto, quando a responsabilidade é do prático, o Tribunal Marítimo pode lhe aplicar sanções severas, de cunho administrativo, o que não significa dizer que o terceiro prejudicado pode ingressar com ação civil visando indenização contra aquele. Por outro lado, pequena parcela da doutrina acredita que seja possível a responsabilização civil do prático (PIMENTA, 2007, p. 136).

Para demonstrar a incoerência na responsabilização civil do prático, Matusalém Gonçalves Pimenta lança cinco argumentos que impedem que isso ocorra.

Argumento I – A responsabilidade objetiva do armador, quando danos resultantes de erros de práticos, já está estipulada na Convenção de Bruxelas, de 1910, a qual o Brasil é um dos signatários, conforme se depreende dos artigos 3° e 5°:

Art. 3°: Se o abalroamento tiver sido causado por culpa de um dos navios, a reparação dos danos incumbirá ao navio que tiver incorrido na culpa.

Art. 5°: A responsabilidade estabelecida pelas disposições precedentes subsiste no caso em que o abalroamento tenha sido causado por culpa do prático, mesmo nos casos em que a presença deste é obrigatória (PIMENTA, 2007, p. 136)”.

Outra Convenção, ratificada pelo Brasil, é a de Bruxelas, de 1924, na qual há imposição dos limites aos armadores:

Art. 1°: O proprietário de um navio de mar só é responsável até a concorrência do valor do navio, do frete e dos acessórios do navio:

1) Pelas indenizações devias a terceiros em virtude de prejuízos causados, em terra ou no mar, por fatos ou faltas do capitão, da tripulação, do prático ou de qualquer outra pessoa a serviço do navio (PIMENTA, 2007, p. 137)”.

Em 1996, em Londres, sobreveio a Convenção Internacional sobre Responsabilidade e Compensação por Dano em Conexão com o Transporte de Substâncias Nocivas e Perigosas por Mar, que estipulou em seu artigo 7°, parágrafo 1°:

“Exceto o que foi estabelecido nos parágrafos 2 e 3, o proprietário deverá ser responsabilizado quando da ocorrência de dano causado por quaisquer substâncias nocivas ou perigosas, em conexão com o transporte por mar a bordo do navio (…) (PIMENTA, 2007, p. 61)”.

No referido artigo, os parágrafos 2° e 3° atentam a excludentes de responsabilidade do armador, quando provado que:

– “O dano resultou de ato de guerra, hostilidades, guerra civil, insurreição ou um fenômeno natural de caráter excepcional, inevitável e irresistível;

– O dano, em sua totalidade, foi causado por ato/omissão cometido por terceiro com dolo;

– O dano, em sua totalidade, foi causado por negligência ou outro ato culposo de qualquer Governo;

– O dano, em sua parte ou totalidade, foi proveniente de ação/omissão com intenção de causá-lo, pela própria vítima do evento danoso (PIMENTA, 2007, p. 138)”.

Na mesma Convenção, o parágrafo 5°, do já referido artigo 7°, estabelece a impossibilidade em demandar, nos termos da Convenção ou de outra forma, por danos ao prático ou quaisquer outros que prestam serviços ao navio, sem ser membros deste (PIMENTA, 2007, p. 139)

Em resumo, as Convenções Internacionais entendem a tempos que o armador responde objetivamente perante terceiros.

Argumento II – O prático enquadra-se como preposto, reforçando a responsabilidade objetiva do armador

Sérgio Cavalieri Filho traz um conceito de preposto:

“É aquele que presta serviço ou realiza alguma atividade por conta e sob a direção de outrem, podendo essa atividade materializar-se numa função duradoura (permanente) ou num ato isolado (transitório). O fato é que há uma relação de dependência entre o preponente e o preposto, de sorte que este último recebe ordens do primeiro, está sob seu poder de direção e vigilância”.

O comandante controla a todos, conforme preceitua o artigo 9°, da Lei n° 9537/97. Ele, também, é o responsável pela fiscalização do serviço, assim como tem o direito e o dever de intervir no trabalho. Como não há possibilidade de o comandante realizar todas as tarefas, ele incumbe determinadas pessoas que a façam em seu nome. Assim, há a incidência do artigo 932, inciso III, do Código Civil:

Art. 932: São também responsáveis pela reparação civil:

III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Argumento III – Inegável o risco intrínseco à atividade do armador, de modo que há seguros cujas cifras são de valores altíssimos. Assim, é facilmente constatável que impera a Teoria do Risco, a qual expressa que “aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 155).

Estando albergado por esta Teoria, há a incidência do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, de 2002, em relação à responsabilidade civil objetiva do armador.

“§ único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Deste modo, pela atuação ser de risco, qualquer dano a terceiro deve ser indenizado pelo armador.

Argumento IV – A responsabilização civil do prático perante terceiros acabaria por encarecer o serviço por eles praticado.

Os armadores possuem apólices de seguros que cobrem possíveis danos ocorridos e, caso não esteja o caso prático abarcado por este seguro, há o dos Clubes de Proteção.

É salutar recordar que a responsabilização do prático ocasionaria a contratação de seguro por parte das sociedades desses profissionais, cujo objetivo seria a proteção a condutas já abarcadas pelos seguros contratados pelos armadores. Assim, teríamos dois seguros para o mesmo fato, encarecendo o valor final.

Não se deve olvidar, por fim, que já foi intentada a responsabilização civil dos práticos no direito norte-americano. O serviço chamado de dual rate estabelecia que os armadores escolhessem qual pacote de serviços a contratar: a praticagem, coberta pelos seguros dos armadores, e por isso mais barata, ou a praticagem com seguro contratado pelos práticos, o que tornava o serviço mais custoso. Empiricamente, a solução foi que os armadores não viram vantagem na contratação de um novo seguro, de modo que eles acabariam pagando indiretamente por ambos (PIMENTA, 2007, p. 61).

Carla Adriana Comitre Gilbertoni expressa que, na prática, o prático recebe isenção total quanto à responsabilidade civil, pois caso ocorra abalroamento, encalhe ou colisão, o custo para reparar é altíssimo, de modo que uma pessoa física ou empresa de praticagem não teria condições de arcar. E, caso tivessem, seria lento o pagamento da indenização, tornando o custo/benefício desfavorável. Assim, os armadores contratam seguros que são mais vantajosos (GILBERTONI, 2005, p. 139).

Argumento V – A Suprema Corte Marítima Brasileira, conforme Luiz Carlos de Araújo Salviano, já tem firme posicionamento:

“É importante notar que o Tribunal Marítimo, em seu Parecer sobre a matéria, alerta que a simples possibilidade de dilapidação dos patrimônios pessoais dos práticos, construídos com o esforço da dura labuta diária a bordo dos navios, em decorrência de uma indenização vultuosa, resultante de Ação de Responsabilidade Civil, originada em fatos e acidentes da navegação, certamente provoca impacto negativo em tais profissionais, ensejando insegurança e intranqüilidade, quando do desempenho de suas funções como assistente técnico do comandante a bordo, podendo se tornar um fator humano contribuinte para a ocorrência de eventos danosos à segurança da navegação e de conseqüências nefastas para o contexto geral da navegação comercial (SALVIANO apud PIMENTA, 2007, p. 144)”.

Destarte, não há como uma pessoa física suportar custos tão elevados. Exigir tal conduta apenas reforça a política dual rate existente nos Estados Unidos, na medida em que os práticos passariam a contratar seguros. As condições de trabalho não seriam satisfatórias, com o pavor constante de uma possível falência e crise financeira.

4. 4 RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE O ARMADOR

A responsabilidade objetiva do armador existe para que as vítimas do dano possam ter acesso facilitado à reparação de seus prejuízos. É o armador quem dispõe de melhor condição para satisfazer a exigência do dever.

Porém, não se deve olvidar que há o direito de regresso. É conseqüência da sub-rogação estabelecida em lei, facilitando para que o credor receba com mais agilidade, enquanto aquele que paga pode ser restituído por quem também era responsável (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 519).

Como já abordado, a responsabilidade objetiva do armador resulta na sua responsabilização, mesmo quando um erro específico do prático. Nessa situação, há prejuízo ao armador em responder por algo que não lhe compete. Deste modo, face a busca da justiça, ele pode adentrar com seu direito de regresso para recuperar, ainda que em parte, a quantia despendida.

O artigo 934, do Código Civil, é que fundamenta a aplicação deste instituto: “Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.

Além de a legislação pátria conferir direito ao armador ser ressarcido, o artigo 7°, § 6, da Convenção Internacional sobre Responsabilidade e Compensação por Danos em Conexão com o Transporte de Substâncias Nocivas e Perigosas por Mar, de 1996, baliza a questão:

“Nada nesta Convenção deve prejudicar qualquer direito de recurso existente do armador em face de terceiros, incluindo, mas não taxativamente, o transportador ou o recebedor da substância causadora do dano, ou as pessoas elencadas no parágrafo 5 (PIMENTA, 2007, p. 147)”.

Entretanto, para que seja possível exercer seu direito de regresso, o armador deve ter prova robusta, que demonstre que o dano foi causado por erro exclusivo do prático, não podendo haver culpa concorrente (PIMENTA, 2007, p. 147).

A melhor prova a ser juntada é o acórdão do Tribunal Marítimo condenando exclusivamente ao prático por erro específico de navegação, conduta esta que tenha causado os danos que ensejaram a reparação, impossível de ter sido evitada pelo comandante (PIMENTA, 2007, p. 148).

Partindo do princípio que o prático tenha cometido um erro específico, com a impossibilidade de o comandante evitar, produzindo os danos reparados pelo armador, este ingressará com ação de regresso e logo surge um detalhe primordial: os danos neste setor são de grande quantia financeira, com a possibilidade de em um acidente simples, que aparentemente não representa grandes danos, a quantia a ser despendida para o conserto seja muitas vezes superior ao patrimônio do prático responsável. A esse impasse, há o artigo 944, § único, do Código Civil:

Art. 944: A indenização mede-se pela extensão do dano.

§ único: Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.

Com base no artigo acima citado, o juiz poderá recompor um pouco o patrimônio do armador, sem que o prático se quede na penúria.

É salutar não olvidar o que já foi explanado no argumento IV, da responsabilidade civil perante o terceiro prejudicado: caso o juiz não atenda ao disposto no artigo 944, em seu parágrafo único, a condenação será impossível de ser paga na maioria dos casos, e os profissionais conviverão com medo de que qualquer conduta que tomem acabe por dar ensejo ao fim de seu patrimônio. É lógico que deve haver um erro específico, não qualquer manobra, mas o inconsciente do profissional interferirá, não havendo tranqüilidade para o desempenho da função. Essa situação levaria ao sistema norte-americano: o dual-rate, onde os práticos, por meio de suas associações contratam seguro, caso seja esta a escolha do armador. Entretanto, aqui, eles contratariam independentemente da escolha, pois caso um erro específico, eles terão que responder pelo regresso.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por fim abordar a responsabilidade civil do prático. É tema incomum, daqueles que não se localiza facilmente nos livros, devendo recorrer à doutrina estrangeira caso não se localize os raros livros e artigos que o tratam.

O objetivo deste era demonstrar a importância da questão, lançando luz a um setor histórico, presente no cotidiano coletivo. Entretanto, objetivo maior era enquadrar quando efetivamente o profissional intitulado “prático” responderá por danos cometidos enquanto no auxílio ao comandante.

Para atingir tal fim, iniciou-se com uma breve análise da responsabilidade: dos tempos primitivos, onde imperava o Código de Manu, dos Hebreus, a Lei de Talião e, também, o Código de Hamurábi. Neste período, eventual dano era punido na mesma proporção, realizando a mesma conduta. Era a vingança, o sangue por sangue. Entretanto, já havia artigos do Código de Hamurabi que previam a reparação pecuniária.

Veio o Direito Romano e a Lex Aquilia, com a necessidade do fator culpa, importante até o presente na caracterização da responsabilidade subjetiva. Ainda nessa época, a responsabilidade civil e a penal foram separadas, com a Autoridade se sub-rogando na figura do ofendido quando delito penal, criando, também, os delitos privados e públicos.

Após rápidas considerações sobre o Direito Francês e o Direito Brasileiro, em termos históricos, há o estabelecimento do conceito de Responsabilidade Civil: aquele que comete uma ação ou omissão, gerando danos a outrem, por isto respondê-lo-á.

Formado um conceito, parte-se para a distinção entre responsabilidade e obrigação, já que ambos os institutos podem, à primeira vista, parecem idênticos. Todavia, depois de acurado estudo se constata que a responsabilidade possuía uma obrigação que descumprida, gerou outra obrigação. Assim, a obrigação é primária, ao passo que a responsabilidade civil exige que haja uma segunda obrigação, que substitui a primeira descumprida.

Neste contexto, surge a necessidade de se realizar a distinção entre a responsabilidade contratual da extra-contratual. Na primeira, há uma relação jurídica estabelecida entre as partes, nas quais consta uma obrigação, ao passo que na segunda a relação jurídica é estabelecida pela lei ou pelo sistema.

Outro adendo importante é quanto à responsabilidade objetiva e subjetiva. Nesta, a presença da culpa se faz necessária, fundada na culpa aquiliana do Direito Romano. Já naquela, há uma presunção de culpa, bastando o dano, a ação ou omissão e o nexo de causalidade entre os anteriores.

No segundo capítulo é abordada a praticagem, com sua conceituação. A figura do prático é vista sob os olhares da lei e da doutrina, os quais sejam: o profissional que auxilia ao comandante quando da navegação por áreas estreitas, na entrada e saída dos portos, na atracação e desatracação.

Visto, ainda, a parte histórica desta função por deveras antiga. Nessa historicidade, houve o estabelecimento de uma linha temporal da legislação, com a primeira lei sendo ordenada por Dom Pedro II.

Fundamental também era apontar os requisitos para ser prático. Uma formação em curso superior é exigida, e caso seja ela em ciências náuticas é preferido. Não se deve esquecer que a prática acaba por ser fundamental, na medida em que a experiência é pontuada.

Chega-se, assim, ao fulcro do presente tema: a Responsabilidade Civil do Prático.

Inicia-se trazendo acerca das limitações à Responsabilidade Civil do Prático, com o uso de cinco argumentos que desfavorecem a responsabilidade deste profissional e direcionam para que seja usada a Responsabilidade Objetiva do Armador.

É discorrida sobre essa responsabilidade objetiva, na medida em que o prático é mero auxiliar do comandante, nunca assumindo o controle efetivo do navio. Esse caráter de preposto, auxiliar, e a responsabilidade objetiva do armador acabam por limitar a responsabilidade civil do prático a uma situação: quando do cometimento de erro específico, ao qual o comandante não podia evitar, por ao ele não ser obrigado conhecer as características do local. A função do prático é auxiliar no transpasso das dificuldades locais e caso repasse informações ou dados de maneira errônea acerca disso, cabe a ele assumir a responsabilidade de forma individual.

Destarte, caso haja ou erro do comandante, ou erro conjunto de comandante e prático, ou erro do prático ao qual o comandante podia evitar e não o fez, a responsabilidade objetiva do armador impera, de modo que o prático não é responsabilizado.

Conforme o acima exposto, caso a responsabilidade recaia sobre o prático, tendo cometido erro específico, impossível ao comandante de evitar, o armador terá direito de regresso.

A este direito de regresso se deve ter cuidado: como as cifras são altíssimas, é improvável que uma pessoa física possua patrimônio para cobrir os danos. Assim, atendendo à proporcionalidade da conduta ao dano. O que se visa com este instituto é recuperar um pouco o valor que foi despendido pelo armador, mas não levar o prático à situação de pobreza.

Conclui-se, por fim, que o tema é pouco apreciado na doutrina pátria, porém de enorme importância em face da quantia financeira que movimenta e os possíveis danos de enorme monta financeira.

Não se deve olvidar que aqui se visa trabalhar a questão econômica. Nesta, o prático apenas responde quando do cometimento de erro específico e, no caso concreto, acabará por, na pior das hipóteses, arcar com apenas parte da indenização, pois não possui capital para cobrir o todo.

A responsabilidade administrativa fica por conta do Tribunal Marítimo, que poderá lhe aplicar sanção disciplinar, multa, ou até o cancelamento da licença para exercer a profissão.

 

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Informações Sobre o Autor

Fabio Andrukiu

bacharel em Direito pela Unicuritiba, pós-graduado pela Escola de Magistratura do Paraná, servidor concursado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná


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