A Evolução do Estado Social ao Estado Constitucional de Direito: o risco das decisões sobre risco no período da pandemia no Brasil

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The Evolutiom of Social State to the constitucional State: the risk of decisions of risk in the pandemic period in Brasil

Hamilton da Cunha Iribure Junior [1]

Ariel de Azevedo Grandal Coêlho Rocha [2]

Resumo: O objetivo do presente artigo consiste em apresentar reflexão sobre o risco das decisões de risco na sociedade contemporânea, através da análise do julgamento da medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental – APDF 669 MC/DF em que se questiona a legitimação da decisão do Estado frente ao isolamento social em decorrência da pandemia do COVID -19 e a liberdade econômica de não fechamento do comércio e demais setores. O Estado de risco evidencia novos desafios democráticos e institucionais introduzidos na sociedade de risco, delineada por Ulrich Beck. Através de método analítico-documental, com sondagem bibliográfica e jurisprudencial, propõe-se demonstrar que a transformação do conceito de segurança no Estado constitucional de direito introduz mudança na própria fonte de legitimação do Estado.

Palavras chave: Estado de direito —sociedade de risco —decisão – legitimação — Constituição

 

Abstract: The purpose of this article is to present a reflection on the risk of risk decisions in contemporary society, through the analysis of the judgment of the precautionary measure in the complaint of non-compliance with a fundamental precept – APDF 669 MC / DF, which questions the legitimacy of the decision of the State in the face of social isolation due to the COVID -19 pandemic and the economic freedom to not close trade and other sectors. The State of risk highlights new democratic and institutional challenges introduced in the risk society, outlined by Ulrich Beck. Through an analytical and documentary method, with a bibliographic survey, it is proposed to demonstrate that the transformation of the concept of security in the constitutional state of law introduces change in the very source of legitimation of the state.

Keywords: State of law – risk society – decision – legitimation – constitution

 

Sumário: Introdução. 1.Estado Social de Direito.1.1 Estado de direito e sociedade 1.2 Estado constitucional de direito 1.3 A crise do estado social 2. Risco e Segurança no Estado de Direito. 3.O Estado de Direito como Estado de Risco e o Risco no Discurso Normativo e Judicial 3.1 Os riscos das decisões sobre riscos e legitimação da decretação do isolamento social no Brasil.3.2 O estado de risco aumenta o ônus de legitimação do Estado. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

A compreensão da sociedade contemporânea está ligada à noção do risco. Para Ultrich Beck, o risco tornou-se elemento-chave para a compreensão do direito constitucional, embora o direito em si não proporcione significado para o risco na sociedade contemporânea. Assim, surgem as indagações se o estado constitucional é adequado à sociedade complexa e se a transformação atingiu sua estrutura ou trata-se de adaptação às necessidades sociais:

 

In advanced modernity the social production of wealth is systematically accompanied by the social production of risks. Accordingly, the problems and conflicts relating to distribution in a society of scarcity overlap with the problems and conflicts that arise from the production, definition and distribution of techno-scientifically produced risks.

This change from the logic of wealth distribution in a society of scarcity to the logic of risk distribution in late modernity is connected historically to (at least) two conditions. First, it occurs – as is recognizable today where and to the extent that genuine material need can be objectively reduced and socially isolated through the development of human and technological productivity, as well as through legal and welfare-state protections and regulations. Second, this categorical change is likewise dependent upon the fact that in the course of the xponentially growing productive forces in the modernization process, hazards and potential threats have been unleashed to an extent previously unknown.” (Beck, 1992, p.19-24)

 

A cada modelo de Estado corresponde uma concepção de Estado, as quais refletem suas questões sociais. Assim, o modelo de direito predominante no século XIX correspondia ao estado liberal, em que a sociedade iniciava a concepção industrial, desinteressada da tradição e hierarquia. Já no século XX, o modelo de estado social de direito afirma-se em razão das desigualdades oriundas do desenvolvimento da sociedade industrial, sob a forma de um estado de bem-estar social destinado a resolver os problemas de classe. Entretanto, ambos os modelos baseados na ideia de Estado-nação soberano, independente, com sistema econômico capitalista com irrestrito desenvolvimento tecnológico visando a realização dos fins estatais. Com as transformações inseridas no meio social, contudo, esses modelos de Estado não mais correspondem à realidade, pois os conflitos que permeiam a sociedade contemporânea não correspondem a disputas de classes econômicas. As posições de classe são substituídas pelas posições de risco, a ideia de necessidade cede à vulnerabilidade e o desenvolvimento econômico-tecnológico, transforma-se em fonte de risco (BECK, 1992, op. cit).  A soberania estatal e seu significado teórico são contestados em virtude da globalização. Com as mudanças ocorridas na sociedade introduzidas pelos riscos tecnológicos, o estado de direito assume a forma de estado de risco, que se caracteriza por utilizar a ideia de risco como um dos principais argumentos para atuar e justificar a tomada de decisões e atuações dos governos.

Entretanto, essa situação não significa o abandono pelo Estado, da preocupação com os direitos liberais ou sociais, pois assumem, na sociedade contemporânea, o sentido de segurança e risco. Por sua vez, o sentido de riscos transforma-se em fator preponderante nas tomadas de decisões, passando a fazer parte do discurso jurídico através da Constituição, textos de lei e decisões judiciais.

Explanations of the growing importance of risk to regulation identify three processes; the need to respond to newly created and discovered risks; the growth of regulatory frameworks; and the use of the risk instrument as an organizing idea for decision-making in modernity. Synthesizing these explanations, we propose a theory of risk colonization. We introduce a distinction between societal and institutional risks, the former referring to threats to members of society and their environment, and the latter referring to threats to regulatory organizations and/or the legitimacy of rules and methods of regulation. We argue that pressures towards greater coherence, transparency, and accountability of the regulation of societal risks can create institutional risks by exposing the inevitable limitations of regulation. In the first stage of risk colonization, framing the objects of regulation as ‘risks’ serves as a useful instrument for reflexively managing the associated institutional threats. This can be followed, in a second stage, by a dynamic tension between the management of societal and institutional risks that results in spiralling feedback loops. The very process of regulating societal risks gives rise to institutional risks, the management of which sensitizes regulators to take account of societal risks in different ways. We discuss links between this theory and the concept of governmentality and conclude with some speculations about the possible positive and negative consequences of risk colonization. (ROTHSTEIN at all, 2006 p. 91-112)

A partir da lógica dos riscos, a segurança é promovida ao nível dos direitos humanos e fundamentais, cujo discurso atua como fator legitimador das funções do Estado e de suas decisões baseadas na precaução (GRIMM, 2006, p. 190-193). Por consequência, o Estado passa a ser um gerenciador de riscos na sociedade contemporânea.

A partir dessa nova face do Estado, em que os riscos são politizados, surge a questão dos riscos das decisões sobre riscos. A nova demanda por segurança, pode constituir-se em meio à violação de direitos fundamentais, princípios constitucionais e até a redução do espaço democrático. Na sociedade contemporânea, o risco é utilizado para gerenciar seus próprios riscos, gerando o discurso do risco, que, igualmente serve como medida para minimizar os efeitos negativos da tomada de decisão. Neste ponto, toma-se como exemplo para a reflexão da medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental – APDF 669 MC/DF em que se questiona a legitimação da decisão do Estado frente ao isolamento social em decorrência da pandemia do COVID -19 e a liberdade econômica de não fechamento do comércio e demais setores.

O presente artigo encontra-se dividido em duas partes, em que a primeira parte trata, não de forma exaustiva, da evolução do estado social ao estado de risco e a mudança do paradigma de segurança no estado constitucional de direito. Na segunda parte, trabalha a reflexão do risco das decisões sobre o risco na sociedade contemporânea, enfocando o Brasil, e destacando-se a decisão do Supremo Tribunal Federal mencionada, visando a demonstrar que a decisão judicial de utilização do isolamento vertical não restou legitimada pela sociedade de risco, por ferir o espaço democrático. Para se obter as conclusões necessárias, utiliza-se os métodos analítico-documental, com sondagem bibliográfica e jurisprudencial.

 

1 ESTADO SOCIAL DE DIREITO.

Com o desaparecimento da distinção entre Estado e sociedade, o estado social de direito adotou um formato de estado de bem-estar ou Welfare State ou, ainda, de estado providência.

Com as transformações ocorridas pelo desenvolvimento da sociedade industrial no século XIX, tornou-se necessária a distinção entre “espaço vital dominado” e “espaço vital efetivo”.

Ao se mencionar espaço vital efetivo, significa o espaço em que a existência fática do indivíduo se desenvolve, sendo que o “espaço vital dominado, refere-se a tudo aquilo que está sob o domínio do indivíduo, sem que necessariamente corresponda a um direito de propriedade em sentido estrito.

No início do século XIX, a maior parte da população possuía um espaço sob seu domínio, fosse um imóvel, uma oficina, ou outro bem, mas em decorrência do aumento da população e da urbanização, esse espaço vital reduziu-se. Em contrapartida, com o desenvolvimento da técnica, o espaço vital efetivo ampliou-se consideravelmente, o que causou um impacto nas funções do Estado, pois a redução de espaço vital para o domínio do homem, gerou uma situação de notória necessidade, o que impôs a adoção de medidas organizadas e amplos mecanismos de abastecimentos para evitar crises. Entretanto, o aumento da dependência do indivíduo a fatores externos, fez com que o Estado assumisse a competência de adotar medidas que permitissem a subsistência de seus cidadãos. Essa atuação do Estado ultrapassou o processo econômico em funcionamento para formatá-lo em políticas socioeconômicas que garantissem a subsistência dos cidadãos, com salário adequado e sistema de previdência social aos trabalhadores, em sentido mais amplo que simples assistência aos necessitados. Assim, o Estado social de direito consiste em um Estado “que garante a subsistência e, portanto, é um Estado de prestações e redistribuição de riqueza”. Sobre isso, afirma Ernst Forsthoff(1986. p. 43-67) que “si el Estado surge para asegurar unas mínimas condiciones de desarrollo libre y solidario a las personas, es lógico que el Derecho y las Políticas públicas se orienten hacia esa finalidade”.

Essa proteção do estado social estende-se aos cidadãos, precisamente a quase totalidade, uma vez que são incapazes de dominar por si mesmos as condições de existência em uma sociedade industrial. É um Estado orientado à igualdade e sustentado na justiça distributiva (GARCIA-PELAYO, 2005, p. 28-29)

O Estado social, dotado da função redistribuidora,  assume a forma de estado de bem-estar ou de providência, instituindo direitos sociais de proteção ao trabalho, ao desemprego, à saúde, educação entre outras prestações materiais específicas, tornando-se em um regulador da economia e vida pública, regulando as atividades de importação, exportação, as atividades produtivas, regulamentando profissões ( BONAVIDES, 2007. p.186).

O estado social, entretanto, não é um estado socialista, entendido como aquele que controla inteiramente os meios de produção e retira o capitalismo. O elemento caracterizador do estado social constitui-se em uma política de justa distribuição das riquezas produzidas na sociedade, mas mantendo-se ligado ao sistema capitalista de produção, baseado na tributação e na regulamentação para alcançar seus fins (GARCIA-PELAYO, 2005, p33). Constitui-se em um Estado estruturado em uma sociedade industrial, que se desenvolve através da conjugação de crescimento econômico e aplicação do conhecimento tecnológico às questões sociais, impondo o desenvolvimento econômico.

 

1.1 Estado de direito e sociedade

Quando se fala em “estado social de direito” diversos problemas de ordem ontológica e epistemológica surgem, porque tanto a palavra Estado, quanto o direito constituem-se em realidades sociais, não importando a configuração que elejam. Outro impasse refere-se às relações entre o estado social de direito e “Welfare State” ou estado de bem-estar social, ou estado providencia. O primeiro corresponde a um conceito jurídico-normativo, enquanto estado de bem-estar social corresponde a natureza descritiva socioeconômica e política, embora que se verifique certa interdependência

En otros términos, aunque el objetivo o la finalidade perseguida por la incorporación constitucional de la cláusula des Estado social sea uma «apertura de possibilidades» (sin que falten concretiones juridicamente consistentes) hacia formas (notablemente indeterminadas) del Estado de bienestar, ni lo garantiza ni, como habremos de ver, podría garantizarlo sin uma seria desnaturalización de la función constitucional y sin comprometer el Estado de derecho y la democracia pluyralista. Y a la inversa, la consecución de um Estado de bienestar es perfectamente posible sin que la Constitución incorpore cláusula alguna referida al Estado social de derecho e, incluso (al menos em los aspectos materiales de protección ante el infortúnio, acceso a la educación y a la cultura y aseeguramiento de um mínimo existencial) sin que exista uma auténtica Constitución democrática merecedora de tal nombre ( PELAYO, M.G,2005, p. 19-20)

Verifica-se, assim, que não só entendimentos teóricos sobre o estado de direito preservam relação com determinados modelos de Estado, mas também mantém conexões com aspectos específicos de certa sociedade e de como o estado de direito se relaciona com essa sociedade. Assim, a investigação do significado do Estado de direito deve ser interligada à compreensão da sociedade a que está ligada, pois “a toda norma jurídica pertence, como pano de fundo indispensável à sua compreensão, a realidade social em resposta à qual foi concebida, a realidade jurídica quando do seu surgimento, e a realidade social atual face à qual deve operar” (LARENZ, 1997, p. 261-263).

Tanto o Estado social de direito quanto o Estado liberal reportam ao Estado nacional, entretanto se distanciam, quanto à argumentação das relações entre Estado e sociedade (DE GIOGI, 2010, p.9-26). No modelo liberal, o Estado era fundamentado em certos valores expressos por lei abstratas e divisão de poderes, como garantia de liberdade e divisão do trabalho e integração da burocracia. A sociedade apresentava racionalidade espontânea, fundamentada na livre concorrência de mercado. Daí, a não ingerência do Estado, na sociedade, apresentando-se como dois sistemas autônomos, bem delimitados e com interrelações restritas (GARCIA-PELAYO, 2005, p 21-22). Importante destacar que, embora o estado liberal apresentasse dicotomia entre Estado e sociedade, esse modelo teórico era capaz de gerar uma autorregulação racional.

Já o estado social de direito fundamenta-se na premissa que somente o Estado, por meio da regulação e controle estatais pode mitigar as disfunções da sociedade (GARCIA-PELAYO, 2005, p 22-23).

A tese da não ingerência regulatória do Estado na economia, restringindo sua atuação a garantir a seus cidadãos a liberdade, resultou em fracasso, pois a economia livre resultou, sem restrições aos contratos, na exploração da classe trabalhadora.

A conjugação do estado de direito com o estado social resultou no desaparecimento da dicotomia com a sociedade civil e a obrigação de intervir na ordem social, a fim de garantir a igualdade de condições materiais aos cidadãos.

 

1.2 Estado constitucional de direito

Na investigação da mudança do modelo de Estado constitucional de direito na sociedade de riscos deve ser primeiramente delimitada a corrente de compreensão teórica, embora remanesça em seu núcleo a continua busca de limitação e restrição do domínio e poder do Estado em favor da liberdade individual e a efetivação do direito material. Em sua evolução histórica e teórica, o estado de direito incorporou inúmeros significados qualificadores, como social, liberal, democrático, constitucional, provenientes de seu conceito político fundamental, que atrai ideias e requisitos de legitimação do próprio Estado.

Em decorrência dessa multiplicidade de significados, embora a caracterização do Estado de direito consista num conceito-jurídico-normativo, pode ser confundido com uma determinada concepção de Estado ou de sociedade, daí a constante tensão das compreensões teóricas do Estado de direito com a realidade de constituições e sociedades, o que permite o surgimento do risco delas se tornarem constitucionalmente inadequadas por discrepar do texto constitucional ou por não retratar a realidade social.

Apesar disso, torna-se inoportuna a abordagem do Estado de direito sob a ótica jurídico-normativa formal, visando o significado de uma Constituição através da análise estritamente semântica de seu texto ou equiparar o objeto do direito ao da sociologia. A utilidade dos modelos de Estado de direito se verifica por constituir-se em forma de conectar o sentido jurídico ao político e ao social.

As concepções de Estado, que se equiparam às concepções de estado de direito, traduzem questões sociais, conforme uma visão específica de sociedade (HABERMAS, 1998, p.389). Assim, ao modelo de Estado de direito no século XIX, correspondia uma concepção de Estado liberal, levando-se em conta tratar-se de uma sociedade que iniciava a industrialização e desvinculada da hierarquia e tradições. Já o modelo do estado social de direito do século XX, evidencia-se pelas desigualdades oriundas no desenvolvimento da sociedade industrial, orientada por uma forma de Estado de bem-estar social visando a resolver o problema dos conflitos de classe.

Entretanto, verifica-se na sociedade contemporânea o distanciamento das ideias que permeavam ambos os modelos de Estado de direito. A noção de um Estado soberano, a partir do qual decorria toda a regulação, visando o desenvolvimento para a realização de seus próprios fins e as disputas entre classes econômicas, burguesas e operárias foram superadas e substituídas por posições de risco e vulnerabilidade. O próprio conceito de Estado e soberania são contestados em razão da globalização.

Embora nessa transformação da sociedade o Estado assuma uma configuração de Estado de risco, caracterizado pela noção de risco como um de seus principais elementos de definição e atuação dos governos, não significa que o Estado tenha abandonado sua preocupação com os direitos liberais e sociais. Eles se transmutaram, na sociedade contemporânea, para a linguagem da segurança e dos riscos. Por conseguinte, a linguagem dos riscos assume a tônica da tomada de decisões (ROTHSTEIN, H.; HUBER, M.; GASKELL, G., 2006, v.35, n.1, p. 91-112), participando do discurso jurídico através da Constituição, demais textos legais e das decisões judiciais.

Consequentemente, sob o discurso dos riscos politizados, de origens diversas, a segurança se transmuta em direito fundamental e passa a atuar como discurso legitimador das funções do Estado, tornando-o o gerenciador de riscos na sociedade (MOSS, D. A., 2002 p. 49-50).

A compreensão da transformação do Estado constitucional de direito contemporâneo em Estado de risco está diretamente ligada à ideia da legitimação material do Estado, cuja finalidade está atribuída na Constituição e à expansão do conceito de segurança. O Estado de risco apresenta-se como um modelo teórico capaz de superar as contradições do Estado social frente aos desafios do mundo globalizado.

O problema relacionado com a finalidade do Estado está fundamentalmente ligado à legitimação, que se acentua na sociedade contemporânea diante da forma como reage à ideia dos riscos.

Com a mudança de paradigma do Estado liberal para o Estado social, houve a materialização do direito constitucional (HABERMAS op.cit., pp.392-409). Enquanto no Estado liberal, as liberdades liberais reivindicavam uma esfera de autonomia pessoal isentas das ingerências ilegítimas do estado, os direitos sociais requerem a efetiva ação do Estado, pois a maioria dos direitos sociais são de natureza prestacionais, cuja eficácia depende não só da vontade política e da argumentação jurídica, mas sobretudo das possibilidades econômicas e financeiras. Contudo, isso não se traduz na desconstitucionalização das garantias liberais, mas implica em torná-las mais efetivas.

O Estado constitucional, abandonando a dicotomia clássica de sociedade e indivíduo, passando a considerá-los reciprocamente beneficiários, passa a garantir-lhes não só a segurança formal, mas a segurança material (GARCIA-PELAYO, op. cit., p.26).  Por conseguinte, o Estado social de direito traduz, em nível constitucional, como princípio material à realização de sua finalidade junto à justiça social, alcançado pela alteração de sua atuação.

 

1.3 A crise do Estado social

Quando se menciona crise do Estado social de direito pode-se pensar em crise do Estado nacional ou do Estado de providência, gerando a ineficácia do Estado social, como também pode-se dizer a crise do estado social de direito como modelo teórico para a compreensão do direito constitucional. Essas crises, embora de significados diferentes, estão conectadas e produzem reflexos mútuos entre os sistemas. Assim, importante analisar essas interrelações para se determinar de que maneira as estruturas do estado social de direito são atingidas, tanto em seu potencial descritivo do ordenamento constitucional, quanto ao caráter normativo.

O Estado social de direito, abandonando a dicotomia Estado e sociedade, assume a função redistributiva de bens promovido pela lógica da necessidade.

O Estado social, devido seu caráter redistributivo e simultaneamente ligado ao sistema capitalista de produção, extrai seus recursos basicamente da tributação, do endividamento e da exploração do seu próprio patrimônio, sendo que o financiamento recai sobre os tributos (MAURÍCIO JÚNIOR, 2009, p. 82-83; p. 121-122).

No período compreendido entre o final da segunda Guerra Mundial até meados de 1970, verificou-se o crescimento da população ativa, com a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o predomínio de jovens na pirâmide populacional e o pleno emprego técnico na economia, verificando-se, assim, mais contribuintes que beneficiários da seguridade social. Essa reunião de fatores favorecia o amadurecimento do estado de bem-estar nas economias com aceitável grau de desenvolvimento. Mesmo sob forte pressão fiscal, o contexto econômico autorizava a busca da igualdade com recursos estatais sem pôr em risco o sistema macroeconômico ou a competitividade.

Por último, uma presión fiscal fuerte o muy fuerte que, em aquel contexto económico, no ponía em riesgo la compétitividad global del sistema y permitia, sin mayores riesgomacroeconómicos, la persecución de la igualdad a través de los recursos obtenidos por el Estado. (CAMPOAMOR, 2003, p. 147)

A partir de 1973, o problema da má distribuição de renda se agravou, entretanto, os conflitos sociais não aumentaram em decorrência da seguridade social, entretanto, os gastos com o estado de bem-estar aumentaram significativamente, impondo um ônus difícil de ser controlado.

since the rich capitalista countries were far richer than ever before, and their people, on the whole, were now cushiones by the generous welfare and social security systems of the Golden Age, there was less social unrest than might have been expected, but government finances found themselves squeezed between enormous social welfare payments, which climbed faster than state revenues in economics growing more slowly than before 1973 (Hobsbawm, p.403-408).

Teoricamente, a obtenção de recurso é questão externa ao estado, no entanto, com a incidência da crise fiscal, o estado social sofre pressões, pois ou ele aumenta a carga tributária para satisfazer as prestações de redistribuição assumidas, ou reduz essas prestações. Em qualquer caso, a crise fiscal gera crise de legitimação, quer pelos contribuintes, que não desejam o aumento da carga tributária, quer pelos beneficiários da seguridade social, que não querem a redução dos benefícios. Contudo, importante frisar que a crise do financiamento das prestações do estado social não põe em risco suas premissas, já que se constitui em problema externo ao estado de direito. Em outras palavras, a crise fiscal não modifica os fundamentos filosóficos e normativos que justificam o estado social de direito.

O Estado de bem-estar se alicerçava na produção em massa e a organização centralizada do capital e do estado assalariado (GIDDENS, 1994, p. 140), ou seja, quanto maior a produção, maior o consumo, o que aumentava a possibilidade de redistribuição. Este era o contexto do estado de bem estar na segunda metade do século XX, em que ao Estado cabia garantir as condições para que esse círculo continuasse a funcionar, mediante intervenções na economia, pois a lógica da sociedade industrial impõe a busca do pleno emprego, impondo crescimento contínuo, atrelado aos fins do Estado.

Entretanto, essa visão de um crescimento sempre bom começou a mudar, no final do século XX, em decorrência de movimentos difusos ocasionados pela preocupação crescente da sociedade com os riscos tecnológicos.

Atualmente, verifica-se que a produção social de riqueza e produção social de riscos progridem de forma atrelada, o que significa dizer que, se por um lado as necessidades materiais podem ser reduzidas através do desenvolvimento da produtividade tecnológica, esse mesmo desenvolvimento é capaz de gerar perigo e ameaça a própria sociedade (Beck, 1992, p.20).

Com o processo de individualização que se seguiu ao processo de industrialização, verificou-se que as desigualdades sociais não desapareceram, entretanto, se redefiniram em termos de risco e vulnerabilidade, passando os conflitos a apresentarem características de atos discriminatórios (raciais, de gênero, entre outros).

Desta forma, os riscos assumem importante função na justificativa de um Estado de direito baseado em resolução de conflitos de classe e redistribuição de riqueza social. Essa nova lógica de distribuição gera posições de riscos que tem por base, não só coisas palpáveis, como bens de consumo, mas também critérios ligados à vulnerabilidade (BECK,1992, p. 26-27).

 

2 RISCO E SEGURANÇA NO ESTADO DE DIREITO

O conceito de segurança está ligado ao de risco, pois ambos se relacionam com a possibilidade de ocorrer um evento negativo em alguma coisa valorada pelo indivíduo ou pela sociedade (LUHMANN, 2006 p 20). Para Ulrich Beck, a segurança se traduziria no contra projeto normativo da sociedade de risco (BECK, 1992, p. 49).

Entretanto, segundo alerta DI GIORGI (1998. p. 14) não se poderia definir segurança como a ausência de risco, pois esse raciocínio conduziria à ilusão acerca da existência de opções sem risco, quando a alternativa ao risco não corresponde a segurança, mas sim a outro risco. De qualquer forma, a expansão do conceito de segurança no Estado possibilita acompanhar o procedimento de atribuição de caráter jurídico à tecnologia do risco no Estado de direito.

Vislumbra-se que a segurança sempre foi fundamento da justificação do Estado e do Estado de direito. Partindo de uma segurança de ordem interna contra ameaças externas, passando-se por segurança a bens necessários à própria existência , como vida, liberdade e propriedade e pela segurança contra os desequilíbrios sociais promovidos pelo capitalismo, surge outro desafio ao Estado de direito, na sociedade de risco: proteger os cidadãos contra os perigos gerados na sociedade pós-industrial. Embora o Estado mantenha suas funções primárias, nesta nova fase, impõe enfrentar perigos produzidos pela tecnologia. Assim, o sentido de segurança igualmente evoluiu, passando do sentido segurança nacional para segurança jurídica. A partir daí, assume uma configuração de segurança multidimensional, em que conjuga em si a dimensão de segurança social no estado liberal – que se esgotam na autonomia privada, mas agregando componentes por meio de programas legislativos, como alterações na constituição política, para a inclusão de direitos econômicos, sociais e culturais. Ocorre que nessa fase, os riscos da sociedade industrial não se garantem mediante segurança individual, mas devem ser coletivos e sociais. Essa segurança corresponde a uma nova etapa na história do risco, em que se verifica o surgimento da noção de prevenção, que corresponde ao surgimento do Estado social e da sociedade providencial.

Enquanto no Estado de bem-estar preocupava-se com o gerenciamento de riscos, ou seja, alocação de riscos em uma sociedade preocupada com a produção de riquezas, (GIDDENS, 1994, p.137), na fase atual, o conceito de segurança no Estado ampliou-se e passou a ter referencial nos riscos fabricados, oriundos pelo impacto das próprias tecnologias desenvolvidas pela humanidade sobre o mundo. Como afirma Ost (2005, p. 325) chega-se à fase dos riscos enormes, potencialmente irreversíveis, derivados como efeito secundário de nossas próprias decisões, nossas escolhas tecnológicas e julgamentos normativos.

Importante ressaltar que a nova concepção de segurança não facilita o equacionamento dos problemas do Estado de direito frente aos inúmeros focos de conflitos de fundo teórico e prático indeterminados, cuja ferramenta do seguro, entendida como técnica do risco estará indisponível, fato que aumenta a pressão por legitimação das decisões de enfrentamento delineadas pelo Estado.

 

3 O ESTADO DE DIREITO COMO ESTADO DE RISCO E O RISCO NO DISCURSO NORMATIVO E JUDICIAL

Na sociedade contemporânea, o Estado de direito passou a se justificar pela proteção dos riscos aos seus cidadãos, assumindo a forma de um Estado de risco em duplo aspecto. Assim, a proposta do Estado liberal, de um Estado de direito que se preocupa apenas com a proteção dos direitos individuais ante o estado ou cujos fins legitimadores se esgotaram na redistribuição da produção social, como no modelo do Estado social, não mais se adequam à realidade. O Estado de direito assume nova finalidade ligada à proteção dos riscos ligados ao desenvolvimento econômico e tecnológico e interpreta os problemas enfrentados pelo Estado liberal e Estado social na leitura dos riscos.

Apesar de ambos os modelos não se identificarem com o conceito de risco, durante a trajetória de seus programas constitucionais e legislativos, estabeleceram o Estado como gerenciador e distribuidor dos riscos na sociedade, ao impor regras para empresas de responsabilidade limitada, seguros compulsórios em depósitos bancários, responsabilidade ambiental ou proteção aos consumidores, por exemplo.

O Estado de direito contemporâneo procura interpretar a complexidade social através do conceito de risco e justifica-se na justa distribuição da responsabilidade e dos custos dos riscos na sociedade e do controle de riscos por ela não aceitos. Assim, o estado de risco constitui-se simultaneamente em Estado de justiça distributiva e de justiça retributiva.

O estado de risco manifesta-se pelo uso da ideia de risco no discurso normativo e judicial.

A palavra risco é utilizada em vários textos normativos, inclusive da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, referindo-se à redução de riscos aos trabalhadores; regras facilitadas de aposentadorias a servidores especiais, riscos inerentes à exploração do monopólio estatal entre outros. Neste ponto, importante ressaltar que a Constituição estabelece um marco de distribuição de riscos, embora aparente conferir direitos e atribuir competências.

O Supremo Tribunal Federal já destacou que a Constituição Federal “é o marco regulatório por excelência, a balizar as futuras decisões, o que constitui verdadeiro quadro de regulação de risco”( STF, ADIn nº 3.768/DF, 2007).Nesse sentido, o risco vem sendo abordado nas decisões da Suprema Corte do país em diversos temas como aposentadoria dos servidores públicos (STF, ADIn nº 3105/DF, 2005), a pesquisa com células tronco (STF, ADIn nº 3510/DF,2010), responsabilidade criminal (STF. HC 83554/PR. 2005), entre outros.

No entanto, isto não significa que o Estado tenha desistido da preocupação com os direitos de liberdade ou sociais, pois, mais que nunca, o Estado não só deve garantir aos cidadãos direitos ligados às liberdades de locomoção, expressão, empresa, mas também os direitos necessários a uma existência digna, como saúde, alimentação, trabalho, entre outros. Esses objetivos, contudo, na sociedade contemporânea devem ser entendidos segundo os termos da segurança e dos riscos, cabendo ao Estado a responsabilidade e predominância na governança dos riscos sociais.

Assim, verifica-se que, sob a lógica dos riscos, o Estado de direito assimila os direitos liberais e sociais e incorpora os riscos tecnológicos ao rol das garantias fundamentais, o que propicia ao direito ser “continuamente confrontado com o risco em todos os níveis para melhorar as condições de vida dos homens no planeta”( ARGIROFFI et all, 2008, p.281) .

As respostas aos problemas do século XXI, impõe ao Estado pós-moderno atuação que extrapole a técnica ou a segurança jurídica no sentido liberal. Esses novos objetivos impostos ao Estado legitimam a regulação que protege todos aqueles que, sem ter poder de influir nas decisões, suportam os riscos tomados na sociedade.

Os riscos, na sociedade contemporânea relacionam-se com o poder industrial e tecnológico, que correspondem a um hiper poder (EDWALD, 2000, p. 365-379), pois introduzem modificações na relação social. Uma empresa de biotecnologia, por exemplo, pode alterar os alimentos, os animais e a própria estrutura molecular humana. Maior tecnologia pode produzir maior liberdade, mas paradoxalmente também pode gerar mais dependência e maior desigualdade na relação entre produtores e consumidores. Com o crescimento tecnológico, o espaço vital dominado se reduz rapidamente, tornando inviável o ideal liberal de uma sociedade regulada pelos contratos. A proposta de um estado mínimo, que se insere na redistribuição de direitos, poderes e riqueza, pode gerar situação de risco a sociedade, em decorrência de crescimento econômico desregulamentado. Desta forma, a regulamentação estatal deve conviver com um nível razoável de autonomia privada, mas é necessária para coordenar e resolver problemas em ação coletiva.

 

3.1 Os riscos das decisões sobre riscos e legitimação da decretação do isolamento social no Brasil.

Não obstante o Estado regulatório fundamentar-se no caráter público e coletivo dos riscos na sociedade contemporânea, importante ressaltar que, enquanto o risco consiste em um princípio de valorização, também “constitui um princípio de limitação, restrição e proibição” e “quando superavaliado ou subavaliado, o risco rapidamente transforma as experiências humanas em inumanas” (Ewald, 2000, p. 379).

Por inexistir situação livre de risco, a tentativa de equacionamento de um risco conduz a outros riscos. A cada risco corresponde a um valor. Assim, a cada bloqueio ao avanço tecnológico, por exemplo, pode impedir soluções que permitam a melhoria da vida humana, impedir que empresas a funcionar e cidadãos a trabalhar, durante uma pandemia pode sufocar a iniciativa privada, causar desestabilização da economia do país e aumentar o índice de desemprego.

A discussão sobre os riscos não pode se basear em uma situação de risco versus situação de não risco. O debate, assim, deve se desenvolver acerca dos riscos que a sociedade entende toleráveis. O discurso do risco no Estado deve ser feito de forma crítica, observando quais os valores que estão sendo contrapostos e quais formas de poder estão em jogo. Dado o caráter sistêmico dos riscos na sociedade contemporânea, as decisões no Estado tornam-se mais complexas em decorrência de novos graus de contingência, o que demandará maior exigência de legitimação democrática.

Por outro lado, enquanto o risco se torna um conceito organizatório para novos regimes regulatórios, existe um movimento de transformação qualitativa em direção dos chamados “riscos institucionais” que, segundo Rohtstein, Huber e Gaskell (2006, v.35,n1,p. 91-112) corresponderiam aqueles relacionados com as organizações estatais ou não que regulam e gerenciam riscos sociais, principalmente riscos à legitimidade de suas regras e métodos, e que pressiona os atores governamentais ou não, gerando o fenômeno reflexivo de “colonização dos riscos”, o que, por sua vez, resulta na extensiva utilização do termo risco nos processos regulatórios. Em outras palavras, assim como a sociedade de risco é regulatória, esta constitui-se em sociedade de risco, na medida em que gera seus próprios riscos e cria seu discurso de risco. O risco é utilizado para gerenciar não só o objeto da regulação, mas também os limites da atividade regulatória. O conceito de risco passa a ser usado como medida para minimizar as externalidades negativas do próprio processo decisório.

Segundo Beck (op.cit, p. 18) a reflexividade da modernidade implica, entre outros fatores, em uma consciência dos riscos e dos perigos, aos quais todos estão submetidos. Apesar da percepção e da experiencia de riscos e perigos, a sociedade continua a produzir suas decisões e realizando suas operações. Para o autor, a modernidade reflexiva instrumentaliza os atores sociais, ou seja, a sociedade adquire a capacidade de refletir acerca das condições sociais de sua existência e, assim, modificá-las através da política ou da subpolítica.

O indivíduo, na ambivalência da modernidade reflexiva aprende a associar a cada movimento do cotidiano e a cada escolha de consumo uma cadeia de reações, que torna qualquer ação plena de consequências, não só para ele próprio, mas para a coletividade, ainda que esses efeitos, a ameaça e a sua percepção estejam por qualquer forma encobertos.

A prevenção de riscos geralmente se apoia na ideia de que os indivíduos possuem a capacidade de vigiar e de antecipar a ocorrência de eventos indesejáveis. (RABINOW, 1999, p. 145) Entretanto, os riscos ultrapassam os limites temporal e territorial e deslocam o foco da ordem para a dúvida, ou seja, ampliam o domínio do conhecimento e da visibilidade e na mesma proporção o domínio da incerteza. (CASTIEL, 2001).

O estado de risco deve ser compreendido no contexto do estado constitucional, que se traduz em duplo sentido. Por um lado, o risco torna-se um dos principais elementos de definição e medida para justificação e atuação dos governos, por outra faceta, o estado de risco tem que ser compreendido dentro de seu contexto constitucional, gerando, assim, o dever do Estado de ´proteção aos riscos inserido nos contexto dos direitos fundamentais e no princípio democrático.

 

3.2 O estado de risco aumenta o ônus de legitimação do Estado.

Nos últimos meses, no Brasil, tornou-se mais evidente o discurso do risco ao verificar a crise estabelecida pela pandemia do vírus COVID-19, em que o gerenciamento do risco acirrou o debate sobre a legitimidade das decisões governamentais frente aos valores contrapostos da liberdade econômica. A indagação acerca das medidas adotadas de isolamento social ampliado e a possibilidade de adoção de “lockdown” em alguns Estados, até que ponto, podem ser legitimadas frente ao aumento da vulnerabilidade da economia e seu reflexo na população.

A complexidade dos riscos no cenário de pandemia no país ultrapassa a simples questão de combater o alastramento da contaminação com o isolamento social amplificado, em obediência à regulamentação da Organização Mundial de Saúde.

Para iniciar, cada país possui peculiares que vão de variação ambiental a perfil socioeconômico muito díspares.

A decretação de ato regulatório de fechamento do comércio e outros setores produtivos do país deveria ser precedido de análise do impacto econômico, ainda que de forma primária, pois representa quebra de legitimação democrática da decisão e o retrocesso ao Estado como único responsável pelo gerenciamento do risco.

Ao mencionar quebra de legitimação democrática da decisão, não significa seu caráter procedimental, mas a aceitação consciente da escolha da decisão do Estado, por parte da sociedade.

Obviamente, com a decretação do isolamento social, no Brasil, com o fechamento de quase totalidade dos setores produtivos, trata-se de impor à sociedade um agravamento no cenário já deteriorado do mercado de trabalho e das condições econômicas e sociais do país, cujas consequências serão, ao final, arcadas pela própria sociedade.

Com a promulgação da Lei Federal nº 13.874 em 20 de setembro de 2019, verifica-se que o legislador nitidamente pretendeu estimular a atividade econômica por meio de uma menor intervenção do Estado na iniciativa privada, baseando-se, entre outros princípios, na liberdade como garantia no exercício de atividades econômicas. Assim, a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (DDLE) estabeleceu normas e princípios para assegurar a proteção à livre iniciativa, ao livre exercício de atividade econômica e análise de impacto regulatório, este último com objetivo de verificar e analisar a razoabilidade do impacto econômico causado pela alteração de ato normativo da administração pública federal.

Não se discute o acerto ou erro na decretação do isolamento social, mas a elaboração crítica acerca das tomadas de decisões de riscos de isolamento social, com o fechamento do setor industrial e comercial, vulnerabilizando a economia do país.

Nesse contexto, o teor do julgamento da medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF 669 MC/DF, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 31 de março de 2020 evidencia o risco da decisão sobre riscos.

A Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 669, cujo pedido versou contra a contratação e veiculação da campanha publicitária pela União afirmando “O Brasil Não Pode Parar”, sem adentrar à discussão política e acerca de utilização de verba pública para programa ou ainda questionar decisão da Suprema Corte  do país, evidencia a utilização do risco como medida para minimizar os efeitos do próprio processo decisório.

O conteúdo da campanha publicitária, veiculada nas redes sociais, defendia o isolamento vertical, em que somente pessoas maiores de 60 anos e pessoas que possuíam outras doenças ficariam em quarentena, contendo o texto:

Para quem defende a vida dos brasileiros e as condições para que todos vivam com qualidade, saúde e dignidade, o Brasil não pode parar. Para todos os demais, distanciamento, atenção redobrada e muita responsabilidade. Vamos com cuidado e consciência, voltar à normalidade”

Da leitura do voto que concedeu a liminar na ação (STF,ADPF/MC 669,2020), verifica-se que a questão do risco na pandemia de COVID-19 está mais relacionada à incapacidade do sistema de saúde absorver o contingente de pacientes infectados, que resguardar a saúde da população ou analisar o impacto econômico que um isolamento social pode causar na população de um país com retração de mercado, uma vez que o conteúdo da campanha publicitária era de minimizar este impacto.

Ao estabelecer na decisão a inexistência de dicotomia entre proteção à saúde e à economia e conjecturar que a supressão das medidas de distanciamento social no país poderá “(…) ser compreendido como uma ameaça aos (países) que o estão combatendo, passando a correr o risco de isolamento econômico”(BARROSO,ADPF/MC 669,2020), restou evidente a extensiva utilização do risco no processo regulatório.

Na sociedade contemporânea, esse tipo de discurso de risco versus precaução, em que o Estado assume a responsabilidade pelo gerenciamento do risco, afastando a sociedade do centro decisório, não é compatível com o Estado constitucional, que deve observar o princípio democrático.

Na situação que se apresenta, observa-se a tentativa de proteger o sistema de saúde precário, fruto do ostracismo de políticas públicas eficazes, sob o argumento de proteção à saúde, desconsiderando a capacidade da sociedade de refletir acerca das condições e consequências do teor da própria decisão.

Qualquer que fosse o resultado do julgamento, deveria ser precedido da elaboração de estudo de impacto social e econômico, ainda que de forma incipiente, pois os efeitos negativos da decisão certamente implicam no aumento da vulnerabilidade, quer da sociedade, com a retração ainda maior do mercado de trabalho, por exemplo, como põe em risco a própria governabilidade do Estado, com aumento de gastos públicos com pagamento de auxílio emergencial, compras de aparelhamento do setor hospitalar, frente à visível diminuição das receitas oriundas dos impostos, em decorrência do fechamento do setor industrial e comercial do país, devido à pandemia de COVID-19.

A decisão pelo isolamento social ou vertical deveria ser legitimada pela sociedade, pela liberdade de escolha, em se submeter ao isolamento social ou permanecer em atividade laboral, através da conscientização que se trata de uma crise sanitária, através de ampla informação dos cuidados com higiene e métodos de distanciamentos para evitar contágio.

 

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente artigo permitiu debater alguns dos conceitos e noções essenciais da teoria da sociedade (mundial) de risco de Ülrich Beck, de modo a refletir sobre o seu potencial interpretativo, em face do tema da emergência da pandemia de COVID-19 através da análise da decisão da medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF 669 MC/DF, em que se trouxe algumas reflexões acerca do isolamento social frente a vulnerabilidade da economia em decorrência do fechamento dos setores econômicos do país.

A proposta de conciliação entre o paradigma social dos riscos e a teoria da constituição desenvolvida neste trabalho é construída por meio do modelo teórico do estado de risco. O estado de risco deve ser compreendido no contexto de uma fórmula de estado constitucional, o que traz um duplo significado. Por um lado, o risco torna-se um dos principais elementos de definição e medida para justificação e atuação dos governos. Mas, por outro lado, o estado de risco não pode ser compreendido fora do contexto constitucional em que está inserido. Essa posição traz uma importante consequência, pois o dever do Estado de proteção aos riscos não deve ser implementado como se o sistema de direitos fundamentais e o princípio democrático não existissem. Dessa forma, o estado de risco aumenta o ônus de legitimação do Estado.

O Estado de risco manifesta-se pelo uso da ideia de risco no discurso normativo judicial, com a utilização da palavra risco em vários textos normativos, inclusive na Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, quanto à segurança e risco cabe ao Estado sua responsabilidade e a predominância na governança dos riscos sociais, mas convivendo com razoável nível de autonomia privada.

Por inexistir situação livre de risco, a tentativa de equacionamento de um risco conduz a outros riscos. A cada risco corresponde a um valor. Assim, a cada bloqueio ao avanço tecnológico, por exemplo, pode impedir soluções que permitam a melhoria da vida humana, impedir que empresas a funcionar e cidadãos a trabalhar, durante uma pandemia pode sufocar a iniciativa privada, causar desestabilização da economia do país e aumentar o índice de desemprego.

A discussão sobre os riscos não pode se basear em uma situação de risco versus segurança. O debate, assim, deve se desenvolver acerca dos riscos que a sociedade entende toleráveis, dentro de um discurso de forma crítica, com observância aos valores que estão sendo contrapostos.

Através da reflexividade moderna, a sociedade adquire a consciência dos riscos aos quais está submetida.

O Estado de risco deve ser compreendido no contexto do Estado constitucional, que se traduz em duplo sentido. Por um lado, o risco torna-se um dos principais elementos de definição e medida para justificação e atuação dos governos, por outra faceta, o estado de risco tem que ser compreendido dentro de seu contexto constitucional, gerando, assim, o dever do Estado de ´proteção aos riscos inserido nos contexto dos direitos fundamentais e no princípio democrático

Nos últimos meses, no Brasil, tornou-se mais evidente o discurso do risco ao verificar a crise estabelecida pela pandemia do vírus COVID-19, em que o gerenciamento do risco acirrou o debate sobre a legitimidade das decisões governamentais frente aos valores contrapostos da liberdade econômica e decretação de isolamento social.

Sem qualquer pretensão de discussão sobre erro ou acerto na decretação do isolamento social, mas trazer algumas reflexões sobre a vulnerabilidade da economia do país, comentários acerca das tomadas de decisões de riscos de isolamento social, com o fechamento do setor industrial e comercial, vulnerabilizando a economia do país. Assim, focaliza-se na decisão da Medida Cautelar na arguição de descumprimento preceito fundamental – ADPF 669, cujo conteúdo, veiculado nas redes sociais, que defendia o isolamento vertical.

Qualquer que fosse o resultado do julgamento em epígrafe, deveria ser precedido da elaboração de impacto social e econômico, com vistas a conter a vulnerabilidade quer da sociedade, quer do Estado, este implicando a própria governança.

Através da ambivalência da modernidade reflexiva, cada indivíduo apreende a associar a cada escolha uma cadeia de reações, ampliando o domínio do conhecimento e da visibilidade, o que o torna capaz de exercer a liberdade de escolha na tomada de decisão, sopesando os valores que estão sendo contrapostos.

No caso da ADPF 669/DF, a decisão evidenciou o uso extensivo do risco no processo regulatório, evidenciando o risco nas decisões de risco, na medida que o cunho decisório deixou de observar o princípio democrático da liberdade de escolha da sociedade, fornecendo a legitimação do teor da tomada de decisão, o que implicaria em maior acatamento das normas de distanciamento social e uso das medidas de proteção contra contágio, o que certamente, implicaria na redução do número de infectados e, ainda, não imporia mais uma vez e arbitrariamente à sociedade, a conta pela vulnerabilidade econômica do país.

 

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[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ? PUC/SP (2009), aprovado com distinção e reconhecimento da pesquisa. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ? PUC/SP (2005), sob a orientação do Prof. Catedrático Dr. Hermínio Alberto Marques Porto, sendo aprovado com o conceito máximo e com voto de louvor por unanimidade da Banca Examinadora. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Cuiabá ? UNIC (2002). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso ? UFMT (2000) com a maior Média Geral entre os concluintes das universidades federais, recebendo Láurea Acadêmica. Mestre em Engenharia Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ? PUC/Rio (1991). Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso ? UFMT (1988). Atualmente é Professor Adjunto da Graduação e do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). É professor convidado dos cursos de especialização da COGEAE-PUC/SP e de cursos de aperfeiçoamento jurídico em várias outras instituições do ensino do Direito. É associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Possui experiência na área do Direito, com ênfase para Direito Processual Penal, Direito Penal, Direito Constitucional e Direitos Humanos. Possui experiência em gestão, modelos e avaliação acadêmica de Cursos de Direito, através da atuação como membro integrante e consultor em Conselhos de Ensino e Pesquisa universitários, de Conselhos Departamentais e de Curso, ainda como Coordenador de Curso de Graduação, além do exercício de supervisão de Núcleos de Prática Jurídica (NPJ) e de Núcleos de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pesquisador CNPq. Email: [email protected]

[2] Mestranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas , sob a orientação do Prof. Dr Hamilton da Cunha Iribure Junior Graduado em Direito pela Faculdade de Campinas ( FACAMP) em 2016 É associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Possui experiência na área do Direito, com ênfase para Direito Constitucional,Processual Civil, Direito Civil, Direito de família, e Direitos Humanos. Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)e sócia do escritório Pomarico, Lacerda & Rocha Advogados Associados. Pesquisador CNPq.Email: [email protected]. Telefone: (35) 997384741 endereço Av. Justino Ribeiro, 171, apto nº 112, Jardim dos Estados, Poços de Caldas- MG

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