O mandado de segurança individual

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Sumário: 1. introdução – 2. origens do instituto no direito comparado – 3. evolução do mandado de segurança no Brasil – 4. conceito, natureza jurídica e cabimento – 5. objeto – 5.2. procedimento – 5.1. partes – Conclusão.


Resumo: O artigo aborda a origem e evolução do mandado de segurança no direito brasileiro e comparado, sua atual relevância, os aspectos práticos de sua utilização bem como sua validade como instituto para o futuro da ordem jurídica pátria.


Palavras-chave: Writ. Mandado de segurança. Juicio de Amparo. Individual. Habeas Corpus.


1. Introdução


Hodiernamente, o mandado de segurança no Brasil consubstancia-se em garantia de um direito líquido e certo, previsto na Constituição Federal e expresso por uma ação de natureza cível e sumária. É importante destacar que na atual ordem jurídica se encontra no rol dos direitos fundamentais, cláusula pétrea, segundo o art. 60, § 4º, CRFB.


Na magistral definição de MEIRELLES, “é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção do direito individual líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça[1]”.


Para SLAIBI, “(…) o mandado de segurança individual visa proteger o interesse individual em legitimação ordinária, de pessoa física ou jurídica, de ente despersonalizado ou até mesmo de órgão público na defesa de sua competência.[2]


A expressão mandado de segurança pode ser tomada num sentido amplo e, em outro, estrito. No primeiro caso, designa uma ação de conhecimento revestida de características próprias e, no segundo caso, designa uma liminar emitida por autoridade competente a fim de que se tutele um direito líquido e certo.


O mandamus, a exemplo de outros writs (como o habeas corpus), pode ser ainda repressivo (em decorrência da lesão atual ao direito do impetrante) ou preventivo (em face do justo receio de lesão futura ao direito do impetrante).


No moderno Estado democrático de direito, é verdadeiro instrumento de afirmação de cidadania, protegendo o indivíduo de atos lesivos ou abusivos provenientes de autoridades públicas.


2. Origens do instituto no direito comparado


As origens do mandado de segurança na tradição luso-brasileira podem ser encontradas nas tutelas de natureza mandamental nas Ordenações Alfonsinas (1438-1481)[3], Manoelinas (1514)[4] e Filipinas (1603)[5].


No Direito Português encontramos também a chamada apelação extrajudicial, que podemos considerar como fonte histórica do mandado de segurança, embora o objeto de exame fosse feito somente através de meio jurídico recursal próprio.


Doutrinariamente, encontramos ainda a influência do Juicio de Amparo mexicano e das Class Actions Norte-Americanas, conhecidas por nós pela grande influência na ação civil pública brasileira e a ações coletivas previstas no Código de Defesa do Consumidor.


Quanto ao Juicio de Amparo mexicano, ressalte-se que há semelhança apenas em relação a uma das tantas abrangências dadas ao instrumento, precisamente no que tange ao amparo administrativo, que se manifesta como uma forma de impugnação dos atos da administração. Considerado em sua totalidade, o juicio de amparo apresenta funções de:


I – Instrumento protetor de direitos fundamentais;


II – Meio de combater leis inconstitucionais;


III – Recurso de cassação;


IV – Forma de impugnação dos atos da administração ativa. (este assemelhado ao nosso mandado de segurança)


Tanto na Argentina como no Uruguai há previsão e uso do juicio de amparo, entretanto, existem algumas diferenças quanto à legitimidade. No Uruguai, o Ministério Público, associações ou qualquer interessado está legitimado a propor o writ, diferentemente da Argentina, onde se exige a coincidência entre o legitimado e o titular do direito ofendido.


Sem dúvida que existe correlação do mandado de segurança com os writs nos Estados Unidos e com o mandamus na Inglaterra. O mandado de segurança do direito brasileiro se aproxima mais do mandamus inglês, instituído para proteger os funcionários demitidos ou removidos ilegalmente. O mandamus visa atos administrativos, ao passo que mandado de segurança se dirige contra atos de autoridades em geral.


O writ, por sua vez, é medida geral de proteção contra atos públicos e particulares. Desta feita, o mandado de segurança pode corresponder a determinado writ do direito norte-americano, mas não a qualquer deles.


Podemos destacar o writ of mandamus, que é espécie distinta do a quo warranto, bem como do writ of certioari. Mandamus é palavra latina que quer dizer “comando”. O “writ of mandamus” no direito norte-americano é comando proveniente de corte superior para inferior, ou desta para particular, desconstituindo determinado ato que se apresentar abusivo ou ilegal. Este writ foi introduzido para prevenir falhas na administração da justiça e é utilizado em todos os casos em que não haja outro recurso específico. A 13ª sessão do Congresso Norte Americano, em 24/09/1789, outorgou a Suprema Corte o poder para exarar “writs of mandamus” contra qualquer tribunal ou particular agindo em nome do governo norte americano, mas esta prerrogativa é de rara utilização.


O quo warranto é espécie de writ onde o impetrante exige justificativa do impetrado acerca de sua legitimação para exercer determinado poder ou direito, que este alega ter. É utilizado nos EUA contra órgãos governamentais ou corporações oficiais que não foram eleitas de forma válida ou exercem atividades além das autorizadas por seu estatuto.


Por sua vez, no direito norte-americano o “writ of certiorari” é aquele encaminhado para um Tribunal de Apelação, objetivando uma ordem para uma corte inferior, a fim de que esta reveja seu julgamento devido a erro de direito, nos casos em que não houver outro recurso disponível em matéria de direito (judicial review). A Suprema Corte tem negado a maioria deste writs, evitando interferir nas jurisdições dos tribunais inferiores, embora os acolha quando objetivarem uniformização de jurisprudência, nos casos onde duas cortes federais de apelação tenham decidido de forma diversa em situações similares. No direito inglês, a chamada order of certiorari é dirigida de uma corte superior para uma inferior ou para organizações governamentais, a fim de desconstituir suas decisões.


Independentemente das influências históricas, de suma importância foi a produção doutrinária pátria a fim de implementar em nosso ordenamento jurídico meio idôneo a proteger os direitos vinculados às liberdades fundamentais contra a atuação do Estado. Na visão de muitos, o mandado de segurança, ainda que embasado em instituições alienígenas, constitui-se em singular produto da verve jurídica brasileira, e “não encontra instrumento absolutamente similar no direito estrangeiro”.[6]


Desta feita, foi o esforço da doutrina e do legislador nacional, atendendo às necessidades práticas da realidade brasileira, que conferiu ao mandado de segurança as feições jurídicas que hoje este instituto possui.


3. Evolução do mandado de segurança no Brasil


A Constituição Imperial de 1824 já reconhecia a inviolabilidade dos direitos civis e políticos em seu art. 179, mas não havia previsão legal acerca das ações cabíveis, ainda que constasse no inciso XXX do referido artigo, que:


“Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores”.


A Constituição Federal de 1891 ampliou o conceito que o Código de Processo Criminal de 1832[7] conferia ao habeas corpus, dando origem à chamada “doutrina brasileira do habeas corpus“. Em seu art. 72, par. 22, aquela Constituição dispunha:


“Dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder”.


O alargamento da noção de habeas corpus atendia às necessidades dos cidadãos de maneira mais ampla, através da utilização daquele instrumento não apenas para garantir a liberdade de locomoção, mas para tutelar a liberdade individual de forma a coibir violências e abusos em geral. Os Tribunais, porém, face à intensa demanda dos casos submetidos à apreciação do Judiciário, resultantes desta ampliação do habeas corpus a outros direitos individuais, passaram a enfrentar o assunto com cautela. Sempre que possível, o entendimento pretoriano procurava limitar-se à liberdade de locomoção como sendo o objeto por excelência da tutela do remédio.


Em 1911, o então Ministro PEDRO LESSA, relator do HC 2.990 no Supremo Tribunal Federal, suplantava o conflito que havia entre a disposição permissiva da Carta de 1891 e a excessiva prudência por parte dos Tribunais na aplicação do texto constitucional, estendendo a abrangência do instituto a fim de tutelar demais liberdades individuais:


 “Não havendo clareza, para o Poder Executivo, quanto à legitimidade da constituição do Conselho Municipal do Distrito Federal, mesmo após o deferimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de vários habeas corpus a Intendentes eleitos para aquele Conselho, e pelo fato de muitos Intendentes diplomados terem renunciado o direito que lhes asseguravam seus diplomas, sendo reconhecidos candidatos não diplomados, o Presidente da República, Hermes da Fonseca, por decreto, designa nova eleição de Intendentes, conseqüentemente a dissolução do Conselho existente. Otacílio Camará, por si e outros, no exercício das atribuições de seus cargos graças a habeas corpus concedido em 1909, impossibilitados de continuarem no exercício em virtude do citado decreto presidencial, pedem habeas corpus para o fim de continuarem no exercício de seus cargos até o final do mandato, alegando constrangimento à sua liberdade individual, uma vez que o decreto afronta a Constituição. Relator: Ministro Pedro Lessa. Data do Julgamento: 25/01/1911. Decisão: Concedida a ordem, por maioria. Publicação do acórdão: Revista O Direito, v. 115/229-243.[8]


Inobstante, tendo em vista a exagerada cautela da jurisprudência no enfrentamento do assunto, a construção doutrinária brasileira do habeas corpus perdeu fôlego, esvaziando-se na Reforma Constitucional de 1926, que tratou de restringir o campo de ação do instituto, dando-lhe as mesmas feições que ostentava na legislação do Império, ou seja, mais uma vez limitada apenas aos casos de prisão ilegal e constrangimento na liberdade de locomoção.


Contudo, já havia no campo da legislação ordinária outra forma de propiciar ao indivíduo tutela específica das liberdades públicas, de maneira mais ampla, na chamada ação sumária especial. Prescrevia o art. 13 da Lei 221, de 1894: “os juízes e tribunais federais processarão e julgarão as causas que se fundarem na lesão de direitos individuais por atos ou decisão das autoridades administrativas da União”.


A doutrina entendeu que o citado dispositivo legal traduzia-se em verdadeiro excesso de competência outorgado ao Judiciário, uma afronta ao princípio da tripartição de poderes. É bem verdade que o fato de se restringir aos atos puramente administrativos, a morosidade do sistema processual, e pouco preparo dos juízes também contribuíram para que a ação não lograsse êxito na aceitação popular, tendo simplesmente desaparecido do ordenamento. Entretanto, hoje se reconhece a importância da ação sumária especial para a construção doutrinária que, mais tardiamente, se realizaria em sede de controle jurisdicional de atos de autoridade.


Ainda antes de firmada a doutrina brasileira do habeas corpus, procurou-se através dos interditos possessórios garantir a tutela dos direitos pessoais contra ilegalidades do Poder Público. Em parecer sobre um caso, no ano de 1906, declarava Rui Barbosa o seguinte: “considerando, como considero, por motivos até hoje não refutados, extensiva aos direitos pessoais a proteção possessória, o primeiro remédio legal, a meu ver, para o caso figurado, seria a ação de manutenção”.[9]


A polêmica se estendeu após mesmo a vigência do Código Civil de 1916, tendo-se concluído pela inadmissibilidade da proteção interdital dos direitos pessoais.


Atualmente, pacífica a doutrina e jurisprudência acerca do tema, pois sendo a posse a exteriorização da propriedade[10] e correspondendo esta a um direito eminentemente patrimonial, não se pode utilizar os interditos possessórios para realizar a pretensão de tutela a direitos pessoais ou obrigacionais, de conteúdo notadamente extrapatrimonial. Além disso, uma vez que a posse é um fato positivo que vincula sujeito ao objeto possuído, é de sua natureza recair sobre coisas corpóreas por excelência, porque só desta forma haverá a exteriorização do domínio[11]. Confira-se o ensinamento do mestre ORLANDO GOMES:


 “Entre nós, a defesa dos direitos pessoais dessa ordem, que tenham sido lesados por ato de autoridade, processa-se através do mandado de segurança, que substitui, com vantagens, os interditos possessórios[12].”


Um dos muitos projetos que surgiram no intuito de regular o instituto do mandado de segurança é devido a ALBERTO TORRES, que em seu livro A Organização Nacional, de 1914, delineava um projeto de reforma constitucional que incluía uma ação especial com o nome de mandado de garantia entre as garantias constitucionais, com as seguintes características:


“É criado o mandado de garantia, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar preventivamente, os direitos individuais ou coletivos, públicos ou privados, lesados por ato do poder público, ou de particulares, para os quais não haja outro recurso especial[13].”


O instituto volta a ser cogitado durante os trabalhos da constituinte que daria origem à Carta de 1934. No anteprojeto constitucional, o relator da parte atinente ao mandado de segurança, JOÃO MANGABEIRA, o definiu nos termos seguintes:


“Toda pessoa que tiver um direito incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal do Poder Executivo, poderá requerer ao Poder Judiciário que a ampare com um mandado de segurança. O Juiz, recebendo o pedido, resolverá, dentro de 72 horas, depois de ouvida a autoridade coatora. E se considerar o pedido legal, expedirá o mandado ou proibindo esta de praticar o ato ou ordenando-lhe de restabelecer integralmente a situação anterior, até que a respeito resolva definitivamente o Poder Judiciário[14]“.


Esta definição acabou por constituir o art. 102, par. 21, do Anteprojeto enviado à Assembléia Nacional, tendo esta aprovado o texto, constante da Constituição de 16 de julho de 1934, que em seu art. 113, nº 33, assim dispõe:


“Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”.


Com a Constituição de 1934 o mandado de segurança se cristaliza no texto constitucional, defendendo todo e qualquer “direito certo e incontestável” da ação de qualquer autoridade, pública ou privada.


Por seu turno, a Carta Constitucional de 1937 não tratou em seu bojo do mandado de segurança, retirando do remédio a qualidade de garantia constitucional, uma vez que permeada das vicissitudes de um Estado totalitário. Cogitou-se, por esta razão, até mesmo da extinção do remédio do ordenamento pátrio.


O Decreto-Lei nº 06, de 16-11-1937, veio dirimir as dúvidas sobre o assunto. Este diploma normativo, todavia, restringiu a utilização do mandado quanto à sua legitimação passiva, como podemos observar da redação do seu art. 16, que prescrevia:


“Continua em vigor o remédio do mandado de segurança, nos termos da Lei n. 191, de 16 de janeiro de 1936, exceto, a partir de 10 de novembro de 1937, quanto aos atos do Presidente da República e dos ministros de Estado, Governadores e Interventores”.


Nova restrição ao instituto lhe impôs o Decreto-Lei nº 96, de 22 de dezembro de 1937, determinando o seu art. 21 não caber mandado de segurança contra atos da Administração do Distrito Federal, hipótese em que seriam admissíveis somente os demais recursos judiciais previstos contra atos da Administração Federal, excluindo o remédio inclusive para impugnar atos de Prefeito.


Dada a ausência de sua previsão constitucional e atendendo às restrições mencionadas pelos referidos diplomas normativos, o Código de Processo Civil de 1939 tratou de atribuir ao mandado de segurança nova disciplina, em seus arts. 319 a 331, relacionando-o entre os processos especiais.


Com o retorno do regime democrático, a Constituição de 1946 restabeleceu o mandado de segurança como garantia constitucional, ampliando o seu alcance e colocando por terra as restrições que lhe impunham o tratamento infraconstitucional do regime anterior. É assim que, em seu art. 141, par. 24, a Carta de 1946 determina que “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder”.


Inspirada pela Constituição democrática de 1946, a Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951, veio a regular o mandado de segurança, constituindo a base legal do writ.


A Carta Magna de 1967 previu em seu art. 150, par. 21, o mandado de segurança “para proteger direito individual líquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder”. A Emenda Constitucional nº 01, de 1969, no par. 21 de seu art. 153 repetiu exatamente o texto da Constituição de 1967.


O vigente Código de Processo Civil, de 1973, não disciplinou o remédio constitucional, ao contrário do que fizera o Código de 1939. Todavia, a Lei 1.533/51 continua em vigor.


A garantia é prevista na atual Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, “para proteger líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (art. 5º, LXIX, CF/88). A atual Carta Magna inova ao prever não só o mandado de segurança individual, como também o coletivo, conforme preceitua o seu art. 5º, inciso LXX.


4. Conceito, natureza jurídica e cabimento


O mandado de segurança é ação de impugnação de atos Estatais. Assim sendo, descabe em atos privados, salvo se decorrerem de execução de atividade pública delegada.


Há divergência na doutrina acerca da natureza jurídica do mandado de segurança, com os que o consideram como remédio de natureza especial e não ação. Noutro passo, a majoritária doutrina e jurisprudência acolheu a tese do mandado de segurança como ação, mas ainda divergem acerca de qual espécie este pertenceria. Para SOUZA é ação constitutiva, para LOPES DA COSTA é mandamental, ao passo que para CAVALCANTI é ação executória. Para BARBI é ação de cognição, que se exerce através de procedimento especial da mesma natureza, de caráter documental[15].


Os pressupostos para a concessão do mandamus são: a existência de norma objetiva; prova que o impetrante se encontra na situação definida por lei e prova de que um ato de autoridade está ameaçando seu direito objetivamente garantido. Cabe notar que o mandado de segurança, tal qual definido na lei vigente, aplica-se apenas para atos emanados de autoridade pública. De um modo geral, a Lei 1.533 admite o writ contra ato de qualquer autoridade pública, em qualquer esfera de poder, uma vez que o próprio texto constitucional, em seu art. 5°, XXXV, consagra a inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário acerca de qualquer ameaça ou lesão a direito.


Os atos do Poder Legislativo que podem ser atacados pela via do mandado de segurança são os atos praticados pelas Mesas das Câmaras, seus órgãos executivos, embora a jurisprudência não seja pacífica quanto ao tema, havendo quem considere tal ato uma invasão de uma esfera do poder em outro. Pacífica, porém, a posição de que incabível o writ contra lei em tese[16] e também contra lei ou ato administrativo genérico e abstrato, segundo a Súmula 226 do STJ, mas admissível contra lei com conteúdo de aplicação concreto e individual[17].


O mandado de segurança tem sido admitido como remédio apto a desconstituir atos decisórios nas Comissões Parlamentares de Inquérito, nomeadamente aqueles que determinam quebra de sigilo bancário e fiscal de seus investigados, pois neste aspecto os poderes destas comissões equiparam-se aos judiciais (art. 58, § 3° CF) e necessitam assim de fundamentação legal adequada, sob pena de nulidade[18].


O mandado de segurança pode ser impetrado inclusive na esfera do Poder Executivo, como o Presidente da República e Ministros de Estado, cabendo ao STF e STJ conhecer dos mesmos, de acordo com os art. 102, I, d, e 105, I, b, respectivamente, ambos da CF.


Não substitui a ação rescisória, descabendo contra decisão judicial transitada em julgado, posição consolidada pela Súmula 268 do STF. Contudo, no âmbito dos juizados especiais, tem sido utilizado como ação rescisória e mesmo à guisa de agravo de instrumento, tendo em vista da falta de previsão recursal legal em relação às decisões interlocutórias.[19]


Admite-se também para atacar decisões de juízes especiais que extrapolarem as matérias de sua competência, como, por exemplo, na impetração de mandado de segurança para o Tribunal de Justiça de decisão de Turma recursal ou juiz que decidirem direito de família. Todavia, incabível o mandado de segurança contra atos do Poder Judiciário quando houver outro recurso hábil para tal, com caráter suspensivo, de acordo com o art. 5°, II, da Lei 1.533, que veio por fim a uma longa controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.  Ressalte-se que o recurso deve ser ordinário, de forma que o mandado de segurança pode ser impetrado contra atos em que haja recurso apenas na esfera administrativa, sem efeito suspensivo[20].


Por fim, atos de tribunais administrativos, como o Tribunal de Contas da União, são passíveis de mandado de segurança, como reconheceu a Súmula 248 do STF.


5. Objeto


Por exclusão, de acordo com o texto constitucional, é todo direito líquido e certo que não for passível de defesa pela via do habeas corpus ou habeas data. O primeiro refere-se, como já explicitado, à liberdade de locomoção, ao passo que o segundo diz respeito à liberdade de acesso à informação. Assim, todas as demais situações são em teoria passíveis de mandado de segurança.


Direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano, pois não há instrução probatória no mandado de segurança. A prova deve ser inequívoca, com os fatos alegados demonstrados cabalmente e documentalmente pelo impetrante na inicial, ou que tais fatos não tenham sofrido impugnação pela autoridade impetrada.


Caso haja necessidade de dilação probatória, muitos admitem a convolação em processo ordinário, com aproveitamento dos atos praticados.


5.1. Partes


Legitimado ativo é o titular do interesse individual lesado ou ameaçado, pessoa física ou jurídica[21], ao passo que autoridade é o órgão público com competência de decisão.


O estrangeiro residente no exterior é parte legítima para a impetração, pois o texto da CF estende os direitos e garantias individuais aqueles, em seu artigo 5°, caput. Outrossim, a lei ordinária também não impõe qualquer tipo de restrição.


A doutrina e jurisprudência têm admitido o uso do mandamus por pessoas jurídicas de direito público, à falta de outro remédio mais eficaz. Cabível também a substituição processual, segundo o art. 3° da Lei 1.533/51, desde que o direito do substituto seja decorrente do direito do substituído lesado pelo ato impugnado, que ambos os direitos sejam certos e líquidos e que o substituído não tenha em prazo razoável interposto o mandado, embora notificado para tal. É o caso de erro na classificação de concursados, que reflete sobre todos os atingidos pela irregularidade do ato administrativo.


Mera autorização não torna a autoridade passível de Mandado de Segurança, consoante o art. 1, § 1, da Lei 1.533.  Como observa oportunamente Hely Lopes Meirelles, “deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público. Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios, os quais, se ilegais ou abusivos, são suscetíveis de impugnação por mandado de segurança quando ferem direito líquido e certo; este não pratica atos decisórios, mas simples atos executórios e, por isso, não responde a mandado de segurança, pois é apenas executor de ordem superior. Exemplificando: o porteiro é um agente público, mas não é autoridade; a autoridade é o seu superior hierárquico, que decide naquela repartição pública. O simples executor não é coator em sentido legal; coator é sempre aquele que decide, embora muitas vezes também execute a sua própria decisão; que rende ensejo à segurança. Atos de autoridade, portanto, são os que trazem em si uma decisão e não apenas uma execução”[22].


Assim, o concessionário ou permissionário de serviço público pode ser legitimado passivo do mandado de segurança.


5.2. Procedimento


A previsão regulamentadora do mandamus se encontra nas Leis nº 1.533/51, 4.348/62, 2.770/56, 4.410/64, 5.021/66 e 7.969/89, tendo sido a matéria em questão objeto de diversas súmulas, tais como as de nº 101, 248, 266/272, 294, 299, 304, 319, 330, 392, 405, 429, 430, 433, 474, 506, 510, 511, 512 e 597 do STF; as de nº 41, 105, 169, 177, 202 e 213 do STJ; e as nº 15, 60, 103, 121, 145, 183, 195, 216 e 255 do extinto TFR.


O prazo para impetração é de cento e vinte dias a contar da ciência do ato ilegal praticado pela autoridade, segundo o artigo 18 da Lei 1.533/51. O prazo é decadencial, extinguindo o direito de ação da segurança, embora não impeça o direito de ação por outro remédio jurídico cabível. No caso de omissão da autoridade, ou seja, inércia, não se conta o prazo, apenas do ato[23]


A petição inicial, que deve estar assinada por advogado[24], é protocolizada com as cópias comprobatórias do direito, e deve também solicitar informações á autoridade impetrada em dez dias, após o que se abre vista ao Ministério Público, e a seguir decide-se. O artigo 228 do CODJERJ diz que com as informações abre-se vista para a Procuradoria Geral do Estado para impugnação no prazo de cinco dias, procedimento flagrantemente inconstitucional, inovando legislação de competência privativa da União.


A execução se perfaz por meio de ofício ou mandado de intimação, ordem à autoridade impetrada para que atue de determinada maneira. É o chamado cunho mandamental do writ.


Digno de nota o disposto no art. 4° da Lei 4.348/1964, que possibilita à pessoa jurídica de direito público “interessada e para evitar grave lesão à ordem, à segurança e à economia pública” a possibilidade de requerer ao Presidente do Tribunal competente para os recursos cabíveis, a suspensão da execução da liminar. Trata-se de incidente processual, que deve ser aplicado de forma restritiva, uma vez que limita a eficácia deste remédio constitucional de forma drástica.


Os recursos cabíveis em sede de mandado de segurança são a apelação, no caso de decisão que apreciar o mérito, decretar a carência ou indeferir a inicial (art. 8º e 12 da Lei 1533/51); recurso de ofício, da sentença que conceder a segurança (art. 12 da Lei 1533/51 e CPC, art. 475, II); agravo regimental do despacho do Presidente do Tribunal que suspender a execução da sentença ou cassar a liminar (Lei 1.533/51, art. 13, Lei 4.348/64, art. 4º, RISTF art. 297) e recurso extraordinário, quando o acórdão incidir nos permissivos constitucionais.


Cabíveis também o agravo de instrumento e os embargos de declaração, o recurso adesivo e até mesmo o incidente de uniformização de jurisprudência, bem como os embargos de divergência. O efeito dos recursos é apenas devolutivo tendo em vista o caráter urgente e ato executório da decisão[25]. Cabe lembrar que somente os entes federativos e suas autarquias gozam da contagem dos prazos recursais em dobro.


A decisão concessiva ou denegatória da segurança pode fazer coisa julgada, desde que aprecie o mérito da pretensão do impetrante. Assim, a parte pode impetrar diversos mandados de segurança com o mesmo objeto, desde que com fundamentos diversos.


Conclusão


O mandado de segurança, em sua longa evolução histórica em território pátrio, tem encontrado na democracia seu mais fértil terreno de aplicação. Por ser tão importante na defesa das liberdades públicas da população, os regimes totalitários sempre buscaram sua restrição ou mesmo eliminação do ordenamento jurídico.


Com a nova ordem inaugurada em 1988, uma vez mais é alçado à condição de garantia constitucional, agora com força de cláusula pétrea, o que impede qualquer alteração, via emenda, de seus elementos constitutivos. É verdadeiro instrumento de controle da legalidade dos atos praticados pelas autoridades públicas, e pela sua celeridade procedimental muitas vezes afigura-se como único remédio cabível, quando necessária a urgente tutela de direitos certos e líquidos.


O mandado de segurança individual tem se desdobrado em novas e interessantes aplicações, como no âmbito dos juizados especiais, configurando verdadeiro substituto recursal, além do que nossa construção doutrinária e jurisprudencial tem buscado ampliar sua abrangência em todos os sentidos, principalmente no que tange á legitimação ativa e passiva. Para os operadores do direito, é ação essencial e parte integrante e indissociável de nosso atual sistema jurídico. Assim, longe de estar superado, o mandado de segurança figura como remédio adequado para a consolidação dos direitos e garantias individuais, que são os alicerces do Estado Democrático de Direito, e sua evolução, felizmente, está longe de um final.



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Notas:



[1] Meirelles, Hely Lopes, Mandado de Segurança, ação popular e ação civil pública, 11ª edição, São Paulo. Ed. RT, 1987, pp. 03




[2] Slaibi Júnior, Nagib, Direito Constitucional, op. cit., pp. 465.




[3] Livro III, LXXX




[4] Livro III, LXII




[5] Livro III, LXXVIII




[6] MORAES, Alexandre de, Direito constitucional. 11ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 163.




[7] Art. 340, in verbis: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem o direito de pedir ordem de habeas corpus em seu favor”




[8] In www.stf.gov.br, Julgamentos históricos.




[9]  Melchiades Picanço, Op. cit., p.7.




[10] Esta a conhecida doutrina preconizada por Ihering, a qual se filiou o nosso Código Civil de 1916 (art.485).




[11] Orlando Gomes. Direitos reais. 17a. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 33-36.




[12] Orlando Gomes. Op. cit., p. 34.




[13] Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 261.




[14] Rogério Lauria Tucci. Op. cit., p. 19.




[15] Op. Cit. Pp. 44




[16] Súmula 266 STF




[17] Nesse sentido, vide RMS 24266/DF – DISTRITO FEDERAL.  RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Relator Min. CARLOS VELLOSO Julgamento:  07/10/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma  Publicação: DJ 24-10-2003 PP-00030 EMENT VOL-02129-02 PP-00481; MS 24312/DF – DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA. Relatora Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 19/02/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 19-12-2003 PP-00050 EMENT VOL-02137-02 PP-00350; MS 24173 AgR/DF – DISTRITO FEDERAL AG.REG.NO MANDADO DE SEGURANÇA. Relatora Min. ELLEN GRACIE Julgamento:  01/08/2002Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 23-08-2002PP-00070 EMENT VOL-02079-01 PP-00151




[18] Vide, entre outros, MS 24217/DF- DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA
Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 28/08/2002  Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicaçã1o:  DJ 18-10-2002 PP-00026 EMENT VOL-02087-01 PP-00137; MS 23879/DF – DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 03/10/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 16-11-2001 PP-00008 EMENT VOL-02052-01 PP-00139.




[19] Recurso 453/97 e MS 1725/97.




[20] Súmula 267 STF




[21] Infere-se da interpretação do termo “alguém” referido pelo art. 1° da Lei 1.533




[22] Mandado de Segurança e Ação Popular, São Paulo, 1982, 8ª ed., p.8




[23] Actio nata – revista do TFR, nº 113, p. 27




[24] Incontroverso na atualidade que a impetração deve ser efetuada por advogado devidamente inscrito da OAB.




[25] Meirelles, Hely Lopes, op. cit., pp. 65, 66




Informações Sobre o Autor

André Luís Ferreira

Advogado, mestre em Ciências Jurídico Internacionais pela Universidade de Lisboa e professor de Direito Internacional Publico e Privado na UniverCidade, UCAM, UNISUAM e UNIFESO.


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