Ativismo judicial: common law e civil law

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Resumo: O presente trabalho analisou que a atuação do Supremo Tribunal Federal em matérias que não são de sua competência representa uma função atípica de uma corte constitucional, bem como transforma o Tribunal em um legislador positivo. Certamente, a recepção desenfreada de técnicas estrangeiras não é adequada a um Estado de Direito, isto porque a tradição brasileira aos poucos apaga as raízes históricas do civil law, mediante a instituição relativizada de mecanismos do common law. Por certo, o efeito vinculante não deve prevalecer frente à interpretação do direito, uma vez que o tratamento igualitário em casos iguais, por um lado efetiva o princípio da igualdade perante à jurisdição, mas o mesmo entendimento em casos análogos ofende os valores tutelados no Ordenamento Jurídico.

Palavras- chave: Ativismo judicial. Precedentes judiciais.

Abstract: The current study that follows examined the role of the Brazilian Supreme Federal Court on matters which are not related as its competence, represents an atypical function of a constitutional court , as well as it transforms the court into a positive legislator. Undoubtedly, the uncontrolled foreign techniques acceptance is not appropriate to a State of Law, which happens because the Brazilian tradition gradually erases the historical roots of the Civil Law, towards the regarding institution of mechanisms from Common Law. Certainly, the binding effect should not prevail against the interpretation of Law, since the equivalent treatment in similar cases, on one hand makes the principle of equality effective under the jurisdiction, but the same understanding in analogous cases offends the values protected by the Legal System.

Keywords: Judicial activism; judicial precedents.

1 CONTROLE JUDICIAL NO DIREITO COMPARADO

A supremacia constitucional é um dos principais traços do constitucionalismo, cuja estrutura jurídica não prescinde de uma democracia fundada na Constituição. Assim, pode-se afirmar que a Constituição Americana de 1.787, conforme vista na abordagem teórica, teve influência dos pensamentos de Locke e Montesquieu.

O controle de constitucionalidade, direito fundamental, é definido a partir da adaptabilidade do sistema de preceitos constitucionais. Desse modo, incumbe ao magistrado, frequentemente, controlar a constitucionalidade da lei, enquanto garantia mínima de um Estado de Direito.

Assim, o ato normativo, cuja redação seja contrária à Constituição, refere-se o que a doutrina denomina de inconstitucionalidade. Pode-se afirmar que toda norma oposta ao texto constitucional não prescinde de um vício formal ou material no procedimento de formação e elaboração da lei.

Na Constituição Brasileira, o artigo 59 define o processo legislativo, cuja literalidade prevê a elaboração de emenda à Constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.  Como se nota, o constituinte originário prescreve o trâmite de cada ato normativo, sendo que a sua inobservância autoriza o ajuizamento de ação declaratória de inconstitucionalidade. 

Conforme ensina Miranda (1999, apud FIUZA, 2004, p.282): “Ocorre a inconstitucionalidade se presente a relação entre a Constituição e o comportamento que não lhe é conforme, que, com ela, é incompatível ou que não cabe no seu sentido”.

No Direito Português, verifica-se que há três formas de inconstitucionalidade: a orgânica, formal e material. A primeira ocorre quando um ente federativo legisla matéria de competência exclusiva da União. Quanto à segunda, nessa hipótese, ocorre a inobservância do processo legislativo. Por último, incide a inconstitucionalidade material, quando o conteúdo da lei seja contrário ao direito substancial, como, exemplo, a elaboração de um ato normativo ofensivo às cláusulas pétreas.

Para Silva (2010, p.46): “o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição Federal. […] agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição”.

Desse modo, o pensamento do professor configura a célebre decisão americana, Marbury Vs. Madison, já comentada anteriormente, em que o juiz John defendia a prevalência hierárquica da norma constitucional sobre a lei ordinária. Assim, o magistrado sustentava que o procedimento de modificação constitucional não deveria ser o mesmo de uma lei ordinária, visto que toda lei contrária aos preceitos constitucionais seria nula.

O controle judicial, na lição de Cruz (2004), aproxima-se ao pensamento de Habermas (1997 apud CRUZ, 2004), isto porque para ele, o judicial review, constitui uma aplicação de um discurso referido à determinado caso concreto. Sob o aspecto filosófico, Habermas (1997) preceitua que, o controle de constitucionalidade, via exceção, insere a concretização dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional democrática.

O jurista Clève (2000) preceitua a importância de inserir a Constituição não apenas a partir do princípio da supremacia, mas interpretá-la na dimensão substancial dos direitos fundamentais. Compreende-se que o pensamento do autor não afasta a ideia da Constituição como elemento de ordem fundamental, cujo controle judicial efetue o disposto no art.5§1° da CF. Conforme acentua o autor:

“[…] não se exige apenas a compatibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores definidores do modo de produção das normas jurídicas, mas também a observância de sua dimensão material” (CLÈVE, 2000, p.25-26 apud CARVALHO, 2011, p.320).

A Constituição rígida, em sua classificação, define uma exigência, cujo sistema jurídico deve adequar-se com os princípios e preceitos constitucionais. Certamente, a garantia constitucional revela que o controle judicial não prescinde de nenhuma tradição, vez que grande parte doutrinária salienta que a segurança jurídica é prevista nas constituições rígidas.

Para Ferreira Filho (1989, p.29-30 apud CARVALHO, 2011, p.321):

“[…] real distinção entre rigidez e flexibilidade constitucionais […] implica a existência de um controle de constitucionalidade, e onde este não foi previsto pelo constituinte, não pode haver realmente rigidez constitucional […]”.

Por certo, pode-se presumir que a supremacia constitucional fortalece a Constituição em seu aspecto substancial. A norma constitucional é a essência de toda moldura normativa, cuja obediência ao comando constitucional se traduz no fundamento de validade e existência de todo Ordenamento Jurídico.

Para Silva (2010, p.46), a supremacia da Constituição resume-se no seguinte escrito: “Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais […]”.

Neste tocante, vale registrar a ideia de Lassale (1980 apud CARVALHO, 2011), pois, para o autor, a Constituição é a reunião de todas as circunstâncias fáticas que formam o Estado, caso a norma constitucional não se adequar quanto à efetividade lógica e real, sua essência e validade não seriam mais do que uma simples folha de papel. Ou seja, para o autor a Constituição, não deveria ser reduzida ou encerrada a uma mera folha de papel, mas como princípio correspondente à mutação social.

Desse modo, é por isso que a decisão do direito se encontra equilibrada quando se inicia a partir de sua base histórica cumulada com a normativa. Isto porque a Constituição deve ser interpretada à luz das circunstancias filosóficas e sociológicas.

A Constituição determina diretrizes fundantes de um Estado constitucional, ou seja, no pensamento do jurista alemão Hesse (1992), a compreensão axiológica das normas constitucionais insere um planejamento protetivo, cuja finalidade da norma constitucional seria captar os valores de cada novo momento das relações sociais.

Para o professor Carvalho (2011, p.324): “[…] os fundamentos do controle de constitucionalidade, por órgãos judiciários, foram lançados pelo Chefe da Corte John Marshall, em 1803, no julgamento do caso Marbury Vs. Madison”. Ainda, salienta:

“nessa decisão, consolidou-se a regra da nulidade, em que qualquer ato normativo em desconformidade com a Constituição seria passível de nulidade” (CARVALHO, 2011, p.324-325).

Vale registrar que a Teoria Discursiva de Habermas (1997 apud CRUZ, 2004), conforme preceituada nos parágrafos acima, classifica o controle judicial em duas modalidades: a primeira, explica o controle como instrumento adequado a um Estado constitucional. No segundo, para ele, tal atividade jurisdicional fortalece a legitimidade constitucional da corte.

2 CONTROLE DIFUSO

A consolidação do controle judicial, no decorrer da evolução constitucional, representa uma forma dos direitos mínimos ou fundamentais serem realizados por meio do controle de constitucionalidade. O que mostra nos julgados do STF acerca das pesquisas com células-tronco, anencefalia e o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Essas questões, conforme compreende Marmelstein (2008), corresponde o aumento do judiciário na solução de matérias de direitos fundamentais em sede de controle judicial.

O desenvolvimento do controle de constitucionalidade permite que se formule a seguinte pergunta: Qual a jurisdição constitucional que o Direito Brasileiro se insere atualmente? Desse modo, as Constituições Brasileiras, inclusive a Constituição de 1988, aos poucos consagraram uma jurisdição americanizada, fundada na relativização de técnicas processuais constitucionais do direito comparado.

O modelo difuso consiste no controle de constitucionalidade realizado por qualquer juiz ou tribunal, prescindindo-se de um processo exclusivo para tal propositura. Os diversos instrumentos constitucionais de controle judicial são considerados uma das diferenças quanto às outras tradições espalhadas pelo mundo. O mandado de segurança, o habeas corpus, a ação popular, o mandado de injunção, a ação civil pública e o habeas data configuram-se mecanismos de tutela dos direitos mínimos previstos na Constituição da República.

O Professor Silva (2010) esclarece a peculiar distinção entre o sistema jurisdicional difuso e concentrado. Para ele, na primeira modalidade, insere competente a todos os membros do Poder Judiciário, enquanto, no segundo módulo, implica com exclusividade a competência atribuída a uma corte constitucional.

O controle por via de exceção corresponde ao modelo difuso, em que os legitimados podem controlar a constitucionalidade da lei a partir de um caso concreto. A primeira Constituição Republicana de 1.891 manteve o controle difuso, e alguns aspectos do modelo concentrado europeu, este exercido pelo Supremo.

Para Silva (2010, p.51) “[…] o sistema se afastara do puro critério difuso com a adoção de aspectos do método concentrado, sem, no entanto, aproximar-se do europeu”.  Por outra via, Bonavides (2010, p.297) preceitua: “[…] o controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico”. Desta forma, para Silva (2010) o controle jurisdicional configura a competência imposta ao Tribunal Constitucional de verificar se o ato normativo está compatível com a constituinte.

Neste sentido, a prerrogativa de controle jurisdicional, conferida ao Poder Judiciário, insere-se traduzida na lição de Barbosa (1987 p.83 apud BONAVIDES, 2010, p.298): […] “o controle formal pode exercer-se juridicamente, e a justiça que o desempenha é, com efeito, um poder de hermenêutica e não um poder de legislação”.

Vale registrar algumas considerações do método incidental, em sede de controle difuso, significa afirmar que, incidentalmente, será declarada a validade de ameaças contra o direito subjetivo estampado na norma, e não a declaração de inconstitucionalidade (CRUZ, 2004).

A partir daí, com a célebre decisão americana, o controle de constitucionalidade passa a ser exercido por todo juiz, sendo necessária a indicação na sentença a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.  

O Supremo Tribunal Federal decidiu que não se aplica o efeito ex nunc na declaração de inconstitucionalidade, vez que a Corte pacificou o entendimento de que no controle difuso somente se aplica o efeito ex tunc, ou seja, a aplicação é retroativa, mas não erga omnes.

Em sede de ação direta de inconstitucionalidade, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Em se tratando de lei municipal, o controle de constitucionalidade se faz, pelo sistema difuso e não concentrado ou seja, apenas no julgamento de casos concretos, com eficácia inter partes e não erga omnes, quando confrontado o ato normativo local com a CF. O controle de constitucionalidade concentrado, nesse caso, somente será possível, em face da Constituição dos Estados, se ocorrendo a hipótese prevista no §2° do art. 125 da CF. (ADI 209, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 20/05/1998, Plenário, DJ de 11/9/1998)” (BRASIL, 2011, p.1240).

A doutrina classifica a via de exceção em controle clássico e coletivo, na primeira espécie, ocorre o controle jurisdicional inter partes, enquanto na segunda modalidade, incide o controle difuso nas ações coletivas, como, por exemplo, nas ações civis públicas (CARVALHO, 2011).

Pelo exposto, o Direito Brasileiro autoriza a todos os juízes e tribunais a competência de verificar a inconstitucionalidade das leis e de qualquer ato normativo.

3 CONTROLE CONCENTRADO

Após uma abordagem dos principais traços da via difusa, passa-se a análise do controle judicial via ação ou concentrado. Tal controle visa extrair da Constituição da República uma lei ou ato normativo considerado inconstitucional. Percebe-se, com esse conceito, que a espécie abstrata ou concentrada autoriza o STF a função de julgar originariamente ações autônomas. Então, com o advento da Constituição de 1988, o Supremo passa a ser o órgão competente para apreciar toda matéria contrária ao comando constitucional.

Como o propósito do tema restringe-se acerca da aproximação das culturas, não serão investigados, especificadamente, os principais conceitos de cada ação do controle abstrato, mas serão feitos alguns apontamentos.

O STF é o único tribunal competente para realizar o controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que os efeitos da declaração são erga omnes. Conforme decidido pela Ministra Carmem Lúcia:

“A Lei 8.223/2007, decretada e sancionada pelos Poderes Legislativo e Executivo do Estado da Paraíba, não pode ter o controle de constitucionalidade realizado pelo CNJ, pois a CR confere essa competência, com exclusividade, ao STF. (AC 2.390MCREF, Rel.Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19/8/2010, Plenário, DJE de 2/5/2011)” (BRASIL, 2011, p.1217).

Para Habermas (1997), as decisões de Tribunais Constitucionais incidem em um questionamento quanto ao controle concentrado, isto porque não é função de uma Corte Constitucional atuar como um legislador político.

Desse modo, a competência para discutir o controle abstrato é de prerrogativa do Legislativo, e não da Corte Constitucional verificar mediante ação direta a inconstitucionalidade de um ato normativo (HABERMAS, 1997). Para o autor, o Legislador é competente quando a lei não captar o sentido valorativo incorporado na Constituição, adequando o ato contrário ao texto constitucional por força da legitimidade e democracia.

Consoante, afirma Habermas (1997, apud CRUZ, 2004, p.247):

“[…] entende que o legislador político deve captar/processar as mensagens advindas do controle concreto da constitucionalidade das leis e, ao reconhecer que sua argumentação normativa não foi filtrada.”

Se para Habermas (1997), o controle judicial incide no caso concreto, com fulcro nos direitos fundamentais, como que ocorre um caso concreto na via abstrata? Sabendo que, o Judiciário deve apreciar as normas, fatos e valores, conforme preleciona Reale (2002).  Então, percebe-se que a instituição do controle, na via abstrata, não é ajustada ao Estado que se pretende ser constitucional, pois seria o mesmo que admitir a função legislativa do Supremo Tribunal Federal.

Para Cruz (2004), o objeto do controle abstrato representa uma reconstrução da normatividade, vez que, nesta modalidade, não há um caso concreto e que o controle concentrado seja utilizado como forma de estabilização das relações jurídicas a partir do controle concreto ou difuso. Assim, leciona Cruz (2004, p.249): “a despeito de sua generalidade e abstração, a decisão na via abstrata não é uma lei, ou seja, produto de um discurso normativo de justificação”.

Considera-se objeto da via de ação o controle de atos normativos compreendidos como: regimentais e legislativos. Conforme previsto nos precedentes do Supremo:

“Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função  regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo STF. O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas de uma parcela dela, a função legislativa (ADI 2.950 AgR, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 6-10-2004, Plenário, DJ de 9-02-2007)” (BRASIL, 2011, p.1226).

Vale ressaltar que o velho e bom Kelsen (1985) foi o criador do controle concentrado. Para ele, tal controle jurisdicional deve se inserir, exclusivamente, a um tribunal, pois a Constituição, ao regulamentar o controle de constitucionalidade, deve apenas atribuir esta prerrogativa a um órgão jurídico. Para o jurista, o controle de constitucionalidade incide por meio do ato impugnado e mediante preceito constitucional, o que de fato representa a ideia principal da via concentrada (MARTEL, 2005).

Silva (2010), em sua clássica obra Curso de Direito Constitucional Positivo, leciona que o controle concentrado se instaura na questão de inconstitucionalidade e não a partir da lei em tese. Um dos marcos do controle concentrado, no Brasil, foi a EC n° 16 de 1965, cujo ato atribuiu ao STF a competência de julgar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos.

Tal modelo de constitucionalidade é recepcionado no direito europeu, em que compete ao tribunal constitucional a finalidade de julgar a declaração de inconstitucionalidade em tese, ou seja, prescindindo-se de um caso concreto.

Quanto à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, esta modalidade representa uma das discussões em nível de direito comparado, visto que se refere quanto à omissão dos outros Poderes acerca do disposto na Constituição. Isto porque, na omissão do Legislativo e Executivo, o Judiciário pode se fazer valer do controle abstrato de normas. Vale ressaltar que, sem grandes antecipações, a descrição do dispositivo acima alcança a mesma eficácia das súmulas vinculantes, o que de fato autoriza o levantamento de alguns questionamentos acerca de sua instituição no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Isto porque a súmula vinculante não é vista como objeto de controle judicial e tal instituto não tem força normativa.

Para o Supremo Tribunal Federal:

“A súmula, porque não apresenta as características de ato normativo, não está sujeita a jurisdição constitucional concentrada. (ADI 594, Rel.Min. Carlos Velloso, julgamento em 19 /02/1992, Plenário, DJ de 15/04/1994). No mesmo sentido: RE 584,188 AgR, Rel.Min. Ayres Britto, julgamento em 28/09/2010. Segunda Turma, DJE de 3/12/2010 (BRASIL, 2011, p.1229).”

O significado real do controle concentrado incide na uniformização da jurisprudência do STF, as decisões da Corte brasileira, apesar de julgar matéria infraconstitucional, insere efeitos vinculativos em todo Poder Judiciário, mediante o controle via ação. Ou seja, como que o Direito Brasileiro adotou um sistema de controle heterogêneo, não há necessidade de um sistema de súmula vinculante, pois esta pesquisa não recepciona a adequação do controle concentrado como via abstrata, mas apenas pela uniformização do controle difuso de constitucionalidade, sem efeitos vinculantes (stare decisis) e do controle concentrado, com efeito vinculativo e erga omnes, exclusivamente, nas ações diretas de inconstitucionalidade.

Por outro lado, como defende Marinoni (2011), é correta a manutenção de apenas o controle concentrado, mas como plena observância de um caso concreto, ou seja, da via difusa. O Supremo deveria partir do caso concreto (controle difuso) para em sede de controle concentrado atribuir efeitos erga omnes em todo Poder Judiciário e não instituir o mesmo efeito mediante ações autônomas que, na verdade, visam apenas reparar a constitucionalidade da norma, como típica função do Poder Legislativo.

No pensamento de Kelsen (1985, p.288-290 apud MORAES, 2010, p.735):

“Se a constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico. […] Se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira- quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito.”

Frente às duas espécies de controle de constitucionalidade, em quase toda tradição jurídica, adotou-se a regra de Marshall, principalmente no Direito Brasileiro, conforme visto nas páginas anteriores. Então, o controle judicial foi o marco referencial que consolidou o stare decisis no common law.

O controle de constitucionalidade, instituído a partir da doutrina americana foi adotado no Direito Português junto com o controle misto de constitucionalidade. Nessa modalidade, o ato constitucional é realizado pela interferência dos três Poderes do Estado, cujo sistema também é adotado na Áustria e Espanha (MARINONI, 2011). O controle misto é realizado por um órgão específico composto por integrantes do judiciário e de outros órgãos públicos. Como acontece no Brasil, cujo sistema é difuso, mas a Constituição autoriza o controle concentrado nas matérias previstas anteriormente.

Ambos os sistemas surgiram em circunstâncias jurídicas diferentes. O difuso surgiu pela primeira vez nos julgados dos EUA, enquanto ao modelo austríaco, influenciado pela doutrina Kelseniana, prevaleceu mesmo diante da influência americana após a segunda guerra mundial. Ainda nesta questão, aduz Cappelletti (1999, p.71): “na Alemanha e na Itália, Países em que, como é sabido, encontramos hoje um sistema não difuso, e sim, “concentrado” de controle, existiu uma ainda que breve experiência de controle de tipo americano”.

Como se vê, para a Constituição alcançar sua legitimidade não prescinde a defesa de um Tribunal Constitucional, cuja jurisdição da Corte direciona os principais traços para a efetividade e garantia da norma constitucional.

Para Enterría (2001, p. 121-186 apud CARVALHO, 2011, p.339): “Uma Constituição sem um Tribunal constitucional é uma Constituição ferida de morte, pois é no Tribunal Constitucional que a Constituição deposita suas possibilidades e seu futuro”.

A expansão da jurisdição constitucional, frente aos principais acontecimentos históricos, inclusive do célebre caso Marbury Vs. Madison, consolidou-se nas tradições Romano-Germânica e Anglo-Saxônica, com a relativização de instrumentos clássicos de controle judicial.

Uma das peculiaridades da Constituinte de 1988 é a diversidade jurisdicional, uma vez que o controle de constitucionalidade representa a aproximação relativizada da cultura brasileira com o common law americano e europeu.

O Supremo consolidou, ao preceituar a duplicidade do controle de constitucionalidade, a relativização americanizada do judicial review. Conforme o seguinte precedente:

“À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19/10/2006, Plenário, DJ de 17/11/2006)” (BRASIL, 2011, p.1226).

Pelo exposto, para Marinoni (2011) num sistema que não rege os precedentes há apenas uma única alternativa: a regra do controle concentrado de constitucionalidade, cujo efeito seria erga omnes e vinculativo. Desse modo, o controle judicial atende a exigência constitucional do §2° do art.102 da Constituição, em que prevê os mesmos efeitos na ADC e ADIN. Assim, para o jurista, o controle difuso com eficácia vinculante não é o mais apropriado em um sistema que não rege a tradição dos precedentes. Então, vale reforçar que, uma corte constitucional deveria realizar o controle via ação a partir do controle difuso, cujas vantagens seriam típicas de um tribunal constitucional, ou seja, estabilidade e previsibilidade jurisdicional. E não a partir de súmula com efeito vinculante e controle judicial (difuso), instituído pelo stare decisis.

Apesar da Constituição Brasileira prever o controle concentrado, sua utilização abstrata seria adequada no Poder Legislativo, visto que o Supremo deveria partir do controle difuso para aplicar o discurso normativo em sede de controle concentrado (HABERMAS, 1997 apud CRUZ, 2004).

Vale registrar o seguinte precedente da Corte brasileira:

“O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o STF, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o STF, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador. (ADI 1.063/MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18/5/1994, Plenário, DJ de 27/4/2001)” (BRASIL, 2011, p.1244).

Desse modo, as decisões do STF, proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade e constitucionalidade produzirão efeito erga omnes e vinculativos (§2° do art.102, CF). Em face do direito comparado, alguns sistemas não geram eficácia vinculativa na ação declaratória de constitucionalidade, isto porque os efeitos da declaração poderiam impedir a evolução jurisprudencial. Não faz sentido instituir efeito vinculativo na ação declaratória de constitucionalidade. O que permite o desenvolvimento de novas interpretações acerca da decisão proferida pelo Supremo. Então, quanto ao efeito na ação de inconstitucionalidade é comum a atribuição erga omnes e vinculativo. O problema encontra-se na atribuição de efeito vinculativo à ADC e súmula, pois a vinculação de decisões pretéritas impede uma posterior interpretação constitucional e o cerceamento da independência do juiz.

Neste sentido, aduz Cruz (2004, p.405): “[…] pode-se ver que, em diversos países, o efeito vinculativo só se faz presente quando se declara a inconstitucionalidade […] para não causar qualquer “congelamento” jurisprudencial”.

O controle concentrado de constitucionalidade na forma da Constituição e nas decisões do STF, ao contrário de reconstruir um ato normativo, em ação declaratória de constitucionalidade (via abstrata), sua jurisdição constitucional seria adequada à função típica do Poder Judiciário caso não atribuísse efeito erga omnes e vinculativo às ações de ADC e súmulas vinculantes, como acontece no modelo português.

4  CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: DIREITO COMPARADO

Aqui, pretende-se destacar os principais conceitos do controle de constitucionalidade em Portugal. Em breves traços, compete ao Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e legalidade nos termos da Constituição Portuguesa. Para Carvalho (2011, p.358): “O controle de constitucionalidade, em Portugal, pode denominar-se de misto. […] em setor dedicado à garantia da Constituição trata da fiscalização da constitucionalidade, que se exerce pela jurisdição difusa e concentrada”.

Assim, a doutrina salienta quanto à existência de três espécies de controle normativo. O primeiro ato é o preventivo, ou seja, se aplica antes da promulgação da lei, sendo que a lei lusitana prevê a interferência do Tribunal Supremo para se manifestar, pois caso a Corte decidir pela inconstitucionalidade o Chefe do Executivo deverá vetar o projeto de lei (FIUZA, 2004).

No segundo ato, o controle concentrado, o Direito lusitano autoriza recurso direto para o Tribunal Constitucional das decisões de primeira e segunda instância, cuja matéria alegada seja a inconstitucionalidade de lei. Assim, ao juiz português compete controlar, repressivamente, o ato normativo, mas não prescinde do Tribunal supracitado a declaração de inconstitucionalidade.

Por último, na inconstitucionalidade por omissão, a Constituição lusitana, no artigo 283 autoriza que mediante solicitação do Presidente ou do provedor de justiça, o Tribunal já citado aprecia o descumprimento da norma constitucional portuguesa (CARVALHO, 2011).

Desse modo, talvez seja por isto que o constituinte elaborou o disposto no art.103§2° da Constituição Brasileira, cuja redação aproxima muito da regra de Portugal, pois no ato de declaração de inconstitucionalidade por omissão dentro de trinta dias compete ao órgão responsável as medidas cabíveis (FIUZA, 2004).

O Fiuza (2004) leciona que um Tribunal Constitucional tem como objeto a Constituição, cuja função visa a organização e planejamento de uma nação. Neste sentido, o mestre registra o pensamento de Miranda (1976, apud FIUZA, 2004, p.299): “o problema da constitucionalidade das leis não é simples problema para juristas; é também problema para políticos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, com a Constituição de 1988, o rol de legitimados que pode propor ADIN e ADC duplicou-se, pois, até partido político com representação no Congresso Nacional tem legitimidade ativa.

 A Constituição de Weimar foi um dos marcos que incidiu no controle de constitucionalidade abstrato, ou seja, quando o legislativo se omitir ou cumprir equivocadamente os preceitos constitucionais, incumbe ao judiciário fazer valer de tal mecanismo.

Percebe-se que o controle de constitucionalidade se inseriu nas principias tradições, como forma de cada cultura jurídica elevar a nível mundial o fortalecimento do princípio da supremacia constitucional.

Desse modo, o controle de constitucionalidade concentrado gera efeitos erga omnes e vinculativo, bem como ocorre com o stare decisis do common law. Já o controle difuso, este incide efeito entre as partes e vinculativo. Neste sentido, alguns doutrinadores, como Marinoni (2011), defende que não é adequado a um sistema que rege o civil law o efeito vinculante, sem a recepção integral do sistema de precedentes. Caso não seja recepcionado, é ajustado apenas manter o controle concentrado, cujos efeitos são os mesmos da vinculação de precedentes.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Fernando Cristian Marques

Pós-graduando em Ciências criminais na atualidade pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas. Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Itabirito, Fundação Presidente Antônio Carlos, FUPAC. Autor de algumas publicações na Universidade Presidente Antônio Carlos de Itabirito, bem como autor dos seguintes blogs: Teoria da Constituição e Direito Constitucional, Direito Comparado e Filosofia, Sociologia e Ciências Criminais


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