O instituto da ausência no Código Civil Brasileiro

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Resumo: Breves considerações sobre o instituto da ausência no Direito brasileiro.
Trata-se de um estudo doutrinário e jurisprudencial sobre o procedimento da ausência no Código Civil com destaque para os aspectos mais polêmicos do tema tais como: a legitimidade do companheiro – no âmbito da união estável – para requerer a abertura da sucessão provisória e definitiva; o momento da efetiva dissolução do casamento em razão da declaração de ausência; a reversibilidade da dissolução do casamento em decorrência do retorno sujeito declarado ausente – dentre alguns outros aspectos relevantes.

O Código Civil de 1916 contemplava o ausente no rol dos absolutamente incapazes.

A Codificação de 2002, corrigindo o equívoco – uma vez que não há falar em incapacidade por ausência, e sim de uma necessidade de proteção aos interesses do desaparecido –, tratou do instituto da ausência de forma autônoma, notadamente nos artigos 22 a 39.

A ideia fundamental de ausência vem descrita no art. 22, que tem a seguinte redação:

“Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.”

Note-se que a ausência reclama declaração judicial, em procedimento especial de jurisdição voluntária. Ou seja, não basta o desaparecimento de uma pessoa para que se configure a ausência nos termos do código civil: é imprescindível seja reconhecida judicialmente.

Em regra, a ausência pressupõe o desaparecimento de uma pessoa que não deixou notícias ou procurador. Todavia, também declara-se ausente aquele que, mesmo deixando mandatário, esse não queira ou não possa exercer o mandato, ou ainda na hipótese do instrumento conferir  poderes insuficientes.

A Sistemática do Código divide o procedimento de declaração de ausência em três fases: 1) curatela dos bens do ausente; b) sucessão provisória; c) sucessão definitiva.

Vejamos cada uma delas.

1) Curatela dos bens do ausente (arts. 22 a 25)

É a primeira fase do procedimento, voltada à proteção do patrimônio do ausente. Nessa etapa, mitiga-se a proteção de terceiros (um exemplo disso é a proibição de atos de disposição pelo curador nomeado pelo Juiz para cuidar dos bens do ausente).

Tem início com a provocação de qualquer interessado ou do. Ministério Público.

Comprovado o desaparecimento, o Juiz declara a ausência – após oitiva do MP – e determina a arrecadação dos bens do ausente e a publicação de editais durante um ano seguido (de 2 em 2 meses), convocando o ausente para retomar a posse de seus bens (art. 1.161, CPC). Na mesma decisão, nomeia-se um curador para os bens do ausente.

Neste ponto, deve-se fazer uma observação.

É   que a Lei não exige um prazo mínimo de desaparecimento de uma pessoa para a abertura do procedimento de ausência. Basta que o interessado ou o Ministério Público demonstre o desaparecimento da pessoa de seu domicílio em caráter excepcional.

Vale ainda, destacar a opinião do Professor Fábio Ulhoa Coelho, que atenta para o seguinte: o curador nomeado não é administrador do ausente, mas dos bens dele.

Em regra, o curador será o cônjuge – ou o companheiro – do ausente, salvo na hipótese de separação judicial[1] ou separação de fato[2] há mais de 02 anos.

De suma importância salientar que, em que pese o art. 25 do Código Civil não mencionar expressamente, a doutrina é pacífica quanto à inclusão da figura do companheiro no citado rol.

Nesse sentido o enunciado nº 97 da Jornada de Direito Civil:

“No que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro, como, por exemplo, na hipótese de nomeação de curador dos bens do ausente”.

Na falta do cônjuge ou companheiro, a curadoria caberá às seguintes figuras: a) aos ascendentes; b) na falta desses, aos descendentes (os mais próximos precedem os mais remotos); e c) na falta de qualquer desses últimos, a escolha do curador cabe ao juiz.

Essa primeira fase, da curadoria dos bens, tem importância para fixar a lei aplicável ao procedimento. Isso porque – assim como na sucessão por morte real – incide na declaração de ausência o princípio da saisine, de modo que o procedimento de ausência será submetido à lei vigente no momento da declaração de ausência (o que ocorre nessa primeira fase).

Após o prazo de um ano da arrecadação dos bens, segue-se à segunda fase do procedimento de declaração de ausência.

2) Sucessão provisória:

Com o passar do tempo, diminui a probabilidade de retorno do ausente, razão pela qual permite a lei que se promova uma transmissão provisória e precária de seus bens.

 Para Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze, a ideia de provisoriedade é uma cautela exigida pela lei, pois ainda que se anteveja um provável falecimento real do ausente, ainda não se tem certeza desse fato.

Essa segunda fase inicia-se com o pedido de abertura da sucessão provisória, que pode ser apresentado em duas hipóteses: a) após o decurso de um ano da arrecadação dos bens, se o ausente não deixou procurador; ou b) após transcorridos três anos da arrecadação dos bens, no caso do ausente ter deixado procurador (art. 26, CC)

São legitimados para requerer a abertura da sucessão provisória: a) cônjuge não separado, judicialmente ou em cartório; b) herdeiros (presumidos, legítimos ou testamentários); c)os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; d) os credores de obrigações vencidas e não pagas (art. 27, CC).

Se, decorrido o prazo do art. 26 (um ou três anos, a depender se deixou procurador), não for requerida a abertura da sucessão provisória pelos interessados, cabe ao Ministério Público requerê-la (art. 28, § 1º, CC).

A sucessão provisória será declarada por sentença. Essa sentença só produz efeitos após 180 dias de sua publicação na imprensa.

Além disso, somente após o trânsito em julgado da sentença que declarar a sucessão provisória é que haverá a abertura do inventário e da partilha, bem como do testamento, se houver. Aqui, procede-se como se falecido fosse o ausente.

Todavia, importa atentar para o seguinte: os interessados tem 30 dias, após o transito em julgado da sentença, para requerer a abertura do inventário; não o fazendo, procede-se à arrecadação dos bens do ausente na forma de declaração de herança jacente e vacante. (art. 28, § 2º, CC).

O Código Civil, considerando o caráter precário da transmissão operada na fase de sucessão provisória, exigiu a prestação de garantia pelos herdeiros, a fim de se imitirem na posse provisória dos bens do ausente, sob pena de exclusão (art. 30, CC). Mas essa regra foi temperada pelo § 2º do dispositivo, que dispensa de caução os herdeiros necessários (ascendentes, descendentes, cônjuge e companheiro), assim provada sua condição; também o art. 34 abranda o rigor da exigência, ao permitir que o excluído que não prestou as garantias, desde que justifique a falta de recursos econômicos, possa requerer que lhe seja entregue a metade dos rendimentos que seriam devidos quanto ao seu respectivo quinhão.

Cumpre salientar, ainda, que, quanto aos credores do ausente que tiverem requerido o pagamentos dos respectivos créditos nessa segunda etapa do procedimento, ocorrerá a transmissão definitiva, nada havendo a restituir ao ausente na hipótese de retorno.

Nessa fase, os bens imóveis do ausente só poderão ser alienados (ou gravados de ônus real) com autorização judicial que vise evitar a ruína; com exceção da desapropriação.

Quanto aos frutos e rendimentos  produzidos pelos bens do ausente, ocorrerá o seguinte: a) caberão integralmente aos herdeiros necessários quanto aos bens que estiverem em sua posse (descendente, ascendente e cônjuge/companheiro); b) os demais sucessores deverão capitalizar a metade dos rendimentos – para o caso de retorno do ausente; além disso, precisam de anuência do MP e prestam contas ao juiz*.

Todavia, não se pode olvidar que, caso o ausente retorne e fique provada que a sua ausência foi voluntária e injustificada, ele perderá a sua parte nos frutos e rendimentos em favor do sucessor.

O transcurso do tempo acentua a presunção de óbito do ausente, justificando a transmissão do patrimônio em caráter definitivo. Passa-se, então, à fase seguinte do procedimento de declaração de ausência.

3) Sucessão definitiva:

Nessa etapa, a  preocupação central do ordenamento jurídico é tutelar os interesses dos herdeiros do ausente.

A sucessão definitiva pode ser requerida pelos interessados nas seguintes hipóteses: a) Após 10 anos do trânsito em julgado da sentença de reconheceu a abertura da sucessão provisória; ou b) Se o ausente estiver desaparecido há  05 anos e já conte com, pelo menos, 80 anos de idade.

Nessa etapa, os interessados requerem a transmissão definitiva dos bens, com o levantamento das cauções prestadas.

Embora a transmissão desses bens já se opere em caráter definitivo, permitindo-se a livre disposição pelos herdeiros, o domínio está sujeito a condição resolutiva, ou seja, reaparecendo o ausente nos 10 anos seguintes á abertura da sucessão definitiva, receberá os bens no estado em que se encontrarem (ou os sub-rogados em seu lugar; ou, ainda, o preço obtido pelos  herdeiros  com a alienação de tais bens). (art. 39, CC e art. 1.168, CPC)

Com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu a abertura da sucessão definitiva, haverá uma presunção de morte do ausente, a teor do art. 6º, 2ª parte do Código Civil.

Importante registrar que, uma vez ocorrida a transmissão de patrimônio aos herdeiros, será devido ITCMD por conta da morte presumida.

Nesse sentido, a Súmula nº 331/STF: “É LEGÍTIMA A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO "CAUSA MORTIS" NO INVENTÁRIO POR MORTE PRESUMIDA.”

E se o ausente retornar, o que acontece?

Dependerá do momento do seu regresso:

1º) Se o ausente regressa ainda na primeira fase (curadoria dos bens) – nada acontecerá, pois não decorreu qualquer efeito da sua ausência;

2º) Se regressa na segunda fase (durante a sucessão provisória) – receberá os bens no estado que deixou, podendo levantar a caução prestada pelos sucessores, se houve depreciação ou perecimento dos bens, e, se houve melhorias, irá indenizar os possuidores de boa-fé;

3º) Se regressa na terceira fase (já aberta a sucessão definitiva) – receberá os bens no estado em que se encontrarem ou os sub-rogados em seu lugar.

4º) Se regressa  após o prazo de 10 anos que declarou aberta a sucessão definitiva – não há mais qualquer direito a recebimento de bens.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem uma crítica ao tratamento dado pelo legislador ao instituto da ausência, cuja proteção, historicamente, restringiu-se à esfera patrimonial. Bem por isso, a ausência continua a surtir seus  principais efeitos nessa seara, consistentes na proteção do patrimônio do ausente – em caráter provisório e definitivo -, e no reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge ou companheiro do ausente.

Contudo, reclama-se, sob o império da norma constitucional, o reconhecimento à pessoa mesma do ausente, a fim de assegurar sua intangível dignidade.

Assim, sob o manto do movimento de constitucionalização das relações privadas, o Código Civil vigente se apartou do excessivo caráter patrimonialista, para tutelar outros aspectos que envolvem a pessoa desaparecida, permitindo, como um grande exemplo dessa tendência, a dissolução do casamento pela presunção de morte.

Eis o teor do dispositivo inovador:

“Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:(…)

§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.”

Assim, uma vez reconhecida por decisão judicial a morte presumida, restará dissolvido, automaticamente, o casamento do ausente, como efeito anexo natural da sentença declaratória.

E qual seria o momento da efetiva dissolução do casamento em razão da declaração de ausência? Posição majoritária na doutrina sustenta ocorrer na terceira e última etapa, com a abertura da sucessão definitiva.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, todavia, criticam o referido posicionamento dominante, à medida em que, reconhecido o estado de ausência – já a partir da abertura da sucessão provisória -, impõe-se ao ordenamento jurídico buscar, a todo modo, a reconstrução familiar no plano material e afetivo, razão pela qual sustentam ser esse momento – a abertura da sucessão provisória – o adequado para que a ausência surta os efeitos pessoais e familiares; até porque pode o ausente, de toda sorte,, lançar mão do divórcio direto após o decurso de dois anos da separação de fato (“retirar-se-ia, pr via oblíqua, a utilidade do instituto, afinal de contas, já teríamos o transcurso de 10 anos – que é suficiente para cinco divórcios diretos…”).

E se o ausente retornar já nesta fase? A melhor solução seria o reconhecimento da irreversibilidade dos efeitos da dissolução do casamento do ausente, independentemente de seu ex-consorte contrair, ou não, novas núpcias.

 

Notas:
 
[1]     Atualmente, importa notar para a discussão entre uma possível incompatibilidade entre a norma introduzida pela Emenda Constitucional nº 66 e o regramento infraconstitucional da separação judicial.

[2]     Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald defendem que – apesar da dicção do art. 25 do CC falar no prazo mínimo de 02 anos – independentemente de qualquer prazo, o cônjuge separado de fato não será mais curador, uma vez que a simples ruptura da vida conjugal já é suficiente para extinguir a afetividade e o dever de colaboração mútua.


Informações Sobre o Autor

Paula de Mello Tavares Silva Cunha Parreira


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One Reply to “O instituto da ausência no Código Civil Brasileiro”

  1. Para todos efeitos o texto deixa claro que por fim a lei garante que o beneficiário terá direito a que é dado por direito ser beneficiado com o que lhe cabe em seu devido direito de família ou cônjuge garantido por lei.

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