Estupro contra o homem

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Quebrando tradição secular de nosso Direito Penal brasileiro, a Lei Ordinária Federal n. 12.015, de 07 de Agosto de 2009, publicada no Diário Oficial da União do dia 10 do mesmo mês e ano, promoveu profunda e inédita alteração no Art. 213 do Código Penal, e, de quebra, revogando o Art. 214 do mesmo Diploma.


Eis as alterações:


“Estupro:


Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:


Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.


§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:


Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.


§2º Se da conduta resulta morte:


Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.


Para uma melhor compreensão da inovação legislativa trazida à baila, transcreve-se, também, a redação originária do dispositivo incriminador acima, que era vazada nestes termos seguintes:


 “Estupro: 


Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:


Pena – reclusão, de seis a dez anos”.


De um simples cotejo da redação dos dispositivos legais reproduzidos, a originária e a agora vigente, percebe-se, claramente, que a elementar do tipo do delito de Estupro, que revelava o seu sujeito passivo, “mulher”, foi substituída pela expressão “alguém”.


Revelando que, em vista disto, o sexo do ofendido será indiferente para a caracterização do crime de Estupro. Que, agora, como visto, pode ser cometido tanto contra a mulher, como também contra o homem.


A própria revogação do Art. 214 do Código Penal, deslocando parte de suas elementares para o delito do Art. 213 desse mesmo Diploma repressivo, qual seja, “ato libidinoso”, sob o mesmo e único nomem juris de “Estupro”, não desafia qualquer dúvida ao intérprete.


A revogação do Art. 214 não deixará ao desamparo jurídico-penal aquela vítima do cancelado delito de Atentado Violento ao Pudor, que consistia no constrangimento violento à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Uma vez que tanto a conjunção carnal não consentida, assim como qualquer “outro ato libidinoso” forçado, através da violência ou da grave ameaça, restaram tutelados em um único dispositivo penal, sem importar em hipótese de abolitio criminis.


O que, provavelmente, despertará grande perplexidade na comunidade jurídica nacional, será a definição do que agora seja “conjunção carnal”. A expressão “outro ato libidinoso” prevista na parte final do novo Art. 213, ao contrário do que se possa imaginar, não facilitará uma imediata solução para o impasse criado pela Lei n. 12.015/2009.


Se a expressão “conjunção carnal” fosse unicamente reveladora da cópula vaginal, ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher, não seria necessária a outrora presença da elementar “mulher” na redação original do Art. 213 do Código Penal. É regra principiante em Direito que a Lei não contém expressões inúteis. Se a tão-só introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher, mediante violência ou grave ameaça, traduzisse a definição de conjunção carnal para a configuração do Estupro, bastaria que o tipo do Art. 213 enunciasse “constranger à conjunção carnal”, como, mutatis mutandi, faz o vigente Art. 123 do Código Penal, que tipifica o crime de Infanticídio (Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após), sem fazer menção ao sexo de seu sujeito ativo (agente), uma vez que só a mulher pode estar “sob a influência do estado puerperal”.


Poderá se argumentar que a elementar “mulher”, insculpida na redação originária do Art. 213, consistiu em expressão baldada proposital, necessária para a consolidação do que seja conjunção carnal para o legislador de 1940, repudiando, assim, sua extensão ao coito anal. E que sua presença no atualíssimo Art. 213, do modo como redigido, já possui sua definição precisa (conjunção carnal = cópula vaginal), descartando-se, hoje, a necessidade da complementação do núcleo “constranger” pela partícula “mulher”, evitando-se, por esse modo, a redundância de palavras. Reservando-se cientificamente o coito anal para a elementar da prática de “outro ato libidinoso” disposta no final da nova redação do Art. 213. Estupro, assim, seria espécie de violação da dignidade sexual, tendo a conjunção carnal (cópula vaginal) e a prática de ato libidinoso diverso (coito anal) como suas subespécies. Preservando-se, assim, toda a dogmática penal do Século passado, mas, em vista disto, tolerando agora a possibilidade da continuidade delitiva do Art. 71 do Código Penal (crimes da mesma espécie).


Outros poderão alegar que o legislador de 1940, mesmo concebendo a possibilidade do coito anal configurar a conjunção carnal, optou por tutelá-lo juridicamente sob outra rubrica, a do “Atentado Violento ao Pudor”, revelando o sincero desprezo e aversão da época às livres práticas homossexuais. Desejando, destarte, deliberadamente, o legislador da época que a cópula vaginal e o coito anal recebessem tratamento apartado. Afinal, extinguia-se a punibilidade pelo casamento do agente com a vítima mulher, nos crimes contra os costumes, e não pela existência de relação homoafetiva entre homens, a revelar a repulsa do legislador da época ao coito homossexual consentido, entre vítima e o seu ofensor do sexo masculino, mesmo posteriormente ao delito e com coabitação harmoniosa, que não se convertia em causa de extinção da punibilidade, muito menos por política criminal. Assim, para alguns, enquanto no ordenamento jurídico positivo brasileiro não for expressamente reconhecida e tolerada as práticas homossexuais, principalmente pela regulamentação e reconhecimento do casamento entre homens, deverá ser temporariamente desprezada pela jurisprudência e doutrina a concepção de coito anal como conjunção carnal, tendo este que provisoriamente ser tutelado semanticamente pela elementar “outro ato libidinoso”, quando perpetrado através de violência ou grave ameaça. Tudo, até nova e já aguardada legislação inovadora, quando, assim, a prática de coito anal mediante violência e grave ameaça deverá ser deslocada para a elementar da conjunção carnal.


Ainda, certa doutrina vanguardista e inovadora, ou mesmo mais liberal, poderá aduzir que a Lei n. 12.015/2009 promoveu verdadeira ruptura com os costumes e concepções da homofóbica sociedade brasileira de 1940. E que a expressão “conjunção carnal” não deverá ser desvendada pela Medicina Legal ou pelo Direito, eis que sua complexa definição seria algo poético, relativo ao sentimento do belo e agradável, ou mesmo compreendida dentro do espírito fantasioso dos românticos. O que na sociedade contemporânea livre e plural de hoje, salva de preconceitos, deverá elastecer a expressão conjunção carnal, traduzindo-a a todo tipo de penetração íntima profunda entre amantes. Acabando por reservar à elementar “outro ato libidinoso” a outras práticas que não a cópula vaginal e o coito anal, como, p. ex., o sexo oral, o coito inter femora, a masturbação, os toques e apalpadas nas genitálias, os contatos voluptuosos, a contemplação da lascívia, dentre outras.


Como se vê, a Lei n. 12.015/2009 trará pontuais indagações ao seu intérprete. Mas, de toda sorte, extinto o delito de Atentado Violento ao Pudor, deslocada sua expressão “ato libidinoso” para o novo Art. 213 do Código Penal, tudo sob a mesma rubrica de “Estupro”, concluímos que, hoje, o homem também pode ser “estuprado”. Revelando, aí, ligeiro concurso formal, tratado no Art. 70 do Código Penal, uma vez que teremos dois bens jurídicos violados, mediante uma só ação do agente, quais sejam, a liberdade sexual da pessoa e, também, a língua portuguesa.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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