As excessivas incriminações do perigo como fenômeno do Direito Penal da sociedade do risco

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Resumo: O presente trabalho analisa o aumento das incriminações das condutas de perigo na sociedade contemporânea como uma característica do Direito Penal da Sociedade do Risco. Apresenta, ainda, a evolução das incriminações do perigo no curso da história, e demonstra que tais incriminações são uma forma encontrada pelo legislador para tentar estancar a criminalidade oriunda da velocidade e dos riscos impostos pela sociedade contemporânea.


Palavras-chave: Direito Penal, Risco, Sociedade do Risco, Perigo.


Abstract: This paper analyzes the increase in charges of dangerous behavior in contemporary society as a characteristic of the Criminal Law Society of Risk. It also presents the evolution of offenses the danger in the course of history, and demonstrates that such charges are a way found by the legislature to try to stem the crime originated from the speed and the risks posed by contemporary society.


Keywords: Criminal Law, Risk, Risk Society, Peril.


Sumário: 1. A Sociedade do Risco. 2. O Direito Penal da Sociedade do Risco. 3. As excessivas incriminações do perigo como fenômeno do Direito Penal da Sociedade do Risco. 4. Referências Bibliograficas.


1. A Sociedade do Risco


O reconhecimento de que vivemos em uma sociedade do risco (Risikogesellschaft), na qual a visível, porém imensurável, presença de novos riscos supera qualquer expectativa de controle a partir de cálculos matemáticos ou probabilísticos de segurança, apresenta-se como um fenômeno da sociedade contemporânea. Dita proposição é traduzida principalmente pelo sociólogo alemão Ulrich BECK, o qual percebe e anuncia que, na contemporaneidade, os perigos criados pela organização social, política e econômica são por ela controlados somente de forma limitada.[i]


BECK centraliza seu diagnóstico no fato de que as instituições que caracterizam a sociedade pós-moderna[ii] não reconhecem os limites de seu próprio modelo, permitindo que todos os avanços tecnológicos arquitetem um cenário de incerteza em todas as áreas, pois a probabilidade de danos em escala global não é uma questão de conotação exclusivamente técnica, mas, sobretudo, de decisões humanas e estas, na maioria das vezes, pertencem ao campo da política.


Aqui, apresenta-se um aspecto primordial da questão do perigo. Na sociedade contemporânea, o rótulo de insegurança que marca aquelas condutas potencialmente geradoras de risco é objeto de debates – negociação – na esfera política, no meio jurídico sem a necessária reflexão acerca dos seus efeitos colaterais.[iii]


A sociedade do risco revela-se como a continuidade do tecnicismo iniciado e perfectibilizado na Revolução Industrial. Trata-se de um produto da incrementação das práticas manuais e das técnicas científicas, do aprimoramento dos instrumentos sem qualquer finalidade específica, do (des)controle dos procedimentos e da total imprevisibilidade dos resultados. Nestas linhas, verifica-se que o fenômeno dos novos riscos, embora não tenha sido calculado ou admitido, não se contrapõe ao anterior[iv], ele é fruto do movimento da sociedade, e que o próprio conceito de sociedade de risco revela um estágio da industrialização em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então.[v]


A noção de movimento que envolve a sociedade do risco não permite que o preço pago pelo progresso seja facilmente diagnosticado. Esta postura decorre do fato de que no século XX a idéia de progresso esteve atrelada à necessária redução da desigualdade social e melhor distribuição da riqueza gerada e produzida para, de alguma forma, tentar erradicar, ou ao menos, reduzir drasticamente a miséria. Desta forma, os Estados abastados e desenvolvidos do Ocidente, em meio ao esforço para superar a miséria, não perceberam os efeitos dos avanços tecnológicos e do massacre das forças produtivas – trabalhadores – que, mais tarde, se mostraram como forças destrutivas, cujo alcance passou a se estender mundialmente.


A expectativa de previsibilidade das conseqüências desenvolvidas antes do advento da pós-modernidade é superada pelos efeitos da atividade contemporânea, fazendo surgir um novo tipo de risco, caracterizado pela globalidade dos efeitos colaterais do incremento da técnica. Para BECK, o alcance territorial dos novos riscos estão atrelados ao fenômeno da globalização, já que


“la globalidad nos recuerda el hecho de que, a partir de ahora, nada de cuanto ocurra en nuestro planeta podrá ser un sucesso localmente delimitado, sino que todos los descubrimientos, victorias y catástrofes afectarán a todo el mundo y que todos deberemos reorientar y reorganizar nuestras vidas y quehaceres, así como nuestras organizaciones e instituciones, a lo largo del eje ‘local-global”[vi]


LUHMANN, ao que parece, reconhecendo o risco como produto da pós-modernidade, revela que o conceito de risco “responde a la necesidad de conceptualizar uma situación puntual que no puede ser expresada con la precisión requerida por las palabras de que se dispone en ese momento[vii]. Nota-se que o pensador articula o conceito conjugando a imensurabilidade e imprecisão do que realmente se espera que seja o risco.[viii]


Desde o medievo até a presente época, os riscos advindos da natureza, considerando a sempre presente probabilidade de pragas, dilúvios, causaram intranqüilidade ao homem. Contudo, na contemporaneidade, “passamos a nos inquietar menos com o que a natureza pode fazer conosco, e mais com o que nós fizemos com a natureza[ix]. Neste ponto reside a transição do predomínio do risco externo para o risco fabricado.[x]


Verifica-se, pois, que o conceito de risco não fica restrito ao mero cálculo matemático de custos estabelecido a partir de uma probabilidade que estabeleça uma segurança de atuação. Para LUHMANN “lo que subyace a esta idea es que hay demasiadas razones por las que algo de manera improbable puede cambiar su curso como para considerarlas en un cálculo racional”.[xi] Acima de tudo, o termo risco sempre está diretamente associado a decisões humanas, as quais quando tomadas estão presas num tempo, e que apesar disto, arquitetam efeitos num futuro que não se conhece – e nem se pode conhecer – de maneira suficiente.


Esta vivência da insegurança por parte do sujeito, conjugada ao amplo acesso a informação, que fomenta discussões a este respeito, insere na pós-modernidade um fenômeno decisivo, qual seja, o aumento das cobranças sobre os mecanismos de controle e ordenamento social para estancar o risco fabricado, o que, por conseguinte, haja vista suas características, movimenta o Direito Penal para o centro dos debates.[xii]


2. O Direito Penal da Sociedade do Risco


No modelo da sociedade do risco proposto por BECK, a percepção de uma nova lógica de produção e reflexão de riscos na sociedade conduz à conformação de um potencial político muito grande relacionado à expectativa de eliminação destes riscos, bem como de imputação de responsabilidades aos causadores das situações perigosas. Como relatamos, o marco da sociedade mundial do risco, o surgimento de novas situações arriscadas, as incertezas e inseguranças criadas pelos riscos tecnológicos determinam uma crescente demanda social por segurança, que se revela normativa, controladora e substancial e propositalmente direcionada ao sistema penal. Aduz-se que a gravidade e a dimensão dos novos riscos, capazes de causar ondas de destruição massiva, justificam que se recorra ao mais grave instrumento a disposição do Estado, qual seja, o Direito Penal.


Identifica-se, assim, que as expectativas de regulação, aliadas ao recurso à explicação humana de todas as catástrofes atuais levam a uma expansão do sistema penal, eis que se passa a exigir dele não uma função, minimalista, de reserva – ultima ratio – de tutela de alguns bens jurídicos, mas uma função promocional de valores orientadores da ação humana na vida cotidiana e comunitária, uma função de garantidor das gerações futuras e de regulamentador de uma série de temas, principalmente os ligados ao meio ambiente, à sanidade dos produtos – alimentos e medicamentos – distribuídos à população, à manipulação genética e à atividade econômica e financeira, como aponta MENDOZA BUERGO[xiii].


Na argumentação de PRITTWITZ[xiv], este Direito Penal do Risco caracteriza-se pelo fato de que o comportamento que vai ser tipificado não se considera previamente como socialmente inadequado, mas ao contrário, uma conduta passa a ser rotulada como criminosa para que seja considerada como socialmente desvalorizada. Isso decorre do fato de que o Estado, garantidor da ordem jurídica, torna-se garantidor da segurança dos bens jurídicos.


Contudo, os novos fenômenos da sociedade do risco suscitam ao Direito Penal problemas novos e difíceis de contornar, cuja solução reivindica mudanças significativas na racionalidade penal liberal.[xv] Fábio Roberto D’AVILA ressalta que até mesmo um crime de homicídio, o delito material por excelência, na contemporaneidade, devido aos problemas decorrentes do avanço da técnica e as perplexidades geradas pelos incrementos nos limites da medicina, torna-se matéria complexa e de difícil regulação, in verbis:


“A essas novas questões correspondem um igualmente inusitado quadro de dificuldades dogmático-penais, pondo em causa conceitos fundamentais e suscitando um modelo alternativo ao paradigmático crime de homicídio. O direito penal contemporâneo defronta-se, pois, com uma causalidade que, para além da própria dimensão transnacional dos danos a que está referenciada, desvanece-se na multiplicidade e cumulatividade de fatores, no tempo diferido ou, até mesmo, na incerteza acerca da própria relação causa-efeito. Os bens jurídicos diluem-se nas linhas ainda não suficientemente definidas de novos valores sociais, muitas vezes intermédios, meramente instrumentais. A conduta criminosa e a responsabilidade penal se perdem na complexidade de grandes organizações. Enfim, um cenário que, impulsionado pelo sentimento de insegurança e angústia existencial, convida a uma reação forte e generalizada do Estado-Nação, muitas vezes meramente simbólica, estabelecida em uma tutela exacerbadamente antecipada, em figuras penais de mera desobediência, típicas de Estados policialescos e autoritários.” [xvi]


Analisando-se as conexões entre os fenômenos da sociedade do risco e o modus operandi do Direito Penal das luzes, é possível destacar uma série de questionamentos. A começar pelo fato de que o caráter global dos riscos impõe sérias dificuldades à organização Estatal do aparato jurídico-criminal-policial. Após, vê-se a incompatibilidade havida entre riscos que ameaçam grupos indeterminados e o arcabouço penal que tutela bens jurídicos individuais e tangíveis. Também soa desconforme a existência, de um lado, de riscos que têm origem em agentes difusos e causas indeterminadas, originadas de condutas praticadas ou decorrentes de acidentes em organizações complexas – corporações transnacionais – e, de outro, uma racionalidade calcada na individualização de responsabilidades e na autoria singular, com critérios rígidos de aferição da causalidade, do elemento subjetivo do delito – dolo e culpa -, da ilicitude e dos demais elementos que precedem a legal e perfeita imputação. Saliente-se, ainda, que os pressupostos subjetivos do ilícito revelam-se inconciliáveis com a idéia de que os riscos teriam emergido como efeitos contingentes imprevisíveis de decisões políticas e positivamente valoradas por todo corpo social.


Percebe-se, à exaustão, que o sistema punitivo das luzes, ou seja, aquele baseado nos princípios da taxatividade, da subsidiariedade, da lesividade, da proteção a bens jurídicos individuais, da imputação individual, da presunção de inocência, apresenta sérias limitações quando chamado a combater à criminalidade oriunda dos novos riscos. Verifica-se, assim, que a atuação do Direito Penal nessa seara reclama uma série de adequações, em boa parte ligada à flexibilização dos critérios de imputação e à ampliação da esfera de sua intervenção e abrangência. Nesse sentido, perfeitas são as formulações de SILVA SÁNCHEZ[xvii] de que a visão da ciência penal como instrumento primordial de pedagogia político-social supõe a sua expansão.


De fato, a criminalidade “do risco”, que pode ser exemplificada pela criminalidade ambiental, pelo crime organizado, pelo comércio internacional de armas, pelos crimes econômico-financeiros, comporta uma estrutura diferenciada, descrita por HASSEMER[xviii], a partir das seguintes características: não tem vítimas individuais, ou melhor, as vítimas individuais só existem de forma mediata; os danos causados têm pouca visibilidade; atinge bens jurídicos transindividuais, difusos e vagos; suas formas de concretização são civis e administrativas; e, por último, sua operação caracteriza-se pela profissionalização dos grupos e pela organização e divisão do trabalho.


Ainda, prosseguindo na análise da denominada criminalidade “do risco”, HASSEMER[xix] afirma que as reformas do aparato penal por ela inspiradas concentram-se em dois aspectos: a um, em uma nova criminalização, exemplificada pela ampliação territorial do Direito Penal e pela utilização de delitos de perigo abstrato e, a dois, nos mecanismos processuais penais, com modificações intensas na fase de investigação (introdução de métodos técnico-científicos, informatização, invasão de privacidade com escutas telefônicas e ambientais) e com a massificação das soluções consensuais – Juizados Especiais Criminais no caso do Brasil. Em realidade, verifica-se que as questões afetas à fase pré-processual mencionadas por ele estão muito mais relacionadas aos casos de atuação do crime organizado.[xx] Além disso, a criminalidade ligada aos riscos traz problemas específicos de delimitação das causas e conseqüências e de identificação de responsabilidades, que são trabalhados, primordialmente, por meio de alterações nas formas de incriminação.


Podemos dizer, então, que o Direito Penal do Risco, também conhecido como Direito Penal da Globalização[xxi], é oriundo de uma sociedade pós-industrial. O contexto deste Direito apresenta-se numa sociedade na qual os atores principais no mercado já não são indivíduos, mas sim as organizações. O centro do poder está nas empresas e organismos internacionais. Segundo FERNANDES[xxii], a globalização apresenta a característica da diluição de fronteiras dos territórios. Isto nada mais é do que uma decisão política, típica da sociedade do risco.


Jorge de FIGUEIREDO DIAS[xxiii] faz importante estudo obre a adaptação do aparato jurídico-penal à sociedade do risco, concluindo que é possível perceber que as respostas político-criminais às dificuldades oriundas da tutela dos novos riscos articulam-se em três pontos centrais, quais sejam: a questão do bem jurídico, os critérios de imputação e a responsabilidade dos entes coletivos. Ao se analisar pormenorizadamente estes marcos trazidos pelo professor da Universidade de Coimbra, é possível delimitar melhor as seguintes tendências político-jurídicas de tentativa de controle da criminalidade do risco: um, a de ampliar a proteção penal a bens jurídicos supra-individuais; dois, a de alargar e antecipar a tutela penal, abandonando a lesão ao bem jurídico como centro gravitacional do sistema para criminalizar as inobservâncias aos deveres de conduta e organização, mediante o uso habitual dos tipos de perigo abstrato; e três, a de repensar o conceito de culpabilidade para abarcar não só as pessoas físicas, mas também as pessoas jurídicas – neste sentido ver a Lei nº 9.605/98 conhecida como Lei dos Crimes Ambientais.


Outrossim, não se pode deixar de reportar que tais idéias acabam interagindo com outros fatores que compõem o arcabouço da intervenção penal nos novos campos de atuação do sistema. Nessa linha, pode-se identificar também, em alguns casos, o aumento da moldura penal, o incremento da tipificação de condutas a título de perigo, além do emprego de determinadas técnicas legislativas que, devido à imprecisão conceitual, também aumentam o espectro de atuação à inexatidão conceitual. É o caso, por exemplo, da formulação de tipos indeterminados e de normas penais em branco, que trazem largas referências a dispositivos administrativos, alem da utilização de conceitos amplos – e digamos elásticos – para a redação dos preceitos normativos. Essa indeterminação criada por intermédio da própria técnica de tipificação de condutas, juntamente com a proliferação de delitos de mera conduta[xxiv], que prescindem da demonstração do dano, permitem que o Direito Criminal abarque uma série cada vez maior de situações.


3. As excessivas incriminações do perigo como fenômeno do Direito Penal da Sociedade do Risco


O perigo, de alguma forma, sempre foi objeto de incriminação no curso da história. Ângelo Roberto Ilha da SILVA[xxv] informa que na antiguidade, mais precisamente em Roma, já se percebia a incriminação do perigo, destacando, por exemplo, ser tratado como infração a situação de “colocar-se um vasilhame sobre o peitoril da janela, ainda que não ocorresse lesão aos transeuntes”.


José FARIA COSTA também faz longa análise das incriminações do perigo no decorrer da história da humanidade e sua exposição parte do ponto no qual o conceito de perigo era considerado de menor importância para a dogmática penal, reportando que


“a captação do modelo comunitário até a 1ª Revolução Industrial desenvolveu-se a partir de uma racionalidade de contato, de associação e de generalização entre os elementos caracterizadores desse tempo histórico. O cuidado interno e os perigos também internos nunca, obviamente, deixaram de existir; pura e simplesmente, a consciência ético-jurídica dava-lhes pouca ou nenhuma relevância, porquanto eram esmagados pela entronização do valor e da coesão interna”[xxvi]


Os perigos, inicialmente, advinham das guerras, das doenças e das calamidades resultantes da fúria da natureza e, por óbvio, eram fatores incontroláveis para as comunidades. Assim, seria impossível conceber o perigo, como um centro de imputação de responsabilidade jurídico-penal. E não há dúvida de que isto ocorria porque o pensamento jurídico-penal estava orientado pelo princípio da causalidade, como acentua FARIA COSTA. Até porque causa e efeito, segundo o pensamento da época, sempre foram controlados e eram suscetíveis de repetições para qualquer observador, “assim, fácil é de perceber que o perigo não seria susceptível de ser controlado, nem mesmo na dimensão do mágico.[xxvii]


FARIA COSTA[xxviii] segue seu discurso histórico anotando que uma pequena mudança nesta situação é anunciada no século XVII, mas ainda sem o surgimento efetivo do perigo como um conceito jurídico-penal, já que de maneira nenhuma o paradigma violação-dano deixa de ser a essência do ilícito-penal. O jurista ressalta que apesar do esforço existente para o centramento objetivo da ilicitude penal no paradigma do dano, passa-se para um (re)centramento no dever de reconhecer e respeitar os direitos subjetivos. Desta forma, o Direito Penal mira seu foco de persecução no próprio ato em si, e não concreção da conduta e no dano oriundo deste movimento.


A consolidação do perigo como uma categoria dogmática é identificada com a ocorrência da Revolução Industrial, utilizando como porta de entrada os delitos negligentes. Disserta o já citado penalista que:


“se o perigo de desvela e irrompe como categoria dogmática, se bem que incipiente, no mundo do direito penal, em um determinado momento histórico, tem esse fenômeno estreitas ligações com a mutação processada com o cuidado-de-perigo, o qual deixou de ser motivado por forças estranhas para ser antes fruto das circunstâncias meramente intestinas da comunidade jurídica. Queremos, desse jeito, sublinhar que a fenomenalidade jurídica expressa pelo perigo, fundamentalmente a partir do séc. XVIII, não é fruto de uma relação linear, directa e única que tenha como centro a chamada 1ª Revolução Industrial.”[xxix]


FARIA COSTA[xxx] compreende que a máquina como produto da técnica foi o elemento potencializador dos perigos e, por conseguinte, tornou-se necessário estancar estes antes que se cristalizassem em danos, mormente pessoais (integridade física ou vida). Daí ocorreu a intervenção do Estado para regular a utilização das máquinas com a criação de normas de segurança. O citado jurista aponta, por outro lado, que a idéia do perigo surgiu com um propósito de barrar os excessos punitivos estatais. Neste sentido assevera que:


“Realcemos, desde já, que essa intenção de cuidado e segurança que anda indissoluvelmente ligada à idéia de poder político organizado, quando não tem limites, transforma-se, perversamente, em fontes de perigos que, por exemplo, o princípio da legalidade vem estancar. […] O iluminismo trouxe ao direito penal a idéia de segurança. Primeiro, não tanto como valor em si, mas antes como valor capaz de estancar o livre exercício da arbitrariedade […]. Nesta perspectiva, a matriz essencial, isto é, o cuidado-de-perigo, funcionava para legitimar as limitações que havia que introduzir no poder (absoluto), que era, na sua força expansiva e na sua apetência por mais poder, um perigo para a própria comunidade.”[xxxi]


Ocorre, todavia, que tal categoria dogmática trouxe para o Direito Penal um novo aspecto repressor, pois a técnica passou a ser o meio de todas as fontes de perigo e este, como um centro problemático, intimou o Direito Penal a buscar e encontrar formas de imputação pessoal para os perigos que se desencadeavam na sociedade. O perigo é, então, alocado como fio condutor fundante para a segurança individual, para a segurança do Estado e ainda centro impulsionador da tipificação de novos delitos. [xxxii]


É interessante, ainda, frisar que FARIA COSTA elegeu a ciência, o aperfeiçoamento tecnológico como principal motivo desencadeador desta virada conceitual engendrada pelo perigo no interior da dogmática penal, acentuando que “o grande coeficiente de tecnização ou, talvez melhor, o esmagador predomínio da tecnologia[xxxiii], traduz-se no elo existente entre o aumento do nível legislativo das situações jurídicas em que o perigo ou o pôr-em-perigo tem relevância com a progressiva ingerência da ciência nas relações humanas. [xxxiv]


Feita esta revisão da obra do jurista de Coimbra, faz-se importante trazer as palavras de Nilo BATISTA, que a par dos conceitos de risco e pós-modernidade, faz severa crítica sobre a eleição do perigo como categoria dogmática reinante no âmbito de escolha do Estado para proteção de bens jurídicos:


“Fujo à tentação de experimentar a hipótese de que centrar nos riscos alguns marcos da sociabilidade pós-moderna foi uma boa estratégia para acumulação e distribuição de poder punitivo sobre as hordas humanas desassistidas, desempregadas ou migrantes. Na verdade, os riscos modernos chegaram com a civilização industrial, da máquina à vapor que vivificaria os crimes culposos, até os fenômenos inquietantes da fissão nuclear, armazenamento de lixo atômico, catástrofes ambientais etc., sempre reportados nos trabalhos, como o de Ulrich Beck, sobre a sociedade dos riscos. Digamos que conteúdos do discurso positivista sobre progresso e dos deveres do Estado de bem-estar sobre suas responsabilidades em tema de defesa civil se reorganizaram, após esta paisagem de explosão nuclear sobre setores inteiros do parque industrial nacional, sobre o emprego de imensos contingentes humanos, sobre a seguridade social, como um superdiscurso do medo globalizado, no qual se situam estratégicas nascentes de filões criminalizadores por perigo. Ou seja: não é que haja hoje mais riscos do que há cinqüenta anos; hoje, porém, o risco dá muito mais suporte discursivo ao poder punitivo do que antes. Os penalistas costumam incorporar celeremente as novidades, e já existem teorias do delito nas quais esta fugidia percepção – o risco – desempenha as mais decisivas tarefas.” [xxxv]


Por este prisma, tem sentido poder defender-se que o dano se perfila como qualquer coisa que está longe da expectativa normal do movimento impelido pelas condutas e que mais longe fica com o alargamento do tempo e, por isso, se exige que a preocupação penal se antecipe para um momento anterior ao dano. E, resta claro, que as incriminações do perigo atuaram no curso da história e ora atuam como uma ferramenta de poder nas mãos do Estado.[xxxvi] O perigo, pois, serve a um de uma só vez, para justificar desde intervenções estatais até situações de natureza verdadeiramente distintas. Nesse sentido, Juliana CABRAL aduz que:


“Se, em uma utilização moderada, legitima uma pena que seria aplicada em resposta à tentativa de um delito de dano (ação dolosamente orientada à lesão de um bem jurídico, mas que não atinge o seu intento por razões alheias à vontade do agente), explorado de modo diverso, se adequa a fundamentar a previsão de um delito que já estaria perfeito, consumado, com a mera exposição do bem jurídico a perigo. Quando fundamenta a pena na tentativa, exige-se o dolo para a configuração do instituto, mas, se o perigo é suficiente para a previsão de um delito consumado, este tipo pode ser culposo. Dessa maneira, está justificada uma pena imposta a uma conduta culposa meramente perigosa ao bem jurídico. E se o delito de perigo (consumando apenas com a situação de perigo) preservar na estrutura típica o dolo, mesmo assim o braço policial do poder estatal ganha força, pois será plenamente razoável a sanção em retribuição à tentativa desse delito, isto é, ao ‘perigo de perigo’.”[xxxvii]


Percebe-se que os delitos de perigo, na sociedade contemporânea, passam a ser chamados para tentar proteger os bens jurídicos transindividuais, isto é, aqueles que buscam proteger, além da livre coexistência dos indivíduos, os fins sociais. Assim, é realmente importante a compreensão do funcionamento do conceito de perigo na instância jurídica para que possamos perceber a sua função legitimadora do poder estatal e, para um melhor entendimento, é preciso inseri-lo historicamente no contexto dos demais movimentos sociais.[xxxviii]


As características de imprevisibilidade e imensurabilidade da sociedade do risco, além da observância de suas causas sempre interdependentes, deveriam remeter o Estado a procurar um método na busca da segurança, a partir do qual, mediante a tomada e aceitação de alguns riscos, poder-se-ia tentar desenvolver um gerenciamento da questão, por meio da acumulação de conhecimento e recursos em todas as esferas.[xxxix]


Ocorre que o que assistimos na sociedade contemporânea é moldado ao revés do dito acima. Trata-se de uma busca colossal pela segurança antecipatória. Até porque a palavra segurança traduz a idéia de garantia, de firmeza, de agarrar e não deixar escapar – uma sensação, ao nosso sentir, quase maternal. Nesse sentido, a antecipação opera no sistema tentando evitar as ameaças existentes como hipótese e não permite ensaios sem uma “caução prévia” contra os equívocos. Não há lugar para a tentativa e o erro, simplesmente se estanca o movimento. Nesta direção, Marta Rodriguez de Assis MACHADO leciona que:


“A par disso, tendo em vista que os riscos de que se trata na sociedade contemporânea têm dimensões gigantescas, tendentes à destruição da humanidade, a idéia que permeia os anseios por tutela é a de que a materialização desses fenômenos deve ser evitada e prevenida a qualquer custo. Daí porque se rejeita o modelo de direito penal de resultados, que atua, repressivamente, após a conformação do dano, sendo mais conveniente a antecipação da proteção penal e esferas anteriores ao dano e ao próprio perigo.”[xl]


Essa perspectiva está presente no desenvolvimento das tentativas de regulação jurídica dos novos riscos e, dentre elas, pode-se dizer que também a atuação do aparato penal tenta se situar dentro de uma estratégia preventiva. É nessa linha de atuação que se insere uma tendência de criminalização em âmbito prévio, cujo principal instrumento é o uso crescente das incriminações de perigo e, em maior medida, dos tipos de perigo abstrato, que são, por excelência, categorias voltadas à antecipação da intervenção penal estatal.


Trabalha-se, então, com a idéia de uma violação a uma norma de conduta que compõe o sistema de segurança artificialmente escolhido e criado pelo legislador. A partir dessas incriminações, proíbem-se comportamentos entendidos como inconvenientes às condições de funcionamento de determinado âmbito de atividade, protegendo-se interesses no núcleo de integridade dos bens jurídicos e dispensando-se, por completo, a demonstração da lesividade ou periculosidade da conduta em relação ao bem.


GIORGI parece de algum modo ter notado tal fenômeno, mesmo trabalhando com ciência diversa da jurídica. Todavia, como na pós-modernidade é difícil separar algo de um todo e a sociologia trata-se de ciência das ditas humanas, o pensador postulou que


“parece óbvio recorrer ao instrumento de regulamentação jurídica. Na pratica, isto significa proibir um comportamento cujos riscos não são esclarecidos, ou são percebidos, apenas politicamente, como relevantes. Mediante uma prática deste tipo, no entanto, o risco, num sentido entendido só abstratamente, não pode ser transportado a um nível de segurança, só pode ser transformado”.[xli]


Com a percepção dos riscos tecnológicos da sociedade pós-moderna, a adequação e eficiência dos tipos de perigo concreto para a proteção dos bens jurídico-penais coletivos passam a ser questionadas. Diante disso, surge, ao nível da política criminal e do discurso legitimador da determinação punitiva, a proposta de utilização dos delitos de perigo abstrato como elemento-chave do modelo de incriminação nos novos âmbitos de atividade da sociedade do risco.


FARIA COSTA demonstra o cabal papel do perigo na contemporaneidade. Cumpre, pela magnitude do pensamento, expô-lo por inteiro, in verbis:


“De sorte que seja para nós particularmente estranho e não menos inexplicável que a doutrina jurídico-penal […] nunca se tivesse, que saibamos, interrogado em termos fundamentais da razão de ser desta explosão que o perigo teve, desde há muitos anos, no mundo do direito penal. É claro que não falamos da explicação, já infinitamente repetida, de que as coisas se passam desse jeito devido ao facto de vivermos numa época de grande coeficiente de tecnização ou, talvez melhor, de esmagador predomínio da tecnologia. Explicação que, em boa verdade, é tão-só uma meia explicação ou, pior, talvez não seja sequer uma explicação, mas unicamente uma mera ligação formal entre dois fenômenos: de um lado, a progressiva interferência da técnica nas relações sociais e, por outro, o aumento, mormente a nível legislativo, das situações jurídicas em que o perigo ou o pôr-em-perigo adquirem enorme relevância. O que faz com que, de uma maneira muito particular, se reconheça, mas talvez não de uma forma muito precisa, que o perigo ou conceitos análogos tenham ou beneficiem de posição nuclear, por exemplo: na doutrina da causalidade adequada; na compreensão de algumas causas de justificação ou mesmo de efeito desculpante; na definição do chamado risco permitido; na, evidentemente, explicação do recorte dogmático da tentativa; e até, como já deixáramos perceber, na dificílima tarefa de definir nitidamente a própria negligencia.”[xlii]


Com efeito, o emprego de tipos dessa natureza tornou-se freqüente para o tratamento de condutas que se referem à manipulação de fontes de riscos tecnológicos, que atingem a sociedade de maneira global. Em primeiro lugar, porque diante das características catastróficas dos novos riscos estar-se-ia afastando o componente do azar, ou seja, evitando que o bem jurídico seja efetivamente colocado em perigo ou lesionado. Além disso, tendo em vista que, no caso dos riscos tecnológicos, o dano geralmente está longe da projeção normal de condutas, vê-se como oportuna a antecipação da intervenção penal para um momento prévio à consolidação do resultado. De outro lado, por se tratar de tipos de perigo abstrato, faz-se prescindível a demonstração de lesão ou ameaça a qualquer bem jurídico, de complexa e por vezes desconhecida relação de causalidade entre a conduta praticada e o imaginado efeito pretensamente arriscado, bem como do dolo de lesão. O que deve ser objeto de prova é, tão-somente, a ocorrência, no mundo dos fatos, da ação típica considerada perigosa pelo legislador.


Esse recurso à antecipação da tutela penal, pensando no contexto da sociedade mundial do risco, reforça a pretensão de se maximizar a proteção e a prevenção da sociedade contra os riscos, pois segundo FERNANDES, “o tópico central do discurso do risco é a existência de algo que não existe ainda, algo que não aconteceu, mas pode vir a acontecer se continuarmos a seguir pelo mesmo trilho”. [xliii] Assim, dependendo das decisões que tomarmos hoje, os danos futuros poderão ser impensáveis. As incriminações de perigo emergem com a finalidade de ampliar a capacidade de resposta penal e a eficácia do controle de condutas, com a diminuição dos requisitos da punibilidade e o aumento do alcance do instrumento penal.


Deste modo, percebe-se que as excessivas incriminações das condutas de perigo são um fenômeno do Direito Penal da Sociedade do Risco, pois ao antecipar a autorização estatal para a punição de ações potencialmente lesivas se está, ainda que simbolicamente, cuidando da insegurança da população e satisfazendo, com o objetivo político de legitimação de um expansionismo punitivo, a demanda por sinais de controle. Tal fenômeno integra-se perfeitamente com o contexto histórico destes novos tempos. O paradigma pós-moderno – do risco – centrado no movimento – e não nos pontos de chegada e de partida – torna suficiente para que esteja perfeito o delito, uma conduta meramente perigosa, sem que seja necessária a referência a um resultado danoso.


 


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Notas:

[i] BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad, 2002.

[ii] A pós-modernidade pode ser compreendida como um momento histórico, marcado pela globalização e pela ditadura do mercado de capitais, do qual o final da guerra fria e a criação dos primeiros personal computers (Pcs) podem ser escolhidos como símbolos máximos. Como tudo, esta realidade guarda vínculos intensos com a realidade histórico-temporal anterior, mas apresenta, sem dúvida, um novo tempo, ou estágio, ainda que seus pilares estejam solidificados em fundações construídas nos séculos passados – idade moderna. Ver mais em CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna: Introdução às teorias do contemporâneo, 1996. FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e Direito Penal: Panorâmica de alguns problemas comuns, 2001. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da Modernidade, 1991. KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo, 1997. SANTOS, Jair F. dos. O que é pós-moderno, 1986.

[iii] MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. A Sociedade do Risco e o Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais, p. 76/80.

[iv] Os conceitos de risco e sua evolução são apresentados por David GOLDBLATT e se dividem em três etapas, a saber: na primeira fase, a da sociedade liberal do século XIX, o risco assume a forma de acidente, isto é, de um acontecimento exterior e imprevisto, de um acaso, e é simultaneamente individual, repentino e irremediável. Nesta época, os perigos eram perceptíveis mediante os sentidos e o Direito Penal não podia dar conta dos riscos; na segunda fase, surge a emergência da noção de prevenção e segurança, entendendo-se como tal a atitude coletiva, racional e voluntarista que se destina a reduzir a probabilidade de ocorrência e a gravidade de um risco, que, por óbvio, era, na esteira da modernidade, objetivo e mensurável. A utopia da ciência perfeita e da técnica infalível de uma sociedade capaz de resolver racionalmente seus problemas faz o risco ser controlado pela estatística objetivada, pelo cálculo de probabilidades e o torna socialmente suportável pela divisão das responsabilidades pelos danos; na terceira fase da história do risco, ou na atualidade, o risco é encarado como algo invisível, imensurável, catastrófico, irreversível, pouco ou nada previsível, que destrói as nossas esperanças de prevenção e de domínio, sendo um efeito perverso ou secundário das próprias decisões humanas. (Teoria Social e Ambiente. Tradução Ana Maria André. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 227/269).

[v] Comparar com BECK, Ulrich. A Reinvenção da Política. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna, 1997, p. 38/42.

[vi] BECK, Ulrich. Qué es la globalización? Falacias del globalismo, respuestas a la globalización, 1998, p. 30.

[vii] LUHMANN, Niklas. El concepto de riesgo. In: GIDDENS, Antony; BAUMAN, Zigmunt; LUHMANN, Niklas; BECK, Ulrich. Las Consecuencias Perversas de la Modernidad: modernidade, contigencia y riesgo, 1996, p. 133.

[viii] Cumpre agregar aqui a título de informação o pensamento de LUHMANN que percebendo a presença do cálculo do risco em diversos sistemas sociais, aponta que no sistema feudal a religião cristã valia-se da confissão para conduzir o pecador ao arrependimento, o qual serviria como instrumento de medida e cálculo do risco. Ou seja, o cálculo do risco exprime um projeto, ou um programa no qual as ações futuras deveriam ser rigorosamente medidas e voltadas para o mínimo de arrependimento, a fim de reduzir os danos causados a sociedade da época. Verifica-se, então, que o controle do tempo assume uma importância fundamental, na medida em que tais ações precisam necessariamente ser antecipadas, estancadas numa temporalidade alheia, imensurável e incerta. (LUHMANN, Niklas. El concepto de riesgo, 1996, p. 133.)

[ix] GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole, 2003, p. 36/37.

[x] GIDDENS aponta que a definição entre as duas categorias reside no fato de que o risco externo é aquele decorrente da tradição ou da natureza e, portanto, objetivamente independente em relação ao homem. O risco fabricado, ao contrário, é designado como aquele originado pelo próprio impacto da crescente intervenção do homem sobre o mundo. (GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole, 2003, p. 36.)

[xi] LUHMANN, Niklas. El concepto de riesgo, 1996, p. 134.

[xii] SILVA SÁNCHEZ alerta que, para aqueles que alimentam a idéia da “sociedade do risco”, o que se acredita é que boa parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém de decisões que outras pessoas adotam, as quais surtem efeito apenas no futuro e que são derivadas de aplicações técnicas de desenvolvimentos industriais. A partir daí, ocorre uma mobilização para que o Direito abarque tais situações em suas disposições com a finalidade de proteger os cidadãos destas ameaças que não são visíveis e que ultrapassam fronteiras e o tempo. Este problema não está somente nos que geram o risco, mas também naqueles que o distribuem. O autor ainda ensina que não é possível calcular se a insegurança sentida é proporcional aos riscos, mas ele acredita que a aparição dos novos riscos se vê compensada pela drástica diminuição dos perigos naturais como enfermidades e catástrofes. (A expansão do Direito Penal, 2002, p. 28/29, 36).

[xiii] MENDOZA BUERGO, Blanca El derecho penal en la sociedad del riesgo, 2001, p. 38/44.

[xiv] PRITTWITZ, Cornelius. Sociedad del Riesgo e Derecho Penal. In: ZAPATERO, Luis Alberto Arroyo (coord.). Crítica y justificación del derecho penal en el cambio de siglo: el análisis crítico de la Escuela de Frankfurt, 2003, p. 267.

[xv] Entendemos como fundamental apresentar os comentários que Fábio Roberto D’ÁVILA lançou sobre o choque causado pelo risco no direito penal clássico: “Ao tempo em que suas linhas fundamentais foram traçadas, o direito penal não conhecia o risco como ele hoje se apresenta. Os grandes perigos sempre foram experienciados pelas comunidades, porém não como elementos que se refratassem em nível jurídico-penal. Advinham da guerra, das doenças, das calamidades naturais, isto é, fatores que não estavam sujeitos ao controle interno da comunidade. É somente a partir da primeira Revolução Industrial que o perigo é introduzido como centro proposicional normativo, porém, mesmo assim, como resultado de atos humanos claramente observáveis, próximos e bem definidos contra os quais era ainda suficiente a proteção de bens de natureza individual. Os ‘novos riscos’, entretanto, como vimos, diferenciam-se do perigo experienciado como categoria jurídico-penal e dos riscos comuns, conhecidos por ocasião da industrialização e mecanização de atividade. Trata-se agora de riscos nucleares, biogenéticos, químicos e ecológicos de proporções globais, gerados pela mão do homem, pelo descontrole da técnica. Riscos que se caracterizam em problemas de poluição do solo, da água e da atmosfera, da contaminação por radioatividade, da camada de ozônio, das intervenções sobre o material genético humano e da manipulação genética dos alimentos, mas também da instabilidade dos mercados, dos danos produzidos por meio da informática, entre tantos outros.” (Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios, 2005, p. 31/32.)

[xvi] D’AVILA, Fábio Roberto. Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios, 2005, p. 32/33.

[xvii] Jesus Maria, SILVA-SANCHEZ. A expansão do Direito Penal, 2002, p. 45.

[xviii] HASSEMER, Winfried. Características e Crises do moderno Direito Penal. Revista de Estudos Criminais -!TEC, Ano 02, n.º 08, 2001,p. 54/66.

[xix] Idem, Ibidem.

[xx] Sobre a atuação policial na atualidade, sugerimos o artigo do Professor Rogério Maia Garcia que, com excelência, sintetiza o momento policialesco em que vivemos. (“Sobre algemas e Fogueiras.” In: Zero Hora, ed. 15.422, p. 21, 18 de novembro de 2007.)

[xxi] Neste sentido, indicamos a leitura do texto de GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização, 2002.

[xxii] FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e Direito Penal: Panorâmica de alguns problemas comuns, 2001, p. 42.

[xxiii] DIAS, Jorge de Figueiredo. O Direito Penal entre a Sociedade Industrial e a Sociedade do Risco. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2001, nº 33, pp. 39/65.

[xxiv] Seguimos a lição de Cezar Roberto BITENCOURT e não fazemos distinção entre crime formal e crime de mera conduta. Ver neste sentido o Tratado de Direito Penal: Parte Geral. Vol. 1. 13ª ed. rev, ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 215/218.

[xxv] SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição, 2003, p. 50/51.

[xxvi] COSTA, Jose Francisco de Faria. O Perigo em Direito Penal, 1992, p. 328/329.

[xxvii] Idem, p. 333/334.

[xxviii] Idem, p. 338/40.

[xxix] Idem, p. 351.

[xxx] Idem, p. 343/5.

[xxxi] Idem, p. 351/4.

[xxxii] Idem, p. 356/7.

[xxxiii] Idem, p. 348.

[xxxiv] Idem, p. 348/50.

[xxxv] CABRAL, Juliana. Os tipos de perigo e a pós-modernidade: uma contextualização histórica da proliferação dos tipos de perigo no Brasil contemporâneo, 2005. p. 13.

[xxxvi] Rui C. PEREIRA manifestou-se sobre a excessiva proliferação dos crimes de perigo, cabendo, por necessário, citá-lo: Os crimes de perigo atingiram – no plano dogmático e político-criminal – uma importância sem precedentes depois da Segunda Guerra Mundial. Em 1967, Lackner afirmou que eles se tinham estendido como uma “mancha de óleo” e se haviam convertido em “filhos predilectos do legislador”. Essa importância crescente pode ser explicada, muito sumariamente, pela complexidade atingida nos domínios dos transportes e da produção e comercialização de bens. Pereira, Rui C. O dolo de perigo: contribuição para a dogmática da imputação subjetiva nos crimes de perigo concreto, 1995, p. 22/23.

[xxxvii] CABRAL, Juliana. Os tipos de perigo e a pós-modernidade: uma contextualização histórica da proliferação dos tipos de perigo no Brasil contemporâneo, 2005, p. 16.

[xxxviii] O fenômeno jurídico é antes de tudo um fenômeno social, e é interessante identificarmos a coincidência temporal desse movimento ascendente na previsão de tipos de perigo no ordenamento repressivo brasileiro com o marco sociológico do reconhecimento da sociedade do risco, pois ao que parece existe um vínculo entre o estágio no qual se encontra o poder de controle contemporâneo e essa manifestação legislativa.

[xxxix] MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. A Sociedade do Risco e o Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais, 2005, p. 128.

[xl] MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. A Sociedade do Risco e o Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais, 2005, p. 96/97.

[xli] GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro, 1998, p. 245.

[xlii] COSTA, Jose Francisco de Faria. O Perigo em Direito Penal, 1992, p. 348/350.

[xliii] FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e Direito Penal: Panorâmica de alguns problemas comuns, 2001, p. 60/61.


Informações Sobre o Autor

Diego Romero

Advogado criminalista, Especialista em Direito Penal Empresarial/PUCRS, Mestre em Ciências Criminais/PUCRS


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