Esvaecimento do estado laico: o estado laico e sua implicação na atualidade

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Resumo:A questão central estudada neste trabalho de pesquisa, busca entender como a religião e o Estado, seja como governo, legislativo ou judiciário se entrelaçaram de tal forma que o Laicismo empregado no Brasil não tem forma de Laico, ou seja, não tem um Estado imparcial quanto as questões religiosas. Para que se encontre tal resposta é necessário voltar a história no início da era cristã, onde o Estado Romano não impunha leis nem deuses ao povos conquistados. Por seu turno, o cristianismo trazido por Jesus, em nada se envolvia com a política estatal, assim se nota na famosa frase dita por Cristo no livro de Mateus “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Assim, o cristianismo, não definiu uma vinculação ao Estado ou nação, mas por uma ligação direta com um único Deus, enquanto outras religiões mais antigas se relacionavam também com uma comunidade organizada. Conforme dita Martins Filho, com o decreto do Imperador Teodósio I.  sobre os preceitos da época, fica o poder político Estatal subordinado ao poder religioso, cabendo ao Estado a defesa da Igreja. Ocorre, assim, o relacionamento próximo, senão uno, entre a Igreja e o Estado.[1]

Palavras-chave: Direito Constitucional. Estado laico.Laicidade. Esvaecimento.

Abstract: The central issue studied in this research work seeks to understand how religion and the state, either as government, legislature or judiciary intertwined in such a way that the Secularism used in Brazil has no way of Laico, ie does not have an impartial State as religious issues. In order to find such a response is necessary to turn the story in the early Christian era, where the Roman State did not impose laws or gods to the conquered peoples. For its part, Christianity brought by Jesus, in no way involved with the state policy, as noted in the famous phrase spoken by Christ in Matthew's book "Render therefore to Caesar what is Caesar's and to God what is of God". So Christianity did not mandate a link to the state or nation, but a direct link to one God, while other, older religions is also related to an organized community. As said Martins Filho, to the decree of Emperor Theodosius I. on the precepts of the time, it is the State political power subordinate to religious power, and the State to defend the Church. It is thus the close relationship, but one between church and state.

Keywords: Constitutional Law. Secular state. Secularism. Evanescence  

Sumário: Introdução. 1. O Estado laico. 1.1 Diferença entre estado laico e Ateu. 1.2 O Estado teocrático. 1.3 O declínio do estado laico. 2. A Igreja e o brasil. 2.1 Constituição de 1824. 2.2 Constituição de 1891. 2.3 Regime autoritário de 1964. 3. Constituição Federal de 1988. 3.1 nascimento dos direitos fundamentais. 3.2. A liberdade religiosa como Direito Fundamental. 4. Aplicação do Estado laico no Brasil atual. Conclusão. Referências.

Introdução

Historicamente o Brasil e a Religião tem uma relação bem intima. Desde os tempos do descobrimento do Brasil, houve imposição sobre o que acreditar e em que acreditar, dessa maneira, pela cultura de nosso colonizadores, o Brasil tornou-se o país com mais católicos no mundo.

Após muitos séculos, nosso Estado deixou de ser um cleriástico, quase quatrocentos anos após sua descoberta, em 1890, deixa de ter uma religião oficial e passa a ser laico.

Ocorre que, mesmo após a oficialização do estado laico, não se notou grandes diferenças no âmbito politico, jurídico ou legislativo, como exemplo, atualmente, os deputados com mais votos são, em grande maioria, pastores ou membros ligados à alguma religião.

Não se pode deixar de notar os feriados nacionais considerados dias santos. O ensino religioso em escolas públicas, os símbolos religiosos em repartições públicas.

Nas palavras do estudioso Francisco Tomazoli da Fonseca:

“a sociedade moderna vive a diversidade conquistada, quebrando paradigmas, conceitos e valores, caracterizando um movimento continuo de adaptações e readaptações sociais. Nesse agir social surgem crises colisões de interesse diante de uma nova realidade, o que conduz o pensador do direito a ter sua mente aberta para o passado, presente e futuro”.

Este trabalho tem como objetivo trazer de maneira simples e atual os principais causadores do esvaecimento do Estado laico, seja dele cultural ou histórico. Esse será o assunto abordado neste trabalho, as diversas manifestações religiosas em consonância ou não do âmbito jurídico, legislativo e executivo, assim como as diversas manifestação sobre religião dentro do Estado Laico.

A busca pela reflexão dos paradigmas do ordenamento jurídico, as discussões mais recentes sobre o estado democrático de Direito laico ou laicizado. A religião atuando, ainda, no legislativo e judiciário de forma oculta ou direta. O objetivo deste trabalho é trazer e esclarecer todos estes pontos de forma simples e didática.

No primeiro capítulo observaremos como funciona cada forma de Estado; laico, teocrático, ateu, etc; a fim de entender de que forma cada uma deles se comportam em determinadas situações.

No segundo capitulo trataremos da historia das constituições que já foram as cartas maiores de nossa nação e  como era tratada a religião em cada uma delas. Desde a primeira constituição brasileira de 1824, onde o brasil tinha uma religião oficial; passando pela a de 1891 em que o Estado, pela primeira vez se posicionou laico; no regime autoritário de 1964 até nossa Carta Magna de 1988, sempre observando os pontos mais relevantes sobre a religião.

No terceiro capitulo veremos como se estabeleceu a igreja no estado brasileiro, a primeira missa feita logo após o descobrimento do brasil. A junção do Estado e do Clero, sua posição até a separação total entre os dois.

Por fim, no ultimo capitulo trataremos de situações atuais em que pese o estado democrático de direito laico. O desvanecimento de um estado laico somente na concepção da palavra, muito embora ainda tenha quem defenda que há sim um estado laico com uma grande bagagem de cultura que não há como abrir mão.

A analise das problemáticas atuais serão de suma importância para que o leitor tire sua conclusão acerca do assunto abordado, no que diz respeito a laicidade dentro do poder Executivo, legislativo e Judiciário.

1 Estado laico

Para entender o esvaecimento do Estado laico, faz-se necessário entender o real significado de um estado laico, mais que, apenas, um Estado sem religião oficial.

O termo “laico” tem sua origem etimológica no Grego “laikós” que significa “do povo”.

Apesar deste conceito sobre a laicidade ser, de fato, verdadeiro, o Estado que é Laico, além de não ter um religião oficial, defende o direito de todos escolherem e expressarem sua religião, seja ela qual for, sendo, dessa forma, imparcial.

Além da imparcialidade, o Estado Laico não permite interferências de correntes religiosas em matérias culturais e políticas.

Um país oficialmente laico, que é o caso do Brasil, segue a doutrina do Laicismo, doutrina essa que foi responsável pela separação da Igreja em assuntos de ordem política, e, com isso, a religião ficaria impedida de interferir em assuntos do estado.

Assim, segundo Celso Lafer:

“Uma primeira dimensão da laicidade é de ordem filosófico-metodológica, com suas implicações para a convivência coletiva. Nesta dimensão, o espírito laico, que caracteriza a modernidade, é um modo de pensar que confia o destino da esfera secular dos homens à razão crítica e ao debate, e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades reveladas. Isto não significa desconsiderar o valor e a relevância de uma fé autêntica, mas atribui à livre consciência do indivíduo a adesão, ou não, a uma religião. O modo de pensar laico está na raiz do princípio da tolerância, base da liberdade de crença e da liberdade de opinião e de pensamento”.

1.1. Diferença entre estado laico e estado ateu

Como visto anteriormente, uma Nação laica é aquela que defende o direito de seus cidadãos terem e exercerem a religião que lhe for do agrado.

Assim, o Estado laico não impõe religião oficial e nem a tem, não deixando que a igreja fosse ativa no campo político.

Por seu turno, uma Nação ou Estado Ateu não acredita na existência de Deus, Deuses, Buda, ou qualquer outra forma de divindade.

Há alguns políticos e membros de algumas religiões que entendem que um Estado Laico é aquele que proibi seus cidadãos te terem qualquer religião ou participar de qualquer tipo de culto.

Nesse tipo de Estado não poderia haver qualquer tipo de templo e igreja, não tendo, assim, espaço para qualquer discussão religiosa ou doutrinaria.

Portanto, em outras palavras, um Estado ateu teria um molde de “crença” que não permite nenhum tipo de religião, que não acredita em divindade e impõe isto a toda sua sociedade.

1.2. Estado teocrático.

Estado teocrático é o antônimo do Estado laico.

Assim, é caracterizado como uma Nação que se submete à uma religião ou doutrina específica.

Este tipo de ordem pode oferecer certos privilégios aos cidadãos que seguem a religião oficial sob aqueles que tem outro tipo de religião, podendo ser econômica, político ou mesmo judicial.

Portanto, este tipo de governo Teocrático aceita outros tipos de religiões que não somente a oficial, fazendo, contudo, distinção entre os fiéis, não dando a liberdade de outras religiões a se manifestarem externa ou publicamente.

Claramente, o governo e um Estado teocrático estão ligados aos representantes de suas religiões oficiais.Estes representantes, por sua vez, podem ser até mesmo o governador daquele Estado por ser considerado representante direto de Deus ou da Divindade à qual sua religião adora.

Atualmente, ainda existem países com este tipo de ideologia, tais como o Vaticano, representado pela igreja católica; o Irã, que tem sua ideologia no Islamismo, dentre outros.

1.3 O declínio do estado laico

Por ter uma raiz muito forte ligada a religião latu sensu, mesmo a Constituição da república federativa do Brasil de 1988 sendo oficialmente laica, atualmente ocorre uma esvaecimento da efetiva laicidade do Estado.

Nesse sentido, o Ministério Público editou um livro, (Em defesa do Estado Laico, 2014, Brasília, p. 1), em que expressa:

“Em consequência dessa valorização da liberdade de consciência, de crença e de não crença aumenta, também, a exigência de que o Estado mantenha sua imparcialidade em relação a todas as manifestações religiosas ou não religiosas, ou seja, ganha importância que o Estado mantenha sua laicidade”.

Mostra-se clara e atual a posição do Estado acerca da liberdade de crença, fé e religião, mas realmente isso é respeitado em pleno século XXI?

Ao mesmo tempo em que se diz laica, ainda aplica certos valores religiosos em suas posições políticas, como, por exemplo, no currículo escolar de escolas públicas a disciplina “Ensino Religioso”.

Ainda hoje encontramos diversos projetos de lei a serem votados, com a finalidade de obrigar alunos a rezarem um “Pai Nosso” antes das aulas.

Por estas e outras tergiversações, a Constituição da República Federativa do Brasil garante a liberdade religiosa (art. 5º, VI e VII), determina a laicidade do Estado (art. 19, I) e permite o ensino religioso como matéria facultativa nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental (art. 210)41.

 O recrudescimento da intolerância religiosa tem levado à edição de normas infraconstitucionais em reforço da liberdade constitucional, como é o caso da Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que criminaliza a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

2. A igreja e o brasil

Para que se entenda a relação do Brasil com Igreja Católica, a primeira a ser instituída na Terra Pátria, é necessário que se volte ao ano de 1500, ano da descoberta do Brasil.

Como é sabido, o Brasil, ao tempo em que foi descoberto, também foi catequizado em sua totalidade. Assim, apenas quatro dias após seu descobrimento, no dia 26 de abril de 1500 é que foi realizada a primeira missa em solo brasileiro.

Pedro Vaz de Caminha, ao escrever uma carta ao rei de Portugal, Don Manuel, quarenta e sete dias após as navegações, tempo em que descobriram a praia da Coroa Vermelha, dois carpinteiros talharam uma cruz e colocaram-na na areia. Neste mesmo lugar foi celebrada a primeira missa por Frei Henrique. Esta foi assistida por mil portugueses e cerca de duzentos índios que ali estavam.

Nessa ocasião, os índios que assistiam à missa prestavam muita atenção e repetiam todos os movimentos feitos pelos portugueses, como levantar e ajoelhar-se durante a celebração. Por este motivo, na carta endereça ao rei, Vaz de Caminha acreditava que a conversão destes não seria difícil.

Logo após a primeira missa, no dia primeiro de maio do mesmo ano, houve uma segunda missa, dando início ao país que é considerado o mais católico de todo o mundo.

Assim, após uma breve explicação sobre a relação do brasil com a Igreja, conseguiremos entender o real sentido de cada Constituição feita em cada tempo.

A começar pela primeira constituição feita no Brasil, no ano de 1824, a qual tinha entre seus constituintes vinte e dois padres.

Passaremos pela constituição de 1891, primeira constituição a considerar a, agora republica do brasil, laica.

Na sequência, pelo regime militar de 1964, sendo este um grande marco na reinserção da Igreja entre seus representantes no cenário político nacional; até a atual constituição vigente.

2.1 Constituição de 1824

A primeira constituição do Brasil de 1824 tem origem junto à Proclamação de independência, com a separação do Brasil de Portugal.

A Carta Magna teve um longa duração, sendo revogada somente em 1889, e não sendo modificada dentro desse período. Assim, membros de outras religiões não podiam expressar sua fé de maneira “oficial”.

Por ter sido um país colonizado por Portugal e por fazer pouco tempo de sua independência, o Brasil, em sua primeira Carta Maior, teve toda seu conteúdo influenciado por costumes trazidos de Portugal. Como exemplo podemos citar a religião oficial como a Católica Apostólica Romana.

A começar por seu título, que traz termos como: “A constituição política do império do Brazil” e “Em nome da Santíssima Trindade”.

Na sequência, no Título I, a Lex Mater, cuida dos assuntos:  Do Império do Brasil, seu Território, Governo, Dinastia, e Religião.

No artigo 5°, a Constituição vigente à época adianta a religião oficial que continuará a ser religião do Império, dispondo que todas as demais serão permitidas em cultos domésticos, de forma alguma podendo ser praticado em exterior do Templo.

Assim, a todos os outros que tivessem uma religião diversa da oficial era permitido o culto, desde que não fosse em locais abertos ao público.

Dessa maneira, com fulcro no artigo 95, III dessa constituição, só poderia também ser deputado ou senador aquele que tivesse como sua religião a religião oficial do Estado. Vejamos

Art. 95. Todos os que podem ser Eleitos, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se:

III. Os que não professarem a Religião do Estado.”

É possível notar que houve uma união entre Estado e religião na consagração da religião oficial, sendo esta consagração na forma do regalismo, ou seja, a supremacia do poder político sobre o religioso.

Interessante observar, contudo, que mesmo reconhecendo a religião católica como oficial, em seu artigo 179, V, a carta magna garantia a proteção à liberdade religiosa, com algumas ressalvas, senão vejamos:

“Artigo 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade é garantida pela constituição do Império, pela maneira seguinte.

V. ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública”

Anos após ser instituída, a constituição de 1824 teve um pequena alteração em seu texto no ano de 1834.

 Por meio de ato adicional, que supriu o Conselho de Estado e substituiu a Regência Trina Permanente por Regência Una, ampliaram-se os poderes dos conselhos gerais das províncias e as transformaram em Assembleias legislativas, o que mostrou um pouco da tendência federalista já nessa época de monarquia absoluta.

Sendo a constituição mais longa em toda a história brasileira, contando com sessenta e cinco anos, não houve alteração em qualquer tempo dessa vigência com relação à religião oficial do Brasil.

Para explicar o porquê que a Igreja Católica se distingue tanto em relação a número de devotos em comparação às Igrejas protestantes, evangélicas ou espiritas, há que se falar em, pelo menos, dois aspectos: a predominância da religião católica ao longo do período de colonização portuguesa no território que viria a ser o Brasil; e o explicito caráter oficial de sua relação com o Estado, até a implantação da Republica em 1889.

2.2  Constituição de 1891.

A proclamação da República, em 1891, pouco depois da abolição da escravatura, foi o fator social que deu ensejo à necessidade de reformulação da carta Magna ora vigente.

Com a modificação da forma de Estado e Governo houve a implantação da forma federativa da republica, substituindo a forma unitária e a monarquia, fazendo com que fosse permanente a necessidade de modificação da estrutura jurídica. Por intermédio do jurista Rui Barbosa, a grande inspiração para esta Constituição foi a Carta Norte- Americana, o que a torna evidente diante do nome dado a Constituição: “Estados Unidos do Brasil”

Dessa forma, o catolicismo já deixa de ser a religião oficial do estado brasileiro, permitindo-se o livre culto de todas as crenças.

Por não trazer em qualquer capitulo o assunto religião, a constituição de 1891 foi a primeira considerada laica.

A partir daí, conseguiu-se separar o Estado da Igreja, que, até então, era refém das ideias religiosas.

Rui Barbosa, à época, defendia que sequer o ensino religioso deveria ser ensinado em escolas públicas ou subvencionadas com dinheiro público. Em setembro de 1882 escreveu o seguinte tópico sobre a laicidade.

“As escolas primárias do Estado, bem como em todas as que forem sustentadas ou subvencionadas à custa do orçamento do Império ou de quaisquer propriedades, impostos ou recursos, seja de que ordem forem, consignadas nesta ou noutra qualquer lei geral, ao serviço da instrução pública, é absolutamente defeso ensinar, praticar, autorizar ou consentir o que quer que seja, que importe profissão de uma crença religiosa ou ofenda a outras. O ensino religioso será dado pelos ministros de cada culto, no edifício, se assim o requererem, aos alunos cujos pais o desejem, declarando-o ao professor, em horas que regularmente se determinarão, sempre posteriores às da aula, mas nunca durante mais de 45 minutos cada dia, nem mais de três vezes por semana. A qualidade de funcionário na administração, direção ou inspeção do ensino público, primário, secundário ou superior, é incompatível com o caráter eclesiástico, no clero secular ou regular, de qualquer culto, igreja ou seita religiosa”.

Importante trazer a este cenário que, já nesta constituição, houve a ampliação dos direitos individuais, com a inclusão, por exemplo, do habeas Corpus entre os direitos constitucionais de cada cidadão brasileiro.

Trouxe também o sistema judicial difuso de controle de constitucionalidade, de acordo com o modelo seguido – o norte americano – sendo admitido, inclusive, recursos pro Supremo Tribunal Federal de decisões judiciais que colocassem em questão a validade das leis e atos de governos locais em face da então vigente constituição.

2.3 Regime autoritário 1964.

A entrada do regime autoritário no Brasil trouxe alguns pontos interessantes para conseguir entender a atual posição política das religiões. Ela mostra, novamente, o desequilíbrio do Estado Laico sendo visto no dia a dia.

Até a presente data havia ainda uma enorme diferença entre quantidade de cristãos e outras religiões no país. Na cúpula, a tendência, fosse dos católicos, fosse dos evangélicos, foi no sentido de apoio e adesão ao novo regime.

Uma pequena parte da comunidade católica, na época, significava ainda uma quantidade imensa de religiosos, e, por este motivo, os poucos que se opuseram ao novo regime eram uma quantidade significativa. Como exemplo,pode-se citar os militantes advindos de grupos estudantis católicos.

Já os Evangélicos, que representavam a minoria,ao contrário do que se pensava, foram ao encontro do novo regime, tomando certa força política ao fim da ditadura. O que acabou por fazer serem reinseridas, novamente, diretrizes religiosas no sistema político nacional.

A Igreja católica, em 1965, passou a ter uma maior atuação e maior envergadura. A partir deste fortalecimento, resistiu ao golpe do estado, embora fosse minoritária a oposição ao regime autoritário. Assim, com o perigo de serem pegos sendo contra o regime, algumas pessoas começaram a mudar de religião.

Portanto, os mesmo nomes da cúpula da hierarquia católica que haviam demonstrado alguma simpatia pelo golpe militar colocaram sua ampla influência a serviço da superação do autoritarismo.

Dessa forma, quando acontece a abertura do regime, a imagem da Igreja católica como apoiadora da ditadura já não era mais dominante diante de todo o público quanto as evangélicas. Estas apresentavam uma imagem de conservadorismo político e de costumes.

Marcio Nuno Rabat, por exemplo, em seu estudo de caso sobre “A atuação política católica e evangélica e o Congresso Nacional”, dispõe que

“Essa força eleitoral vem à tona justamente no período de nossa história em que o voto popular passou a ter uma importância que nunca tivera na composição da classe política do país. Até 1945, raramente, se é que alguma vez o voto das maiorias teve influência política significativa”.

3 Constituição de 1988.

Inicialmente, faz-se necessário abordar o conceito de Estado, este obtido por meio de Cláudio De Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga (2007, p. 43 apud SILVEIRA FILHO, 2009, p. 16),

“Uma definição abrangente de Estado seria uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constitui- ção escrita. É dirigido por um governo soberano reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção”.

Após um pouco mais de um século, a Constituição de 1988, vigente nos tempos atuais, trouxe uma posição por parte do Estado, também laica, caracterizada por um comportamento neutro em relação a qualquer religião.

Segundo Amaral Junior e Liliana Jubilut em, O STF e o Direito Internacional dos direitos humanos, a Constituição de 88 reconheceu um catálogo de direitos fundamentais sem precedentes na história pátria, e em rol exemplificativo.

“Numa postura reativa a um imediato passado de um Estado violento e arbitrário, somado a uma hierarquização e desigualdade social desde a fundação nacional, a constituição da república nasce com um compromisso maximizador visando compatibilizar direitos de distintas matrizes históricas e filosóficas”.

O primeiro a tratar do assunto religião, é o artigo 5°, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

O artigo 19, tratando da organização do estado, estabelece que – é vedado à União, Estados, Distrito Federal e municípios estabelecer cultos religiosos, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público –  ou seja, ainda há um jeito de que a política pública subvencione religiões.

O artigo 143 da mesma Carta Maior, dispõe que os serviços militares serão obrigatórios, cabendo às forças Militares atribuir serviços alternativo em tempo de paz, para aqueles que, por força do imperativo de consciência, não possam prestar tais serviços.

Pode-se entender como “imperativo de consciência” a crença religiosa, convicção filosófica ou política. Além desta ressalva, eclesiásticos e mulheres são poupados do serviço militar obrigatório.

Caso interessante e que se encaixa bem neste assunto é o do Ex lutador de Box Mohammed Ali. Ao ser convocado para a guerra do Viatnã acabou declinando por motivos religiosos. Este acabou por sofrer ainda mais discriminação, perdendo inclusive seu título de campeão mundial e chegando a passar dificuldades financeiras por conta de seu posicionamento político, religioso e por sua cor.

Nas palavra dele, sair de casa para ajudar a matar uma nação pobre é contra sua religião, como também contra a sua moral e ética. Vejamos nas palavras dele trazido pelo documentário Mohammed Ali, 2011

“Por que me pedem que vista uma farda e vá para um local a 15 mil km de casa, atirar balas e bombas no povo pardo do Vietnã, enquanto os chamados negros de Louisville são tratados como cães e lhes negam os direitos humanos? Não, eu não vou para um local a 15 mil km de distância para ajudar a matar e queimar outra pobre nação, só para continuar com o domínio de senhores brancos de escravos sobre pessoas mais escuras do mundo. Chegou o dia em que tais maldades têm de acabar”.

O boxeador sabia das consequências e as assumiu, como se abandonasse o título em prol de seus princípios vinculados à raça e à religião.

Precisaria lutar nos tribunais para que sua fé fosse respeitada, chegando a dizer que se perdesse poderia ficar preso, mas que não trairia sua religião. Após três anos, é absolvido pela Suprema Corte, que aceitou sua alegação de que por ser sacerdote dos muçulmanos, estava dispensado do recrutamento.

Assim, o lutador fixa um marco na história das religiões em relação à política de seu país.

Retornando ao Brasil, com relação à subvenções do Estado, na atual Carta Magna, o artigo 150 trata sobre os limites de tributar da União, Estados, Distrito federal e municípios. Dentre eles está o da vedação de instituir impostos a templos de qualquer culto, entendendo por estes, qualquer edificação que nela haja celebração de religião oficial ou não.

Já no capítulo que versa sobre a ordem social, artigo 201, §1 e 213, II, ao qual se refere à educação, existe a previsão de que na grade curricular de escolas públicas se tenha ensino religioso, podendo, inclusive, ser dirigido subvenção pública a escolas confessionais.

Por último, o artigo 226, §2, capítulo este que trata sobre a família, há disposição em que garante ao casamento religioso efeito civil.

Assim, claro se torna o fato de que a Constituição se mantém neutra no assunto religião oficial, mas até que ponto não ter uma religião oficial significa que o Estado, latu sensu, não traga uma posição religiosa vez ou outra?

Logo no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, seus constituintes pedem pela proteção divina para elaborar da melhor forma possível a vigente Carta Maior. Vejamos.

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifo nosso)”.

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal garante as pessoas e cidadãos um estado laico, carrega e roga, em seu preâmbulo, pela proteção divina.

É sabido por todos que o preâmbulo constitucional não se trata de dispositivo legal, sendo este apenas hermenêutico.

Ocorre que, para uma boa preservação da liberdade religiosa, foi preciso que o Supremo Tribunal Federal se posicionasse a respeito.

Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Excelentíssima Ministra Cármen Lúcia leciona da seguinte forma.

“Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a Constituição e que devem servir de orientação para a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais e apreciação da subsunção, ou não, da Lei 8.899 94 a elas. Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preambulo da Constiuição, no qual se contem a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (…). não apenas o estado haverá de ser convocado para formular as politicas publicas que podem conduzir ao bem estar , à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segudo aqueles valores, a fim de que se firme uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…). E, referindo-se, expressamente, ao preambulo da CF, escolia José Afonso da Silva que “O Estado democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. “Assegurar”, tem, no contexto, função de garantia dogmática- constitucional; não porem, de garantia de valores abstratamente considerados, mas do seu “exercício”. Este signo desempenha, ai, a função pragmática, porque com objetivo de “assegurar”, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdos específicos (…). Na esteira destes valores supremos explicitados no preambulo da constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o principio jurídico da solidariedade”.   STF – ADI 2.649,    voto da Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 08.05.2008, Plenário, DJE de 17.10.2008.

Importante destacar que o preâmbulo da constituição estadual do Acre já foi alvo de uma Ação de inconstitucionalidade, porém, pela omissão da expressão “sob a proteção de Deus” que consta na Carta Maior de 1988.

Tendo como partes o Partido Social Liberal (PSL), Wladimir Sérgio Rale e a Assembleia legislativa do estado do Acre. O Relator da Ação foi o Ministro Carlos Velloso.

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi, por unanimidade, pela improcedência da ação em 2002, pois o preâmbulo da constituição não é considerada norma central, não tendo força normativa. Dessa forma, não se faz obrigatória, mantendo sua forma original. Vejamos.

A ASSEMBLÉIA ESTADUAL CONSTITUINTE, usando dos poderes que lhe foram outorgados pela CONSTITUIÇÃO FEDERAL, obedecendo ao ideário democrático, com o pensamento voltado para o POVO e inspirada nos HERÓIS DA REVOLUÇÃO ACREANA, promulga a seguinte CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ACRE.

Sabendo que o Estado é Laico e o artigo 5°, VI, da Carta Maior garante a livre escolha de crença, há um claro conflito entre costume e liberdade de escolha.

Casos de brigas em repartições públicas motivados por símbolos religiosos que ornamentam tais espaços, ainda são notícias amplamente divulgadas.

Feriados nacionais, em sua maioria, são religiosos. A exemplo destes, o Brasil tem como Padroeira Oficial Santa vinculada à igreja Católica, data comemorada com feriado nacional, equiparando-se com o Dia da Independência do Brasil, que também é comemorado com feriado.

O imenso aumento de políticos religiosos no país, como pastores, padres, bispos, freires e até freiras, mostra-nos como é difícil, em nossa terra pátria, separar a religião da política. Este fato mostra como é pouco aplicado, na prática, o real significado de Estado Laico.

Assim, deve-se observar se realmente há, na Nação, um Estado Laico, se há imparcialidade na política e sistema de governo no tocante à religião.

3.1 O nascimento dos direitos fundamentais.

Uma vez que o direito à livre consciência religiosa se insere no capitulo relativo aos Diretos Fundamentais do Homem, torna-se importante salientar o nascimento deste instituto.

A história dos direitos fundamentais nasce do marco do jusnaturalismo, seguido das declarações dos direitos do homem, estando inclusive nas constituições liberais, seguido do Estado Democrático de Direito e, principalmente, após a segunda guerra mundial.

Conforme ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra intitulada “Jurisdição constitucional e direitos fundamentais”: “A primeira ideia de direitos fundamentais é encontrada na antiguidade helênica, quando acreditavam na existência de um direito não criado pelo homem, nem fruto da deliberação de um rei, ou de um tirano, ou do próprio povo”.

Marco Túlio Cícero, no “De Legibus”, assim escreve: “non scripta sed nata lex”, ou seja: a lei natural, aquela que já nasce com o homem.

Para Rousseau a ideia do governo democrático é o fruto da participação de todos e entende que liberdade é a obediência de que nós mesmo prescrevemos.

Estes e mais alguns fundamentos iriam dar base a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789.

Da era da revolução francesa, onde foi criada a primeira constituição com direitos fundamentais, é que daria norte as demais constituições criadas em diante, inclusive a nossa atual Carta Magna.

Posto isso, fica claro que o nascimento dos direitos fundamentais é implícito na natureza humana e que, a constituição, ao trazer estes direitos de forma expressa torna-se um meio para que o povo, como um todo, respeite seu direito. Assim como diz o dito popular “o seu direito termina onde o meu começa”.

Neste diapasão, Ferreira Filho entende que o reconhecimento por escrito do Estado sobre os direitos fundamentais é apenas um meio de educar o povo, dar publicidade de seus direitos e obrigações. Por fim ensina o autor que “por ser direitos inerentes do homem, estes são imprescritíveis e inalienáveis, pois o que faz parte ontologicamente do homem não acaba e não pode ser despido”.

3.2 A liberdade religiosa como direito fundamental.

Nas palavra de Francisco Tomazoli da Fonseca, na sua obra Religião e Direito no século XXI, a Liberdade religiosa no Estado Laico.

“…alcançou status de direito fundamental primeiramente consilidado nos documentos das revoluções iluministas – inglesa, francesa, americana – de depois nas constituições republicanas que fulcraram o Estado de direito Democratico.”

Com o passar dos anos e a modernidade, ai incluso a reforma protestante, o surgimento do racionalismo e a descoberta de várias outras partes do mundo com as colonizações, o mundo ocidental ganhou nova forma.

O surgimento do Protestantismo trouxe uma quebra na unidade católica que, até então, mantinha-se una em toda a terra descoberta até então.

Este surgimento, nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, trouxe a busca pela liberdade religiosa como direito fundamental da pessoa humana. Vejamos.

“a quebra da unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à verdadeira fé. Esta defesa de liberdade religiosa postulava, pelo menos, a ideia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este facto, alguns autores, como G. JELLINEK, vão mesmo ao ponto de ver uma luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porém, que se tratava mais da ideia de tolerância religiosa para credos diferentes do que propriamente da concepção da liberdade de religião e crença, como direito inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos constitucionais”.

Ao fim, para que a liberdade religiosa fosse posta como um direito fundamental, teve-se que seguir três princípios de direitos humanos: autonomia, inviolabilidade e dignidade.

Segundo Carlos Frederico Ramos de Jesus, a autonomia consistia no direito ao livre arbítrio, desde que esse não trouxesse prejuízos a terceiros.

A inviolabilidade, a proibição de impor aos homens, contra sua vontade, sacrifícios e privações que não redundem de seu próprio benefício.

Por fim, a dignidade, estabelecendo que os homens deveriam ser tratados segundo suas próprias decisões, intenções e consentimento. Ao fim, nas palavras do autor.

“As preferencias externas, exatamente por serem apenas subjetivas e desprovidas de uma justificação impessoal que aspire a generalidade, não podem vincular as vidas dos que não têm. A maioria da sociedade não tem direito de impor seus meros desejos ao restante, “porque a crença de que preconceitos, aversões pessoais e racionalizações não justificam restringir a liberdade de outrem ocupa, por si só, uma posição crítica e fundamental em nossa moralidade popular”

E continua.

“No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade”

A liberdade religiosa é considerada uma liberdade de expressão, de ser um ser pensante com consciência, conceitos e valores, seja por uma religião determinada, seja pela simples confecção de não se firmar em apenas uma ou em alguma religião.

Nesse sentido é o pensamento do estudioso Francisco Tomazoli da Fonseca, ao descrever.

“Oriunda de um direito positivado no mundo ocidental, a liberdade religiosa se consagra como um corolário da liberdade de consciência, ou seja, a possibilidade de um indivíduo tutelar juridicamente qualquer posição religiosa, até mesmo a incredulidade provem do princípio da soberania de consciência, fulcrado nos conceitos de “gestão de valores de espirito” remetidos à autodeterminação de cada pessoa humana”.

4 – A aplicação do estado laico no brasil atual

Por todo o exposto, é solidificado que existe um direito à liberdade religiosa, sendo este um direito fundamental do nosso ordenamento jurídico vigente. Sabendo que este direito, de qualquer ótica, se coaduna com outros direitos fundamentais e premissas, disserta Francisco Tomazoli da Fonseca.

“A dignidade da pessoa humana, uma vez que respeitada a convicção interior, fé de cada um, é pertinente somente ao homem, o direito de intimidade, como fator pessoal e próprio do homem, o direito de liberdade como exposto, o direito de solidariedade, haja vista que esta induz o respeito e apoio ao outro, ao princípio da igualdade pois o Estado laico, não confessional é tolerante, via de consequência, é inclusivo, acolhe a todos sob o pálio da liberdade de crer ou não crer em que quiser e assim permanecer em paz com o público e o privado, como verdadeiros cidadãos republicanos, independente da fé religiosa de cada um”.

Na mesma vertente do Laicismo e a Liberdade Religiosa, Weingartner, consubstancia um rol de direitos ramificados à estes tais como: há liberdade de ter ou não ter uma religião, crença. Mudar ou abandonar alguma crença, entendendo o autor que o homem tem o poder pessoal e de consciência de viver de acordo com seus entendimentos, seja ele maduro ou maleável.

Francisco Tomazoli da Fonseca ainda acrescenta alguns direitos; os de agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada; a liberdade de professar sua própria crença; de procurar por novos crentes em sua crença; de divulgar livremente seu pensamento religioso, dentre outros.

4.1 A problemática com relação a simbolos religiosos em repartições públicas

Ainda neste sentido, Segundo Freyre (2002), os traços iniciais da cultura atual no estado brasileiro começa a ser formado no início do século XVI pelos colonizadores portugueses. Estes trouxeram uma vasta bagagem cultural de seu país, incluindo a religião.

No mesmo sentido, leciona Eder Bonfim Rodrigues em seu livro “Estado Laico e Símbolos Religiosos no Brasil – As Relações entre Estado e Religião no Constitucionalismo Contemporâneo”.

“A religião, como já mencionado anteriormente, está nas origens do Brasil, fazendo parte da história nacional desde a chegada do português na América, e se constituindo num componente estruturante da sociedade brasileira desde a primeira unidade política e social instituída neste país, o engenho. A presença do catolicismo no Brasil foi consequência direta da própria história de Portugal e de suas relações amistosas e de dependência com a Igreja Católica Romana”.

Sabe-se que, desde sempre, muito antes de um estado civilmente organizado, já existia o homem religioso, guiado pela fé.

Entende-se também, que do mesmo modo em que o homem é guiado pela fé e muitas vezes age por ela, deve obedecer as normas trazidas no ordenamento jurídico.

Neste Cotidiano ocorrem os conflitos sobre o Estado Laico e a liberdade de religião.

Como o Estado pode ser laico se é governado por homens que, em sua totalidade, tem alguma posição doutrinaria sobre ter ou não uma religião?

A posição do estado laico não traria um cerceamento da liberdade religiosa para quem à tem?

Não é preciso pesquisar muito para encontrar vários e vários prédios públicos que usam símbolos religiosos em lugares visíveis.

A destacar nossa Suprema Corte, o Supremo Tribunal Federal tem acima da mesa do presidente da Corte um Crucifixo com a imagem de Jesus Cristo.

Seria o Estado mostrando que de fato não é tão Laico assim ou somente alguém, seja ele o presidente atual do STF exercendo seu direito de expressar sua fé no ambiente de trabalho, assim como também é garantido pela atual carta magna?

Para Francisco Tomazoli da Fonseca, o estado tomou uma posição de neutralidade para qualquer religião. “O Estado laico buscado pelo constituinte originário constitucionalizou a neutralidade estatal em matéria de religião, firmou a postura do Estado laico absoluto, ou seja, sem nenhum tratamento privilegiado ou de embaraço para qualquer religião”.

Por este motivo, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo protocolou uma inicial requerendo a retirada dos locais de ampla visibilidade, de atendimento ao público os símbolos de qualquer religião; a ONG Brasil para Todos formulou os mesmos pedidos no CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

Em sua exordial o MP sustentou com base no Estado laico, todos os cidadãos devem ser respeitados sob os princípios da igualdade e isonomia, sob a ótica do mérito sita os artigos 5, VII da CF; 12 do Pacto de São José da Costa Rica; e os artigos 2 e 4 da declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na crença. Vejamos.

“Artigo 2.

§ 1, ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicção por parte de nenhum Estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares.

§2. Aos efeitos da presente declaração, entende-se por intolerância e discriminação baseadas na religião ou nas convicções, toda a distinção, exclusão, restrição ou preferencia fundada na religião (…).”

Argumenta ainda que o Estado laico não pode privilegiar uma religião em detrimento as outras ao ostentar em prédios ou repartições públicas símbolos de determinadas religiões.

No entendimento de Francisco Tomazoli da Fonseca, não se pode mais pensar em tradição ou cultura, visto que o Brasil é um Estado laico desde de sua Constituição de 1891 e que, o Estado já teria rompido o antigo Estado Confessional – que durou desde o descobrimento do Brasil em 1500 até o período de 1890. Por fim, conclui que a manutenção destes símbolos religiosos configura desrespeito ao princípio da laicidade do Estado.

Em suas palavras, a sociedade pluralista tende a possibilitar tratamento igualitário a todos.

“Numa sociedade pluralista como a brasileira, de várias crenças e filiações religiosas, a laicidade é um instrumento para possibilitar o tratamento igualitário a todos. No pluralismo religioso, o endosso pelo Estado de qualquer posicionamento religioso implica, necessariamente, desigualdade, injustificado tratamento, desfavorecido em relação àqueles que não abraçam o credo privilegiado” p.109

No entanto, não foi este o entendimento sobre a inicial proposta pela Procuradoria que deu parecer favorável a permanência dos símbolos religiosos no STF.

Declara que a existência dos símbolos religiosos não viola o princípio da laicidade, nem privilegia o catolicismo em detrimento as demais religiões , mas é apenas uma expressão cultural de um pais de formação católica, que deve ser protegida e respeitada.

Assim permanece seu posicionamento:

“a cultura e a tradição – fundamentos de nossa evolução social – inseridas numa sociedade oferecem aos cidadãos em geral a exposição permanente de símbolos representativos, com os quais convivemos pacificamente, v.g.: o crucifixo, o escudo, a estatua, etc.. São interesses, ou melhor, comportamentos individuais inseridos, pela cultura, no direito coletivo, mas somente porque a esse conjunto pertence, e porque tais interesses podem ser tratados coletivamente, mas não por serem entendidos como violadores de outros interesses ou direitos individuais, privados e de cunho religioso, que a tradição da sociedade respeita e não contesta, porque não se sente agredida ou violada”.

E continua

 “Entendo, com todas as vênias, que manter o crucifixo numa sala de audiências públicas de Tribunal de Justiça não torna o estado – ou o Poder judiciário – clerical, nem viola o preceito constitucional invocado (CF, art. 19, I) porque a exposição de tais símbolos não ofendem o interesse público primário (a sociedade), ao contrário, preserva-o, garantindo interesses individuais culturalmente solidificados e amparados na ordem constitucional, como é o caso deste costume, que representa a tradição de nossa sociedade.

Por outro lado, data vênia, no ordenamento jurídico pátrio não há qualquer proibição para o uso de qualquer símbolo religioso em qualquer ambiente de órgão do Poder Judiciário, sendo da tradição brasileiro a ostentação eventual, sem que, com isso, se observe repudio da sociedade, que consagra um costume ou comportamento como aceitável(…)”

Portanto, mostra-se claro que, para o poder judiciário, o costume de uma sociedade “criada” na ótica católica ter em repartições públicas símbolos religiosos, em detrimento àqueles que não tem não os influenciam tampouco os agridem.

Em tramitação no STF, a Ação direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria Geral da República, com o objetivo da proibição da confessionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileira, ao passo que também pede a proibição de admissão de professores representantes de confissões religiosas – assim como pastor, por exemplo – por entender que afrontaria a laicidade do Estado.

Por seu turno, a defesa alega que o estado laico garante a liberdade religiosa e não sua proibição, ao passo que as aulas são “facultativas”, sendo que cabe ao aluno o direito de escolher se quer ou não assistir as aulas.

Com a aposentadoria do Min. Aires Brito, este processo foi designado ao relator substituto min. Roberto Barroso. O processo foi recebido em junho de 2013, não tendo, até a presente data, uma resolução.

Conclusão

O homem, seja como parte da sociedade, seja como individuo, tem necessidade de convicção, mesmo que entenda que para ele, ter convicção ou não importa para seu próximo. Este posicionamento, essencialmente já caracteriza uma convicção.

É disto que o ser humano vive e é por isso que o Estado, ao se declarar laico, garante aos seus viventes. Poder de decisão. Poder de dizer sim ou não a essa ou aquela religião.

O estado laico é um Estado que tem o dever de não tomar posição religiosa e garantir a todos, que sua fé, independente de qual seja, será tolerada.

Nas palavras de Canotilho (2007, p.613) espera-se que a laicidade

“Impõe que o estado se mantenha neutro em relação as diferentes concepções religiosas presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questão de fé, bem como buscar o favorecimento ou o embaraço de qualquer crença”.

A laicidade deve ser uma garantia de liberdade religiosa, que como já foi dito, é tida como direito fundamental e como direito fundamental deve ser imprescritível, inviolável e inalienável.

Diante deste direito fundamental é necessário que o estado tenha, ou pelo menos busque sua neutralidade religiosa o que se diferencia da falta de religião.

É importante frisar que o Estado laico não é um Estado ateu. É importante que todos, inclusive o estado tenha um valor a ser considerado, desde que este não interfira ou interponha no seu valor sobre os valores de seus cidadãos.

No mesmo sentido posiciona-se Francisco Tomazoli da Fonseca (2015, p.145) ao escrever

“A laicidade como tolerância é um excelente caminho para promover este proposito estatal; é atitude inclusiva, que acrescenta e amolda os diversos interesses, sistemas sociais e religiosos para uma convivência ordeira e pacífica”.

Chaga-se a conclusão, portanto, que a fé, esperança, força de espirito jamais deixará de estar entrelaçada com o Estado, de forma distante ou não.

O que se vê é um Estado sem religião oficial, mas seus governantes, juízes, legisladores, que, antes de tudo, são homens, trazem em sua bagagem emocional sua crença, sua fé. E isso o homem jamais conseguirá separar ou distanciar.

Referência
FONSECA, Francisco Tomazoli da. Religião e Direito no Século XXI – A Liberdade Religiosa no Estado Laico. Curitiba: Juruá, 2015.
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BRASIL. Constituição Politica do Império do Brazill de 1824. Carta de lei de 25 de março de 1824. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Proclamada em 15 de novembro de 1891. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm
BRASIL. Ato Institucional n°1 de 1964. Instituída em 9 de abril de 1964. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-01-64.htm
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Esp. Rodrigo Soncini de Oliveira Guena


Informações Sobre o Autor

Carla Albuquerque Zorzenon

Acadêmica de Direito na Instituição de Ensino – Unicastelo


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