Defensoria Pública e seu dever de atender os hipossuficientes

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Eduarda Santiago Pereira[1]

Ramon Cesar de Jesus[2]

Resumo: As defensorias públicas atuam em todo o Brasil, entretanto a população em geral não conhece sua forma de trabalho e os critérios para que possam fazer jus a utilização dos serviços prestados pelas defensorias públicas. O presente estudo pretende desmistificar o entendimento acerca das defensorias públicas no Brasil, bem como entender qual às suas funções e legislações. O estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica e documental utilizando-se de autores renomados como Flávio Tartuce e Daniel Neves Amorim.

Palavras-chave: Defensoria Pública, Estado Democrático de Direito, Ampla Defesa, Contraditório.

 

Abstract: Public defenders work all over Brazil, however the general population does not know their way of working and the criteria so that they can do justice to the use of the services provided by public defenders. The present study intends to demystify the understanding of public defenders in Brazil, as well as to understand their functions and legislation. The study was carried out through bibliographic and documentary research using renowned authors such as Flávio Tartuce and Daniel Neves Amorim.

Keywords: Public Defender’s Office, Democratic State of Law, Broad Defense, Contradictory.

 

Sumário: Introdução; 1. O Estado Democrático de Direito e os Direitos Fundamentais a Ampla Defesa e ao Contraditório; 2. Defensoria Pública; 2.1. Atuação das Defensorias Públicas – Previsão legal; 2.2. Conceito de Necessitados; 3. Defensoria Pública do Estado do Amazonas; 4. Dos Advogados Dativos; Conclusão. Referências.

 

Introdução

A defensoria pública desenvolve um papel muito importante no sistema jurídico brasileiro, pois visa garantir a todos o exercício da ampla defesa e do contraditório, defendendo o direito daqueles que não possuem condições técnicas e financeiras para prover uma boa defesa de seus direitos. O presente estudo visa entender qual a função desempenhada pela defensoria pública, qual sua previsão legal, bem como se dá sua atuação. Fora realizada uma pesquisa bibliográfica em textos de autores renomados e pesquisa documental através da leitura de textos legais.

 

  1. O Estado Democrático de Direito e os Direitos Fundamentais a Ampla Defesa e ao Contraditório

O Brasil é uma república em que vigora o Estado Democrático de Direito, tal determinação é encontrada logo no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988 (CF/88), vejamos o disposto no texto legal:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:” (grifo nosso)

A constância desta determinação logo no início do texto constitucional ressalta o grau de importância que o Estado Democrático de Direito possui em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo este uma espécie de bússola indicando como o estado e os seus cidadãos devem agir.

Corroborando o entendimento de Estado Democrático de Direito tem-se a definição do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes (2000, p. 43), o qual se lê:

“a exigência de reger-se por  normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”

Neste sentido esta autora arrisca-se a definir o Estado Democrático de Direito como sendo “o estado de império da lei, a qual todos seja o Estado, neste sentido inclui-se a administração pública em geral, seja os cidadãos estão sujeitos, a fim de que haja o cumprimento do ordenamento jurídico, bem como que haja a paz social através deste ordenamento, sendo este a bússola moral e ética dos padrões aceitáveis por esta sociedade e vinculando-se a todos”.

Com este conceito recém desenvolvido em mente, é necessário entender que a CF/88 traz em seu bojo uma série de direitos considerados fundamentais a todos os cidadãos brasileiros e também aos estrangeiros residentes no Brasil.

Neste sentido a CF/88 no caput do artigo 5º traz o direito fundamental à igualdade e nos incisos LV e LXXIV prevê o direito fundamental a ampla defesa e ao contraditório e à aqueles que não possuem condições de arcar com os custos de uma defesa técnica a determinação de que o Estado arcará com esta defesa, veja-se a disposição legal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

(…)

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;” (grifo nosso)

Verifica-se que por ser um Estado Democrático de Direito impera, no Brasil, a máxima da ampla defesa e do contraditório. Entretanto o questionamento que surge é qual o significado de ampla defesa e do contraditório?

Quanto a ampla defesa Américo Bedê Junior (2009, p. 131) traz uma definição deveras interessante, o professor leciona:

“a parte tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor meios de prova, eis que a defesa representa inquestionavelmente um interesse público, essencial em um Estado Democrático de Direito”

Ora com este conceito é possível entender que a ampla defesa é a possibilidade da utilização de todos os meios de prova admitidos em direito para defender o direito de alguém, sendo esta questão de interesse público. Tal entendimento pode ser aplicado em todos os ramos do direito e em todos os tipos de processos que existem, quer sejam administrativos ou sejam judiciais.

Quanto ao contraditório o professor Américo Bedê Junior (2009, p. 130) define da seguinte forma:

“[…] na garantia da discussão dialética dos fatos da causa, o que torna necessário que se assegure no processo a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados pelas partes”

Ou seja, para que haja o devido processo legal além de poder utilizar todos os meios de prova possíveis e admitidos em direito, as partes litigantes em um determinado processo devem poder argumentar e contra argumentar, sendo estas manifestações consideradas e enfrentadas pelo julgador ao decidir.

Tais direitos são fundamentais, pois sem eles não existiria o devido processo legal, bem como não haveria a efetivação do sistema jurídico e a perpetuação da justiça a todos!

Assim sendo, a aplicação e promoção da justiça deve ser feita ou entregue a todos, sem exceção e sem distinção, mas e quanto à aqueles que não possuem condições de arcar com os custos de uma defesa técnica de qualidade? Estes ficarão desemparados pelo Estado? Não poderão ter acesso ao sistema de justiça?

A resposta a estes questionamentos está no inciso LXXIV do artigo 5º da CF/88, pois, conforme lido anteriormente o estado brasileiro promoverá a assistência jurídica integral à aqueles que não possuem condições de arcar com os elevados custos de um processo judicial bem como de uma defesa técnica de qualidade.

Neste sentido tem-se o acesso a justiça com a concessão da gratuidade de justiça, previsto nos artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC), este benefício garante que aqueles que façam jus a ele possam litigar em processos judiciais sem a necessidade de arcar com as custas do processo judicial.

Mas como se dá a defesa técnica daqueles que não possuem condições de arcar com custos desta defesa, como por exemplo pagar um advogado?

 

  1. Defensoria Pública

Para responder ao questionamento do tópico anterior é de especial importância observar que o direito fundamental previsto no inciso LXXIV do artigo 5º da CF/88 é realizado com a atuação das defensorias públicas existentes no Brasil, bem como em casos em que não haja defensoria pública a utilização de advogados dativos.

Neste primeiro momento o estudo dedicar-se-á a análise das defensorias públicas, ficando a análise da atuação dos advogados dativos para um momento posterior.

Primeiramente destaca-se que a atuação das defensorias públicas é prevista na CF/88, sendo ela considerada um dos órgãos essenciais à justiça, vejamos a disposição do texto constitucional:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”

Entretanto a história das defensorias pública é mais antiga que a Constituição de 1988. A primeira defensoria pública que tem notícia no Brasil foi criada no Estado do Rio de Janeiro através do decreto nº 2.457, de 8 de fevereiro de 1897, vejamos o que dispõe o referido texto legal:

“Art. 1º E’ instituida no Districto Federal a Assistencia Judiciaria, para o patrocinio gratuito dos pobres que forem litigantes no civel ou no crime, como autores ou réos, ou em qualquer outra qualidade.

Art. 2º Considera-se pobre, para os fins desta instituição, toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em Juizo, estiver impossibilitada de pagar ou adeantar as custas e despezas do processo sem privar-se de recursos pecuniarios indispensaveis para as necessidades ordinarias da propria manutenção ou da familia.

Art. 3º Não poderão gosar do beneficio da Assistencia Judiciaria as corporações e associações de qualquer especie, nem tampouco o estrangeiro no civel, salvo quando houver reciprocidade de beneficio no paiz a que pertencer.

Art. 4º A Assitencia Judiciaria aos pobres consistirá na prestação de todos os serviços necessarios para a defesa de seus direitos em Juizo, independentemente de sellos, taxa judiciaria, custas e despezas de qualquer natureza, inclusive a caução judicatum solvi (decreto n. 564, de 10 de julho de 1850).

Art. 5º A Assistencia Judiciaria será exercida por uma commissão central e varias commissões seccionaes.

Art. 6º Nos casos criminaes a assistencia das commissões só poderá ser prestada aos réos, cabendo ao Ministerio Publico a dos autores. Paragrapho unico. Esta disposição não infirma a do art. 175 do decreto n. 1030, que obriga os curadores geraes a encarregarem-se da defesa dos presos pobres, á requisição do presidente do Jury ou da Camara Criminal.

Art. 7º Cada uma das commissões de que trata o artigo antecedente se comporá de tres membros, dos quaes um servirá de presidente.

  • 1º Pelo Ministro da Justiça será livremente nomeado o presidente da commissão central; os outros dous membros dessa commissão serão eleitos pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brazileiros.
  • 2º Os membros das commissões seccionaes, inclusive o presidente, serão escolhidos pela commissão central.
  • 3º As commissões serão renovadas annualmente, providenciando a commissão central sobre o preenchimento immediato das vagas, faltas, ou impedimentos que occorrerem.

Art. 8º A’ commissão central compete:

  1. a) organisar e dirigir os trabalhos do patrocinio gratuito;
  2. b) nomear os membros de cada commissão seccional e fiscalisal-as;
  3. c) decidir, em unica instancia, as reclamações contra as faltas dos commissarios seccionaes;
  4. d) visitar as prisões, os asylos de orphãos, alienados e mendigos, promovendo a liberdade dos que estiverem soffrendo constrangimento illegal e requerendo tudo que for a bem da justiça;
  5. e) organisar um mappa estatistico para ser apresentado ao Ministro da Justiça, ao qual representará sobre as reformas e medidas que entender uteis.”

Verifica-se assim que as defensorias públicas são uma instituição que visa prestar a assistência jurídica aos mais necessitados para garantir que todos tenham acesso à justiça, e vem desempenhando este papel a mais de 100 (cem) anos.

Atualmente o regramento jurídico que rege às defensorias públicas é a Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Este regramento prevê no artigo 3º-A os objetivos das defensorias públicas, vejamos a determinação legal:

“Art. 3º-A.  São objetivos da Defensoria Pública

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”.(grifo nosso)

Note-se que a afirmação do Estado Democrático de Direito e a garantia da ampla defesa e contraditório, ambos os conceitos já delimitados no presente estudo, são objetivos das defensorias públicas, deixando claro o caráter de essencialidade à justiça das defensorias públicas.

Assim sendo resta claro o caráter de assistencialismo aos mais necessitados que as defensorias públicas assumem quando do atendimento aos mais necessitados.

As leis das defensorias públicas muito falam acerca dos necessitados, mas qual o conceito de necessitados para ser atendido pela defensoria pública?,

 

2.1 Atuação das Defensorias Públicas – Previsão legal

Com já mencionado as defensorias públicas são regidas em âmbito nacional pela Lei Complementar nº 80/94, neste diploma legal o artigo 4º traz como qual é a atuação das defensorias públicas, veja-se:

“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;

IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;

V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;

IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução;

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;

(…)

XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;

XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais;

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas;

XIX – atuar nos Juizados Especiais;

XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos;

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;

XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.”

Assim sendo, com a leitura do dispositivo legal, resta claro que a defensoria pública tem uma previsão de atuação muito maior do que apenas defender os direitos dos necessitados pura e simplesmente. A defensoria pública pode atuar nas ações coletivas,

Existe uma discussão acalorada quanto a possibilidade ou não da Defensoria Pública promover a defesa dos consumidores em juízo, haja vista que a mesma somente foi incluída na Lei nº 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, em 2007, através da Lei nº 11.448/2007.

Entretanto mesmo antes desta previsão legal a Defensoria Pública já atuava nas ações coletivas. (TARTUCE e NEVES, 2018, p. 716)

Os autores continuam:

“Por outro lado, apesar de certa divergência, aos órgãos especializados criados pela Defensoria Pública já vinha se reconhecendo a legitimidade para a propositura de ações coletivas em defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que não se possa afirmar que a aceitação era tranquila, existindo inclusive decisões do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, apesar de notadamente em menor número.”

Não obstante a divergência, entendo que a legitimidade ora analisada está amparada na previsão contida no artigo 82, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que ao prever a legitimidade ativa inclui expressamente órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica. Além dessa expressa previsão legal, a referida legitimação encontra amparo nos artigos 6.º, VIII (princípio da facilitação da defesa dos consumidores), e 83 (princípio da instrumentalidade máxima do processo do consumidor), ambos do CDC, e no art. 4.º, XI, da LC 80/1994161. (TARTUCE e NEVES, 2018, p. 717)

Ademais o artigo 822, inciso III do CDC traz a legitimação para atuar na defesa dos direitos dos consumidores “as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código”.

Flávio Tartuce e Daniel Assumpção Neves (2018, p. 721-722), trazem conceito bem interessante quanto a legitimidade da Defensoria Pública na atuação da defesa dos direitos dos consumidores, veja-se:

“A par da discussão a respeito da extensão da legitimidade ativa da Defensoria Pública na tutela coletiva, o reconhecimento de sua legitimação traz algumas interessantes consequências, tais como a possibilidade de formação de um litisconsórcio ativo entre Defensorias Públicas, por aplicação extensiva do art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985 (LACP). Também admite-se que a Defensoria Pública, órgão público que é, celebre compromisso de ajustamento de conduta, nos termos do art. 5.º, § 6.º, da Lei 7.347/1985 (LACP). Não terá, entretanto, legitimidade para conduzir inquérito civil, atuação privativa do Ministério Público (art. 8.º, § 1.º, da Lei 7.347/1985), também faltando legitimidade à Defensoria Pública para a propositura da ação popular, que continua exclusiva do cidadão (art. 1.º, caput, da Lei 4.717/1965), e para a propositura da ação de improbidade administrativa (art. 17, caput, da Lei 8.429/1992).”

Assim verifica-se que a Defensoria Pública possui legitimidade para atuar na defesa dos interesses coletivos, haja vista haver previsão legal para tanto.

 

2.2 Conceito de Necessitados

Necessitados é um termo demasiadamente amplo e pode significar muito mais do que apenas que não possui condições de pagar os custos de uma defesa técnica de qualidade.

Neste sentido o disposto no sítio eletrônico da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM) é deveras interessante, vejamos:

“Quem tem direito ao atendimento da Defensoria?

Todas as pessoas que não tenham condições financeiras de contratar advogado e pagar despesas de processo judicial, ou por certidões, escrituras etc, sem prejuízo do seu sustento e de sua família.

Desta forma, o importante não é o valor do salário da pessoa, mas se as despesas dela e de sua família permitem a contratação de advogado ou permitem que ela pague por documentos, certidões etc.

Em processos criminais, por força do princípio constitucional da ampla defesa, qualquer pessoa poderá ter sua defesa patrocinada pela Defensoria Pública, independentemente de sua condição econômica. Nesta hipótese, caso o assistido tenha condições da arcar com o pagamento de honorários de advogado e seja patrocinado pela Defensoria Pública, poderá o Juiz fixar honorários em favor do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur).

Ressalte-se, ainda, que não só a pessoa física pode ser atendida pela Defensoria Pública. As pessoas jurídicas em dificuldades financeiras, como as microempresas, podem se valer do patrocínio do defensor público. Igualmente podem ser patrocinadas sociedades sem fins lucrativos e associações comunitárias, desde que declarem insuficiência de recursos[3].”

Pela análise do texto de apresentação da DPE/AM verifica-se que para que o assistido enquadre-se no conceito de necessitado é necessário que o mesmo comprove que apesar de possuir alguma renda, este não pode arcar com os custos de uma defesa técnica e de um processo judicial.

Esta análise é feita través de documentos que comprovem a renda do assistido e seus gastos para a manutenção de sua sobrevivência e de sua família.

Importante definição sobre o tema traz Rocha (2013, p. 81), a qual se lê:

“O necessitado de justiça é, pois, quem, por sua condição de vulnerabilidade, não tem acesso aos recursos necessários à sua defesa. A missão constitucional da defensoria Pública é garantir o acesso à Justiça aos necessitados, assim compreendidos como aqueles que por circunstâncias sociais, econômicas, sexuais, étnicas e/ou culturais, não têm acesso aos recursos para exercitar com efetividade os seus direitos.”

Outro aspecto deveras interessante é o fato de que todo aquele que encontra-se detido ou preso pode ser assistido pelas defensorias públicas, haja vista que sua situação pode equiparar-se a de um necessitado ou vulnerável, mesmo este possuindo recursos para custear uma defesa técnica, pois sua situação de cárcere pode indisponibilizar seu acesso aos seus recursos pelos mais diversos motivos.

Sendo assim a atuação pronta da defensoria pública é necessária para que este assistido tenha seu direito à ampla defesa e ao contraditório efetivados perante o juízo criminal.

Assim sendo pode-se conceituar necessitados como todo aquele que pelos mais diversos motivos, seja financeiro, étnico, cultura, sexual ou por estar com seu patrimônio indisponível não possui condições de arcar com os custos de um processo judicial e/ou de uma defesa técnica sem comprometer sua sobrevivência e de sua família.

 

  1. Defensoria Pública do Estado do Amazonas

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas foi instituída em 30 de março de 1990 através da sanção da Lei Complementar do Estado do Amazonas nº 01 pelo então governador do Estado do Amazonas Amazonino Armando Mendes.

Esta legislação, assim como outras da mesma época traziam consigo influência da CF/88 que ainda estava nos seus primeiros anos de vigência e privilegiava o acesso de todos ao Poder Judiciário e tentava promover o bem comum através da pacificação social que o acesso à justiça com todos os seus princípios respeitado pode trazer a qualquer sociedade e assim realizava o inciso LXXIV do artigo 5º da CF/88.

Como já visto a DPE/AM assim como todas as defensorias públicas possuem legitimidade para atuar no auxílio de seus assistidos em todos os atos processuais em que seria necessária a presença e/ou atuação de um(a) profissional da advocacia.

A DPE/AM atua nas mais diversas áreas como Direito de Família, Direito do Consumidor, Direito Penal e Direito Fundiário, entretanto destaca-se a atuação da DPE/AM na defesa dos direitos coletivos, principalmente do consumidor.

Exemplo desta atuação está nos autos de número 0624179-89.2022.8.04.0001 em trâmite no Tribunal de Justiça do Amazonas, nesta Ação Civil Pública a DPE/AM ingressou em face da distribuidora de energia elétrica do Estado do Amazonas, tendo em vista as reiteradas falhas na prestação do serviço, tal como medidores de energia elétrica que aparentemente registram consumo a maior do real e a instalação de um novo sistema de medição que, segundo a DPE/AM, dificultaria que o consumidor pudesse realizar o acompanhamento de seu consumo.

O processo ainda está em tramitação, entretanto o que quer se destacar é a atuação firme e constante da DPE/AM na defesa dos interesses e direitos dos consumidores do Amazonas, realizando o texto constitucional.

 

  1. Dos Advogados Dativos

Outra forma em que poderá haver a defesa dos direitos e interesses dos necessitados é com a nomeação de advogados dativos. A previsão da atuação destes profissionais da advocacia está no § 1º do artigo 22 da Lei nº 8.906, de 04 de Julho de 1994, veja-se a disposição legal:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

  • O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado. (grifo nosso)

Note que para haver a realização do inciso LXXIV da CF/88 o legislador determina que em localidades as quais não haja atendimento das defensorias públicas o magistrado poderá indicar profissional da advocacia para atuar como advogado dativo e este profissional será remunerado pelos serviços prestados pelo estado em conformidade com a tabela de honorários do Conselho Seccional da OAB.

Tal modalidade tem estado em desuso pela implementação dos processos eletrônicos e pela expansão dos atendimentos das defensorias públicas, deixando as mesmas de atuarem apenas nos grandes centros e dirigindo-se aos interiores do país.

 

Conclusão

Conclui-se com o presente estudo uma análise, ainda que superficial, sobre o papel desempenhado pelas defensorias públicas atuantes no país. Tem especial destaque o caráter de essencialidade à justiça que as defensorias públicas possuem, caráter este conferido pela Constituição Federal.

As defensorias atuam com vistas a garantir que todos tenham acesso à justiça, sendo o meio de acesso ao judiciário daqueles mais necessitados, sendo estes definidos neste estudo como todo aquele que pelos mais diversos motivos, seja financeiro, étnico, cultura, sexual ou por estar com seu patrimônio indisponível não possui condições de arcar com os custos de um processo judicial e/ou de uma defesa técnica sem comprometer sua sobrevivência e de sua família.

Com isto a defensoria pública visa garantir e defender o Estado Democrático de Direito, o qual definiu-se neste estudo como o estado de império da lei, a qual todos seja o Estado, neste sentido inclui-se a administração pública em geral, seja os cidadãos estão sujeitos, a fim de que haja o cumprimento do ordenamento jurídico, bem como que haja a paz social através deste ordenamento, sendo este a bússola moral e ética dos padrões aceitáveis por esta sociedade e vinculando-se a todos.

Analisou-se as atribuições das defensorias públicas e verificou-se sua capacidade postulatória, inclusive no que diz respeito à defesa dos direitos coletivos, demonstrando-se inclusive a atuação da Defensoria Pública do Estado do Amazonas neste sentido.

Desta feita, conclui-se que a defensoria pública é uma instituição necessária à justiça, garantindo o acesso de todos à justiça!

 

Referências

BEDÊ JÚNIOR, Américo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Senado Federal. Brasília. 1988.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Senado Federal., Brasília. 1994.

 

BRASIL. Lei nº 8.906, de 04 de Julho de 1994. Senado Federal, Brasília, 1994.

 

Coleção de Leis do Brasil – 1897, Página 84 Vol. 1 pt.II (Publicação Original). Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2457-8-fevereiro-1897-539641-publicacaooriginal-38989-pe.html#:~:text=Organisa%20a%20Assistencia%20Judiciaria%20no,atten%C3%A7%C3%A3o%20o%20disposto%20no%20art. Acesso em 27/02/2022 às 19h10min.

 

MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000.

 

ROCHA, Amélia Soares. In. Defensoria Pública –Fundamentos, organização e funcionamento. São Paulo: Atlas, 2013.

 

TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

 

 

 

 

[1] Graduanda em direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Amazonas.

[2] Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Advogado. Pós-graduando em Direito do Consumidor e Direito Processual Civil

[3] Texto retirado de https://defensoriaam.com/apresentacao/

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