Documentos eletrônicos no direito brasileiro

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Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior – Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pela UFPE. Ex-Assessor de Juiz Federal.  Ex-Assessor de Procurador da República. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Resumo: O artigo examina o marco regulatório dos documentos eletrônicos no Brasil a partir do reconhecimento da validade jurídica das assinaturas digitais, incluindo recentes leis que disciplinam a prática de atos públicos e privados em meio digital.

Palavras-chave: Direito digital brasileiro. Documentos eletrônicos. Assinaturas digitais.

 

Abstract: The article examines the regulatory framework for electronic documents in Brazil based on the recognition of the legal validity of digital signatures, including recent laws that regulate the practice of public and private acts in digital media.

Keywords: Brazilian digital Law. Electronic documents. Digital signatures.

 

Sumário: Introdução. 1. A manifestação de vontade nos atos jurídicos e sua instrumentalização. 2. O conceito tradicional de documento. 3. Do documento físico ao documento eletrônico.  4. O documento eletrônico no Brasil. 5. Diferença entre documento eletrônico e representação visual de seu conteúdo. 6. Diferença entre documento eletrônico e documento físico digitalizado. 6.1. Normas sobre a digitalização de documentos públicos e privados. 7. A Lei n.º 14.063/2020 e as novas normas sobre assinaturas eletrônicas. 8. Aplicações dos documentos eletrônicos. 9. Características dos documentos eletrônicos. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O Direito Digital é um ramo recente do Direito que lida com aspectos do fenômeno jurídico relacionados ao processamento de informações em sistemas digitais, isto é, sistemas eletrônicos que se utilizam de códigos binários para o armazenamento e transmissão de dados. Versa sobre os fatos e atos jurídicos que tenham relação direta com sistemas de informática, isto é, que sejam praticados no âmbito de plataformas de hardware e software ou que tenham repercussão em sistemas dessa natureza. (PINHEIRO, 2021)

 

Trata-se de um amplo campo de estudo jurídico de aspecto transversal, que perpassa todos os ramos do Direito, à semelhança do Direito Ambiental, na medida em que a informatização da sociedade e a digitalização da manifestação de vontade têm produzido importantes reflexos no Direito Civil, no Direito Penal, no Direito Processual, no Direito Notarial e Registral e no Direito Empresarial, para citar apenas os mais evidentes. (SOUZA, 2021)

 

Uma das criações que se encontram no centro da revolução digital no meio jurídico, e que constitui um dos principais elementos que alçaram o Direito Digital ao patamar de importância que hoje apresenta, é o documento eletrônico, que tem rendido a elaboração de atos normativos recentes, voltados à regulamentação de sua adoção em diferentes setores.

Nesta breve consideração, examina-se o conceito de documento eletrônico, sua normatização no Direito brasileiro e os impactos de sua utilização em alguns campos da atividade pública e privada.

 

  1. A manifestação de vontade nos atos jurídicos e sua instrumentalização

Compreender a natureza jurídica dos documentos eletrônicos pressupõe o entendimento do conceito de “documento” para o direito brasileiro, para o que a exposição mais didática é a que parte da diferenciação entre a manifestação de vontade e o respectivo instrumento, quando da produção dos atos jurídicos.

 

Tal como se depreende do art. 104, do Código Civil brasileiro, os atos jurídicos em sentido estrito correspondem aos atos humanos, na conformidade da ordem jurídica, constituídos pelos elementos vontade, forma e objeto. (BRASIL, 2002) A vontade humana é o elemento constitutivo fundamental do ato jurídico. (PREREIRA, 2004)

 

Atos jurídicos, pois, são aqueles que, ostentando relevância para o Direito, isto é, cujo objeto coincida com o suporte fático ou hipótese de incidência de alguma norma jurídica válida, estão aptos à produção de efeitos jurídicos em razão da validade da manifestação de vontade, da licitude do objeto e da pertinência jurídica da forma.

Os negócios jurídicos, como espécie do ato jurídico em sentido amplo, correspondem aos atos jurídicos cujo efeito não se encontra previsto em lei, mas é ditado pelo próprio prolator da manifestação de vontade, nos casos em que a ordem jurídica autoriza a dicção dos efeitos.

 

Em regra, a forma dos atos jurídicos é livre, sendo exigida forma especial (instrumento público ou específica solenidade procedimental) apenas nas hipóteses expressamente previstas em lei, a exemplo do casamento ou dos negócios jurídicos sobre imóveis com valor superior a 30 (trinta) salários-mínimos. (BRASIL, 2002)

 

Não há que se confundir, portanto, o ato jurídico com o seu instrumento. O ato jurídico decorre da manifestação de vontade, a qual, em regra, pode dar-se inclusive de forma oral. O instrumento do ato jurídico, por sua vez, é o elemento material que serve de prova da realização do ato jurídico, por ter a aptidão de demonstrar a ocorrência da manifestação de vontade e do seu objeto.

Assim é que, por exemplo, a celebração de um contrato de compra e venda de coisa móvel realizada entre duas pessoas maiores e capazes ou a contratação de um trabalhador para a prestação de determinado serviço, por se enquadrarem em hipóteses de negócios jurídicos para os quais a lei não exige forma escrita, aperfeiçoam-se, do ponto de vista jurídico, com o simples encontro das manifestações de vontade (acordo verbal, costumeiramente finalizado, no mundo ocidental, com um aperto de mãos, quando praticado por pessoas presentes), sendo desnecessária, para a sua validade jurídica, a elaboração de um instrumento escrito contendo as cláusulas contratuais. O instrumento, contudo, servirá de prova da existência e do conteúdo do negócio jurídico celebrado, razão pela qual é de todo recomendável a sua elaboração, com a adoção das cautelas pertinentes à demonstração da autenticidade das assinaturas, bem como sua conservação, por todo o prazo de prescrição ou decadência do direito, ainda quando sua formalização não seja obrigatória, segundo as determinações legais.

 

  1. O conceito tradicional de documento

A doutrina costuma conceituar documento como qualquer coisa que possa demonstrar a existência de um fato de forma idônea perante o juízo. (CARNELUTTI, 1957) O instrumento dos atos e negócios jurídicos, do ponto de vista do direito processual, é uma das modalidades da denominada “prova documental” a que se referem os arts. 434 a 438, do Código de Processo Civil. (BRASIL, 2015)

 

Documento é, pois, conceito mais amplo que o de instrumento, abrangendo não apenas as representações materiais elaboradas com o intuito de fazer prova da existência e do conteúdo dos atos e negócios jurídicos, mas, também, os elementos representativos de quaisquer fatos relevantes para o Direito. Nessa ordem de ideias, fotografias, gravações de áudio ou de vídeo, cartas, bilhetes, cheques, notas promissórias e outros títulos de crédito, escriturações contábeis, livros empresariais, artigos de jornais ou de periódicos, atas notariais, cédulas de identidade, certidões, declarações, laudos e atestados, dentre outros, constituem, igualmente, documentos.

Trata-se, contudo, o documento, a nosso ver, de conceito mais restrito que o de “prova material”, comumente utilizado no âmbito do Direito Processual Penal, o qual abrange, além dos documentos, todos os meios probatórios que, não obstante sejam aptos à demonstração de um ato ou fato, não tiveram a sua produção realizada por uma vontade humana livre e consciente, não cabendo falar, propriamente, em “autoria”, como no caso de uma gota de sangue, de um fio de cabelo, de uma impressão digital, de uma pegada, ou de outros vestígios indicativos da ocorrência de atos ou fatos que se queira demonstrar.

Nessa perspectiva estrita que aqui se sustenta, pois, os documentos, diversamente das demais provas materiais, são sempre elaborados por alguém que tem a intenção de criá-los, visando a fazer prova: a) de um negócio jurídico ou de um ato jurídico em sentido estrito (hipótese em que serão qualificados de “instrumento”); b) de um fato qualquer cuja ocorrência se pretenda demonstrar (outros documentos). Abrange, ainda, os registros formais de informações produzidos por dever legal por agentes públicos e privados, como as certidões, os atestados, os registros públicos e os livros contábeis.

É possível afirmar, assim, que, no plano estrutural, os documentos possuem: 1) um conteúdo ou objeto, indicativo de sua finalidade ou razão de ser; 2) um autor ou produtor, interessado em sua elaboração para a demonstração de um ato ou fato relevante para o Direito ou que o produz por obrigação jurídica; e 3) um suporte material, que permite a representação da informação cuja ocorrência se pretende demonstrar ou cujo registro se busca realizar para satisfazer a uma imposição legal.

 

  1. Do documento físico ao documento eletrônico

Antes do advento dos modernos sistemas eletrônicos de informação, os registros probatórios em geral e as manifestações de vontade dos negócios jurídicos costumavam ser documentados, inclusive nos casos de instrumento público, através do suporte físico do papel, mediante a escrita do seu conteúdo em vernáculo, à mão ou por algum meio mecânico, a exemplo da marcação dos caracteres por uma máquina de datilografia, sendo finalizado com a aposição da assinatura, em tinta indelével, junto à informação da data de sua elaboração.

Com o surgimento do computador pessoal em 1975 e sua rápida popularização, a partir dos anos 1980, softwares editores de texto e impressoras matriciais, a laser e a jato de tinta, paulatinamente, substituíram a máquina de datilografar, de modo que a edição e elaboração de documentos públicos e privados passou a ser realizada com o auxílio de um computador, mas a assinatura dos documentos continuava a ser realizada à mão, através de caneta hábil ao carregamento de tinta ao suporte físico de papel.

O documento, pois, logo a partir do início da primeira revolução digital, passou a ter sua elaboração realizada quase que integralmente por meio eletrônico, através dos aplicativos editores de texto, sendo que apenas a assinatura ocorria de forma manual. Não raro, os arquivos eletrônicos que viabilizaram a edição do documento (arquivos “.doc”, extensão proprietária do aplicativo Microsoft Word, por exemplo, e correlatos), permaneciam guardados nos discos rígidos dos computadores dos autores, mas havia a necessidade de o conteúdo ser impresso em uma folha de papel para que fossem acrescentadas assinaturas manuais por parte dos agentes que anuíam com a declaração de vontade.

Incorria-se, pois, na incoerência de se elaborar um documento quase que integralmente em meio eletrônico e de se mantê-lo armazenado em meio magnético, mas ser necessário materializá-lo em meio físico (papel), através da impressão, somente para que o último ato da elaboração, a saber, a assinatura, fosse realizado, o que não permitia falar-se na existência de um documento digital, na medida em que a assinatura manual, em suporte físico de papel, fazia com que o documento, ainda que elaborado com o auxílio de um sistema eletrônico, fosse considerado um documento físico.

 

Para atestar a autenticidade das assinaturas em documentos privados, o único meio então existente era o reconhecimento de firma por cartório de notas, a quem incumbe certificar, por fé pública, que a assinatura corresponde à do autor indicado no documento, seja por semelhança (correspondência da assinatura no documento privado com a do cartão de autógrafo arquivado na sede do cartório), seja por autenticidade (declaração de que o documento foi assinado pela pessoa indicada na presença do tabelião ou de seu assistente, que o identificou mediante o documento público ou outro meio válido). (BRASIL, 1994)

 

As modernas tecnologias da informação, contudo, tornaram possível a criação de uma infraestrutura digital capaz de viabilizar a autenticação eletrônica e automática de assinaturas de documentos eletrônicos por meio de chaves codificadas, comumente armazenadas em cartões magnéticos ou tokens de uso individual, associadas a algoritmos de criptografia. O pretenso signatário de documentos eletrônicos realizaria um cadastro prévio em um sistema de reconhecimento de assinaturas eletrônicas, sendo-lhe conferida uma chave eletrônica, de uso individual e intransferível, a ser armazenada em cartão magnético ou pendrive, complementada por uma senha criada exclusivamente pelo seu detentor, de modo a que, em sistemas eletrônicos previamente preparados e compatíveis com o sistema de reconhecimento da chave eletrônica, fosse possível uma assinatura eletrônica, autenticável, capaz de eliminar a necessidade da fase física de assinatura dos documentos.

 

  1. O documento eletrônico no Brasil

No Brasil, em 28 de junho de 2001, foi editada a Medida Provisória n.º 2.200, a qual instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, destinada a “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.” (BRASIL, 2001)

 

A norma foi reeditada na Medida Provisória n.º 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, a qual estabelece que compete ao Comitê Gestor da ICP-Brasil: a) adotar as medidas necessárias e coordenar a implantação e o funcionamento da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira; b) estabelecer a política, os critérios e as normas técnicas para o credenciamento das Autoridades Certificdoras (AC), das Autoridades de Registro (AR) e dos demais prestadores de serviço de suporte à ICP-Brasil, em todos os níveis da cadeia de certificação; c) estabelecer a política de certificação e as regras operacionais da AC Raiz; d) homologar, auditar e fiscalizar a AC Raiz e os seus prestadores de serviço; e) estabelecer diretrizes e normas técnicas para a formulação de políticas de certificados e regras operacionais das AC e das AR e definir níveis da cadeia de certificação; f) aprovar políticas de certificados, práticas de certificação e regras operacionais, credenciar e autorizar o funcionamento das AC e das AR, bem como autorizar a AC Raiz a emitir o correspondente certificado; g) identificar e avaliar as políticas de ICP externas, negociar e aprovar acordos de certificação bilateral, de certificação cruzada, regras de interoperabilidade e outras formas de cooperação internacional, certificar, quando for o caso, sua compatibilidade com a ICP-Brasil, observado o disposto em tratados, acordos ou atos internacionais; e h) atualizar, ajustar e revisar os procedimentos e as práticas estabelecidas para a ICP-Brasil, garantir sua compatibilidade e promover a atualização tecnológica do sistema e a sua conformidade com as políticas de segurança. (BRASIL, 2001)

 

Nos termos da referida MPV, à Autoridade Certificadora Raiz, primeira autoridade da cadeia de certificação, executora das Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, compete emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das autoridades certificadoras de nível imediatamente subsequente, gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, e executar atividades de fiscalização e auditoria e dos prestadores de serviço habilitados na ICP, em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, e exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pela autoridade gestora de políticas. Não obstante, é vedado à Autoridade Certificadora Raiz emitir certificados para o usuário final. (BRASIL, 2001)

 

Às Autoridades Certificadoras, entidades credenciadas a emitir certificados digitais vinculando pares de chaves criptográficas ao respectivo titular, compete emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados, bem como colocar à disposição dos usuários listas de certificados revogados e outras informações pertinentes e manter registro de suas operações. O par de chaves criptográficas será gerado sempre pelo próprio titular e sua chave privada de assinatura será de seu exclusivo controle, uso e conhecimento. Compete às Autoridades de Registro, entidades operacionalmente vinculadas a determinada Autoridade Certificadora, identificar e cadastrar usuários, encaminhar solicitações de certificados às Autoridades Certificadoras e manter registros de suas operações. (BRASIL, 2001)

 

O art. 10, da Medida Provisória n.º 2.200-2/2001, conceitua documento eletrônico como o assinado através de chave integrante da ICP-Brasil, reconhecendo a validade jurídica, para todos os efeitos, dos referidos documentos, ao estabelecer que:

 

“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil. § 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Art. 11. A utilização de documento eletrônico para fins tributários atenderá, ainda, ao disposto no art. 100 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.” (BRASIL, 2001)

 

Portanto, a partir da edição do referido ato normativo, integra-se, formalmente, ao direito brasileiro, o conceito de documento eletrônico, entendido como o documento produzido completamente em meio eletrônico, incluindo a fase de assinatura. Com a assinatura eletrônica autenticável através dos protocolos técnicos editados pela ICP-Brasil, torna-se desnecessário o suporte físico do papel para a elaboração de qualquer documento em território nacional.

 

  1. Diferença entre documento eletrônico e representação visual de seu conteúdo

O documento eletrônico não se confunde com a representação visual do seu conteúdo, seja na tela de um computador, seja em papel, após o recurso a algum mecanismo de impressão. O documento eletrônico é um conjunto de dados digitais, armazenáveis em meio magnético, óptico ou similar, que abrange o seu conteúdo, a sua assinatura e eventuais metadados (assunto, classe, data de produção, destinação prevista, gênero, prazo de guarda etc.), cuja elaboração passa pela adoção de algoritmos de criptografia e chaves eletrônicas para controle e autenticação, de uso individual do subscritor do documento.

É claro que, para a leitura do conteúdo de um documento eletrônico, é necessária uma tecnologia de informática que permita, ao menos, a visualização do seu objeto – normalmente, um texto editado no idioma nativo do autor – na tela de um dispositivo eletrônico, que, usualmente, será um computador de tipo desktop ou notebook ou um dispositivo móvel com arquitetura computacional, como um smartphone ou tablet. Contudo, para a compreensão de sua natureza jurídica, é importante marcar a diferença entre o documento eletrônico e sua representação visual.

O documento eletrônico, em si, é o conjunto de dados estruturados em meio digital, o qual, em essência, é invisível aos olhos humanos, pois corresponde a um conjunto lógico de sinais eletrônicos representados, no nível mais baixo da implementação do software, como uma vasta cadeia binária, composta exclusivamente por zeros e uns. O documento eletrônico, seja qual for o seu conteúdo, é traduzido, ao nível da linguagem de máquina, em uma grande cadeia de caracteres, formada exclusivamente pelos elementos 0 ou 1, pois essa é a técnica adotada pelos sistemas digitais e dispositivos de informática contemporâneos, já que, no plano subsequente das placas eletrônicas, tudo se resume à existência ou não de impulsos elétricos ou à passagem de corrente elétrica de carga positiva ou negativa (como + 5 volts ou – 5 volts, por exemplo) pelos transistores que implementam portas lógicas.

O que se vê na tela do computador é apenas a tradução dessa grande cadeia zeros e uns em caracteres alfanuméricos e espaços em branco que formam palavras, frases, parágrafos e textos completos, ou, ainda, pontos coloridos minúsculos integrantes de alguma imagem ou gravação de áudio ou de vídeo, conforme editados pelo usuário, e que são representados no monitor através do acionamento de leds no nível dos pixels. Tudo o que se visualiza na tela do computador é, pois, “virtual”, no sentido de que não existe, em verdade, mas corresponde apenas à ilusão causada pelo sistema computacional, que associa uma longa cadeia de zeros e uns a informações representáveis visualmente, na forma minúsculos pontos coloridos acionados por eletricidade na tela de um dispositivo eletrônico, e, a partir daí, imprimíveis em uma folha de papel, com o auxílio de uma impressora.

O termo “bit”, que corresponde à unidade da cadeia de caracteres que codifica a informação no nível mais baixo de funcionamento de um sistema computacional, equivalente ao processamento no âmbito das placas eletrônicas, é, precisamente, a abreviação da expressão inglesa binary digit ou “dígito binário”, a saber, um dígito pertencente a um conjunto composto por apenas dois elementos (0 ou 1). Todo dado processável em um sistema computacional – incluindo qualquer elemento de texto, áudio ou vídeo, bem como chaves criptográficas e códigos gerados por algoritmos de assinaturas digitais – é convertido em uma longa sequência de “bits”, que são armazenados em dispositivos magnéticos – como um Hard Disk (HD), um pendrive ou um Solid State Drive (SSD) – ou ópticos, como um CD-ROM ou um DVD-ROM. É a cadeia de “bits” gerada que constitui, em essência, o documento eletrônico, o qual, por isso mesmo, só pode ser manipulado em um dispositivo eletrônico compatível com o formato lógico de sua produção.

 

  1. Diferença entre documento eletrônico e documento físico digitalizado

A digitalização (através de fotografia digital ou de um aparelho de scanner, por exemplo) de um documento físico, não o transforma em um documento eletrônico, pelo simples fato de que o documento original não foi gerado com o uso da tecnologia de assinaturas digitais. O documento original é físico e a digitalização é um processo que permite, tão somente, o armazenamento digital da imagem do documento. Cuida-se, pois, apenas, da guarda em meio eletrônico da imagem de um documento físico, razão pela qual, em regra, deve ser mantido o documento físico original para o caso de haver impugnação quanto ao conteúdo do documento digitalizado.

Ainda que determinadas leis ou atos normativos atribuam ao documento digitalizado valor probatório equivalente ao do documento físico original, como no caso das regras atualmente presentes no Código de Processo Civil, que atribuem ao documento digitalizado, salvo alegação fundamentada de adulteração, o mesmo valor jurídico do documento original, isso não significa que o documento digitalizado se converteu em documento eletrônico, pois não se trata de documento nato-digital, dado que sua produção, que se aperfeiçoa com a assinatura, ocorreu de forma manual e em suporte físico de papel, não se tendo construído por meio de assinatura eletrônica, com a formatação original do documento em meio integralmente eletrônico, que viabiliza a formação de um documento nato-digital.

O documento digitalizado não se confunde, em hipótese alguma, com o documento eletrônico. Documento eletrônico é, exclusivamente, o documento nato-digital, isto é, o produzido de forma inteiramente eletrônica, aperfeiçoado com a aposição de assinatura digital viabilizada por sistema eletrônico que assegure a autenticidade mediante controle criptográfico e chave de segurança individual. Documento digitalizado, por sua vez, é o documento físico, elaborado em suporte de papel e assinado manualmente, o qual, contudo, foi submetido a processo de conversão de sua imagem em formato digital, o que não o converte em um documento digital, mas apenas viabiliza a preservação da imagem do documento físico em um suporte eletrônico, em meio magnético, óptico ou equivalente.

 

6.1. Normas sobre a digitalização de documentos públicos e privados

A Lei n.º 12.682, de 9 de julho de 2012, dispôs sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos. Nos termos da lei, entende-se por digitalização a conversão da fiel imagem de um documento para código digital. (BRASIL, 2012)

 

Em 2019, a Lei n.º 13.874, “declaração de direitos de liberdade econômica”, incluiu o art. 2º-A e alterou a redação do art. 3º, da Lei n.º 12.682/2012, modificou substancialmente o regramento da digitalização de documentos públicos. A partir da mencionada lei, passou a ser autorizado o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos públicos ou privados, compostos por dados ou por imagens, observado o disposto na lei, nas legislações específicas e no regulamento. O regulamento referido mostrou ser o Decreto n.º 10.278, de 18 de março de 2020, o qual exige, como regra, que o documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá: a) ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados; b) seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e c) conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II. (BRASIL, 2019b)

 

De acordo com a Lei n.º 13.874 de 2019, após a digitalização, constatada a integridade do documento digital nos termos estabelecidos no regulamento, o original poderá ser destruído, ressalvados os documentos de valor histórico, cuja preservação observará o disposto na legislação específica. O documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto na referida lei e na legislação específica, terão o mesmo valor probatório do documento original, para todos os fins de direito, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado. Decorridos os respectivos prazos de decadência ou de prescrição, os documentos armazenados em meio eletrônico, óptico ou equivalente poderão ser eliminados.

Os documentos digitalizados conforme o disposto na referida lei terão o mesmo efeito jurídico conferido aos documentos microfilmados, nos termos da Lei nº 5.433, de 8 de maio de 1968 , e de regulamentação posterior.  Ato do Secretário de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia estabelecerá os documentos cuja reprodução conterá código de autenticação verificável. Ato do Conselho Monetário Nacional disporá sobre os documentos referentes a operações e transações realizadas no sistema financeiro nacional.

Nos termos do art. 2º-A, § 7º e 8º, da Lei n.º 12.682/2012, com a redação conferida pela Lei n.º 13.874/2019, é lícita a reprodução de documento digital, em papel ou em qualquer outro meio físico, que contiver mecanismo de verificação de integridade e autenticidade, na maneira e com a técnica definidas pelo mercado, e cabe ao particular o ônus de demonstrar integralmente a presença de tais requisitos. No caso dos documentos públicos, para a garantia de preservação da integridade, da autenticidade e da confidencialidade, será usada certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

 

  1. A Lei n.º 14.063/2020 e as novas normas sobre assinaturas eletrônicas

A recente Lei n.º 14.063, de 23 de setembro de 2020, regulamentada pelo Decreto n.º 10.543, de 13 de novembro de 2020, trouxe novas regras sobre assinaturas eletrônicas, impactando o regime jurídico dos documentos eletrônicos no direito brasileiro. A lei reconhece e formaliza procedimentos já adotados na prática por entidades públicas e privadas, mas também apresenta novos regramentos, versa sobre a assinatura eletrônica de atos específicos em matéria de saúde e dispõe sobre atos praticados em meio eletrônico durante o período da pandemia de Covid-19. Versa, também, sobre a licença de código aberto para os sistemas de informação desenvolvidos exclusivamente pelos órgãos e entidades da Administração Pública.

Dentre as inovações trazidas pela lei, destaca-se o reconhecimento de 3 (três) categorias de assinaturas eletrônicas, classificadas em: 1) “assinatura eletrônica simples”: a que permite identificar o seu signatário e que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário; 2) “assinatura eletrônica avançada”: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável; e 3 ) “assinatura eletrônica qualificada”: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

Os 3 (três) tipos de assinatura caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos. A lei prevê que devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas eletrônicas, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados.

 

Portanto, passaram a ser formalmente reconhecidas assinaturas eletrônicas emitidas em padrões diversos dos emitidos pelas autoridades certificadoras integrantes do ICP-Brasil. Nesse sentido, a lei alterou a Medida Provisória n.º 2.200-2, de 2001, para fazer constar que, no processo de cadastramento de usuários para fins de emissão de certificados digitais, a identificação não mais precisa ser feita presencialmente, mediante comparecimento pessoal do usuário, sendo admitidas, também, outra forma que garanta nível de segurança equivalente, observadas as normas técnicas da ICP-Brasil. (BRASIL, 2020b)

 

Os titulares de Poder ou órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo editarão atos normativos que estabelecerão o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. O ato poderá aceitar a assinatura eletrônica simples nas interações com ente público de menor impacto e que não envolvam informações protegidas por grau de sigilo. Poderá ser exigida a assinatura eletrônica avançada em lugar da assinatura eletrônica simples e no registro de atos perante as juntas comerciais.  A assinatura eletrônica qualificada será admitida em qualquer interação eletrônica com ente público, independentemente de cadastramento prévio.

É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: a) nos atos assinados por Chefes de Poder, Ministros de Estado ou por titulares de Poder ou de órgão constitucionalmente autônomo de ente federativo; b) nas emissões de notas fiscais eletrônicas, com exceção daquelas cujos emitentes sejam pessoas físicas ou Microempreendedores Individuais (MEIs), situações em que o uso torna-se facultativo; c) nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvados os registros em juntas comerciais; e d) nas demais hipóteses previstas em lei.

 

  1. Aplicações dos documentos eletrônicos

No Brasil, a tecnologia de assinaturas eletrônicas propiciou um rápido desenvolvimento de aplicações voltadas ao processamento eletrônico de documentos, viabilizando a informatização de procedimentos e a edição de documentos integralmente em meio digital nos setores público e privado.

Após a edição, em 2001, da Medida Provisória que criou a ICP-Brasil, a Lei n.º 11.419, de 2006, alterou o Código de Processo Civil de 1973 para dispor sobre a informatização do processo judicial. Em 2015, ao tempo de publicação do novo Código de Processo Civil, atualmente vigente, o processo judicial eletrônico já era uma realidade em todo o Brasil, tendo sido implementado com amplo sucesso em todos os Estados, e sendo o único meio de tramitação dos processos judiciais em muitos juízos e tribunais. O novo CPC, já editado no âmbito do processo judicial eletrônico, trouxe novas regras que ampliaram o uso da tecnologia na tramitação dos processos judiciais.

 

O processo administrativo também foi impactado pelos documentos digitais. O Decreto n.º 8.539, de 8 de outubro de 2015, regulamentou o uso do meio eletrônico para a realização do processo administrativo no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.  Conceitua documento como toda unidade de registro de informações, independentemente do formato, do suporte ou da natureza, e define “documento digital” como um gênero que abrange o documento nato-digital e o documento digitalizado.  Nos termos do Decreto, documento digital é a “informação registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio de sistema computacional, podendo ser: a) documento nato-digital – documento criado originariamente em meio eletrônico; ou b) documento digitalizado – documento obtido a partir da conversão de um documento não digital, gerando uma fiel representação em código digital”. (BRASIL, 2015) A norma define processo administrativo eletrônico como aquele em que os atos processuais são registrados e disponibilizados em meio eletrônico.

 

Outra importante aplicação dos sistemas de assinaturas digitais que viabilizaram a adoção dos documentos eletrônicos foi a recente instituição do sistema nacional de registro eletrônico de imóveis. O registro de imóveis corresponde à transcrição das escrituras públicas dos negócios jurídicos relativos a imóveis e, no Brasil, é indispensável para a aquisição da propriedade imóvel. É atribuição exclusiva dos Cartórios de Registro de Imóveis, consoante art. 1º, § 1º, IV, c/c art. 167, da Lei n.º 6.015/73. (BRASIL, 1973)

 

Em 11 de julho de 2017, a Lei n.º 13.465, por seu art. 76, instituiu o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), estabelecendo que será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR). Em 19 de dezembro de 2019, a Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou o Provimento n.º 89/2019, regulamentando o disposto na Lei n.º 13.465/2017 acerca do registro eletrônico de imóveis. O provimento criou numeração unificada das matrículas imobiliárias em todo o território nacional, dispôs sobre o repositório eletrônico dos atos registrais, os serviços de expedições de certidões e informações, em formato eletrônico, o acesso às informações pelo Poder Público e as diretrizes para a criação do estatuto do ONR.  (BRASIL, 2019a)

Por fim, a prática de atos notariais por meio eletrônico também foi admitida, recentemente, nos termos do Provimento n.º 100, de 26 de maio de 2020, da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, que os define como o conjunto de metadados, gravações de declarações de anuência das partes por videoconferência notarial e documento eletrônico, correspondentes a um ato notarial. O provimento estabelece normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos em todos os tabelionatos de notas do País, prevê atribuições dos tabeliães de notas relativamente à manipulação de documentos digitais, e introduz, dentre outros, os seguintes conceitos: a) assinatura eletrônica notarizada: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por um notário, atribuindo fé pública; b) certificado digital notarizado: identidade digital de uma pessoa física ou jurídica, identificada presencialmente por um notário a quem se atribui fé pública; c) assinatura digital: resumo matemático computacionalmente calculado a partir do uso de chave privada e que pode ser verificado com o uso de chave pública, cujo certificado seja conforme a Medida Provisória n. 2.200-2/2001 ou qualquer outra tecnologia autorizada pela lei. (BRASIL, 2020a)

 

  1. Características dos documentos eletrônicos

De tudo quanto foi até aqui exposto, é possível elencar determinadas características dos documentos eletrônicos que os diferenciam dos documentos físicos ou tradicionais, propiciando importantes conclusões para o Direito.

Em primeiro lugar, um documento eletrônico só é original no plano eletrônico. Uma página de papel com o conteúdo impresso de um documento eletrônico, ainda que com a indicação de algum link, código de barras, QR code ou número gerado pelo sistema que permita a verificação da autenticidade da assinatura eletrônica, não corresponde, em si, ao documento eletrônico original, mas, tão somente, a uma representação visual do seu conteúdo. Fazendo-se uma analogia com os documentos físicos, tradicionais, poder-se-ia afirmar que uma folha de papel impressa com o conteúdo do documento eletrônico seria, no máximo, o equivalente a uma “cópia” do original. Note-se, contudo, que até mesmo essa afirmação é tecnicamente imprecisa, pois, a rigor, não se trata de uma cópia do documento eletrônico, mas da mera representação visual do seu conteúdo em uma folha de papel, obtida mediante o uso de uma tecnologia de impressão.

O que precisa ficar claro para os operadores do Direito é que o documento eletrônico não é o mesmo que sua representação visual (seja na tela de um computador, seja, muito menos, em uma folha impressa de papel), mas o conjunto lógico de “bits” (cadeia de caracteres composta exclusivamente pelos elementos 0 ou 1, que codifica as informações que compõem o documento), de modo que, por consectário lógico, não há como visualizar o original fora de um sistema eletrônico capaz de traduzir a referida codificação. A versão digital visível, apresentada na janela do aplicativo no qual o documento foi editado ou convertida em algum outro formato de arquivo (como um arquivo de texto, um arquivo de imagem ou um arquivo PDF) ou, ainda, um folha de papel impressa com o conteúdo do documento e a indicação de que foi assinado eletronicamente, corresponde apenas a uma representação visual do conteúdo do documento.

Por conseguinte, tratar a representação visual impressa como uma “cópia” do documento eletrônico é uma incorreção de ordem técnica, pois se está diante de realidades totalmente distintas. Nem mesmo quando a representação visual seja mantida no plano digital, como nos casos da inclusão do conteúdo de um documento eletrônico em um arquivo de imagem via print de tela ou em um arquivo de formato PDF, está-se, propriamente, a produzir uma “cópia” do documento eletrônico, pois os “bits” que formam o documento eletrônico não serão os mesmos “bits” que formam o arquivo PDF ou de imagem, dado que a estrutura de organização dos dígitos binários no documento eletrônico original decorre do formato de arquivo criado pelo aplicativo no qual foi editado o documento eletrônico e processada a assinatura digital.

Um arquivo de imagem decorrente de um print de tela, um arquivo digital em formato PDF ou uma folha de papel com o conteúdo impresso do documento eletrônico, portanto, do ponto de vista jurídico, não são o documento eletrônico ou sequer cópia dele, mas, ao revés, documentos (físicos ou eletrônicos) autônomos, que, não obstante, servem como indício da existência de um documento eletrônico com aquele teor. Constituem mero indício, e não prova indireta, porque, a rigor, tais imagens representativas do conteúdo do documento eletrônico poderiam constituir uma contrafação. Somente através do aplicativo no qual foi produzido o documento eletrônico ou de aplicativos compatíveis com o referido formato de arquivo, e preparados para o processamento do referido tipo de documento, é que se pode provar a existência do documento eletrônico.

Em segundo lugar, ressalvadas as hipóteses em que o documento seja assinado eletronicamente na presença do tabelião, somente é possível aferir a autenticidade de um documento eletrônico eletronicamente. Não há como se proceder ao reconhecimento de firma de uma assinatura digital, em cartório, da maneira tradicional, através de uma página de papel com o conteúdo impresso de um documento digital, na medida em que a verificação da autenticidade de um documento, quando efetuada em momento posterior ao da aposição da assinatura, é realizada automaticamente pelo próprio sistema eletrônico, através do algoritmo específico que controla a emissão de assinaturas digitais e que se encontra integrado ao aplicativo no qual o documento nato-digital foi elaborado.

Por essa razão, em princípio, não faz muito sentido levar uma folha de papel com o conteúdo impresso de um documento eletrônico para que um tabelião certifique por fé pública que o sistema eletrônico declarou ser a assinatura autêntica, pois, nesse caso, quem está atestando a autenticidade é o algoritmo do sistema de assinaturas digitais, e não o tabelião, que estaria somente a declarar que obteve do sistema a referida informação. Como os sistemas de assinaturas eletrônicas são construídos de modo a que qualquer um possa, facilmente, conferir a autenticidade do documento através do código gerado no momento da assinatura digital, em tese, é desnecessária a intervenção de qualquer agente dotado de fé pública apenas para declarar a referida constatação.

 

Porém, uma vez que os próprios algoritmos dos sistemas de construção de documentos eletrônicos, integrados por subsistemas de assinaturas digitais, podem ser objeto de questionamento, ou, ainda, outras dúvidas podem surgir acerca da autenticidade de documentos eletrônicos, decorrentes de eventuais fragilidades dos sistemas relativamente ao uso dos certificados e chaves individuais de assinatura digital, o Provimento n.º 100/2020 da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ reconheceu a atribuição do tabelião de notas para: a) a materialização, a desmaterialização, a autenticação e a verificação da autoria de documento eletrônico; b) autenticar a cópia em papel de documento original digitalizado e autenticado eletronicamente perante outro notário; c) reconhecer as assinaturas eletrônicas apostas em documentos digitais; e d) realizar o reconhecimento da firma como autêntica no documento físico, devendo ser confirmadas, por videoconferência, a identidade, a capacidade daquele que assinou e a autoria da assinatura a ser reconhecida. (BRASIL, 2020)

 

Em terceiro lugar, não existe cópia eletrônica de documento eletrônico, mas apenas novas instâncias do documento original. Uma duplicação eletrônica do documento eletrônico original, como, por exemplo, a que se obtém a partir da utilização dos comandos “CTRL + C” e “CTRL + V” do teclado de um computador, quando selecionado um documento eletrônico no explorador de arquivos de um sistema operacional, não constitui, tecnicamente, uma “cópia” do documento firmado por assinatura digital, mas, ao revés, a criação de uma nova via original. Isso porque, diferentemente dos documentos físicos, cujo original é uma instância física, que somente poderia ser reproduzida com novas assinaturas manuais em outros suportes físicos que contivessem idêntico conteúdo, formando, assim, novas vias originais do mesmo documento, no caso dos documentos eletrônicos, o original é apenas um conjunto de “bits” estruturado de forma específica segundo a lógica de programação do sistema computacional no qual foi editado, o qual contém a representação matemática da assinatura digital realizada no momento da formação do documento. Como não há, em princípio, qualquer diferenciação entre os “bits” do documento eletrônico original e os de sua réplica eletrônica, toda cópia desse conjunto de “bits” é uma replicação do próprio original eletrônico.

Toda via eletrônica de um documento eletrônico é, pois, igualmente, uma via original, sendo possível, através dos comandos “copiar” e “colar” dos computadores contemporâneos, produzir inúmeras vias originais de um documento eletrônico. Cada uma das vias geradas terá valor jurídico idêntico ao do documento original, não porque sejam cópias autênticas do original, mas, tão somente, porque são, todas elas, novas vias originais, visto que se trata de documento eletrônico e não físico. A adoção dos mecanismos de cópia eletrônica do documento eletrônico gera uma nova instância eletrônica do documento eletrônico inicial, razão pela qual o que se produz não é uma “cópia”, mas uma nova via original do documento eletrônico.

Em quarto lugar, não há que se falar, pois, em “autenticação de cópia” de documento nato-digital, uma vez que as diferentes instâncias digitais de um documento eletrônico são todas vias originais do documento e a representação visual do conteúdo, em meio físico (papel impresso) ou digital (arquivos PDF ou de imagem) não se confunde com o documento eletrônico ou com sua cópia. O conteúdo impresso de um documento eletrônico não constitui, a rigor, uma “cópia” que possa ser autenticada por tabelião ou outro agente dotado de fé pública, pois uma declaração de sua correspondência com o original pressupõe o acesso ao sistema eletrônico no qual o documento eletrônico foi editado, o que já corresponde ao acesso ao documento original, tornando, em regra, desnecessária a declaração de correspondência, na medida me que o próprio original está à disposição no sistema eletrônico.

Via de regra, os sistemas de elaboração de documentos eletrônicos têm acesso universal via Internet e permitem a qualquer indivíduo a confirmação da existência e autenticidade dos documentos neles gerados. Na hipótese teórica de um o sistema de criação de documentos eletrônicos estar acessível ao tabelião, mas não estar ao alcance da pessoa a quem se quer provar a existência e o conteúdo do documento eletrônico, o instrumento cabível, a nosso ver, seria uma ata notarial, na qual se atestaria que o conteúdo visualizado no papel impresso apresentado ao tabelião é equivalente ao da representação visual do documento eletrônico no sistema específico acessado.

Nesse sentido, repise-se que o Provimento n.º 100/2020 da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ reconheceu a atribuição do tabelião de notas para “autenticar a cópia em papel de documento original digitalizado e autenticado eletronicamente perante outro notário”, o que não se confunde com declarar a correspondência de um conteúdo impresso em folha de papel com o conteúdo de um documento eletrônico ao qual o tabelião teve acesso. Tal medida, contudo, não nos parece vedada, sendo admissível pela via da ata notarial, a qual, contudo, teria de qualificar e identificar o sistema eletrônico no qual o documento foi emitido e assinado digitalmente, de modo a estabelecer a vinculação entre a representação visual impressa e o documento eletrônico original.

 

Conclusão

Os documentos eletrônicos foram reconhecidos no direito brasileiro pela Medida Provisória n.º 2.200, de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. A recente Lei n.º 14.063, de 23 de setembro de 2020, regulamentada pelo Decreto n.º 10.543, de 13 de novembro de 2020, trouxe novas regras, reconhecendo a validade jurídica de outras formas de assinaturas eletrônicas, ainda que não implementem os protocolos do ICP-Brasil, mas conferindo o grau máximo de confiabilidade à assinatura eletrônica qualificada, que é a que utiliza certificado digital construído segundo os critérios da ICP-Brasil.

Não há que se confundir o documento eletrônico com a representação visual de seu conteúdo, seja em meio digital, seja em meio físico, como o de um papel que contenha, de forma impressa, o conteúdo do documento eletrônico. O documento eletrônico é um conjunto de dígitos binários estruturados de forma lógica segundo critérios específicos do sistema eletrônico que o criou, constituindo, portanto, uma realidade imaterial.

Também não se confunde o documento eletrônico com a versão digitalizada de um documento físico, na medida em que a digitalização corresponde à mera guarda, em meio digital, da imagem de um documento físico. O documento digitalizado é um arquivo eletrônico autônomo que apresenta a imagem de um documento físico, não um documento físico que foi convertido em digital, pois a formação do documento, incluindo a fase fundamental do registro da manifestação de vontade pela aposição da assinatura, ocorreu não em meio eletrônico, mas em meio físico. Como a digitalização, em princípio, não comporta qualquer forma de ratificação das assinaturas do documento físico, através de assinaturas digitais, por parte dos autores do documento físico, não há que se falar, como regra geral, em conversão de documento físico em digital através do procedimento de digitalização.

A Lei n.º 12.682/2012, com as alterações realizadas pela Lei n.º 13.874/2019, versou sobre a digitalização de documentos no âmbito público e privado e permitiu a digitalização de documentos, por parte da Administração Pública, conferindo aos documentos digitalizados idêntico valor jurídico que o do documento físico original, desde que atendidos determinados critérios, sendo permitido, inclusive, em alguns casos, o descarte dos originais físicos.

O reconhecimento da validade jurídica dos documentos eletrônicos no Brasil permitiu diversas aplicações, como o processo judicial eletrônico, o processo administrativo eletrônico federal, o registro eletrônico de imóveis e a prática de atos notariais em meio eletrônico. Outras inovações similares também têm sido sucessivamente praticadas, a exemplo da emissão de documentos públicos em geral por meio eletrônico, como no caso do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo em Meio Digital – CRLV-e, que, foi admitido por meio da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n.º 809, de 15 de dezembro de 2020.

Não resta dúvida de que os documentos eletrônicos constituem um passo sem volta no processo de modernização das relações sociais, tudo levando a crer que sua utilização será cada vez mais crescente no Brasil e no mundo, dada a praticidade, celeridade e economicidade que propiciam nos diferentes campos da atuação humana. Em função da pandemia de Covid-19 e da necessidade de manutenção das atividades econômicas em meio a medidas de distanciamento social, sua adoção foi potencializada e acelerada em muitos campos do setor público e privado. O impacto que essa realidade produz no sistema jurídico é significativo, na medida em que uma nova teoria jurídica, acompanhada de novas normas que solucionem questões associadas à manipulação dos documentos, por certo, se mostrará necessária para o adequado tratamento dos fatos jurídicos à luz dos novos meios probatórios.

 

Referências

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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Corregedoria Nacional de Justiça. Provimento n.º 100 de 26 de maio de 2020a.  Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3334. Acesso em 26 mar. 2022.

 

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