ISS. Limitações constitucionais específicas

O ISS é um imposto de competência impositiva municipal. Só que o Município não recebeu competência plena para o exercício de seu poder tributário por meio desse imposto.

Além das limitações genéricas, referentes aos impostos em geral (legalidade, isonomia, vedação de efeito confiscatório, capacidade contributiva, imunidade genérica etc.), o legislador constituinte de 1988 prescreveu limitações específicas.

Dispõe o art. 156 da CF:

 “Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre:

….

IV – Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, I, b[1], definidos em lei complementar.

….

§ 4º. Cabe à lei complementar:

I – fixar as alíquotas máximas dos impostos previstos nos incisos III e IV;

II – excluir da incidência do imposto previsto no inciso IV exportações de serviços para o exterior”.

Com o advento da EC nº 3, de 17-3-1993, os textos do art. 156, incisos e parágrafos ficaram assim redigidos:

 “Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre:

….

III – serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II[2], definidos em lei complementar.

….

IV – Revogado

….

§ 3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:

I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Redação dada pela EC nº 37, de 12.06.02)

II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;

III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, (acrescentado pela EC nº 37, de 12.06.93).

§ 4º. Revogado pela EC nº 3/93.

Como se pode verificar, o texto constitucional original  continha três limitações específicas, a saber:

a) tributar apenas os serviços de qualquer natureza, não compreendidos na esfera impositiva dos Estados (art. 156, IV);

b) lei complementar deveria definir os serviços tributáveis (art. 156, IV, in fine);

c) lei complementar deveria fixar as alíquotas máximas do imposto (§ 4º do art. 156).

A primeira restrição diz respeito à exclusão dos serviços tributáveis pelo Estado: são os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

O serviço de transporte intramunicipal está abrangido na competência tributária municipal. Em relação ao serviço de comunicação a restrição da competência municipal é total e absoluta, pouco importando se o ponto de transmissão e o ponto de recepção encontra-se ou não no mesmo território municipal.

A segunda limitação diz respeito à definição de serviços tributáveis por lei complementar, isto é, em caráter de norma geral nacionalmente aplicável.

A formação de duas correntes antagônicas – a taxatividade da lista e a exemplificatividade  da lista –  deve-se, no nosso entender, à aparente confusão entre as expressões “serviços de qualquer natureza” e “qualquer serviço”.

Ora, não é qualquer serviço que pode ser tributado pelo Município, mas apenas aquele incluído na lista de serviços. E a lista poderá incluir serviços de qualquer natureza, isto é, qualquer tipo de serviço pode vir a ser tributado, desde que incluído na lista. Não há como objetar a expressa limitação estabelecida pelo legislador constituinte original. Contra regra expressa da Constituição não há como contrapor-se, mediante invocação do princípio constitucional da autonomia e independência do ente político local, que permitiria a tributação de serviço de qualquer natureza, de forma ampla e ilimitada. O legislador constituinte original é livre para outorgar a quantidade de impostos a cada ente federado, bem como desenhar os limites e condições para o exercício do poder impositivo, relativamente a cada imposto que lhes é atribuído de forma privativa.

Dúvida não pode haver de que a lista de serviço integra a definição de fato gerador do ISS como elemento objetivo ou nuclear desse fato gerador. A definição do fato gerador está sob reserva de lei ordinária do ente político competente para instituir o tributo (art. 97, III do CTN), pelo que, cabe à lei municipal, naquelas hipóteses em que a lista nacional fizer referência aos serviços congêneres, em querendo tributar esses serviços, explicitar quais são esses serviços congêneres, sob pena de violar o princípio da legalidade tributária (art. 150, I da CF).

A terceira limitação refere-se à fixação de alíquotas máximas por lei complementar.

E aqui é oportuno afastar, desde logo, a tese de que a alíquota máxima do ISS é de 5%,  nos termos da LC nº 100/99, que acrescentou o item 101 na lista, para possibilitar a tributação da rodovia pedagiada. Essa lei complementar não é lei de regência nacional do ISS, mas simplesmente uma lei que veio acrescentar mais um item de serviço à lista preexistente, consignando, desde logo, a alíquota máxima desse item de serviço acrescido.

O ISS não é um imposto com alíquota máxima, porém, um imposto com alíquotas máximas, isto é, os diferentes tipos de serviços previstos na lista podem ter alíquotas máximas. A LC nº 116/03 fixou a alíquota de 10% para jogos e diversões e de 5% para os demais serviços (art. 8º I e II). Com o veto ao inciso I, por razões que não interessam ao presente estudo, por ora, o ISS contém apenas uma alíquota máxima, mas esse fato  não o transforma em imposto com alíquota máxima, porque a Constituição refere-se à fixação de alíquotas máximas por lei complementar. Desde a origem, o ISS comportava várias alíquotas máximas. O Ato Complementar nº 34/67 estabelecia para execução de obras hidráulicas ou de construção civil a alíquota de até 2%; para jogos e diversões públicas, até 10%; e para os demais serviços, até 5%. No regime da Emenda 1/69, o § 4º do art. 24 referia-se a “alíquotas máximas” como no regime da Carta Política de 1988.

No que se refere à fixação de alíquotas mínimas, por lei complementar, a partir da EC nº 37/02, consideramos inconstitucional essa restrição, por interferir no princípio federativo concernente à autonomia dos entes da Federação, protegido pela cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF). Antecipando-se à ação do legislador complementar, a própria Emenda, mediante introdução do art. 88 ao ADCT, fixou a alíquota mínima em 2%, com exceção dos três serviços aí mencionados. Aliás, essa alíquota mínima conflita com o próprio texto da EC nº 37/02, que facultou à lei complementar fixar alíquotas mínimas (no plural).

Em relação à quarta restrição, concernente à imunidade do ISS dos serviços exportados (inciso III do art. 156 da CF em sua redação original) trata-se de uma limitação que não é específica para o imposto municipal, visto que, o ICMS também não poderá incidir sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior (art. 155, 2º 2º, X, a da CF). A flexibilização dessa imunidade pela EC nº 3/93, submetendo-a ao que dispuser a lei complementar parece-nos inconstitucional, porque imunidade é garantia fundamental assegurada por cláusula pétrea (Adin nº 939-DR, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ-151/755).

Quanto à quinta limitação constitucional, introduzida pela EC nº 37/02, referente à regulamentação, por lei complementar, da forma e das condições para concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais concernentes ao ISS, a matéria não suscita dúvidas. Enquanto essa regulamentação não vir à tona, as guerras tributárias entre os municípios continuarão.

SP, 12-05-08.

 

Notas:
[1] Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
[2] ICMS.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Kiyoshi Harada

 

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 


 

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