O Financiamento de Litígios por Terceiros (Third Party Funding): Vantagens e Desvantagens

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Autor: Fernando Roggia Gomes. Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul (2012). Mestrando em Direito Judiciário pela Universidade do Minho (Portugal).

Resumo: O presente estudo tem por objetivo geral analisar o instituto do financiamento de litígios por terceiros (third party funding), mediante cotejo entre suas vantagens e desvantagens. O método de abordagem utilizado é o dedutivo, pois baseado em conceitos e teorias gerais voltadas ao subsequente exame de um fenômeno específico. É também qualitativo, na medida em que predominantemente fundado na apreciação de entendimentos doutrinários que, como se sabe, são dotados de subjetivismos. Por sua vez, a técnica de pesquisa é a bibliográfica, fulcrada exatamente na análise doutrinária quanto ao tema proposto. Ao final, apresenta-se a conclusão desta pesquisa, no sentido de que, embora o tema reclame aprofundamento teórico e prático, além de demandar regulamentação legal em diversos países (como Portugal e Brasil, exemplificativamente), o third party funding é dotado de aptidão para servir como instrumento de altíssima relevância em prol do acesso à Justiça.

Palavras-chave: Processo civil. Litígios. Financiamento. Terceiros.

 

Abstract: The general purpose of this study is to analyze the institute of “third party funding”, by examining its advantages and disadvantages. The method of approach is deductive, because it is based on the study of general concepts and theories aimed at the subsequent examination of a specific phenomenon. It is also qualitative, because it is based on the analysis of doctrinal understandings full of subjectivism. In addition, the research technique is bibliographic, based precisely on doctrinal research. At the end, the conclusion is that, despite the subject calls for theoretical and practical deepening, in addition to demanding legal regulation in several countries (such as Portugal and Brazil, for example), the third party funding can serve as a highly relevant instrument in favor of access to Justice.

Keywords: Civil procedure. Litigation. Financing. Third party.

 

Sumário: Introdução; 1. Tentativa conceitual; 2. Particularidades contratuais; 3. O grau de controle exercido pelo financiador; 4. Vantagens do financiamento de litígios por terceiros; 5. Desvantagens do financiamento de litígios por terceiros; Considerações finais; Referências.

 

INTRODUÇÃO

Em tempos de crise financeira, litigiosidade excessiva e despesas processuais elevadas, adquire relevância o estudo do financiamento de litígios por terceiros (ou third party funding, na expressão anglo-saxônica), tema que suscita intrigantes debates e é objeto do presente artigo.

A figura jurídica em comento é ainda embrionária e, por isso, conta com parca produção doutrinária ou tratamento jurisprudencial, além de ter regime legal variado em ordens jurídicas distintas (em alguns países, aliás, inexiste regulamentação), motivo pelo qual se optou por uma abordagem global do assunto.

Para tanto, este artigo, de início, traz em seu bojo tentativa conceitual relativamente ao third party funding, para em seguida examinar as particularidades contratuais dessa modalidade negocial, bem assim o grau de controle a ser exercido pelo financiador, com as controvérsias aí inseridas. Ao final, atinge-se o objeto específico da pesquisa, concernente às vantagens e desvantagens do instituto.

O assunto é complexo e sua compreensão reclama o exame de diversos temas, que, embora sejam acessórios ao objeto central desta pesquisa, são imprescindíveis para a sua plena compreensão, iniciando-se por uma tentativa conceitual.

 

  1. TENTATIVA CONCEITUAL

O financiamento de litígios por terceiros é tema relativamente novo e ainda pouco consolidado, com escassa produção doutrinária ou tratamento jurisprudencial, assim como parca regulamentação, o que, aliás, somente ocorre em alguns países.

Tal modelo de negócio surgiu nos Estados Unidos ao final do século passado e rapidamente se difundiu noutras jurisdições (sobretudo Reino Unido, Austrália e Alemanha), tornando-se particularmente popular no campo da arbitragem (HENRIQUES, 2015, p. 574).

De fato, “são países de common law que têm um maior desenvolvimento nesta área, que se explica pela posse de mercados muito mais heterogêneos e desenvolvidos, dando azo ao proliferamento de funders, como algumas das maiores financiadoras deste âmbito” (REBELO, 2021, p. 15).

Ainda não há, contudo, uma definição unânime e global acerca do que é o financiamento de litígios por terceiros, de modo que, no presente estudo, é apenas possível elaborar ensaio conceitual a respeito, com base na doutrina correlata.

De uma maneira geral, e em apertada síntese, o que ocorre é que o financiador (que pode ser instituição financeira, sociedade empresária, associação ou até mesmo pessoa natural) investe em determinado litígio, arbitral ou judicial, normalmente mediante o pagamento das despesas envolvidas, em troca de parcela do resultado eventualmente favorável à parte financiada (TEMER, 2020, p. 2).

Nessa linha, Duarte Gorjão Henriques assim define o instituto:

 

Simplisticamente, pode dizer-se que se trata de uma fórmula segundo a qual uma parte num litígio recorre a uma entidade estranha à relação processual para que esta última lhe financie os custos da ação, avançando esta com o pagamento de preparos, custos, despesas e honorários de advogados e técnicos, contra uma participação nos resultados do processo caso a parte financiada saia vencedora e assumindo o risco de perda desse ´investimento´ caso o autor ou demandante veja o seu pedido sucumbir” (HENRIQUES, 2015, p. 575-576).

 

Como se vê, o terceiro investidor não possui, de antemão, qualquer ligação ou interesse próprio na causa, e fica na expectativa de recuperar o valor que investiu, acrescido de um possível percentual daquilo que o litigante receber em caso de vitória. Já na hipótese de derrota, ao menos em regra, o financiado não reembolsa o montante investido.

Fixadas tais premissas, podem ser extraídos três requisitos básicos para a configuração do financiador (ou funder, na língua inglesa): a) não pode ele ser parte no litígio; b) os fundos são destinados a custear as despesas decorrentes do litígio; c) a quantia investida é perdida na hipótese de o financiado sucumbir na demanda (BOVO, 2020, p. 344).

Nesse contexto, há quem defina o funder como uma “quase-parte”, na medida em que, embora não se enquadre nas típicas figuras processuais, também não pode ser equiparado a um terceiro absolutamente estranho ao processo (TEMER, 2020, p. 3).

Já quanto ao financiado, normalmente se trata de pessoa impossibilitada de iniciar ou prosseguir em determinado litígio, diante das despesas processuais correspondentes (verbi gratia, custas processuais, honorários advocatícios e remuneração de outros profissionais que eventualmente se façam necessários, como técnicos e peritos). Dessa forma, o titular do direito litigioso consegue transferir, no todo ou em parte, o risco do litígio para um terceiro, “(…) mediante uma contrapartida que tende a ser bastante superior aos tradicionais seguros, mútuos e acordos de honorários com partilha de risco” (CARRERA, 2018, p. 692).

Desde logo se percebe, então, que o third party funding pode ser associado ao tema do acesso ao Direito e à Justiça, o que será retomado em momento oportuno nesta pesquisa.

Assim, ultimada a digressão conceitual (ainda que nos estreitos limites deste artigo), reputa-se oportuno tecer breves notas acerca de algumas características do negócio jurídico em questão, o que é objeto de análise no capítulo seguinte.

 

  1. PARTICULARIDADES CONTRATUAIS

É de se ponderar que não existe um só modelo de negócio de financiamento de litígios por terceiros, o que pode ocorrer sob inúmeras formas, e praticado por diversas entidades. Ainda assim, porém, há consenso no sentido de que, no mais das vezes, cuida-se “(…) de uma verdadeira forma de financiamento com a particularidade do seu reembolso ser incerto no se e no quando” (HENRIQUES, 2015, p. 574, grifo nosso).

A mais notável marca distintiva no comparativo com outros meios de obtenção de recursos para suportar os custos de um litígio (como a contratação de empréstimo) reside no fato de que, no third party funding, há compartilhamento do risco: na hipótese de perda, o financiado não reembolsa o valor investido pelo funder, ao menos em regra (TEMER, 2020, pp. 2-3).

Com efeito, nada obstante a aparente simplicidade do negócio jurídico em apreço, a verdade é que não se trata de operação tão singela, conforme se depreende de elucidativo excerto doutrinário:

 

Como é lógico, embora estes investimentos possam ser encarados pelos ´funders´ numa lógica de ´portfólio´, de tal forma que se mitigam e mutualizam os riscos pela sua acumulação e dispersão (exactamente à semelhança do que sucede com a actividade seguradora), a verdade é que eles são objecto de sérias e aprofundadas diligências de variado nível: não só a situação contabilística e financeira da sociedade financiada é objecto de escrutínio, como também se procede à elaboração de uma ´due dilligence´ de carácter jurídico ao processo, à probabilidade de sucesso e à capacidade de recuperação do montante decorrente da condenação em face do devedor da decisão final. Sobre estes elementos são aplicadas taxas de probabilidade comparadas com o esforço e duração do investimento” (HENRIQUES, 2015, p. 578).

 

Apesar de toda a cautela acima descrita por parte do funder, ainda assim se cuida de negócio de alto risco, no qual vigora a incerteza, porquanto poderá ser gerada uma grande margem de lucro ou, por outro lado, a perda integral do montante investido.

Efetivamente, o financiamento do direito litigioso, embora aqui analisado sob a ótica do Direito, “(…) é também sem dúvida uma opção de gestão, emergindo no seio da disciplina de corporate finance, compreendida esta numa perspectiva jurídica, mas também financeira” (CARRERA, 2018, p. 693).

Relativamente aos termos e valores a serem ajustados entre os contratantes, percebe-se que há grande margem negocial, a depender do contexto, da causa, do risco envolvido, do montante investido, da provável duração do litígio, do percentual de sucesso identificado pelo financiador, entre outros fatores. Assim, o quantum ajustado como remuneração mínima ao investidor dependerá do caso concreto e poderá ser bastante variado em situações distintas, de sorte que, em dada circunstância, apenas exemplificativamente, poderá ser na razão do dobro do valor investido, ao passo que, em outra conjuntura, poderá corresponder a 300% do capital inicialmente aplicado, isto é, um sem fim de hipóteses (REBELO, 2021, p. 11).

Portanto, esgotadas as digressões das particularidades contratuais, o capítulo seguinte trata da intensidade do controle exercido pelo financiador, tema que tem gerado grande controvérsia.

 

  1.  O GRAU DE CONTROLE EXERCIDO PELO FINANCIADOR

O grau de controle a ser exercido pelo financiador sobre os rumos e estratégias processuais é tema que suscita rico debate doutrinário. Trata-se de um dos pontos mais controversos no que toca ao third party funding.

A celeuma reside exatamente na “(…) existência ou não de possibilidade de ele exercer controle sobre os passos do financiado no processo, por exemplo, se pode o funder definir quando recursos serão interpostos, selecionar elementos de prova ou impor limites à celebração de acordo” (BOVO, 2020, p. 347).

A propósito do tema, mostra-se pertinente trazer à baila a seguinte classificação:

  1. a) controle passivo: o controle e a responsabilidade dos atos processuais são da parte, de modo que a intervenção do financiador é quase nula, sendo apenas informado acerca das movimentações da demanda e instado, se for o caso, a adimplir eventuais despesas (REBELO, 2021, p. 20);
  2. b) controle ativo: nesse modelo, o financiador assume a demanda, isto é, conduz investigações iniciais, seleciona os advogados, estabelece estratégias e age ativamente para gerir o processo (BOVO, 2020, p. 347).

Nesse contexto, há autores que defendem a ideia de que o exercício de controle ativo pelo funder é consequência natural do investimento de risco realizado, em virtude do qual se opera uma “(…) transferência do poder decisório sobre o litígio da parte para o financiador. Nada mais lógico, afinal o direito envolvido é disponível e o financiador é quem a assumiu o risco da álea judicial” (FILHO, 2014, p. 101).

Segundo tal linha de pensamento, para além dos interesses do titular do direito sub judice, o financiador buscará salvaguardar seus próprios interesses, do que decorre que interfira de forma incisiva nos rumos do processo. Nesse sentido, a existência de controle pelo funder seria a pedra de toque para enquadrar alguma entidade como financiadora de litígio (HENRIQUES, 2015, pp. 595-597 e 606).

Por outro lado, corrente antagônica preconiza o descabimento de controle por parte do financiador, com base em variados argumentos, entre os quais: a) a parte é a titular da relação jurídica, de maneira que nada justifica que terceiro possa ditar regras sobre o andamento da demanda; b) não há qualquer relação entre o financiador e o tribunal; c) devem ser respeitados os valores da advocacia, visto que, salvo exceções, quem representa a parte em Juízo é seu advogado, a quem compete a estratégia processual (BOVO, 2020, pp. 348-349).

Para os adeptos dessa vertente doutrinária, embora se saiba que algum controle será exercido pelo financiador (ainda que indiretamente), isso não pode retirar a independência que o financiado e seu advogado devem ter para conduzir o litígio, mesmo porque não há cessão do objeto litigioso, mas somente pactuação acerca dos custos processuais em troca de expectativa financeira atrelada ao resultado da demanda (SANTOS, 2021, p. 75).

Em qualquer dos casos (maior ou menor controle pelo funder), é relevante que o contrato de financiamento disponha claramente sobre quem exercerá a tomada de decisões, bem como sobre eventual celebração de acordo entre as partes, evitando-se divergências que comprometam a higidez da relação entre financiador e financiado (SANTOS, 2021, p. 115).

Encerrado, então, o breve estudo das noções gerais sobre o financiamento de litígios por terceiros (que buscou fornecer subsídios para uma adequada compreensão do tema), cuida-se, nos capítulos vindouros, do tema central deste estudo: as vantagens e desvantagens que referido modelo negocial é capaz de oferecer.

 

  1. VANTAGENS DO FINANCIAMENTO DE LITÍGIOS POR TERCEIROS

Diversos operadores jurídicos, nos mais variados países, têm ofertado uma plêiade de aspectos favoráveis e desfavoráveis ao mercado de financiamento de direito litigioso, cujo exame se revela pertinente, na medida em que existe um olhar de desconfiança e preocupação quanto ao tema.

Entre as vantagens mais evidentes do third party funding situa-se aquela relacionada ao acesso à Justiça. Isso porque o financiamento de litígios por terceiro pode viabilizar o manejo de demandas por aquele que, embora assim pretenda fazê-lo, encontra dificuldades (sobretudo financeiras) que obstam a tentativa de ter sua pretensão jurídica satisfeita nas instâncias adequadas (CARVALHO, 2021, pp. 11-12).

Tal dificuldade comumente decorre do fato de que, como cediço, um litígio acarreta inúmeras despesas para os seus intervenientes, mormente honorários advocatícios, custas judiciais, despesas com pareceres, traduções, entre outros.

De fato, não há dúvida no sentido de que “(…) por vezes as partes encontram-se numa situação em que pura e simplesmente não possuem capacidade financeira para iniciar ou prosseguir uma ação” (HENRIQUES, 2015, p. 622).

Nesse cenário, o instituto em exame permite a partes hipossuficientes exercer os direitos que, de outro modo, seriam relegados para um momento de melhor fortuna, sujeitando-se aos consectários do decurso do tempo, como o possível desaparecimento de meios de probatórios e, sobretudo, a incidência da prescrição (REBELO, 2021, p. 30).

Destaca-se, porém, que a utilização do instituto em apreço não está necessariamente ligada a uma situação de dificuldade da parte em litígio. Cuida-se, na verdade, de uma decisão financeira como outra qualquer, que muitas vezes pode ser adotada por empresas litigantes que, em vez de suportar o pagamento de despesas processuais, prefiram aplicar tais recursos em sua atividade produtiva (por exemplo), ainda que por mera estratégia financeira (CARRERA, 2018, pp. 695-696).

A opção pelo financiamento do litígio permite a tais empresas, em suma, diluir o risco da demanda, que correrá majoritariamente pelo funder (GONÇALVES, 2018, p. 65). Sob essa ótica, o third party funding poderá se converter em relevante ferramenta de sustentação do funcionamento adequado das empresas e, por conseguinte, da manutenção de postos de trabalho e criação de riquezas (HENRIQUES, 2015, p. 622).

Feitas tais ponderações, é cabível concluir que se dá um alargamento subjetivo do acesso à Justiça em duas frentes: “nos casos mais óbvios, em que a carência de meios era o obstáculo principal que impedia o avanço para o tribunal, mas também quando o risco era o fator chave nessa inércia” (GONÇALVES, 2018, pp. 65-66).

Além disso, outro aspecto favorável do financiamento de litígios por terceiro é a profissionalização e especialização do funder, que geralmente promove uma avaliação minuciosa dos vários detalhes que compõem o processo, mediante a contratação de especialistas de diversas áreas, mesmo porque seu objetivo será a obtenção do maior lucro possível e a minimização de riscos (MENDES, 2021, p. 18).

Apenas exemplificativamente, “existe a possibilidade de o financiador informar o demandante sobre quais os advogados mais adequados para o representar naquela área, não tendo já um representante, além de contratar os melhores peritos” (REBELO, 2021, p. 34).

Não à toa, é comum que os funders sejam empresas especializadas precisamente em financiamento de direito litigioso, com equipes sofisticadas à sua disposição e dotadas de grande experiência na área jurídica de interesse (CARRERA, 2018, pp. 699 e 714).

E, efetivamente, essa avaliação preliminar procedida pelo financiador se revela, em regra, bastante vantajosa para a própria parte financiada, que, com isso, é alcançada por uma sensação de segurança no tocante ao mérito da causa (MENDES, 2021, p. 19), o que interessa inclusivamente a nível psicológico, surtindo efeito deveras positivos no litigante, que saberá estar salvaguardado na maior extensão possível e não terá de enfrentar o desgaste inerente a um processo judicial desapoiado (com risco de imposição de gastos e consequências financeiras que lhe venham a ser atribuídas).

Finalmente, também como inegável vantagem do third party funding, pode ser apontado o nivelamento do litígio, no sentido de que, em se tratando de demanda em que o financiamento seja uma ferramenta desejável, usualmente envolverá despesas processuais vultosas que a parte financiada, sozinha, não teria condições suportar, além do que, em tais hipóteses, “(…) normalmente estará do outro lado uma contraparte com bastante poder – o denominado ‘Davi contra Golias’, numa batalha judicial onde até poderia o demandante custear o início do processo, mas que se iria arrastar no decurso do tempo, esgotando os seus meios” (REBELO, 2021, p. 38).

Uma vez esgotada a análise dos principais aspectos tidos como positivos relativamente ao instituto objeto desta pesquisa (ainda que de maneira sintética), é preciso ressaltar que, de outra banda, há também desvantagens e dificuldades na aplicação do preceito aqui estudado, a serem ponderadas doravante.

 

  1. DESVANTAGENS DO FINANCIAMENTO DE LITÍGIOS POR TERCEIROS

Como dito, o third party funding não constitui uma realidade imune a críticas ou isenta de falhas, as quais devem também ser ponderados para uma compreensão global da temática.

De plano, uma das principais críticas é a de que o instituto, em tese, promove a mercantilização do direito ou, como se convencionou designar, a “comodização” da Justiça, no sentido de transformar o direito à ação num mero bem transacionável (HENRIQUES, 2015, p. 621).

Sob essa ótica, o funder vislumbra a pretensão jurídica do financiado como simples meio de exponenciar o investimento realizado na causa, colocando seus próprios interesses em primeiro lugar, do que decorre o risco de “influenciar todo o processo e ludibriar até o demandante, numa busca incessante pelo profit” (REBELO, 2021, p. 69), o que se afigura deveras preocupante.

Em desfavor do financiamento de litígios por terceiro, também se argumenta que, como consequência de tal modalidade negocial, poderá ocorrer o aumento de demandas frívolas, visto que os litigantes deixarão de se preocupar com o risco de perder a causa, dada a facilidade de captar investimentos (que não precisarão ser reembolsados em caso de derrota), de modo que a judicialização de pretensões seria consequência natural (GONÇALVES, 2018, p. 69).

No ponto, é preciso registrar que tal crítica é contraposta sob o fundamento de que, na maioria dos casos, o financiamento é feito por empresas especializadas, que empreendem rigorosa análise prévia de cada processo (mediante exame da tese jurídica, pessoas envolvidas e provas), de sorte que se opera, de todo modo, severo filtro das demandas a serem ajuizadas (SANTOS, 2021, p. 80).

Tal constatação, porém, não afasta a possibilidade de os próprios funders se sentirem confortáveis em arriscar a propositura de demandas frágeis, como argumenta Diogo Morais da Cunha Rebelo em elucidativo excerto:

 

“(…) interessará mais aos financiadores a possibilidade de trabalharem num portfolio funding, onde poderão distribuir os riscos pelas várias causas que financiam, existindo aqui uma importância acentuada neste tipo de atividade, pois, ao conseguirem minimizar o risco, poderão também arriscar mais em certas causas, mesmo não tendo essas o mérito necessário. Importa referir que se o prejuízo que surja de uma derrota for coberto por outros processos onde o sucesso é claramente mais viável, poucas razões existirão para que o funder, enquanto interveniente de carácter financeiro, não possa arriscar numa demanda onde, apesar da viabilidade de sucesso ser baixa, a retribuição e o lucro sejam bastante elevados, compensando o risco tomado” (REBELO, 2021, p. 47).

 

Outro aspecto desfavorável comumente associado ao third party funding é a possibilidade de excesso de controle pelo financiador, este que, como já assinalado anteriormente, tem por objetivo a obtenção de lucro, de modo que, em tese, poderá buscar influenciar o processo na busca de seu particular interesse, que não necessariamente corresponderá ao do financiado.

Embora tal fator já tenha sido abordado anteriormente, mostra-se oportuno trazer à baila questão preocupante, relacionada à celebração de acordos. Isso porque, surgida proposta de transação, o controle exercido pelo funder poderá se mostrar prejudicial à parte, conforme exemplo a seguir:

 

Exemplificando, digamos que foi estabelecido no contrato de financiamento que só serão aceites acordos em que o demandante receba 10 vezes mais do que aquilo que foi investido pelo terceiro, de forma a garantir uma boa margem de lucro para o investimento feito. Porém, por força das circunstâncias, surge uma proposta de acordo aliciante para a parte, mas que só cobre o investido 7 vezes. Será razoável, da parte do financiador, dissuadir ou obrigar o demandante a rejeitar, uma vez que não corresponde ao lucro exatamente estabelecido por ambos? Estamos a falar de casos em que o terceiro irá receber o que despendeu e ainda uma boa margem de lucro, mas não aquela que queria” (REBELO, 2021, p. 43).

 

Além disso, gera inquietação o fato de que aquele que procura o financiamento de seu litígio pode se encontrar em situação de vulnerabilidade financeira (o que ocorre em grande parte dos casos, como visto), cenário em que estará suscetível à imposição de cláusulas aviltantes pelo funder, de modo a gerar, de um lado, o receio de abusividade contratual e, de outro, a insegurança jurídica da possível anulação futura do negócio.

Isso porque parece natural imaginar que a parte financiada, uma vez obtido o crédito reclamado na demanda, cogite buscar a anulação do contrato (mediante alegação de usura, por exemplo) para se esquivar do pagamento da parcela do financiador, o que somente poderá ser equacionado no caso concreto (HENRIQUES, 2015, p. 620).

Por fim, há também preocupações ético-legais, já que o funder precisará ter acesso a informações e documentos da parte a fim de realizar análise prévia do caso e decidir pela concessão, ou não, do financiamento. Porém, diferentemente do advogado, o financiador não conta com o privilégio da confidencialidade, de maneira que, ao menos em tese, poderá ser compelido pelo tribunal (na busca da verdade real) a fornecer tais elementos em juízo, ainda que haja disposição diversa no contrato de financiamento, dada sua eficácia inter partes (REBELO, 2021, p. 59).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto ao longo deste artigo, embora inexista definição unânime e global acerca do third party funding, é possível elaborar tentativa conceitual no sentido de que se trata de negócio jurídico por intermédio do qual um terceiro investidor suporta total ou parcialmente os custos de determinado litígio, em troca de parte do resultado eventualmente favorável ao litigante financiado.

Cuida-se de tema ainda em desenvolvimento, com parca produção doutrinária ou tratamento jurisprudencial, além de não contar com regulamentação legal em diversos países (como, aliás, é o caso de Portugal e do Brasil, cujos ordenamentos jurídicos silenciam a respeito).

Ainda assim, por se tratar de modelo negocial que cada vez mais vem ganhando aplicação prática (sobretudo em tempos de crise financeira, litigiosidade excessiva e despesas processuais elevadas), intrigantes debates emergem acerca das vantagens e desvantagens de tal instituto.

Nesse contexto, após breve exame dos posicionamentos doutrinários correlatos à temática, podem ser enumerados os seguintes aspectos positivos: a) inegável incremento do acesso à Justiça, ao viabilizar demandas que, de outro modo, não seriam propostas, diante de dificuldades financeiras das partes; b) utilização do instituto por empresas que prefiram aplicar recursos em sua atividade produtiva (e não em despesas processuais), de forma a manter postos de trabalho e gerar riqueza; c) profissionalização do funder, que geralmente conta com equipe especializada na área jurídica de interesse, de maneira que, em tese, o financiado estará salvaguardado na maior extensão possível, o que lhe gera, inclusive, conforto psicológico; d) nivelamento do litígio, no sentido de que o financiado, mesmo ao litigar contra grandes empresas, terá condições de dar continuidade à demanda, ainda que se façam necessários dispendiosos meios probatórios, como a realização de perícias.

Por outro lado, os principais fatores desfavoráveis são assim sintetizados: a) mercantilização ou “comodização” da Justiça, sob a ótica de que o direito de ação parece se tornar mero bem transacionável; b) aumento do número de demandas frívolas, dada a redução do risco para o financiado; c) eventual excesso de controle dos rumos do litígio pelo funder, cujos interesses (exclusivamente financeiros) podem não coincidir com os da parte financiada; d) possibilidade de imposição de cláusulas aviltantes ao financiado, que em grande parte dos casos se encontrará em situação de necessidade; e) não extensão do privilégio de confidencialidade ao financiador, que poderá ser compelido a apresentar documentos e informações em juízo.

Enfim, realizado o cotejo de todas essas circunstâncias, conclui-se que o instituto do financiamento de litígios por terceiros é dotado de vantagens que parecem suplantar eventuais efeitos indesejados, sobretudo por servir como uma relevante ferramenta de facilitação de acesso à Justiça e de compartilhamento dos riscos da litigiosidade.

Quanto ao suposto aumento de demandas infundadas, percebe-se não haver certeza científica acerca de tal reflexo, cuidando-se de mera conjectura. De todo modo, eventual incremento da litigiosidade frívola poderá ser combatido por outros instrumentos processuais, como a condenação da parte com atuação abusiva em multa por litigância de má-fé (conforme o caso concreto).

Outrossim, eventual controle excessivo por parte do funder ou mesmo a imposição de cláusulas aviltantes são circunstâncias que, uma vez caracterizadas, poderão ser debatidas pelo financiado em via própria, caso repute oportuno.

Não se está a negar a existência de riscos e incertezas, mas apenas afirmar que tais fatores se afiguram superáveis, sobretudo mediante a regulamentação do third party funding, o que, evidentemente, deverá levar em conta as particularidades do ordenamento jurídico de cada país (isto é, a existência e extensão de liberdade contratual, a previsão de hipóteses de nulidade ou anulabilidade de negócio jurídico, a existência de lei de usura, entre outros fatores).

Em arremate, embora o tema sub examine reclame aprofundamento teórico e prático, além de demandar regulamentação legal em diversos países (como Portugal e Brasil, exemplificativamente), o fato é que o third party funding é dotado de aptidão para servir como instrumento de altíssima relevância em prol do acesso à Justiça.

 

REFERÊNCIAS

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FILHO, Napoleão Casado. Arbitragem Comercial Internacional e Acesso à Justiça: o Novo Paradigma do Third Party Funding, 2014, Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/6676/1/Napoleao%20Casado%20Filho.pdf, Acesso em: 26.02.2023.

 

GONÇALVES, Alexandra Sofia Mendes. Third Party Funding na Arbitragem Comercial, 2018, Dissertação (Mestrado), Universidade Nova de Lisboa, Disponível em: <https://run.unl.pt/bitstream/10362/51676/1/MendesGon%c3%a7alves_2018.pdf>, Acesso em: 26.02.2023.

 

HENRIQUES, Duarte Gorjão. “Third Party Funding” ou o Financiamento de Litígios por Terceiros em Portugal. In: Revista da Ordem dos Advogados – ROA, 2015, Vol. III/IV, Disponível em: <https://www.josemigueljudice-arbitration.com/xms/files/02_TEXTOS_ARBITRAGEM/19_Financiamento_Arbitragem/Gorjao_Henriques_-_Financiamento_de_litigios_em_Portugal.pdf>, Acesso em: 26.02.2023, pp. 573-624.

 

MENDES, Daniela Filipa Henriques. Financiamento de Litígios por Terceiro, 2021, Dissertação (Mestrado), Universidade de Coimbra, Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/95733/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20Daniela%20Janeiro%202021.pdf>, Acesso em: 26.02.2023.

 

REBELO, Diogo Morais da Cunha. Virtudes e Problemas do Financiamento de Litígios por Terceiros: Um Olhar Sobre a Possível Utilização no Contencioso Judicial Português, 2021, Dissertação (Mestrado), Universidade de Coimbra, Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/94713/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20Diogo%20Morais%20Rebelo%20-%20Financiamento%20de%20Lit%c3%adgios%20por%20Terceiros.pdf>, Acesso em: 26.02.2023.

 

SANTOS, Vinícius Eduardo Pereira dos. Financiamento de Litígios por Terceiros como Incentivo ao Acesso à Justiça, 2021, Dissertação (Mestrado) – Universidade de Coimbra, Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/97541>, Acesso em: 15.12.2022.

 

TEMER, Sofia. Financiamento de Litígios por ‘Terceiros’ (ou ‘Third-Party’: o Financiador é um Sujeito Processual? Notas Sobre a Participação Não Aparente. In: Revista de Processo – RePro, 2020, vol. 309, Disponível em: <https://www.thomsonreuters.com.br/content/dam/ewp-m/documents/brazil/pt/pdf/other/repro-309-financiamento-de-litigios-por-terceiros.pdf>, Acesso em: 26.02.2023, pp. 359-384.

 

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