Análise dos Contratos de Factoring na Jurisprudência Brasileira

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Guilherme Martendal – Formado em Direito pela Faculdade UnC, Advogado e Pós Graduando Faculdade Legale. e-mail: [email protected]

Professor Doutor Rogério Martir – Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Especialista em Direito Empresarial e Direito do Trabalho, Professor de Direito Empresarial e Direito do Trabalho em Pós Graduação e Preparatórios para Carreiras, Coordenador da Pós Graduação de Direito Empresarial e da MBA de Direito Acidentário da Faculdade Legale. [email protected]

Resumo: O presente trabalho apresenta conceitos do contrato de factoring (faturização) no Brasil. Assim, faz-se o uso da pesquisa documental e bibliográfica, determinando que o método utilizado seja o dedutivo. O contrato de factoring possui extrema relevância para as sociedades empresárias e para a economia brasileira, devendo as partes contratantes ter plena convicção do significado e conteúdo das cláusulas convencionadas. Nesse entendimento, o estudo traz uma breve abordagem histórica do contrato de factoring no Brasil e, após, desenvolve a análise das suas particularidades no ordenamento jurídico. Discute-se ainda a falta ou omissão da legislação brasileira em regular o presente contrato. Aborda-se também julgados do Superior Tribunal de Justiça que são de extremo destaque para o entendimento do assunto e amparo para a legislação ausente. Ao final, serão apresentadas conclusões sobre o estudo.

Palavras-chave: Factoring – Contratos empresariais – Contrato de factoring – Sociedade empresária.

 

Abstract: This paper presents concepts of the factoring contract. hus, the use of documentary and bibliographic research is made, determining that the deductive method be used. The factoring contract is extremely relevant for business companies and the Brazilian economy, and the contracting parties must be fully convinced of the meaning and content of the agreed clauses. In this understanding, the study brings a brief historical approach to the factoring contract in Brazil and then develops the analysis of its particularities in the legal system. The lack or omission of Brazilian legislation in this contract is also discussed. It also addresses judgments of the Superior Court of Justice that are extremely important for the understanding of the subject and support for the absent legislation. Finally, conclusions about the study will be presented.

Keywords: Factoring – Business contracts – Factoring contract – Business company.

 

Sumário: Introdução; 1. Contrato de factoring. 2. A omissão da legislação específica. 3. Contrato de factoring na jurisprudência brasileira.

 

Introdução

A presente pesquisa tem por base examinar, mesmo que de forma sucinta, o contrato de factoring na atual jurisprudência brasileira, tendo como base a Constituição Federal, Código Civil e as múltiplas leis que abordam o assunto e procuram esclarecer o que vem a ser factoring.

O estudo norteia-se pela omissão da legislação específica, o que gera numerosas divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação a diversos temas propostos pelo factoring. Embora a legislação brasileira venha evoluindo em alguns posicionamentos no que tange a regulamentação do instituto, ainda inexiste lei específica em vigor.

Diante da moderada bibliografia produzida a respeito desse tema e das diferentes vertentes teóricas que problematizam os assuntos sem, no entanto, alcançarem consenso, adota-se a postura científica de simplificar a sua abordagem dividindo-a em partes.

Primeiramente, estuda-se a evolução histórica e, após, os conceitos do factoring, para tanto, analisa-se a sua forma de atuação, natureza jurídica, modalidades contratuais, cláusulas obrigatórias e extinção, mais especificamente em relação aos entendimentos sob o enfoque doutrinário. Além disso, aborda-se a omissão da legislação e os projetos de lei em tramitação. Após, são apresentadas jurisprudências a respeito de temas consolidados e controversas dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

O aporte teórico deste estudo pauta-se na pesquisa bibliográfica, consubstanciada na leitura crítica de obras doutrinárias e julgados do Supremo Tribunal Federal, além dos projetos de lei em trâmite no Senado Federal e na Câmara Legislativa.

 

  1. Contrato de factoring

Inicialmente, é necessário realizar um breve histórico do instituto do factoring no Brasil, eis que não temos uma legislação específica quanto ao assunto, o que será visto no decorrer do presente trabalho.

O Factoring ou Fomento Mercantil surgiu no Brasil com a criação da ANFAC (Associação Nacional Das Sociedades De Fomento Mercantil – Factoring) em 11 de fevereiro de 1982. Por esse motivo, as atividades das empresas na época foram burocratizadas o que gerou uma certa proibição advinda pela edição da circular número 703 de 1982 do Banco Central, a qual deixou várias incógnitas quanto as principais características do fomento mercantil. A principal delas seria a dificuldade em diferenciar o factoring das atividades exclusivas de bancos e instituições financeiras. (MARTINS, 2010)

Entretanto nos passares dos anos de 1982 ao ano de 1988, exatamente em 1986, por meio do Recurso de Apelação em Mandado de Segurança n.º 99.964 – RS (4498011), julgado em 13 de maio de 1986, o longevo Tribunal Federal de Recursos revogou a Circular número 703 de 1982. Esclarecendo a respeito da competência do registro das empresas de factoring:

“Não pode o Banco Central do Brasil interferir nas funções de registro comercial, reguladas pela Lei nº 4.726/65. Estas funções competem às Juntas Comerciais, sob supervisão e orientação técnica do Departamento Nacional do Registro do Comércio. Não há confundir o registro comercial de firmas como seu funcionamento. Controle e fiscalização deste, quando implique atividades financeiras, é que cabe ao Banco Central.”

Desta forma, em 30 de setembro de 1988, foi emitida uma reformada circular a respeito do tema factoring, de número 1.359, a qual encerrou qualquer dúvida a respeito da legalidade da atividade. Assim sendo, depois do lançamento da Circular número 1.359 de 30 de setembro de 1988, o Banco Central proporcionou o devido crescimento do factoring dentro do território nacional, oferecendo liberdade para as empresas, desde que subordinadas ao arquivamento a Junta Comercial e outros protocolos em face dos órgãos municipais, para, assim, desenvolverem a sua adequada atividade. (RIZZARDO, 2008)

Como visto, não foi simples a personificação da atividade do factoring no sistema brasileiro por entraves e dificuldades de conceituações. Essa dificuldade segue-se até os dias atuais, entretanto, a doutrina e a jurisprudência contribuem para realizar as devidas definições, uma vez que o assunto é de grande complexidade.

Neste sentido, atualmente temos doutrinadores dispostos a auxiliarem nessa árdua tarefa de conceituar o que é a atividade de factoring. Inicialmente, temos Fábio Ulhoa Coelho que conceitua da seguinte forma:

“Faturização – ou “fomento comercial” – é o contrato pelo qual uma sociedade empresária (faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de exercente de atividade econômica, empresária ou não (faturizado), prestando a este os serviços de administração de crédito.” (ULHOA COELHO, 2016, p.296)

Já para Tárcisio Teixeira:

“Trata-se da venda do faturamento de uma empresa para outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo uma comissão ou juros por isso… Assim, factoring é a compra de direitos creditórios (faturamento) resultantes de vendas mercantis (e de consumo) ou de prestação de serviços a prazo. Desse modo, o empresário transforma o seu crédito a prazo (recebíveis) em dinheiro à vista com o fim de aumentar ou não comprometer o seu capital de giro, e consequentemente sua atividade econômica.” (TEIXEIRA, 2019, p.594)

Importante é a contribuição de Daniel Carvalho que explica:

“Factoring é uma empresa de faturização, sendo também chamada de fomento comercial. É o contrato pelo qual uma sociedade (faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de uma outra sociedade (faturizada), prestando serviços de administração do crédito do sujeito. A faturização faz com que a faturizadora assuma algumas obrigações perante a faturizada. Por exemplo, é ela que irá gerir os créditos do faturizado, procedendo a controles dos vencimentos, protestos, aviso para pagamento, cobrança de devedores, etc. Ademais, pelo contrato de faturização, a faturizadora assumirá os riscos do inadimplemento dos devedores do faturizado, garantindo o pagamento das faturas que foram objeto de faturização.” (CARVALHO, 2020, p. 236)

À vista do exposto, é sereno o entendimento de que a faturizadora assuma riscos das obrigações assumidas, tais como, o inadimplemento dos devedores. Por esse motivo, as empresas de factoring sempre analisam o risco do cliente e prestam a devida consultoria com o intuito de minimizar os riscos que pertencem o presente contrato.

De forma clara e suscinta, o factoring é um contrato no qual o empresário transfere a uma instituição financeira, não bancária, os direitos e deveres referentes à gestão dos títulos de crédito.

Diante disso, relevante a menção ao Agravo Interno no Recurso Especial número 1091603 – SP, de Relatório do Ministro Marco Buzzi, da Quarta Turma, julgado em 19 de março de 2019, que explica e aponta um dos temas controversos a respeito do factoring:

“[…] 1. “A faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada sob alegação de inadimplemento dos títulos transferidos, porque esse risco é da essência do contrato de factoring. Precedentes.” (AgRg no AREsp 671.067/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 04/03/2016).”

Por fim, no intuito de apresentar o devido conceito de factoring, no julgamento do Recurso Especial número 119.705 – RS, de relatoria do Ministro Waldemar Zveiter, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, registrou:

A operação de factoring, portanto, está diretamente relacionada com a compra de títulos para cobrança. Dá-se, na verdade, uma transferência do título emitido pela vendedora para a empresa de factoring, pagando está o valor do título, descontada uma certa quantia, que é a remuneração pela transação. Na dicção de Carlos Alberto Bittar “faturização é, pois, o ajuste por meio do qual um comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades, total ou parcialmente, recebendo, em contrapartida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores, com os juros respectivos. Representa, no fundo, uma verdadeira alienação ou venda do faturamento.” (Contratos Comerciais, Forense Universitária, 1990, p. 192)” (grifo nosso)

Em suma, os diversos conceitos apontados pela doutrina discorrem entre considerar o factoring como uma cessão de créditos onerosa ou como venda de faturamento, ou, ainda, como a combinação de um ou ambos juntamente com a prestação de serviços de gestão financeira e empresarial.

Quanto às partes que precisam atuar necessariamente dentro do contrato de factoring, temos a explicação de Arnaldo Rizziardo:

“a) Um comerciante ou industrial, que é o cedente, titular do crédito, que o endossa; b) Um estabelecimento adquirente, ou a empresa de factoring, o faturizador, que é o cessionário do crédito, o qual paga o valor respectivo ao cedente; c) O devedor do crédito, que é o comprador da mercadoria, ou cliente do vendedor ou cedente, junto ao qual a instituição ou faturizador receberá o montante da transação. Poderá ser pessoa física ou jurídica. (RIZZIARDO, 2015, p. 1619)”

Diante do exposto, o contrato se aplica entre o faturizador (empresa de factoring) e o faturizado (comerciante ou industrial), devendo os créditos ser concedidos ao faturizador pelo faturizado. Para que seja celebrado o contrato, que tem natureza empresarial, ambas as partes, obrigatoriamente, deverão ser empresários ou sociedades empresárias. Já o devedor ou comprador, que compra do faturizado, pode ser pessoa física ou jurídica, comerciante ou não. (MARTINS, 2019)

Assim, no contrato de fomento mercantil (factoring) há três elementos para a sua configuração, quais sejam: (i) dar assessoria mercadológica e de crédito; (ii) serviços de administração do crédito; (iii) compra de direitos creditórios resultantes de vendas (NEGRÃO, 2020).

Estipulado que seus elementos são necessários para a configuração, vemos que as operações começam com a transferência das contas do faturizado para o faturizador, pertinente a todos os seus clientes. Porém, fica a encargo do faturizador analisar e delimitar quais clientes serão escolhidos para efetivamente ficar em sua responsabilidade. Em linhas gerais, o faturizador irá, entre outras funções, verificar nos arquivos do faturizado como os clientes se comportam em relação aos pagamentos, assim escolhendo quais lhe couberem diante das suas diretrizes (SANTA CRUZ, 2020)

Prosseguindo na análise das modalidades contratuais aqui debatidas, importante fazer a distinção entre faturização interna, que são aquelas dentro do mesmo país, e faturização externa, que são aquelas realizadas fora do país (exportação e importação). (MARTINS, 2019).

A grande maioria dos doutrinadores definem como apenas duas espécies basilares ou mais utilizados dos contratos de factoring: maturity factoring e conventional factoring. Os demais são derivados de ambos, acrescidos de outros mais complexos, tais como trustee, compra de matéria-prima, factoring de importação – exportação.No presente artigo destacarei apenas o maturity factoring e o conventional factoring.

No maturity factoring há a negociação dos créditos em que a faturizada irá ceder à faturizadora, e esta, ficará incumbida de realizar a cobrança nos vencimentos de todos os contratos acertados, para após, repassar à faturizada mediante comissão (risco), ou seja, quando a faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no vencimento (ULHOA COELHO, 2016)

Já na conventional factoring temos a negociação dos créditos que são transferidos pela faturizada à faturizadora, ficando essa incumbida também de cobrá-los. Entretanto, a diferença é que a faturizadora antencipa o valor dos créditos à faturizada, mediante cobrança de deságio ou juros, ou seja, quando a faturizadora realiza o pagamento dos créditos, adiantando o pagamento ao faturizado. (ULHOA COELHO, 2016)

Pertinente ao assunto dos juros, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, informa ser perfeitamente cabível aos contratos de factoring a limitação de juros de 12% ao ano, conforme preceitua a Lei de Usura. Isso posto, segue importante julgado do próprio Superior Tribunal de Justiça, que explica:

“Empresa. Factoring. Limitação. Taxa de juros. Trata-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional e, como tal, não se inclui no sistema introduzido no direito brasileiro pela Lei n. 4.595/1964. Nessas condições, é aplicável a Lei de Usura, razão pela qual é de ser mantida a limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano (Dec. n. 22.626/1933, art. 1.º). Precedentes citados: REsp 330.845-RS, DJ 15/9/2003; REsp 119.705-RS, DJ 29/6/1998, e HC 7.463-PR, DJ22/2/1999 (REsp 489.658-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 05.05.2005, Informativo 245/2005). Factoring. Sistema financeiro. Limitação. Juros. Prosseguindo o julgamento, a Turma entendeu que, apesar de desempenharem algumas atividades também desenvolvidas por instituições financeiras, as empresas de factoring não integram o Sistema Financeiro Nacional, aplicando-se-lhes o disposto na Lei de Usura (Dec. n. 22.626/1933) a limitar a taxa de juros remuneratórios ao teto de 12% ao ano. O Min. Aldir Passarinho Junior aduziu, em seu voto-vista, que a factoring também não se inclui na exceção prevista no art. 4.° da MP n. 2.172/2001 (semelhante à MP n. 1.820/1999), pois não necessitaria de autorização do Banco Central para funcionar, não sendo também incluída na LC n. 105/2001, que cuida do sigilo de operações de instituições financeiras, não se caracterizando como tal. Precedentes citados: REsp 119.705-RS, DJ 29/6/1998, e HC 7.463-PR, DJ 22/2/1999 (REsp 330.845-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 17.06.2003, Informativo 177/2003).” (grifo nosso)

Vale salientar, como descreve Luiz Lemos Leite, que a empresa de factoring não exerce a cobrança de juros sobre os títulos de crédito, e sim um fator de compra, que na realidade é o atual preço da compra, sendo este livremente pactuado entre as partes (LEITE, 1994).

Já sobre a natureza jurídica do factoring, afirma Fábio Ulhoa Coelho que:

“A natureza bancária do conventional factoring é indiscutível, à vista da antecipação pela faturizadora do crédito concedido pelo faturizado a terceiros, que representa inequívoca operação de intermediação creditícia abrangida pelo art. 17 da LRB. Já em relação ao maturity factoring, em razão da inexistência do financiamento, poderia existir alguma dúvida quanto ao seu caráter bancário. Ensina Newton de Lucca, no entanto, que, havendo da parte da faturizadora a assunção dos riscos pelo inadimplemento das faturas objeto do contrato, a faturização se revestirá, também nesse caso, de nítida natureza bancária.” (ULHOA COELHO, p. 144, 2010).

Entretanto, em posicionamento divergente, Luiz Lemos Leite (1997), entende que as empresas de factoring são apenas empresas comerciais e não devem ser confundidas com instituições financeiras, pois as empresas de fomento mercantil não podem realizar operações características das empresas privadas. Ou seja, a atividade do factoring não encerra apenas as operações de crédito, mas sim ocorre uma operação de compra e venda à vista. Desta forma, o factoring é visto como uma técnica financeira e de gestão comercial (MARTINS, 2019).

Diante do que foi exposto pode-se entender que o factoring tem natureza jurídica, substancialmente, comercial, estruturada na concessão de direitos a título oneroso e, ainda, na prestação de serviços, e, por fim, a natureza da atividade é o aceite do risco do adimplemento e utilização de seus próprios recursos.

Em relação ao contrato de factoring propriamente dito, podemos apontar como sendo um contrato atípico, real, bilateral, comutativo, oneroso, de execução continuada, intuitu personae e formal. (AZEVEDO, 2019). Vale ressaltar que, não especificamente requeira a forma escrita, podendo as partes formarem verbalmente o contrato. Entretanto, todas as estipulações feitas deverão ser aplicadas nas escriturações em livros de ambas as partes (MARTINS, 2019).

No tocante às cláusulas essenciais, as que devem obrigatoriamente aparecer no contrato são:

“[…]as relativas à exclusividade ou totalidade das contas do faturizado, à duração do contrato, à faculdade de escolher o faturizador as contas que deseja garantir, aprovando-as, a relativa à liquidação dos créditos, a sobre a cessão dos créditos ao faturizador, a sobre a assunção dos riscos pelo faturizador e finalmente a sobre a remuneração do faturizador.” (MARTINS, 2019, p. 367)

Conforme apresentado por Fran Martins (2019), existem diversas cláusulas obrigatórias/essenciais nos contratos de factoring, outrossim, as demais cláusulas contratuais poderão ser definidas por interesse das partes. É evidente que não poderão ser alteradas aquelas pertinentes à responsabilidade dos riscos relativos às operações ou duração do contrato.

Acerca dos deveres e obrigações pertinentes ao contrato de factoring, ao adquirirem títulos de crédito, caso o devedor não os liquide, as empresas deixam de ter direito de regresso contra a empresa cedente, tendo em vista a natureza pro saluto dos títulos. Esta é a distinção relativamente ao desconto, porque neste é devido o direito de regresso.

O faturizador tem alguns direitos em relação ao faturizado, tais como a seleção de créditos que lhe interessem, cobrar as faturas que já foram devidamente pagas, dedução da remuneração das importâncias que foram creditadas ao faturizado e examinar os documentos e livros a relativos às transações feitas por certos clientes (RIZZIARDO, 2015). Entretanto, diante de tantos direitos, o faturizador também tem obrigações para com o faturizado, ou seja, pagar ao faturizado todas os valores relativos às faturas que lhe foram apontadas e assumir o risco do não pagamento delas pelo devedor.

Já o faturizado, é obrigado pagar ao faturizador as comissões devidas conforme a porcentagem fixada em contrato, repassar as contas dos clientes para que o faturizador selecione as que desejar, e ainda, prestar toda a assistência e averiguação ao faturizador, no tocante aos clientes e recebimento de dívidas. Contudo, são direitos a ele devidos, o pagamento das faturas na data acertada, transferir ao faturizador faturas não aprovadas para cobranças e assim este agir.

Como visto, são duas partes que integram o contrato de factoring: o faturizador e o faturizado. Entretanto, o comprador ou devedor é indispensável para sua existência. Desta forma, suas obrigações e direitos derivam do contrato de compra e venda que foi realizado.

Neste sentido, Fran Martins explica:

“Tendo sido o crédito transferido para o faturizador, deve o devedor ser notificado dessa transferência, o que pode ser feito por qualquer documento escrito, seja público ou particular. Só será o devedor obrigado a pagar ao cessionário ocorrendo essa notificação. Assim, antes de ser notificado será válido o pagamento feito ao credor primitivo, no caso o vendedor, nos termos, entre nós, do art. 292 do Código Civil. Tem o comprador o direito de opor ao cessionário ou ao cedente as exceções que lhes competirem no momento em que tiver conhecimento de cessão. É o princípio do art. 294 do Código Civil, no caso da faturização perfeitamente aplicável.” (MARTINS, 2019, p. 370)

Desta forma, todos que integram o contrato de factoring (faturizador e faturizado) e o devedor/comprador tem seus direitos e deveres e se obrigam a segui-las.

A extinção do contrato de factoring pode ocorrer de diversas formas. Quando ambas as partes decidem pelo fim do contrato, se dá o nome de extinção pelo mútuo acordo. O contrato também poderá se encerrar por decorrência de prazo estipulado. O contrato será extinto unilateralmente, devendo quem o faça preceder de aviso prévio. Na hipótese de uma das partes serem empresário individual, sua morte precede a extinção do contrato que no exemplo, ficará a responsabilidade a ser cumprida pelos devidos representantes do de cujus, na parte de sua herança (MARTINS, 2019)

Caso o contrato seja extinto, todas as operações iniciadas deverão ser liquidadas.

Esclarecedora a contribuição que temos para a sociedade do contrato de factoring, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho:

“O contrato de faturização tem a função econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus clientes.” (ULHOA COELHO, 2016, p. 297)

Resta evidente que o contrato de factoring é uma ferramenta ou um meio de atender às pequenas e médias empresas, eis que essas empresas necessitam de um capital de giro, sem os entraves que as grandes instituições financeiras ou bancárias apresentam ao empresário, dificultando a sua devida evolução e progresso dentro da sociedade, por meio da criação de empregos, e, claro, o giro econômico.

 

  1. A omissão da legislação específica

Com relação ao tema proposto, conforme apresentado no início do trabalho, não existe uma legislação específica, o que temos atualmente são dispositivos legais que sustentam o funcionamento e características dos contratos de factoring, tais como artigos da Constituição (Artigo 5º, II e XIII e Artigo 170) e do Código Civil e Leis infraconstitucionais que englobam o factoring, porém, não explicam com clareza o que se aplica em determinados casos.

No entendimento de Fábio Ulhoa Coelho,

“Constituição Federal, ao dispor sobre a exploração de atividades econômicas, vale dizer, sobre a produção dos bens e serviços necessários ̀ vida das pessoas em sociedade, atribuiu ̀ iniciativa privada, aos particulares, o papel primordial, reservando ao Estado apenas uma função supletiva. […] se não houvesse um regime jurídico específico para a exploração econômica, a iniciativa privada permaneceria inerte e toda a sociedade sofreria com a estagnação da produção dos bens e serviços indispensáveis ̀ satisfação de suas necessidades.” (ULHOA COELHO, 2011, p. 45)

De acordo com Luiz Lemos Leite (2004), as características e funções basilares do factoring são direcionadas pelos princípios do Direito Mercantil. Assim, os pressupostos apresentados pela Constituição beneficiam os contratos de factoring, eis que asseguram a liberdade de acesso ao mercado.

No Código Civil, o factoring é amparado, mesmo que não de forma explicita e sim, subentendida, em diversos artigos: Solidariedade Passiva – arts. 264 e 265; Cessão de créditos – arts. 286 ao 298; Vícios Redibitórios – arts. 441 ao 446; Compra e venda – arts. 481 ao 489; Prestação de serviços – art. 594; Endosso – arts. 910, 911 e 914.

Dos diversos artigos apresentados pelo Código Civil, nenhum faz manifestação expressa ao factoring, entretanto, oferece a legalidade obrigatória às empresas que necessitam explorar tal segmento, conduzindo e sustentando a omissão de legislação específica.

Por conseguinte, temos diversas leis reguladores, entretanto, nenhuma sobre o factoring. As leis existentes apenas mencionam algumas especificidades, a Lei 9.249 de 1995, artigo 15, §1º, III, alínea “d” define factoring como, “prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).”

Outro exemplo que pode ser exposto é o disposto pela Lei 9.532 de 1997, artigo 58 e 58, §1º que trata sobre a incidência de imposto sobre operações financeira, “A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer as atividades relacionadas na alínea “d” do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários – IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras.”. Ou seja, deixando responsável pela cobrança e recolhimento do imposto sobre operações financeiras as empresas de factoring que assumirem os direitos creditórios.

Em relação ao regime jurídico, a Lei 9.249 de 1995 que trata acerca da tributação do imposto de renda das pessoas jurídicas, menciona a atividade do factoring, porém, apenas em relação à alíquota do tributo (quando cumular atividades, será de 32%), não traçando um regime jurídico para este tipo contratual.

Diversas são as leis que sustentam o factoring em relação aos aspectos legais, porém, nenhuma específica. As demais leis que embasam o factoring são: Lei n.º 5474/68 – Lei das Duplicatas; Lei n.º 9718/98 (apuração do lucro real); Lei n.º 10.637/2002 (PIS) e Lei n.º 10.833/2003 (PIS/COFIN); Lei n.º 4595/64 – Lei Bancária (limites de atuação); Lei n.º 7.492/86 (Crimes contra o SFN); Lei 1521/51 (crimes contra a economia popular).

Outras normas estão previstas, novamente pela omissão da lei específica, em circulares e ato internos do Banco Central, dentre elas, podemos citar: a) Instrução Normativa nº 16, de 10.12.1986 do DNRC (Departamento Nacional de Registro do Comércio), revogada pela Instrução Normativa nº 27, de 10.04.1991 que manteve a dispensa a aprovação prévia do Banco Central para o arquivamento de atos constitutivos de empresas de fomento mercantil; b) Circular nº 1.359 de 30.09.1988, do BACEN – Que revogou a Circular BC nº 703, de 16.06.1982, que proibia a atividade, e, reconhece o fomento mercantil – factoring como uma atividade comercial mista atípica, que consiste na prestação de serviços conjugada com a aquisição de direitos creditórios ou créditos mercantis; c) Circular nº 2715 de 28.08.1996, do BACEN – Que permite às instituições financeiras a realização de operações de crédito com empresas de fomento mercantil.

Conforme explica o doutrinador Eduardo Fortuna, “Desde setembro de 1988, a atividade de factoring deixou de ser tutelada pelas regras do mercado financeiro.” (FORTUNA, 2001, p.412)

As questões pertinentes ao factoring não são simples de serem resolvidas, pois os profissionais do direito (juízes, desembargadores, ministros e advogados) deverão interpretar todos os dispositivos e leis apresentadas, observando o que será aplicável ao caso concreto. Essa ausência de regulamentação é fator de insegurança jurídica, o que eleva em demasia o risco dos negócios.

Atualmente, dois projetos de lei estão em tramitação, o primeiro é referente ao projeto de lei número 3.615 de 2000 de autoria do Deputado João Herrmann Neto (Falecido em 12 de abril de 2009), o qual dispõe sobre o fomento mercantil especial de exportações ou “factoring” de exportação e dá outras providências. O presente projeto, visando a regulamentação do factoring está aguardando deliberação do recurso da mesa Diretora da Câmara de Deputados (MESA) desde o dia 12 julho de 2012.[i]

No projeto de lei mencionado, são apresentadas as definições do que vem a ser fomento mercantil, em seu artigo 2º “Entende-se por fomento mercantil para os efeitos desta Lei a prestação contínua por sociedade de fomento mercantil de um ou mais dos seguintes serviços a sociedades ou firmas que tenham por objetivo o exercício das atividades mercantis ou de prestação de serviços, bem como a pessoas que exerçam atividade econômica em nome próprio e de forma organizada”.

Outras características são evidenciadas, atividades específicas do fomento mercantil, as regras dos contratos (partes, obrigações e responsabilidade), das receitas operacionais e o discutido direito de regresso, das operações internacionais, das vedações, multas, penalidades e infrações. Entretanto, desde o início o projeto vem sofrendo alterações em relação a redação do texto por divergências na forma conceitual e material.

O segundo projeto de lei é o número 487 de 2013 de autoria do Senador Renan Calheiros, o qual estabelece a reforma do Código Comercial. De forma suscinta, o Código passaria a ser dividido em três partes: a) Parte Geral; b) Parte Especial; c) Parte Complementar. O que vem a ser importante ao presente estudo é proposto no Capítulo VIII, especificamente aos artigos 554 ao 560. [ii]

Tratando-se das especificidades do Projeto de Lei, temos que a nomenclatura utilizada é “fomento comercial”, ao passo que nos incisos do artigo 554, são as apresentadas as partes do fomento comercial e a essência do negócio jurídico. Contudo, não são apresentadas definições do que vem a ser fomento comercial, apenas fica determinado que a atividade consiste na prestação de serviços.

Os demais artigos e incisos vem mostrar sobre direitos creditórios e regras de aquisição, das obrigações, responsabilidade solidária e regresso e por fim apresenta a constituição das Câmaras de liquidação de títulos faturizados. Tais câmaras seriam associações cíveis sem fins lucrativos, funcionando de acordo com a Lei número 10.214 de 2001, que regula a atuação das câmaras e dos prestadores de serviços de compensação e de liquidação.

O projeto de lei, atualmente em tramitação, está com à Senadora Soraya Thronicke desde o dia 17 de dezembro de 2019, aguardando emissão de relatório.

Ocorre que, da análise dos projetos em tramitação, vários são os impasses dentre os artigos e incisos propostos, desde a forma doutrinária até a operacional. Importante é a regulamentação com uma legislação específica, porém essa lei não pode apenas ser um alicerce para preencher uma brecha normativa. Essa legislação, obrigatoriamente, deverá ser adaptada à realidade do mundo factoring, ou seja, garantir a segurança jurídica.

Outro ponto a ser levado em conta é alteração do artigo 2º da lei de duplicatas, conforme a interpretação de Fran Martin:

“Necessário se faz que seja modificado o art. 2º da Lei das Duplicatas para permitir que outros títulos, que não a duplicata – a letra de câmbio, por exemplo –, possam servir de instrumento de cobrança das vendas a prazo, feitas com vendedor e comprador localizados em território nacional. Se assim acontecer, o faturizado, por documento particular, transfere à empresa de faturização os créditos dos seus clientes que sejam aceitos pelo faturizador. Esse, não sendo o vendedor e sim apenas o cessionário dos créditos, não pode emitir duplicatas contra o comprador; mas se a lei, uma vez modificada, permitir a cobrança dessa venda a prazo por outros títulos que não a duplicata, o faturizador poderá sacar uma letra de câmbio contra o comprador das mercadorias, sendo resguardada, desse modo, a característica principal do contrato de faturização, que é a isenção de responsabilidade do faturizado ou cedente do crédito pelo pagamento deste por parte do comprador.” (MARTINS, 2019, p. 365)

Desta forma, novamente se vê a dificuldade de regulamentação do factoring no Brasil visto que de fato a Lei número 5.474 de 1968, em seu art, 2º, exige a extração de duplicata para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador, não se permitindo outra espécie de título para documentar a operação. Trata-se de título de crédito causal, representativo de ordem de pagamento em dinheiro à vista ou a prazo.

Destarte, como se viu no decorrer deste artigo, o contrato de factoring, no seu atual estado, mesmo depois de passado um largo período de discussão, não possui uma lei específica (apenas dois projetos em tramitação, que devido o respeito, estão desatualizados e algumas peculiaridades devem ser alteradas) ou definição de atuação e incidência, mesmo com a previsão em diversas leis (de forma implícita ou explicita visto o artigo 15, § 1º, inc. III, alínea “d”, da Lei nº 9.249/1995), abrindo para doutrina e jurisprudência um campo para debates acalorados.

 

  1. Contrato de factoring na jurisprudência brasileira

A partir dos discursos apresentados no presente estudo, evidencia-se que a legislação específica em tramitação pertinente ao contrato de factoring encontra-se desatualizada e ultrapassada, obrigando a jurisprudência e doutrinadores reverem seus posicionamentos quanto a utilização das nuances do direito empresarial em vez de constituírem apenas caráter civil as demandas de factoring, eis que tais contratos são bem mais profundos.

Conforme foi visto nos capítulos anteriores, o factoring está se disseminando em todo o país e, desta forma, crescendo também as demandas judiciais referente aos contratos tratados. Assim, visto a carência de legislação referente ao tema, a prática jurídica vem lesar a segurança jurídica, deixando os empresários expostos a todos os tipos de ações judiciais cabíveis.

Nesse entendimento, a jurisprudência vem esclarecendo diversos debates sobre os temas de factoring, desde abordar o princípio da oponibilidade de exceções pessoais no contrato de factoring até a real clareza da diferença entre factoring e atividade financeira.

Atualmente temos dois informativos do Superior Tribunal de Justiça sobre factoring de números 640 [iii] e 641 [iv]. O informativo número 640 é de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 28 de novembro de 2018, o qual explica que a duplicata mercantil, apesar de causal no momento da emissão, com o aceite e a circulação adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente, impedindo a oposição de exceções pessoais a terceiros endossatários de boa-fé, como a ausência ou a interrupção da prestação de serviços ou a entrega das mercadorias.

Já o informativo número 641 é de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 05 de fevereiro de 2019, o qual explica que as empresas que estão em processo de recuperação judicial poderão celebrar contratos de factoring sem prévia autorização judicial. Entende-se que o judiciário vem auxiliar em questões relativas ao contrato de factoring abordando temos complexos.

Pertinente a diferença entre factoring e atividade financeira temos o julgado do Recurso Especial número 938.979 do Distrito Federal, o qual foi julgado pelo Ministro Luis Felipe Salomão em 19 de junho de 2012, apresenta a seguinte ementa:

“CONTRATO DE FATORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE. 1. As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes. (STJ – 4ª Turma – REsp 938.979/DF – Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 19/06/2012, T4- QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012)”

Diante do julgado explicando a diferença entre factoring e atividade financeira, os demais tribunais seguiram o mesmo entendimento, um exemplo é o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que no julgado de conflito de competência número 100629258520188110000, apresenta a seguinte ementa:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS AJUIZADO EM DESFAVOR DE EMPRESA DE FACTORING – AÇÃO DE NATUREZA INDENIZATÓRIA – MATÉRIA MERAMENTE CIVIL – APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO DO §2º, I DO ART. 1º DO PROVIMENTO 004/2008 CM – A EMPRESA DE FACTORING POSSUI ATIVIDADE DE FOMENTO MERCANTIL E NÃO SE EQUIPARA A INSTUITIÇÃO FINANCEIRA – COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL – CONFLITO PROCEDENTE. Quando a matéria for de rescisão contratual e reparação por dano material sem que haja outro pedido de natureza tipicamente bancária, a competência para o processamento é da Vara Cível. “As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes. (STJ – 4ª Turma – REsp 938.979/DF – Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 19/06/2012, T4- QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012). (TJ – MT – CC: 100629258520188110000 MT, Relator Sebastião Barbosa Farias, Data de Julgament: 04/04/2019, Primeira Turma de Câmara Cíveis Reunidas de Direito Privado, Data de Publicação: 10/04/2019”

Podemos analisar que, diante dos julgados apresentados, temos uma unificação a respeito da grande diferença entre instituições financeiras e as empresas de factoring, visto que as empresas de factoring praticam o chamado fomento mercantil e, além disso, não efetuam operações de mútuo ou de captação de recursos para terceiros.

Outro julgado de extrema relevância para os contratos de factoring é o Recurso Especial número 434.433 de Minas Gerais de Relatoria do Minsitro Aldir Passarinho Junior, julgado em 25 de março de 2003, o qual entende que:

“COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE. INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS, QUE O PERMITEM. LEI N. 7.357/85. EXEGESE. HONORÁRIOS. FIXAÇÃO EQÜITATIVA. CPC, ART. 20, § 4º. I. A autonomia do cheque não é absoluta, permitida, em certas circunstâncias especiais, como a prática de ilícito pelo vendedor de mercadoria não entregue, após fraude notória na praça, a investigação da causa subjacente e o esvaziamento do título pré-datado em poder de empresa de “factoring”, que o recebeu por endosso. II. Honorários advocatícios já fixados em valor módico, não cabendo ainda maior redução. III. Recurso especial não conhecido. (Resp. n. 434.433/MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 23/06/2003)”

Em linhas gerais, o Ministro aborda a origem da dívida perante a faturizadora para quando houver fraude pública ou notória, o cheque não tenha autonomia absoluta, podendo, após constada a fraude notória, o esvaziamento do título.

E, seguindo essa linha de raciocínio é que vem os demais tribunais julgando. De forma ilustrativa, tem-se o julgado do Agravo em Recurso Especial número 766.493 de São Paulo (2015/0202224-4) de Relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, publicado (DJ em 07 de fevereiro de 2019), onde destaca-se uma parte da decisão, resumida em:

“Trata-se de contrato não cumprido, uma vez que houve revelia da ré, Acqua Piovana Confecções e Comércio Ltda Me, sendo certo que não consta qualquer alegação da corré Diferencia T N Fomento Mercantil Ltda em contrário, o que torna o fato incontroverso. Bem por isso, acertada a decisão ao concluir que “diante da revelia da co-requerida AQUA PIOVANA CONFECÇÕES E COMÉRCIA LTDA ME, sua inadimplência é certa, razão pela qual deixou a autora de ser devedora do valor total do negócio não concluído, inclusive de quantia de R$1.940,00 estampada nos cheques” Assim, não pode a apelante exigir os cheques da apelada, devendo, se assim entender, buscar se ressarcir junto àquela que lhe entregou os títulos. (STJ – Aresp: 766493 SP 2015/0202224-4, Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira, Data de Publicação: DJ 07/02/2019)” (grifo nosso)

É clara a jurisprudência diante do assunto apontado, podendo ser exemplo ainda, o julgado no Agravo Interno no Recurso Especial número 1.015.617 de São Paulo, Relatoria do Ministro Raul de Araújo da Quarta Turma, julgado em 13 de dezembro de 2016, que mantém o posicionamento, ou seja, um tema que já foi consolidado.

Os exemplos citados, espelham efetivamente o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, entretanto alguns temas são divergentes, dentre eles podemos citar o direito de regresso do faturizador contra o faturizado.

O Superior Tribunal de Justiça possui alguns acordãos que negam a possibilidade do direito de regresso do faturizador contra o faturizado, todavia, existem, também, julgados que o admitem.

Nesse sentido, temos dois julgados em que não é visualizada a possibilidade do direito de regresso, um de relatoria do Ministro Massami Uyeda e o outro de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, com as seguintes ementas:

“Agravo regimental. Ação declaratória. Nulidade de notas promissórias. Empresa de factoring. Realização de empréstimos e de desconto de títulos com garantia de direito de regresso. Impossibilidade. Prática privativa de instituições financeiras integrantes do sistema financeiro nacional. Precedentes desta corte. Incidência do Enunciado n. 83 da Súmula/STJ. Ademais, entendimento obtido da análise do conjunto fático-probatório. Reexame de provas. Óbice do Enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Manutenção da decisão agravada. Agravo improvido (AgRg no Ag 1.071.538/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3.ª Turma, j. 03.02.2009, DJe 18.02.2009).”

“Recurso especial. Títulos de crédito. Duplicatas sem causa. Protesto. Indenização por danos morais. Redução. 1. O contrato de factoring convencional é aquele que encerra a seguinte operação: a empresa cliente transfere, mediante uma venda cujo pagamento dá-se à vista, para a empresa especializada em fomento mercantil, os créditos derivados do exercício da sua atividade empresarial na relação comercial com a sua própria clientela – os sacados, que são os devedores na transação mercantil. 2. Nada obstante os títulos vendidos serem endossados à compradora, não há por que falar em direito de regresso contra o cedente em razão do seguinte: (a) a transferência do título é definitiva, uma vez que feita sob o lastro da compra e venda de bem imobiliário, exonerando-se o endossante/cedente de responder pela satisfação do crédito; e (b) o risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes. (…) (REsp 992.421/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3.ª Turma, j. 21.08.2008, DJe 12.12.2008).”

Entretanto, como mencionado, a posição do Superior Tribunal de Justiça não é uniforme, uma vez que temos o julgado do Recurso Especial número 820.672 do Distrito Federal de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, com a seguinte ementa:

“CHEQUE – ENDOSSO – FACTORING – RESPONSABILIDADE DA ENDOSSANTE-FATURIZADA PELO PAGAMENTO. – Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, Art. 21). (STJ – Resp: 820672 DF 2006/0033681-3, Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, Data de Julgamento: 06/03/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01/04/2008)”

Ou seja, afirmou ser possível o direito de regresso, por vias do endosso, refletindo assim nos valores da compra do título do crédito, eis que mostra a devida segurança para com a faturizadora. Como se pode notar, estariam os contratos de factoring, em tese, subordinados aos direitos e deveres das demais sociedades empresárias.

Frente ao apresentado é necessária uma unificação da jurisprudência e doutrina a respeito de alguns temas, visto a dificuldade do legislativo ao tentar realizar significativa tarefa.

 

Conclusão

Diante do estudo exposto, podemos perceber que a Constituição Federal, o Código Civil e demais leis não norteiam os contratos de factoring no ordenamento brasileiro. Entretanto, a jurisprudência e a doutrina se esforçam ao máximo para conseguir compreender as nuances do factoring e resolver os mais variados litígios envolvendo empresários, empresas e clientes.

O contrato de factoring já sofreu diversas intervenções por parte do Estado, porém, nenhuma que venha beneficiar as partes, direcionando o seu real objetivo à segurança jurídica que os contratos devem constar.

Como visto, dois projetos de lei estão em trâmite com o fim da regularização da atividade do factoring de forma compreensível no ordenamento jurídico, ocorre que ambos são obsoletos e necessitam urgentemente de uma intervenção dos doutrinadores para melhor esclarecer alguns pontos controversos.

Além dos doutrinadores, deve-se levar em conta os diversos julgados que temos atualmente, proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais de Justiça no Brasil inteiro, com todas essas informações, é necessário realizar uma modernização/melhoria nos projetos que estão em tramite.

Não obstante, a idealização de um novo projeto de lei não seria de qualquer forma desagradável, obviamente, levando em conta os ensinamentos das doutrinas em conjunto com a jurisprudência existente. Todavia, seria necessário um grande esforço do legislativo brasileiro em regulamentar de fato o factoring, o que é improvável diante da excessiva burocracia em regulamentar um projeto de lei, visto que o projeto de lei número 3.615 é do ano de 2000 e ainda não foi efetivamente regulamentado no ano de 2021.

 

Referências Bibliográficas

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LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 1994.  2. ed.

 

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MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996. 14. ed.

 

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______. Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. 15. ed.

 

SANTA CRUZ, André Luiz. Direito empresarial: volume único. Rio de Janeiro: Editora Forense. São Paulo: Editora Método, 2020. 10. ed.

 

TEIXEIRA, Tarcísio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019. 8. ed.

 

Notas

[i] Projeto de Lei 3.615 de 2020 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=19936 Acesso em: 01 fev. 2021.

[ii] Projeto de Lei 487 de 2013. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115437 Acesso em: 01 fev. 2021.

[iii] Informativo de Jurisprudência número 640. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0640.pdf Acesso em: 05 fev. 2021.

[iv] Informativo de Jurisprudência número 641. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0641.pdf Acesso em: 05 fev. 2021.

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