A Judicialização da Saúde e a Dicotomia Entre os Direitos Individuais e Direitos Coletivos

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Beatriz Mariotti Azevedo[1]

Pablo Ícaro França Guimarães[2]

 

RESUMO: O estudo tem como objetivo discutir a judicialização da saúde, tendo em vista a dicotomia existente na relação entre os direitos individuais e os direitos coletivos. Para tanto o presente artigo apresentará as previsões legais do direito à saúde, no âmbito constitucional, posteriormente abordará a contraposição de interesses individuais “versus” coletivo sob o prisma dos princípios da reserva do possível e a escassez de recursos. Vale ressaltar a equidade do SUS (Sistema Único de Saúde) e a ponderação dos direitos dos cidadãos, haja visto que o atual contexto político-econômico em que se encontra o Brasil, o sistema de saúde brasileiro não oferece garantias suficientes para a efetividade do direito à saúde. Assim, a judicialização da saúde é instrumentalizador para que o cidadão garanta seu direito, como preconizado no ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Judicialização. Dicotomia. Efetividade. Direitos

 

ABSTRACT: The study aims to discuss the judicialization of health, in view of the dichotomy in the relationship between individual rights and collective rights. Therefore, this paper presents the legal provisions of the right to health in the constitutional and legal framework, and further discusses the opposition of individual interests “versus” collective interests from the perspective of the principles of the reserve for contingencies and the scarcity of resources this ponderation, it is necessary to consider the equity the SUS (Unified Health System) and the ponderation of the citizen rights. Thus, one can see that with the political and economic context in which Brazil is, it is clearly noticeable that the Brazilian health care system has not brought sufficient guarantees for the effectiveness of the right to health. Therefore, the legalization of health comes as an instrumentalizing phenomenon that the citizen uses to guarantee his or her right, as advocated in the Brazilian legal system.

KEYWORDS: Judicialization. Dichotomy. Effectiveness.

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. O Direito à saúde e as previsões legais. 1.1. Saúde como um bem indissociável. 2. Dicotomia dos direitos individuais em detrimento aos direitos coletivos. 3. O princípio da reserva do possível e a escassez de recursos: uma realidade a ser observada. 4. O mínimo existencial e a reserva do possível: uma ponderação necessária com vistas à equidade no SUS. 5. A Judicialização e a ponderação dos Direitos. Conclusão. Referências

 

INTRODUÇÃO

A palavra judicialização, ou, ação de tornar judicial, alcança o significado em algo que tem como origem o Poder Judiciário. Assim, a judicialização da saúde refere-se à busca pelo judiciário como a última alternativa para a obtenção de medicamentos, internações e/ou tratamentos, a princípio, negados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O fenômeno da judicialização da saúde é efeito da inoperância do sistema de saúde brasileiro, que se encontra muito distante do que se tem teoricamente preconizado pelo SUS. Isso porque se sabe que existem inúmeros direitos constitucionais protegendo todos os cidadãos brasileiros, mas, por outro lado, segundo a visão de Leny da Silva (2010), mesmo tendo a previsão constitucional de tais direitos, também é sabido que o sistema de saúde brasileiro não traz garantias suficientes para a efetividade do direito à saúde a todos os indivíduos brasileiros.

Se por um lado, o fato de se recorrer ao judiciário garante a alguns cidadãos o acesso a determinados serviços médicos ou medicamentos, por outro tem-se aqueles brasileiros desinformados ou que não têm acesso à justiça, ficando, portanto, prejudicados. Há ainda questões relativas à competência concorrencial entre os Municípios, o Estado e a União que, em meio a tantas demandas, veem o orçamento apertado, uma vez que atendem aos mandatos judiciais com a verba que deveria ser destinada ao coletivo municipal.

 

  1. O DIREITO À SAÚDE E AS PREVISÕES LEGAIS

1.1. SAÚDE COMO UM BEM INDISSOCIÁVEL

Pensar na saúde como direito, nos remete, em sentido amplo, a um bem conferido pelo Estado ao cidadão.

Assim, Pretel (2010) defende que o Estado tem o dever de tutelar a saúde uma vez que a saúde se tipifica como um bem jurídico indissociável do direito à vida. Dessa forma, o direito à saúde se insere na órbita dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. Trata-se de um direito público subjetivo, uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas.

A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, eleva a saúde à condição de direito universal integral de todos os cidadãos brasileiros, indistintamente, e também condiciona a sua leitura aos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, dentre outros previstos em seu bojo.

Dallari (1995) percebe que a Constituição Federal positiva uma nova condição jurídico-formal para o sistema público de saúde brasileiro. Faz-se necessário destacar que as Constituições anteriores a de 1988 não tratavam a saúde como um direito. Somente eram atendidos os indivíduos que contribuíssem com a Previdência Social, ou seja, aqueles indivíduos que possuíssem carteira de trabalho assinada.

Conforme salienta Cohn (2002), antes da Constituição de 1988, o atendimento à saúde da população excluída do mercado formal de trabalho não configurava um direito, não constituía uma obrigação do Estado decorrente de exigência constitucional. Os indivíduos que não contribuíssem para a previdência social ou eram atendidos pelas Santas Casas de Misericórdia, a título de benevolência ou, se possuíssem recursos financeiros, recorriam a serviços médicos privados.

Dessa forma, reconhece-se, pela primeira vez, no Brasil, na Carta Constitucional, a igualdade, a liberdade e a cidadania como princípios importantes e sobre os quais se alicerça o direito fundamental à saúde.

Logo no seu art. 6º, a Constituição Federal insere a saúde no rol dos direitos sociais tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio e no seu art. 194 reconhece a saúde como parte integrante do sistema de seguridade social do país.

No art. 196 da Constituição Federal, tem-se que

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988).

Trata- se, portanto, de uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser modificada. Ademais, a efetivação do direito à saúde é um direito fundamental que todos os cidadãos têm, pois é dever do Estado cumprir uma norma constitucional de eficácia plena.

O art. 198 deste mesmo diploma, por sua vez, estabelece as diretrizes do SUS, quais sejam: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação da comunidade.

Os artigos seguintes do texto constitucional, 199, 200 e 201, instituem uma estrutura política complexa e abrangente para o cuidado com a saúde da população brasileira – a organização de um Sistema Único de Saúde (SUS) que integra a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, formando uma rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de Governo e participação da comunidade, destinada a garantir, de forma sistêmica e universal, o direito à saúde.

Tais preceitos são integrados pela Lei 8.080/90, que em seu artigo 2º, dispõe: A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Sobre o direito à saúde, Henrique Castro (2005) afirma que a sua tutela apresentaria duas faces – uma de preservação e outra de proteção. Enquanto a preservação da saúde se relacionaria às políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracterizaria como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa.

Hewerston Humenhuk (2002) apresenta a concepção de saúde atrelada à ideia de promoção à saúde e à qualidade de vida. Para o autor,

 

A saúde também é uma construção através de procedimentos. (…) A definição de saúde está vinculada diretamente à sua promoção e qualidade de vida. (…) O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males, proporcionando-lhe benefícios. (HUMENHUK, 2002, p.1)

Frente às disposições legais, Aith (2007) salienta que sempre que um cidadão for acometido por uma doença, o Estado brasileiro é obrigado a lhe oferecer atendimento integral, ou seja, todos os recursos médicos, farmacêuticos e terapêuticos que estiverem disponíveis para o tratamento da enfermidade em questão.

Destaca o autor que:

Sempre que houver uma pessoa doente, caberá ao Estado fornecer o tratamento terapêutico para a recuperação da saúde dessa pessoa de acordo com as possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento científico. Assim, não importa o nível de complexidade exigido, a diretriz de atendimento integral obriga o Estado a fornecer todos os recursos que estiverem ao seu alcance para a recuperação da saúde de uma pessoa, desde o atendimento ambulatorial até os transplantes mais complexos. Todos os procedimentos terapêuticos reconhecidos pela ciência e autorizados pelas autoridades sanitárias competentes devem ser disponibilizados para a proteção da saúde da população. (AITH, 2007, p. 17).

Dessa forma, percebe-se que o direito social à saúde tem raízes jurídicas fortes, capazes de obrigar os governantes à prestação ordenada e sistêmica do mais alto cuidado com a saúde de todos, com respeito às diversidades e à dignidade de cada um, seguindo a diretriz de integralidade e assistência.

Todavia, tal tarefa estatal envolve questões complexas a serem enfrentadas, sobretudo financeira. É notável que esses tratamentos trazem implicações econômicas, e exatamente porque muitos tratamentos não são disponibilizados nos programas de saúde do Estado, muitas pessoas têm recorrido ao/ judiciário, buscando a obtenção de medicamentos, internações e ou tratamentos, a princípio, negados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Se por um lado, a recorrência ao judiciário tem sido a forma de muitos cidadãos terem seu direito garantido, por outro, fere o princípio da reserva do possível, colocando em rota de colisão os diretos individuais e os direitos coletivos.

 

  1. DICOTOMIA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS EM DETRIMENTO AOS DIREITOS COLETIVOS

A judicialização da saúde é um dos meios para solucionar a demanda da população por medicamentos e/ou tratamentos não disponibilizados pelo Estado. Esse fenômeno causa uma sensação de justiça para os mais necessitados. Entretanto, o tema é controverso e possui jurisprudências divergentes. Uma parte da doutrina entende que a judicialização não é a solução para o problema da “falta de saúde” no Brasil, até porque defendem que causará um congestionamento no Poder Judiciário, o que colocaria em risco a sociedade em geral. Além disso, muitos doutrinadores, tribunais e juristas percebem que a judicialização da saúde prioriza o direito individual em detrimento ao direito do coletivo, uma vez que atende a uma demanda específica de um cidadão, em detrimento da coletividade.

Sobre esse aspecto Venturo (2007), em reportagem publicada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, afirma que a judicialização acaba ocasionando a expedição mensal de milhares mandados em todo o país. Além disso, ele afirma que essa recorrência ao Judiciário envolve a eterna dicotomia entre o individual e o coletivo, de outro modo, ao mesmo tempo em que o Judiciário evitaria violações de direito por parte do Estado, favoreceria o individualismo e a noção de que o Sistema Único de Saúde não funciona.

Nesta seara, percebe-se o quanto o tema é divergente na doutrina acerca da efetividade de se recorrer ao Judiciário, visando garantir o acesso à saúde.

Por um lado, André da Silva Ordacgy (2007), Sarlet e Figueiredo (2007), Vieira e Ferraz (2009) acreditam que independentemente do aspecto financeiro, o direito à saúde tem de ser garantido pelo Estado. A saúde é um bem indisponível, logo, toda e qualquer necessidade deve ser prontamente atendida, já que é um dever do Estado. Por outro lado, Rigo (2007) e Carmo (2014) criticam e negam a eficácia da judicialização, uma vez que fere os direitos sociais. Isso porque o direito à saúde está sujeito à reserva do possível, já que para sua concretização exige o emprego de meios financeiros.

Outra problemática do fenômeno da judicialização da saúde é a de como o Estado deve proteger e solucionar as necessidades individuais das pessoas com riscos na saúde, e, ao mesmo tempo, fazer cumprir com seu dever de assistência coletiva, promovendo o acesso aos avanços biotecnocientíficos de forma igualitária e sem discriminação de qualquer espécie.

Assim, o principal desafio do Estado frente a essa dicotomia dos direitos individuais em detrimento aos direitos coletivos é formular estratégias políticas e sociais orquestradas com outros mecanismos e instrumentos de garantia democrática que aperfeiçoem os sistemas de saúde e de justiça com vistas à efetividade do direito à saúde.

Cabe salientar que para melhor determinar a eficácia dos direitos à saúde, deve-se levar em consideração alguns princípios além da análise do caso concreto. É que, ao lograr êxito em uma ação judicial, não se trata de privilégios, e sim de respeito a integridade física do cidadão, haja visto o respaldo constitucional.

 

  1. O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E A ESCASSEZ DE RECURSOS: UMA REALIDADE A SER OBSERVADA

Antes de adentrarmos no Princípio da Reserva do Possível, faz- se necessário retomar a discussão central proposta no presente trabalho: na saúde, o atendimento às demandas individuais coloca em risco o atendimento das necessidades coletivas?

Como já exposto, a judicialização da saúde tem sido a forma de muitos cidadãos buscarem a efetivação do seu direito à saúde. Entretanto, vai de encontro ao princípio da reserva do possível, colocando em rota de colisão os diretos individuais e os direitos coletivos.

O princípio da reserva do possível tem origem alemã e sua construção teórica remonta à década de 70. Na concepção de Sarlet e Figueiredo (2007):

“[…] a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos sociais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos […]”. (SARLET e FIGUEIREDO, 2007, p.188)

Para Rigo (2007):

Os direitos sociais condicionados à prestação do Estado (como é o caso da saúde) sujeitam-se à reserva do possível, que está vinculada ao limite de recursos do Estado, significando, em síntese, que a pessoa somente pode exigir do Estado uma prestação que seja razoável para o Estado cumprir. A cláusula da reserva do possível abrange a possibilidade e o poder de disposição do Estado, colocando os direitos sociais prestacionais na dependência da conjuntura socioeconômica. (RIGO, 2007, p.177).

O Estado não dispõe de recursos ilimitados, tendo, portanto, que realizar escolhas locativas dos recursos existentes em todas as áreas de interesse social, como educação e segurança.

Dessa forma, observa-se que a natureza prestacional do direito à saúde conduz a uma justa ponderação entre a pretensão e a disponibilidade financeira da Administração Pública, sob pena de se privilegiar a individualidade em detrimento à coletividade.

Desta forma, percebe-se que diante da escassez de recursos, limite financeiro do Estado e da competência concorrencial para a prestação dos serviços à saúde, é preciso determinar como e quais ações e serviços de saúde serão realizados, em observância aos princípios constitucionais, como o mínimo existencial e a reserva do possível.

 

  1. O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL: UMA PONDERAÇÃO NECESSÁRIA COM VISTAS À EQUIDADE NO SUS

Outro aspecto a ser observado acerca da judicialização do direito à saúde é o binômio “mínimo existencial” e “reserva do possível”.

Segundo o jurista Torres e Figueiredo (2007) “o mínimo existencial diz respeito a um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas” (TORRES e FIGUEIREDO, 2007, p.188).

Importa salientar que a garantia do mínimo existencial não é consagrada explicitamente na Constituição, sendo conceituada pela doutrina ora como direito pré-constitucional, ora como direito tipicamente fundamental, versando sobre a integridade física, implicitamente ligada à dignidade da pessoa humana e a outros direitos fundamentais.

Não obstante, Carmo (2014) complementa que para garantir apenas o mínimo para uma vida digna não pode ser considerado como medida exaustiva que isente o ente público de maiores obrigações, uma vez que ao Estado caberá a busca constante por meios que contemplem a recuperação da saúde em maior amplitude.

O Poder Judiciário, sob a justificativa de se garantir o “mínimo existencial”, sem a devida observância à teoria da reserva do possível, retira o “mínimo” de uns para conferir o “máximo” a outros, indo de encontro aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Destarte, pode-se afirmar que não é proporcional retirar escassos recursos da administração e conferi-los a um indivíduo, em detrimento da coletividade de usuários do sistema público de saúde.

Ademais, é de grande relevância a compreensão de cada caso concreto, logo que, faz-se mister priorizar os usuários mais necessitados em detrimento daqueles que, muitas vezes, dispõem de recursos financeiros para arcarem no todo ou em parte com os serviços médicos pretendidos.

Desta forma, segundo Carmo (2014), cabe a discussão, à luz do princípio da equidade, a necessidade de comprovação da hipossuficiência do usuário em arcar com o pedido da demanda, partindo-se da premissa da reserva do possível e a escassez de recursos. As ações e serviços de saúde, oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, devem priorizar os usuários que apresentam maior risco no que tange ao aspecto social, cultural e econômico, bem como as ações de prevenção e proteção da saúde, sabidamente menos onerosas do que a recuperação ou tratamento da mesma.

Com base no exposto, ressalta-se a relevante observação acerca dos critérios que devem permear os julgamentos das demandas que envolvam o direito à saúde e sua implementação, sob pena de se privilegiar determinados usuários sob a ótica da finitude dos recursos financeiros.

 

  1. A JUDICIALIZAÇÃO E A PONDERAÇÃO DOS DIREITOS

A questão central do presente trabalho é perquirir se o atendimento às demandas individuais coloca em risco as necessidades coletivas. Dessa forma, a judicialização da saúde deve ser discutida sob a ponderação dos direitos, e nessa perspectiva a ação judicial não deve ser interpretada sob a ótica de extremos. É necessário o equilíbrio entre o direito à saúde, a atividade jurisdicional e o dever do Estado de implementá-la, claro, dentro de suas reais disponibilidades e obrigações.

Na lição de Luís Roberto Barroso (2007):

Aqui se chega ao ponto crucial do debate. Alguém poderia supor, a um primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Portanto, não há solução judicialmente fácil nem moralmente simples nessa questão (BARROSO, 2007, p.4).

Outrossim, não se trata de méritos judiciais, mas sim de vidas humanas e suas necessidades. Nessa perspectiva, a judicialização é um “mal necessário”, cabendo ao judiciário possibilitar que o direito à saúde seja efetivo. Porém, esta atividade deve ser realizada de forma criteriosa, analisando-se os pedidos com maior afinco, observando-se as particularidades que as políticas públicas apresentam, apreciando-se a realidade social e a necessidade de quem pleiteia judicialmente o direito à saúde.

De fato, o Estado tem a responsabilidade de implementar e executar as políticas públicas de saúde, objetivando abarcar as necessidades dos cidadãos em relação às prestações sociais. No caso da saúde, com certeza esse aspecto é mais evidente e, por conseguinte, é de extrema importância a ponderação acerca dos pressupostos que envolvem o direito à saúde, tendo por finalidade a busca pelo equilíbrio entre o dever estatal e a atividade jurisdicional.

 

CONCLUSÃO

À luz de todo o exposto, o presente artigo trouxe à baila uma visão teórica acerca das demandas individuais “versus” as necessidades coletivas, tendo em vista que, a judicialização da saúde é um dos meios que muitos cidadãos recorrem para terem os seus direitos garantidos.

Entretanto, ainda não há consenso na jurisprudência, o que causa insegurança jurídica, haja vista os posicionamentos divergentes. Alguns Tribunais entendem que a judicialização não é a solução para o problema da “falta de saúde” no Brasil, além de abarrotar o poder judiciário, enfatiza a dicotomia existente entre os direitos individuais x coletivos. Já que, prioriza o direito individual em detrimento ao direito coletivo, uma vez que atendendo a uma demanda específica de um cidadão, o Ente Público deixa de atender à coletividade.

Desta feita, objetiva-se trazer à tona posicionamentos divergentes acerca desse fenômeno judicial, que envolve o direito individual em detrimento do coletivo. O Judiciário evita violações de direito por parte do Estado, mas pode estar favorecendo o individualismo e a noção de que, de fato, o Sistema Único de Saúde não funciona.

Dessa forma, observa-se que a natureza prestacional do direito à saúde deve considerar a escassez de recursos, mas também, a ineficiência do SUS.

Destarte, é preciso analisar o caso concreto, para não privilegiar ou beneficiar cidadãos que não são público alvo das políticas públicas, devido a sua condição financeira de arcar no todo ou em parte com seu tratamento ou medicamento pretendido. Faz-se mister priorizar os usuários mais necessitados.

É necessária uma reflexão sobre as ações públicas que são realizadas para garantir os direitos fundamentais da existência humana. É inaceitável que ainda seja veiculado nos meios de comunicação descasos na saúde pública, como a falta de hospitais, equipamentos, medicamentos, médicos, enfermeiros, funcionários, ambulâncias, leitos para internação, enquanto milhões em dinheiro público são gastos em obras superfaturadas e muitas vezes desnecessárias.

Assim, é necessário que a Administração Pública observe seus princípios previstos na Carta Magna, e seja exercida com idoneidade, moralidade e probidade. Ademais, é preciso um controle maior em seus gastos, além de fiscalização por parte do Ministério Público, visando uma maior transparência na utilização dos recursos arrecadados. Dessa forma, haverá uma real efetivação de políticas públicas. Outrossim, cabe à população fiscalizar o agente público e denunciar qualquer ato escuso do poder público.

 

REFERÊNCIAS

AITH, Fernando. Curso de direito sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007. P. 107.

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[1] Advogada, Pós-graduanda em Direito do Trabalho pela UCAMPOMINAS, Graduada em Direito pela FENORD/IESI.

[2] Especialista em Direito do Trabalho Universidade Anhanguera – Uniderp, Especialista em Ciências Criminais pela PUC-MG, Graduado em Direito pelo Instituto Ensinar Brasil.

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