Mecanismos existentes de transparência e participação social alinhados com a autonomia regulatória¹

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O estudo das agências reguladoras no âmbito do direito administrativo brasileiro depara-se, por vezes, com questões atinentes2 à abrangência da autonomia regulatória. 

Nesse sentido, a emenda 54 à MP nº 1.154/20233, ao criar conselhos administrativos, ligados a Secretarias e Ministérios, com competência regulatória na seara técnico-normativa, bem como contemplando a previsão de contencioso administrativo regulatório para além das Agências Reguladoras, fragiliza a necessária autonomia regulatória das Agências. 

Especificamente no setor regulado de saneamento básico, a retirada da competência regulatória da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) para edição de normas de referência4, o que visava uniformizar e trazer segurança ao referido segmento suscetível a um emaranho de normas federativas5 sobre a matéria, causou preocupação e incerteza ao mercado. 

Tais alterações normativas são normalmente justificadas pela alegação da necessidade de maiores mecanismos de transparência e de controle social incidentes sobre as competências e decisões regulatórias.  

Acontece que já existem instrumentos regulatórios aptos a garantir a respectiva participação social, bem como a legitimar e fiscalizar a autonomia das Agências Reguladoras. 

A Lei n° 13.874/19, conhecida como a Lei de Liberdade Econômica, indica a obrigatoriedade de análise de impacto regulatório (AIR) antes de novas medidas regulatórias ou de alterações técnico-normativas substanciais, sendo dispensada excepcional e motivadamente6 

Vale ressaltar que a referida avaliação técnica, obrigatória também em decorrência da Lei geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019), cujo escopo é a realização e a exposição de análise prévia de razoabilidade do impacto econômico decorrente do ato técnico-normativo a ser editado ou alterado pelas Agências, analisa previamente a repercussão econômica do ato normativo sobre os serviços públicos e atividades econômicas correlacionadas, aferindo e levando em consideração os supostos efeitos ocasionados pela norma para fins de definição do conteúdo do ato a ser editado ou até mesmo para decisão administrativa de não editá-lo, considerando, ainda, os critérios expostos no Decreto nº 10.411/20 (parágrafo único da mencionada Lei de Liberdade econômica7) que regem a elaboração da AIR. 

Trata-se da análise econômica do direito, com viés pragmático e consequencialista8, orientada pela coleta empírica de dados, indicadores e pela verificação casuística da repercussão do direito na seara socioeconômica. 

Dito isto, deve-se destacar que a AIR é de suma importância, posto que justifica toda uma lógica de análise das consequências da edição de atos normativos, desde a definição do problema regulatório (atores e objeto), passando pelo mapeamento de alternativas de ação e culminando com as estratégias de implementação e monitoramento.9 

Ainda no âmbito dos mecanismos de controle regulatório e, por conseguinte, da abrangência da autonomia regulatória conferida às Agências, cabe destacar a possibilidade de utilização da denominada Avaliação do Resultado Regulatório (ARR).  

O mesmo Decreto n° 10.411/20, em seu artigo 13,10 prevê tal instituto. Trata-se de controle regulatório a posteriori, considerando determinado tempo de vigência das normas regulatórias e os resultados alcançados.   

De todo modo o uso da ARR ainda é incipiente e deve ser incentivado, tendo em vista o seu caráter relativamente indicativo e não obrigatório tal como a AIR. 

Contudo, é realmente mais um instrumento regulatório capaz de fortalecer os mecanismos de controle e participação social, assegurando, ainda, que a eficiência da competência regulatória exercida seja devidamente aferida.  

Especificamente na seara da participação e controle social, note-se que a consulta pública e a audiência pública são instrumentos regulatórios existentes e essenciais para garantir a referida democratização e transparência dos atos e das decisões das Agências Reguladoras. 

A consulta pública11 consiste na participação de qualquer interessado, por meio de críticas, recomendações e sugestões, no âmbito de aprovação de inovações ou alterações normativo-regulatórias. A referida consulta, de natureza obrigatória, terá sido precedida da AIR e comportará a necessária motivação da autoridade regulatória e o exercício do contraditório ínsito ao devido processo legal no âmbito administrativo. 

Por sua vez, a audiência pública possibilitará, a critério da Agência Reguladora e em matérias de natureza relevante, a participação de interessados, por meio de manifestação oral, que deverá também ser considerada e analisada à luz do devido processo legal12. A dita audiência também terá sido precedida necessariamente do relatório de AIR.  

Um outro instrumento regulatório interessante é o sandbox regulatório. O sandbox é um ambiente experimental e menos rigoroso para que produtos e serviços inovadores (o que engloba o aperfeiçoamento, melhoria de medidas) sejam testados, em condições restritas (quantitativo reduzido de clientes, demanda controlada, etc), e riscos envolvidos devidamente aferidos.  

É importante ressaltar que o sandbox tem como pressuposto a checagem de inovação. Ocorre que, à luz do Manual de Oslo, a inovação não está atrelada somente à prática de produtos e serviços inéditos, mas também ao aperfeiçoamento, à melhoria de controles internos, de processos, marketing e questões organizacionais em curso, o que permeia um vasto campo de atuação por parte do agente econômico regulado, possibilitando, na prática, a utilização do ambiente experimental. 

Por fim, o denominado diálogo, articulação e interação institucionais entre Agências Reguladoras podem e devem ser estimulados como mecanismos de transparência, controle e eficiência das atividades regulatórias envolvidas. 

A interação pode ocorrer entre Agências nacionais e subnacionais13, vedada a delegação de competência técnico-normativa. Agências federais podem delegar competências de natureza fiscalizatória e sancionatórias às Agências locais em prol da busca de maior eficiência na tomada de decisões. Obviamente que as Agências subnacionais devem estar tecnicamente aparelhadas e podem fazer jus a parcela de valores financeiros arrecados em razão do exercício de suas atividades. Isso já foi cogitado entre a ANEEL e a AGENERSA-RJ no setor elétrico – mais precisamente de distribuição de energia elétrica. Tal arranjo decorre de necessidade operacional e é instrumentalizado mediante descentralização das competências regulatórias admitidas.  

A articulação entre as Agências de setores regulados distintos14 também pode ocorrer e garantir maior eficiência e transparência. É o caso de ações integradas envolvendo a ANA e a ANEEL, vez que as matérias de meio ambiente e energia elétrica costumam ter pontos de interseção e comunicação bastante aproximados. Nesses casos, é comum que haja a divulgação de atos normativos conjuntos e consolidados. 

Há ainda a interação entre as Agências Reguladoras e demais órgãos e entidades da administração pública indireta, como, por exemplo, o CADE, órgãos de defesa do meio ambiente e de proteção ao consumidor15. A reunião de esforços para a busca de soluções inovadoras e troca de experiências será formalizada mediante convênios ou acordos de cooperação, estabelecendo as metas a serem controladas e conferindo a necessária publicidade à interação pactuada.          

Por todo o exposto, note-se que já existem, sem que haja vulneração da autonomia das Agências Reguladoras, instrumentos regulatórios interessantes voltados a garantir a transparência e a participação social no âmbito das Agências Reguladoras. Tais mecanismos devem ser aperfeiçoados continuamente. Definitivamente, não há espaço e sequer necessidade de conselhos administrativos, vinculados a órgãos de governo, com função regulatória e decisória em temas técnicos atinentes aos setores regulados. Se a MP 1154/23, com a emenda 54, for convertida em lei será um retrocesso regulatório e colocará em risco a autonomia das Agências Reguladoras que já dispõem de bons instrumentos regulatórios destinados a assegurar a governança regulatória (participação democrática, controle social e transparência). 

 

 

1 Thiago de Oliveira – Advogado, Sócio do Setor Regulatório da Siqueira Castro Advogados e Professor universitário na área de direito público. Doutor e Mestre em Direito Público. 

2 Cabe lembrar resistências do governo federal anterior à autonomia regulatória das Agênciashttps://revistaferroviaria.com.br/2022/04/associacao-lamenta-profundamente-ataques-de-bolsonaro-as-agencias-reguladoras/ 

3 https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155651 

4 Art. 3º da Lei 9.984/2000 (criação da ANA) alterada pela MP 1154/2023 

5 Art. 21. XXArt. 22. IV; Art. 23. VI, VII, IX. Art.24. Art. 25. § 1º. Art. 30. I. 

6 Art. 4º Decreto n° 10.411/20  

7 Art. 5ºe parágrafo único da Lei 13.874/2000.  

8 POSNER, Richard. In DireitoPragmatismo e DemocraciaTradução Teresa Dias Carneiro. RJ: Ed. Forense. 2010.___, _____. In El Análisis Económico del Derecho. 2ª ed. México: Fondo de Cultura Económica, 2007. 

9 ANTT: 2ea7dfbd-3b18-f5a3-7362-8a054ec05c6a (antt.gov.br) 

10 Art. 13 e parágrafo 1º, 2º e 3º do Decreto 10.411/20.  

11 Art 9º da Lei 13.848/2019.  

12 Art. 10 da Lei 13.848/2019. 

13 Art. 34 da Lei nº 13.848/2019.  

14 Art. 29 da Lei nº 13. 848/2019. 

15 Art. 25 da Lei nº 13.848/2019. 

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