Colisão de direitos fundamentais

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Resumo: Breves considerações acerca da colisão entre direitos fundamentais e análise acerca das possibilidades de solução de eventuais conflitos.

Sumário: 1. Introdução; 2. As espécies de conflito; 3. O endereço da solução; 4. Considerações finais; Referências Bibliográficas.

1. Introdução

O sistema jurídico brasileiro é elaborado em função de princípios gerais e regras que lhe dão validade e eficácia. Conforme salienta René Ariel Dotti, “o vocábulo sistema tem origem grega (systema) e significa reunião, conjunto, método, organização, totalidade”[1]. Não é qualquer reunião, contudo, que compõe um sistema, para tanto ela deve ser um conjunto de dois ou mais elementos que satisfaçam três condições: “a) o comportamento de cada elemento afeta o comportamento do todo; b) o comportamento dos elementos e dos efeitos no todo são interdependentes; c) nenhum dos elementos tem um efeito autônomo”[2].

Os princípios e regras referidos no parágrafo anterior estão explicitados, sobretudo, no texto da Constituição que, segundo Ferdinand Lassalle, “é a lei fundamental de uma nação porque é uma força que faz com que, por uma exigência de necessidade, todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são”[3]. A heterogeneidade de princípios e normas que a Constituição traz pode gerar, em casos concretos, colisões de direitos, isto é, direitos fundamentais podem envolver-se em relações de conflitos entre si ou entre eles e outras espécies de bens jurídicos protegidos constitucionalmente.

Um conflito entre normas na legislação ordinária pode ser resolvido através dos critérios da hermenêutica tradicional. Nesse caso, o conflito é apenas aparente uma vez que quando há uma pluralidade de normas que podem ser utilizadas no caso concreto, apenas uma é utilizada, em detrimento das outras. No caso de conflito entre dispositivos constitucionais, um não pode ser “descartado” para a utilização de outro na solução do fato concreto, já que ambos compõem um sistema, sendo, então, interdependentes e o comportamento de um deles afeta o comportamento do todo. Como resolver, então, tal fenômeno?

2. As espécies de conflito

Antes de responder a pergunta deixada no item anterior é necessário ressaltar que o conflito entre direitos fundamentais pode acontecer de duas maneiras:

a) o exercício de um direito fundamental colide com o exercício de outro direito fundamental (colisão entre os próprios direitos fundamentais);

b) o exercício de um direito fundamental colide com a necessidade de preservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente (colisão entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais)[4].

Há colisão entre os próprios direitos fundamentais ”quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”[5]. Ocorre a colisão entre os direitos fundamentais e outros valores constitucionais quando interesses individuais contrapõem-se a interesses da comunidade, também reconhecidos pela Constituição[6].

Nos dois casos, a função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico deve levar em consideração a diferencialidade da interpretação constitucional e dar preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Francisco Meton Marques de Lima recomenda alguns “cuidados”, ressaltando que “a supremacia da Constituição faz com que sua interpretação irradie-se para todo o Direito e o direcionamento ideológico da interpretação contagia todo o sistema jurídico”[7].

3. O endereço da solução

Não existe uma solução única para todos os tipos de conflito entre direitos fundamentais. Dessa forma, após verificada a existência do conflito no caso concreto, a colisão será solucionada avaliando-se a importância que cada direito tem naquele caso e escolhendo-se aquele dentre os quais prevalecerá ou sofrerá menos danos. “A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais numa determinada situação”[8].

Norberto Bobbio diz que “o primeiro passo para interpretar uma norma jurídica seria o de perceber a quem ela se dirige e qual comportamento estabelece”[9]. A doutrina propõe alguns passos metodológicos para solucionar a colisão de direitos fundamentais:

1º) verificar a existência ou não de uma verdadeira colisão. Por exemplo, não haveria colisão entre o direito a intimidade ou a vida privada (CF, art. 5º, X), e o direito a gravação de uma conversa telefônica, autorizada judicialmente nos termos da Lei nº 9.296/96, durante uma investigação criminal ou um processo de instrução processual penal, uma vez que tal gravação não constituiria uma prova ilícita e a própria Constituição autoriza a interceptação de comunicações telefônicas nos termos da lei (CF, art. 5º, XII).

2º) se verificada a existência de uma autêntica colisão, o intérprete deverá realizar a ponderação dos bens envolvidos, isto é, resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo. Por exemplo, durante uma investigação criminal, cabe ao juiz decidir sobre a real necessidade de se violar o sigilo telefônico de um investigado para a obtenção de provas que dêem continuidade à investigação. Caso a gravação seja realizada sem a autorização de um juiz ou sem o conhecimento de um dos interlocutores, ela é ilegal e não pode ser usada como prova em um processo.

4. Considerações finais

O mais difícil dentre de um caso de colisão de direitos fundamenteis é que, abstratamente, eles têm a mesma hierarquia e, consequentemente, só podem ser “relativizados” na solução do conflito, diferentemente das normas da legislação ordinária que podem ser utilizadas independente umas das outras.

Muitas normas constitucionais possuem conteúdo de normas de organização, e não de conduta, como elas compõem e influenciam grande parte do sistema jurídico vigente, uma interpretação errônea de uma delas poderia corromper a interpretação de diversas outras, levando a injustiças e inseguranças que poderiam ruir todo o sistema.

Para a solução dos casos concretos de colisão de princípios e direitos fundamentais, além dos cuidados quanto à relativização dos interesses envolvidos, deve-se tomar cuidado também com o caráter sistemático desses dispositivos e a sua interdependência dentro do ordenamento jurídico vigente.

 

Referências
ANGHER, Anne Joyce (org.). Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal. Série mini 3 em 1. 5. ed. São Paulo: Rideel, 2005.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Caludio Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Unb, 2003.
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Trad. Walter Stönner. 6.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
LIMA, Francisco Meton Marques de. Manual de direito constitucional. São Paulo: LTr, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 206.
 
Notas:
[1] DOTTI, 2005, p.04.

[2] DOTTI, loc. cit..

[3] LASSALLE, 2001, p.10.

[4] FARIAS, 2000, pp. 116-117.

[5] CANOTILHO apud Idem., p.117.

[6] FARIAS, Ibid., p.118.

[7] LIMA, 2005, p. 45.

[8] HESSE, 1991, pp. 22-23.

[9] BOBBIO, 2003, p.58.


Informações Sobre o Autor

Elaine Cristina Silva do Amaral Barros

Servidora pública da Receita Federal do Brasil. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Direito do Trabalho pelas Faculdades Integradas de Jacarepagua


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