A Motivação e a Busca da Verdade Real no Âmbito do Procedimento Fiscal Como Meio de Controle da Legalidade do Lançamento Tributário e Prevenção de Conflitos

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Adriene Maria de Miranda Veras

RESUMO: O artigo volta-se para o procedimento administrativo fiscal, que precede o processo administrativo, como o conjunto de atos promovidos pela Administração Pública, de forma unilateral e inquisitória, com o fito de fiscalizar os contribuintes e  apurar a eventual ocorrência da hipótese de incidência tributária e/ou de ilícito a ser punido com a cominação de penalidade. Constituindo o lançamento um ato administrativo, goza esse de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, razão pela qual, diante o risco de malferimento de garantias, como o direito à propriedade, analisa-se como a motivação e a busca de verdade real, especialmente esse último, assumem relevante importância no bojo do procedimento fiscal. Sem a devida prova da realidade dos fatos que o ensejou, o lançamento torna-se nulo por vício de motivação. Verifica-se, ainda, que a observância do princípio da busca da verdade real consiste em mecanismo de controle de legalidade do lançamento e, nesse passo, reduz eventuais conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte. Quanto mais próximo da verdade dos fatos, mais certeza se tem quanto à validade do lançamento e, por conseguinte, menores são as chances de conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte.

Palavras – chaves: ato administrativo; presunção de legalidade; procedimento administrativo fiscal; princípios; motivação; controle de legalidade; meios de prova; verdade real.

 

ABSTRACT: The work turns to the fiscal administrative procedure, which precedes the administrative process, such as the set of acts promoted by the Public Administration, unilaterally and inquisitorially, in order to inspect the taxpayers and establish the possible occurrence of the hypothesis of tax incidence and / or unlawful to be punished with the penalty payment. Since the launching is an administrative act, it enjoys a presumption of legality, legitimacy and veracity, which is why, faced with the risk of breach of guarantees, such as the right to property, it is analyzed as the motivation and the search for real truth, especially the latter, are relevant in the context of the tax procedure. Without due proof of the reality of the facts that led to it, the release becomes void due to a lack of motivation. It is also verified that the observance of the principle of the search for real truth consists of a mechanism of control of the legality of the launch and, in this step, reduces possible conflicts between the Public Administration and the taxpayer The closer to the truth of the facts, the more certainty there is a question as to the validity of the launch and, therefore, the lesser the chances of conflicts between the Public Administration and the taxpayer.

Keywords: administrative act; presumption of legality; fiscal administrative procedure; Principles; motivation; control of legality; means of proof; real truth.

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 – Ato administrativo

1.1.  Conceito

1.2. Elementos/requisitos do ato administrativo

1.3. Atributos do ato administrativo

1.4. Presunção de legitimidade, validade e legalidade do ato administrativo

1.5. Relevância da motivação dos atos administrativos para se coibir o desvio de poder.

CAPÍTLO 2. Processo e Procedimento administrativo fiscal. Controle da legalidade dos atos. Função e relevância.

2.1 Processo e procedimento administrativo fiscal. Conceitos e diferenças.

2.2 Os princípios informadores do procedimento administrativo fiscal

Princípio da legalidade

Princípio da impessoalidade

Princípio da moralidade

Princípio da publicidade

Princípio da eficiência

Princípio da oficialidade

Princípio da gratuidade

Princípio

Princípio da verdade real

CAPÍTULO 3

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

INTRODUÇÃO

O procedimento administrativo fiscal consiste na fiscalização e apuração pela Administração Pública de eventual ocorrência da hipótese de incidência tributária a ensejar a constituição do crédito tributário e/ou de ilícito a ser punido com a cominação de penalidade. Culmina com o lançamento, constituindo o crédito tributário a seu favor e cominando penalidades. Sendo ato administrativo goza de presunção de legitimidade, legalidade e veracidade.

Desponta, nesse contexto, o receio acerca da possibilidade de o lançamento tributário implicar malferimento de garantias, como o direito à propriedade até mesmo o de liberdade.

A Constituição Federal, a fim de assegurar a validade dos atos administrativos, prescreve, em seu art. 37, que esses devem observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Objetiva-se, assim, no trabalho, analisar como se dá a aplicação dos referidos princípios no âmbito do procedimento administrativo fiscal como meio de controle da legalidade do lançamento e realização da justiça tributária, para chega à necessidade da motivação dos atos administrativos e à busca de verdade real.

Também são examinadas as razões pelas quais, sem a devida prova da realidade dos fatos que o ensejou, o lançamento torna-se nulo por vício de motivação.

De maneira resumida, aborda-se, também, os meios de prova aceitos e utilizados pela Administração Pública para a apuração da realidade dos fatos, porquanto, quanto mais próximo da verdade dos fatos, maior a certeza que se tem quanto à validade do lançamento e, por conseguinte, menores serão as chances de conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte.

O estudo se dá a partir do exame dos princípios constitucionais, da legislação pertinente, da doutrina, especialmente autores dos ramos do Direito Tributário, Administrativo e Constitucional, bem como da jurisprudência administrativa e judicial.

 

CAPÍTULO 1 – ATO ADMINISTRATIVO

  • Conceito

A Administração Pública realiza sua função executiva por meio de atos jurídicos, denominados atos administrativos.

Acerca do conceito do ato administrativo, a doutrina diverge especialmente quanto à sua amplitude. Alguns doutrinadores consideram como ato administrativo somente aqueles provenientes da Administração ou seus representantes, que produzem efeitos concretos, enquanto outros incluem os atos gerais e abstratos, como os regulamentos e instruções. Perfila esse último entendimento o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello para quem o ato administrativo é a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei, a título de lhe dar cumprimento, e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional[1].

Dentre os que consideram como ato administrativo somente aqueles que produzem efeitos concretos e imediatos, podemos citar Hely Lopes Meirelles, segundo o qual “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria“.[2]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário[3]“.

Observe-se que, nos termos desse último conceito, não seriam atos administrativos os atos de regulamentação como os enunciativos.

Do exame dos conceitos expostos, verifica-se que, apesar das divergências, não há discrepância de que o ato administrativo consiste sempre num ato jurídico emanado pela Administração Pública ou por quem lhe faça às vezes, com prerrogativas em relação ao particular e sujeito ao controle judicial.

Acrescente-se que a prática de atos administrativos não se restringe aos órgãos do Poder Executivo. Tanto o Poder Judiciário como o Poder Legislativo também os praticam quando ordenam seus próprios serviços, dispondo, por exemplo, sobre seus servidores. Esses atos são tipicamente administrativos, embora provindos de órgãos judiciários ou de corporações legislativas, e, como tais, se sujeitam a revogação ou a anulação no âmbito interno ou pelas vias judiciais, como os demais atos administrativos do Poder Executivo.

  • Elementos/requisitos do ato administrativo

Como típicos atos jurídicos, os atos administrativos precisam apresentar requisitos mínimos para sua validade.

Nos termos do art. 104 do Código Civil, todo ato jurídico deve ser praticado por agente capaz, possuir objeto lícito e apresentar forma prescrita ou não defesa em lei.

Paralelamente, são elementos do ato administrativo ser praticado por agente competente, ser legal o seu  objeto, a sua forma estar prescrita em lei, visar o interesse público e ser motivado.

A competência é o poder que a lei outorga ao agente público para o desempenho de suas funções. O ato administrativo deve resultar do exercício das atribuições de um agente competente, sob pena de invalidação. Tanto é assim que, nos termos do art. 2o, parágrafo único, letra “a” da Lei 4.717/65, que trata da ação popular, é nulo o ato praticado por pessoa incompetente, verbis:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

        (…)

        Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

  1. a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
  2. b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
  3. c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
  4. d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
  5. e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. (negritamos)

Aplicam-se as seguintes regras com relação à competência: decorrer sempre de lei; ser inderrogável, ou seja, o órgão não pode renunciar a sua competência, uma vez que ela é conferida em beneficio do interesse publico; ser intransferível, isso é, não pode ser transferida de um órgão para outro.

No que tange à transferência de competência, excepcionalmente, admite-se a possibilidade de delegação ou de avocação. A delegação ocorre quando a lei autoriza que um agente ou órgão transfira a outro, a competência que lhe foi atribuída. No âmbito federal, a lei autorizadora da delegação de competência é o art. 11 e 12 do Decreto-Lei no 200/67 (regulamentado pelo Decreto nº 83.937/79) e o art. 14, § 1o da Lei no 9.784/99. A ver esse último:

Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.

  • 1oO ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.

Por outro lado, a lei pode impedir que algumas competências sejam objeto de delegação. São as chamadas funções indelegáveis, que se transferidas acarretam a invalidade do ato. É o caso, por exemplo, previsto no art. 13 da Lei no 9.784/99, que exclui da delegação a edição de atos normativos, decisões de recursos administrativos e as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

O objeto do ato administrativo é o que o seu conteúdo, a enunciação, decisão ou opinião. A sua inobservância igualmente gera a nulidade do ato, conforme disposto no art. 2º, letra “c”, da Lei 4.717/65, verbis:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

  1. a) incompetência;
  2. b) vício de forma;
  3. c) ilegalidade do objeto;
  4. d) desvio de finalidade. (negritamos)

A forma, por sua vez, é a observância completa e regular das formalidades essenciais à existência e seriedade do ato. É o revestimento do ato administrativo. É o modo pelo qual o ato aparece, revela a sua existência. A inexistência da forma leva à inexistência do ato, enquanto que a sua inobservância leva à nulidade, conforme dispõe o art. 2º, letra “b”, da Lei no 4.717/65 (acima transcrito).

Observa-se, quanto a sua exteriorização, em regra, o ato administrativo deve ser escrito a fim de se efetivar um melhor controle da sua legalidade. Excepcionalmente, pode ser em forma de ato oral (p.ex. ordens dadas a um servidor), atos visuais (p.ex. placas de sinalização de trânsito), atos eletromecânicos (p.ex. semáforos), atos sonoros (p. ex. policiais dirigindo o trânsito através de gestos e apitos).

O ato administrativo, por força dos princípios prescritos no art. 37 da Constituição Federal, além desses requisitos, deve ainda ter sempre por finalidade o interesse público e apresentar um motivo. Presentes os cinco elementos, o ato administrativo existe.

A finalidade do ato administrativo, haja vista ser necessariamente o interesse público, é indicada em lei, seja de forma explícita ou implícita, razão pela qual não se admite no ordenamento jurídico ato administrativo sem finalidade ou desviado de sua finalidade específica.

A motivação ou o fundamento de um ato administrativo é a situação de direito ou de fato que enseja, autoriza ou determina a sua realização. Pode vir expressa em lei, hipótese em que o ato será vinculado, ou pode ser deixada a critério do administrador, quando o ato será discricionário.

Nos atos vinculados, o administrador, verificando a ocorrência dos pressupostos de fato e de direito, emana o ato administrativo conforme a lei determina. Todos os seus elementos são vinculados à lei: competência, finalidade, forma, objeto e motivo.

De outro lado, nos atos discricionários, o administrador pode decidir livremente acerca do seu motivo e objeto, devendo atender a lei, sob pena de nulidade do ato, os elementos da competência, finalidade e forma. Essa liberdade quanto à motivação e objeto, a doutrina denomina de mérito administrativo.

Todavia, a essa liberdade do administrador, quanto ao motivo e o objeto do ato, não é plena. O ato, ainda que discricionário e praticado a partir da disposição legal, deve necessariamente atender a sua finalidade precípua que é o interesse público. Caso, a sua finalidade seja diversa, o ato pode ser revisto ou anulado pelo Poder Judiciário por abuso ou desvio de poder.

Com efeito, o Poder Judiciário, nos casos em que invocado e comprovado que o ato administrativo foi praticado sem atender o interesse público, tem se posicionado pela anulação do ato. A título de exemplo:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA. REMOÇÃO EX OFFICIO. ATO ADMINISTRATIVO SEM QUALQUER REFERÊNCIA AOS MOTIVOS QUE LHE DERAM ENSEJO. ILEGALIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 50, I, DA LEI 9.784⁄99. MOTIVAÇÃO APRESENTADA SOMENTE NAS INFORMAÇÕES EM QUE NÃO HÁ CONGRUÊNCIA ENTRE O MOTIVO E A FINALIDADE DO ATO, ALÉM DE EVIDENCIAR ELEVADO GRAU DE SUBJETIVISMO À REVELIA DE CONCRETA DEMONSTRAÇÃO DE QUE A TRANSFERÊNCIA ATENDE A ALGUMA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 26, II, DA LEI ESTADUAL 4.122⁄99. ATO ADMINISTRATIVO QUE, APESAR DE DISCRICIONÁRIO, SUJEITA-SE AO CONTROLE DE JURIDICIDADE. PRECEDENTES.

  1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança contra ato do Secretário da Segurança Pública do Estado de Sergipe que determinou a remoção ex officiodo Delegado de Polícia impetrante sem a correspondente motivação.
  2. Integra o bloco de juridicidade do ato administrativo – ainda que discricionário – a explicitação das razões que levaram a Administração Pública à sua prática. Precedentes.
  3. No caso concreto, a Portaria 419⁄2011 não trouxe qualquer referência ou mesmo informação remissiva à ata do Conselho Superior para permitir ao Delegado removido saber o motivo e a finalidade de sua transferência.  Ilegalidade revelada pela inobservância do disposto no art. 50, I, e § 1º, da Lei 9.784⁄99.
  4. Ademais, a fundamentação apresentada nas informações evidencia desvio de finalidade pela incongruência entre o motivo e o objetivo do ato de remoção, cuja justificativa está marcada por generalismos e subjetivismos que identificam a presença de interesse público a partir de ilações sobre prejuízos que futuramente poderiam advir do serviço policial. Data venia, não pode a Administração Pública aferir aprioristicamente se as ações policiais serão ou não prejudicadas pelas diferenças profissionais entre o Delegado impetrante e seu coordenador. Ou se se comprova concretamente a efetiva existência de prejuízo ao serviço público, ou não passam de um juízo de mero subjetivismo que não se compatibiliza com o princípio constitucional da impessoalidade considerações sobre transtornos futuros, eventuais e incertos – que poderão ocorrer ou não .
  5. Por outro lado, a transferência operada na espécie não atende às previsões do art. 26, II da Lei Estadual 4.122⁄99, que estabelece a remoção ex officioou “por interesse do serviço” ou “por conveniência da disciplina”, não tendo sido comprovada nenhuma das situações. Não havendo demonstração concreta sobre a forma como os desentendimentos entre o impetrante e seu coordenador afetam o serviço, e inexistindo instauração de processo disciplinar, a remoção se mostra ilegal em qualquer dessas duas hipóteses. Impõe-se, pois, reconhecer a violação do direito líquido e certo do impetrante em ser removido apenas nos casos determinados por lei – art. 26 da Lei Estadual 4.122⁄99 – mediante ato administrativo devidamente motivado, elementos esses não presentes in casu.
  6. 6. O ato administrativo discricionário sujeita-se à sindicabilidade jurisdicional de sua juridicidade. Não invade o mérito administrativo – que diz com razões de conveniência e oportunidade – a verificação judicial dos aspectos de legalidade do ato praticado. Precedentes.
  7. Recurso Ordinário provido. (STJ, RMS 37.327/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJde 12/08/2013, negritamos)

REMESSA NECESSÁRIA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE SERVIDOR DA REGÊNCIA DE CLASSE. ATO ADMINISTRATIVO DESPROVIDO DOS REQUISITOS EVIDENCIADORES DO INTERESSE PÚBLICO; FINALIDADE E MOTIVAÇÃO. É NULO O ATO ADMINISTRATIVO QUE CARECE DOS ELEMENTOS QUE LHE SÃO ESSENCIAIS. CONQUANTO O ATO DE TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR SE INSIRA DENTRO DO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER PÚBLICO, NÃO DISPENSA ELE A NECESSÁRIA E CONVINCENTE FINALIDADE E MOTIVAÇÃO. A AUSENCIA DOS REQUISITOS DE VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO ENSEJA DESVIO DE PODER. NULIDADE. SENTENÇA INTEGRADA. (TJBA, Reexame Necessário n.º 0000396-26.2011.8.05.0050, DJe de 06/08/2013, negritamos)

Portanto, o desvio de poder, também denominado excesso de poder, abuso de poder e desvio de finalidade, consiste no afastamento do ato administrativo do fim colimado – interesse público – para perseguir finalidade diversa da visada.

Acrescente-se que o ato administrativo, mesmo preenchendo os seus cinco elementos que lhe conferem existência, para que produza efeitos, deve ser publicado.

No âmbito do procedimento administrativo fiscal de que trata o presente trabalho, os atos administrativos são vinculados. Logo, porquanto implicam limitações ao direito de propriedade, todos os seus elementos devem seguir necessariamente o que a lei prescreve, não havendo espaço para a discricionariedade da fiscalização.

 

1.3 Atributos do ato administrativo

Além dos seus elementos, o ato administrativo possui atributos que geram relevantes implicações e também o distingue dos atos jurídicos privados, quais sejam: presunção de legitimidade, imperatividade e auto-executoriedade.

Esses atributos são necessários para que os atos possam atingir os fins a que se propõem e em virtude dos quais existe.

A imperatividade é o atributo pelo qual o ato administrativo impõe a coercibilidade para seu cumprimento ou execução perante terceiros, independentemente de sua concordância.

Não está presente em todos os atos, vez que alguns a dispensam. Porém todos os atos que consistem em provimentos ou ordens nascem sempre com imperatividade que obriga o particular ao seu cumprimento.

A auto-executoriedade, que também não está presente em todos os atos administrativos, consiste na possibilidade de os que a possuem serem imediata e diretamente executados pela própria Administração Pública sem prévia autorização do Poder Judiciário, para a salvaguarda imediata do interesse público.

 

1.4. Presunção de legitimidade, validade e legalidade do ato administrativo

Todos os atos administrativos, indistintamente, têm presunção de legitimidade que diz respeito à sua conformidade com a lei, na medida em que no Estado de Direito, todos os atos da Administração devem observar o princípio da legalidade. Nesse passo, produzem efeitos e podem ser executados imediatamente. São válidos desde o nascedouro. Somente deixam de surtir efeitos, na hipótese de sobrevir decisão judicial declarando sua nulidade, âmbito no qual o ônus da prova da sua nulidade é de quem invoca e não da Administração Pública. Isso é, há a inversão do ônus da prova.

O prof. Hely Lopes Meirelles bem explica esse atributo:

Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental.”[4]

Observa-se, nesse aspecto, um exemplo da atuação do sistema de pesos e contrapesos da atividade administrativa. Ao mesmo tempo em que ato administrativo goza da presunção da sua legitimidade, é certo que sua emanação sofreu limitações decorrentes da necessária observância do princípio da legalidade, o qual, para a Administração Publica prescreve o que deve e o que não deve ser. Não é permitido à Administração Pública atuar onde a lei é omissa.

Com efeito, a presunção de legitimidade do agir do Estado, que vem expressa no próprio conteúdo democrático do Estado de Direito, o submete, além da vontade juridicamente positivada — situada no campo do princípio da legalidade —, também à vontade democraticamente expressa.

É por meio desse sistema de pesos e contrapesos que se assegura que os atos administrativos realmente visem e atendam o interesse público, evitando desvios ou abusos.

Destaque-se que a presunção de legitimidade e de legalidade, apesar de conceitos similares, não possuem o mesmo significado. Enquanto da presunção de legitimidade conclui-se que o ato foi praticado atendendo os princípios e normas que devem nortear a atuação estatal, da presunção de legalidade entende-se que o ato foi praticado nos termos da lei.

Além da presunção de legitimidade e legalidade, os atos administrativos também gozam de presunção de veracidade, isso é, “presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração Pública[5].

Quanto às consequências práticas de tal presunção, não apenas a doutrina, mas também o Poder Judiciário defende que a presunção de legitimidade do ato administrativo transfere ao particular não apenas o ônus de impugná-lo, mas de fazer prova de sua invalidade ou inveracidade.

Hely Lopes Meirelles leciona que, entre as consequências da presunção de legitimidade, está “a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca”[6].

O Poder Judiciário, na mesma linha, tem reconhecido a presunção de legitimidade dos atos administrativos até a realização de prova em contrário. A ver:

2. A interferência judicial ocorrida viola gravemente a ordem pública. A legalidade estrita orienta que, até prova definitiva em contrário, prevalece a presunção de legitimidade do ato administrativo (STF, RE n.º 75.567/SP, Rel. Min. DJACI FALCÃO, Primeira Turma, julgado em 20/11/1973, DJ de 19/4/1974, v.g.), cuja necessidade foi constatada pelo Poder Público em  benefício do interesse coletivo.” (Cortes Especial – STJ, AgInt na SLS 2.282/BA, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 27/11/2017, negritamos)

“12. Os atos oficiais gozam de presunção de legitimidade, cabendo a quem contesta essa presunção apresentar prova inequívoca da ilicitude alegada, de cuja tarefa, no caso concreto, não se desincumbiu a parte impetrante.” (1a Seção – STJ, MS 17.900/DF, Rel. Min. Sergio Kukina, DJe de 29/08/2017, negritamos)

III – O Poder Judiciário, quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos termos da legalidade. Na hipótese, o princípio da legalidade indica que, até que se comprove tecnicamente o contrário, deverá prevalecer a presunção de legitimidade do ato administrativo da ANS consistente na suspensão de comercialização de produtos avaliados negativamente.” (Corte Especial, STJ – AgRg na SLS 1.807/RJ, Rel. Min. Felix Fisher, DJe 22/04/2012, negritamos)

Todavia, a cada dia vem ganhando mais adeptos parte da doutrina para a qual o questionamento ou a impugnação do ato administrativo, por si só, já são suficientes para cessar a sua presunção seja de legitimidade, legalidade ou veracidade.

Segundo essa corrente, por força do princípio da motivação dos atos, a Administração Pública deve enunciar expressamente as razões de fato e de direito que levaram à prática do ato sob pena de sua nulidade. Lembram que, nessa tarefa, deve diligenciar e provar os fatos, visando conferir legitimidade e legalidade à solução preceituada. Se deixar de provar, a solução será inválida. Assim, concluem, em contraposição, que a presunção de legitimidade, legalidade ou veracidade somente valem até o momento em que o ato for impugnado.

Filiam-se a essa corrente os professores Celso Antônio Bandeira de Mello[7], Sérgio Ferraz, Adilson Dallari[8] e Lucia Valle Figueiredo [9].

 

1.5. Relevância da motivação dos atos administrativos para se coibir o desvio de poder.

A Administração Pública deve sempre agir com lisura, atendendo os ditames legais e visando o interesse público.

Haja vista a possibilidade de desvio de poder e de se afrontar os princípios da legalidade, moralidade e eficiência, colocando em risco o Estado de Direito, é de suma importância que a Administração Pública, ao praticar seus atos, busque a verdade, utilizando-se dos meios que lhe forem cabíveis e aplicando a legislação pertinente aos fatos comprovados.

Nesse passo, não pode a Administração Pública usar a presunção de legitimidade, veracidade e legalidade dos seus atos como justificativa para deixar de comprovar os fatos que os ensejaram. Não é por outra razão que, para assegurar a observância dos princípios e direitos, a Constituição Federal, no art. 37, expressamente colocou a motivação dos atos como princípio norteador da atividade administrativa.

A imposição pela Constituição Federal de que todos os atos sejam motivados obriga a produção pela Administração de prova cabal dos acontecimentos, sendo certo que a prática de ato administrativo sem esteio em provas, desatrelado da verdade, baseado em ilações e ao arrepio da lei, é estado de exceção.

A busca da verdade real para a devida motivação do ato administrativo e aplicação da lei de forma concreta e individual, portanto, apresenta relevância ímpar no nosso ordenamento jurídico. Consubstancia num dos pilares para assegurar a observância de princípios e direitos fundamentais mais queridos.

Haja vista a sua extrema relevância como forma de salvaguarda do Estado de Direito é que a busca da verdade real é o tema escolhido para o presente trabalho, especialmente no âmbito do procedimento administrativo fiscal, em que os direitos fundamentais à propriedade e à liberdade podem ser violados caso os fatos não sejam devidamente apurados e, com isso, o direito ser mal aplicado.

 

  1. Processo e Procedimento administrativo fiscal.
  2. 2.1 Processo e procedimento administrativo fiscal. Conceitos e diferenças.

O presente trabalho visa analisar a busca da verdade e a produção da sua prova no âmbito do procedimento administrativo fiscal, sendo esse o caminho para a consecução do lançamento tributário. Faz-se, nesse escopo, necessário distinguir o processo do procedimento administrativo fiscal.

Pode-se encontrar o vocábulo “processo” atrelado a vários significados. Pode representar método, sistema; conjunto de manipulações para obtenção de um resultado; conjunto dos papéis referentes a um negocio; conjunto dos autos e outros documentos escritos numa causa judicial; pode representar a própria demanda, a ação; bem como como sinônimo de procedimento ou processamento; dentre outros.

No âmbito do Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Jr. conceitua “processo” destacando a sua finalidade de meio para solução de litígio. Segundo o doutrinador, processo “é o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto”.[10]

O Prof. Alfredo Buzaid, na Exposição de Motivos do CPC/73, item 5, traz a seguinte definição: “O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar a justiça”.

Para Andrea Caraciola, “O processo é o instrumento colocado à disposição da jurisdição, pois dele se vale o órgão jurisdicional para solucionar de modo imparcial e justo o litígio submetido à sua apreciação, para tanto contando com ampla colaboração das partes em método de debate”.[11]

Especificamente no âmbito do Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella de Pietro[12] explica que a expressão processo é utilizada em sentidos diferentes. Designa desde o conjunto de papéis referente a um dado assunto, passando pelo processo disciplinar e uma série de atos preparatórios de uma decisão até, no seu sentido mais amplo, ao “conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no âmbito do processo administrativo.”

Perfilam o mesmo entendimento os doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho[13], Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari.[14]

Para fins do presente estudo, adotaremos o conceito segundo o qual processo administrativo designa o complexo de atos e termos voltados à aplicação do direito a uma situação controversa no âmbito da Administração Pública.

Ressalta-se, nesse ponto, que o processo distingue-se da figura do procedimento, apesar de ambos consistirem uma sucessão de atos que tendem a um resultado final. No processo, estabelece-se uma relação litigiosa entre os sujeitos, o que, por sua vez, não se verifica no procedimento. O procedimento, embora também consista num conjunto de atos e termos com vista a um resultado, não envolve a composição de litígios.

Nas palavras do Prof. José Frederico Marques[15]:

Não se confunde processo e procedimento. Este é a marcha dos atos do juízo, coordenados sob formas e ritos, para que se atinjam os fins compositivos do processo Já o processo tem um significado diverso, porquanto consubstancia uma relação de direito que se estabelece entre seus sujeitos durante a substanciação do litígio.”

O Prof. Paulo de Barros Carvalho igualmente distingue as figuras do processo e procedimento haja vista a natureza do primeiro de instrumento para a composição de litígios. A ver:

Penso ser imperiosa a distinção entre processo e procedimento. Reservemos o primeiro termo, efetivamente, à composição de litígios que se opera no plano da atividade jurisdicional do Estado, para que signifique a controvérsia desenvolvida perante os órgãos do Poder Judiciário. Procedimento, embora sirva para nominar também a conjugação dos atos e termos harmonizados na ambitude da relação processual, deve ser étimo apropriado para referir a discussão que tem curso na esfera administrativa.” [16]

Trazendo esses conceitos para o contexto das obrigações tributárias, tem-se que o procedimento administrativo fiscal consiste no conjunto de atos e termos realizados pela Administração Pública visando garantir a exata aplicação da lei tributária e culmina com o lançamento tributário ou a imposição de penalidades.

Consiste na fase inquisitória, em que a Administração Pública fiscaliza o correto cumprimento das obrigações tributárias por parte do contribuinte, promovendo uma série de atos com a finalidade de identificar o sujeito passivo, verificar a ocorrência do fato gerador do tributo, quantificar a base de cálculo e apurar o crédito tributário.

O art. 142 do Código Tributário Nacional nos dá a descrição legal do procedimento fiscal. A ver:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” (negritamos)

Veja que o Código Tributário Nacional descreve o procedimento fiscal como a atividade administrativa vinculada e obrigatória da autoridade fiscal. A iniciativa é privativa da Administração Pública que tem o dever de proceder à fiscalização e ao lançamento do tributo ou penalidade.

Luiz Martins Valero bem sintetiza o conceito de procedimento fiscal a partir das lições de James Marins, definindo-o como o caminho para a consecução do ato de lançamento tributário. A ver:

“Adotamos a definição de James Marins, segundo o qual o procedimento fiscal é o caminho para a consecução do ato de lançamento tributário, embora, algumas vezes, possamos ter lançamento tributário sem procedimento, da mesma forma, procedimento fiscal sem lançamento tributário[17]

Fabiana Del Padre Tomé explica que o procedimento fiscal visa preparar o lançamento fiscal, aparecendo o processo fiscal em momento posterior quando da impugnação ao lançamento pelo contribuinte:

Na lição de Paulo César Conrado, a idéia de processo está relacionada com o fato jurídico conflito. O procedimento, por sua vez, nada tem de litigioso. Consiste na forma de organização lógica e cronológica de determinados atos, necessária à consecução de outro ato, caracterizador do objetivo último do aplicador do direito. O que identifica o processo, já afirmava Hely Lopes Meirelles, “é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos”. Perfeitamente possível, portanto, procedimento sem processo (e.g. procedimento preparatório do ato de aplicação da norma tributária), conquanto não haja processo sem procedimento que oriente o rito a ser tratado.

Firmadas essas premissas, concluímos tratar-se de procedimento o caminho perseguido para a realização do ato de lançamento ou de aplicação de penalidade, configurando processo, por sua vez, a composicão administrativa dos conflitos fiscais. Enquanto o procedimento administrativo tributário é marcadamente fiscalizatório e apuratório, visando a preparar o ato constituidor da obrigação tributária ou da sanção pelo descumprimento desta ou de deveres instrumentais, a figura do processo administrativo fiscal só aparece em momento posterior ao nascimento do crédito tributário, mediante resistência do contribuinte à pretensão do Fisco.”[18]

O Decreto no 70.235/76, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, prevê o procedimento fiscal como a fase inicial do processo que se instaura com a impugnação do contribuinte contra a exigência fiscal. A ver:

“Art. 7º O procedimento fiscal tem início com:

I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;

II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;

III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.

  • 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas.
  • 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos.”

De todo o exposto, verifica-se que, no procedimento fiscal, a autoridade fiscal exerce seu poder fiscalizatório, realizando várias diligências como exame de registros contábeis, bancários, pagamentos, até mesmo oitiva de testemunhas para poder aplicar a legislação tributária.

Tem-se a aplicação concreta da legislação tributária pela Administração Pública que verifica o correto cumprimento dos deveres tributários pelos contribuintes e culmina, como visto, no lançamento.

Caso o contribuinte não se conforme com o lançamento, apresentando impugnação como lhe assegura o art. 15 do já mencionado Decreto 70.235/72, surge, então, o processo administrativo fiscal que consiste na fase litigiosa, como prescreve o art. 14 do mesmo ato. A ver:

Art. 14. A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento.

Art. 15. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência.”

Com a apresentação tempestiva da impugnação pelo contribuinte, a Administração Pública deixa de ser apenas autoridade arrecadadora, que fiscaliza e constitui o crédito tributário, passando a exercer também o papel jurisdicional. Deverá dirimir o litígio formado entre o fisco e o contribuinte, observando os princípios e garantias processuais prescritos pela Constituição.

Observe-se que o Decreto 70.235/72 trata a atividade administrativa fiscal como um único procedimento dividido em duas fases: a inicial que é fiscalizatória e a segunda, litigiosa, instaurada com a apresentação de impugnação ao lançamento pelo contribuinte. É a doutrina que faz a distinção, denominando a fase fiscalizatória de procedimento fiscal e a litigiosa de processo fiscal.

No entanto, existem alguns autores que, diversamente, denominam de processo fiscal toda a atividade administrativa tributária, tanto a inquisitória como a litigiosa. Para esses, o processo fiscal consiste num todo em que o procedimento fiscal refere-se somente a sua fase inicial.

Maria Teresa Martinez Lopez e Marco Vinicius Neder perfilam esse entendimento e descrevem o processo administrativo fiscal em sentido amplo. A ver:

o processo administrativo fiscal é composto de dois momentos distintos: o primeiro caracteriza-se por procedimento em que são prolatados os atos inerentes ao poder fiscalizatória da autoridade administrativa cuja finalidade é verificar o correto cumprimento dos deveres tributários por parte do contribuinte, examinando os registros contábeis, pagamentos, retenções na fonte, culminando com o lançamento. Este é, portanto, o ato final que reconhece a existência da obrigação tributária e constitui o respectivo crédito, vale dizer, cria o direito à pretensão estatal. Nesta fase, a atividade administrativa pode ser inquisitória e destinada tão-somente à formalização da exigência fiscal. O segundo inicia-se com o inconformismo do contribuinte e face da exigência fiscal ou, nos casos de iniciativa do contribuinte, om a negativa do direito pleiteado. A partir daí, está formalizado o conflito de interesses, momento que se considera existente um verdadeiro processo, impondo-se a aplicação dos princípios inerentes ao devido processo legal, entre eles o da ampla defesa e do contraditório.” [19]

Leonardo Henrique M. de Oliveira também divide o processo administrativo em fases, constituindo o procedimento a sua fase inicial:

O processo administrativo fiscal possui algumas peculiaridades inerentes à relação jurídica tributária, desenvolvendo-se em diversas fases, sendo que, na maioria dos casos, o Estado figura em tríplice posição; autor da exigência fiscal, titular do interesse público e juiz da lide tributária.

Em caso de exigência fiscal, a fase inicial dar-se-á pelo procedimento de fiscalização, que envolve sucessão de atos e termos escritos com a finalidade de promover a determinação e a exigência d crédito tributário. O procedimento não traz como consequência a instauração de contencioso, que só terá seu início com a defesa do contribuinte, a impugnação, que discordará da exigência que lhe foi imputada.”[20]

Apesar das diferenças entre as denominações e sentidos atribuídos às figuras do processo e do procedimento, o que se denota de todo o exposto é que não há divergência quanto a natureza não litigiosa do procedimento fiscal, bem como que esse constituiu o conjunto de atos e termos realizados pela autoridade tributária na fiscalização, apuração da ocorrência do fato gerador e na quantificação da base de cálculo do tributo, podendo esse levar ao lançamento tributário.

Exsurge também desse contexto a relevância do procedimento fiscal como meio de dar transparência e objetividade à atividade administrativa e, com isso, assegurar que os direitos e garantias dos contribuintes estão sendo respeitados.

Como visto no capítulo anterior, em decorrência do princípio da legalidade, basilar no Estado de Direito, a Administração Pública somente pode atuar nos termos da lei e visando exclusivamente o interesse público.

Partindo do pressuposto de que a lei vigente atende os princípios constitucionais e respeita os direitos e garantias fundamentais do contribuinte, tem-se que o procedimento fiscal confere estabilidade à relações entre a Administração Pública e o contribuinte, pois reduz a probabilidade de conflitos entre esses e, caso esses ocorram, permite a sua solução com imparcialidade.

 

2.2 Os princípios informadores do procedimento administrativo fiscal

A Administração, no bojo do procedimento administrativo fiscal, como cadeia sistemática de atos e termos administrativos, para que esse realize a sua função com sucesso, isso é, a precisa apuração do fato gerador e quantificação da base de cálculo do tributo tal como prescritos em lei, assegurando a validade do lançamento, deve conduzir seus atos observando os princípios norteadores da Administração e do Direito Tributário.

Apesar de inquisitório e unilateral, a desatenção aos referidos princípios pela fiscalização no âmbito do procedimento administrativo fiscal o macula de inconstitucionalidade, pois deixa de ser meio de garantia do contribuinte e controle da adequada ação estatal, bem como inquina de nulidade o auto de infração.

Destaca-se que a relevância do procedimento administrativo fiscal vai além. A sucessão de atos e termos promovidos com o escopo de garantir a legalidade do lançamento e da imposição de penalidades dá, especialmente, efetividade aos direitos fundamentais da propriedade e liberdade caros no nosso ordenamento jurídico.

Através do exame dos princípios que informam o procedimento administrativo fiscal compreende-se melhor  a sua função e relevância.

 

Princípio da legalidade

A função precípua do procedimento administrativo fiscal, como visto, é o controle da legalidade do auto de infração, posto que a pretensão tributária esbarra nos direitos fundamentais da liberdade e propriedade. Não é por outra razão que o art. 150 da Constituição Federal expressamente consagra a atenção à legalidade como princípio do Sistema Tributário Nacional. É vedado exigir tributo sem que esse, como todos os seus elementos, seja instituído por lei, verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

A imposição da atenção ao princípio da legalidade, no âmbito do procedimento administrativo fiscal, como atividade administrativa que é, também está prescrita no caput do art. 37 da Constituição Federal. A ver:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  (…)” (negritamos)

O atendimento ao princípio da legalidade se aperfeiçoa: (i) na observância das regras aplicáveis ao procedimento, (ii) na comprovação da ocorrência dos fatos geradores, nos termos do comando legal, do tributo e/ou penalidade, (iii) na utilização do procedimento somente para a prática de atos que se justifiquem à luz da lei e (iv) na devida fundamentação do lançamento.

Lembre-se que o lançamento, como ato administrativo, “só é válido quando atende ao seu fim legal, ou seja, o fim submetido à lei.”[21]

Interessante observar que o próprio procedimento administrativo fiscal constitui elemento decorrente da observância do princípio da legalidade, na medida em que existe para dar concretude ao controle da legalidade do lançamento.

 

Princípio moralidade

Também previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal, o princípio da moralidade impõe que o administrador público aja com honestidade, lealdade e ética. Veda discriminações e privilégios não previstos em lei.

Nesse escopo, o auditor fiscal não pode instaurar o procedimento fiscal para constranger, coagir ou para satisfação própria. Tampouco pode conduzir os atos de forma ardilosa e pessoal.

A inobservância do princípio acarreta a invalidade do ato e configura improbidade administrativa, podendo o servidor sofrer as penalidades previstas na Lei 8.429/92.

O princípio também deve ser observado pelo contribuinte, o qual, da mesma forma, quando intimado a se manifestar no bojo do procedimento, deve agir com lisura e boa-fé.

 

Princípio da impessoalidade

Segundo esse princípio, a Administração Pública deve atuar sempre visando o interesse público e à vontade da lei. Sua atuação deve ser neutra. Veda a prática de atos por interesses pessoais, próprios ou de terceiros.

Para alguns autores, como José Afonso da Silva[22], o princípio da impessoalidade apresenta ainda outra concepção, que se denota quando se verifica que os atos administrativos não são imputáveis ao funcionário ou autoridade que os pratica, mas à entidade pública para a qual atua.

 

Princípio da eficiência

O princípio da eficiência demanda a racionalização e otimização dos atos administrativos e que o procedimento fiscal seja conduzido de forma que alcance o seu objetivo no menor tempo.

Conforme o princípio, o fiscal deve adotar medidas que sejam pertinentes, necessárias e suficientes para a apuração dos elementos que irão alicerçar a decisão a ser tomada. No procedimento fiscal, o fiscal deve realizar diligências e conduzir os atos de modo a, com o menor tempo, apurar, de forma cabal, a ocorrência dos elementos ensejadores da tributação.

 

Princípio da publicidade

Trata-se de princípio relevante. Como visto acima, a publicidade do ato administrativo é requisito para a sua validade.

Todavia, no procedimento fiscal, o princípio da publicidade deve coexistir com o direito à intimidade e sigilo. Nesse passo, não pode o fiscal dar publicidade indevida de atos e documentos dos processos para terceiros.

Lembre-se que os atos administrativos devem ser motivados e atender aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, do que decorre que a Administração deve agir com transparência e boa fé, assegurando ao contribuinte o direito de acesso aos documentos e informações colhidas na investigação.

Além dos princípios gerais da Administração Pública, outros princípios mais específicos orientam o procedimento fiscal.

 

Princípio da oficialidade

No procedimento administrativo fiscal, por força do princípio da oficialidade, cabe à Administração Pública o seu impulso, na medida em que lhe compete zelar pelo seu curso regular, assegurando a validade do lançamento. Não pode, nesse mister, ficar dependente da iniciativa do contribuinte.

A Administração Pública pode instaurar unilateralmente o procedimento e deve adotar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento da lei e a interesse público, como requere diligências, solicitar pareceres, laudos e informações.

 

Princípio da gratuidade

O procedimento fiscal é gratuito. Unilateral e inquisitório, não faz sentido a Administração onerar o particular para a realização de dever que lhe incumbe.

 

Princípio da formalidade moderada

A Administração Pública, na sua tarefa de realizar atos e diligências necessárias ao cumprimento da lei e atender ao interesse público, age de forma simples e objetiva.

A formalidade existe e é necessária para garantir que as soluções são tomadas nos termos da lei e no tempo adequado sem preterição de direitos e confiabilidade. Afinal, deve-ser conferir certeza e segurança à instrução probatória e à decisão final. Todavia, não é rígida como no processo judicial. Não há modelo e formas estritas que possam atrapalhar a busca pela verdade dos fatos para que prevaleça o interesse público e o atendimento à lei.

 

Princípio da verdade material

Um dos princípios basilares do procedimento e processo administrativo fiscal. Determina que a fiscalização tem o dever de buscar a verdade efetiva dos fatos. Sua posição é ativa nessa tarefa, na medida em que as provas e fatos colhidos são essenciais para a devida motivação do lançamento sob pena de sua nulidade.

Nessa direção, o art. 9º do Decreto nº 70.325/72 prescreve expressamente que o auto de infração deve estar instruído com todos os elementos de provas “indispensáveis” à comprovação do ilícito, verbis:

“Art. 9o  A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.” (negritamos)

A Administração Pública, nesse contexto, quando realiza as diligências, colhe provas documentais, periciais ou testemunhais, procede à análise de registros contábeis, buscando a verdade para atestar a ocorrência do fato gerador e quantificar a base de cálculo do tributo tal como tipificado na legislação, está assegurando a validade do lançamento tributário. Não se poderá cogitar, com isso, em vícios, especialmente de motivação, que possam ensejar sua anulação.

Observe-se que a busca da verdade não é dever apenas da fiscalização, mas também do contribuinte que, ao apresentar seus livros contábeis, laudos e outros documentos, interfere direitamente no conjunto fático probatório e, por conseguinte, no lançamento.

A busca da verdade material, portanto, é uma obrigação. Deve ser instigada para que se possa chegar o mais próximo possível da realidade dos fatos, de forma a garantir a validade do lançamento e a estabilidade nas suas relações.

 

  1. BUSCA DA VERDADE REAL

3.1. Conceito e diferença com a verdade formal 

A busca da verdade real, como adiantado, é de suma importância no âmbito do procedimento administrativo fiscal, na medida em que, quanto mais próximo se chega à verdade dos fatos, mais certeza se tem quanto à validade do lançamento e, por conseguinte, menores são as chances de conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte.

Por força do princípio da legalidade, a obrigação tributária somente nasce com a concretização da hipótese de incidência nos exatos termos em que previsto no antecedente da norma jurídica tributária. É preciso que o fato jurídico tributário se materialize.

Nesse passo, para que a Administração Pública tenha pretensão ao crédito tributário e possa exigi-lo do contribuinte é imprescindível a prova concreta da ocorrência do fato gerador, conforme prescrito em lei, para que possa ser considerado verdadeiro para o direito, tornando-se fato jurídico ensejador de direitos e deveres.

Por essa razão o Prof. Paulo de Barros Carvalho afirma que “as atividades administrativas de provar e de comprovar têm essencialmente por objeto fixar a dimensão do fato jurídico e quantificar a base tributária, servindo-se, para esse fim, dos meios e procedimento estabelecidos na ordem jurídica.[23]

Destaque-se que tão relevante é a busca da verdade real no âmbito tributário como garantia do princípio da legalidade que, embora a legislação admita o lançamento tributário por arbitramento[24], por força do princípio da verdade real, esse pode ser contestado por provas supervenientes. Se sobrepõe inclusive à presunção de legalidade do lançamento, podendo o contribuinte, até em processo judicial, demonstrar a improcedência da presunção diante de novas provas.

Nesse diapasão, a doutrina se debruça sobre a verdade material conceituando-a em contraponto com a verdade formal. Para os autores, enquanto a verdade material corresponde à efetiva realidade dos fatos, a verdade formal, por sua vez, decorre do processo sem a necessária correspondência com a realidade.

Com efeito, os autores Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari bem explicam que “em oposição ao princípio da verdade formal, inerente aos processos judiciais, no processo administrativo se impõe o princípio da verdade material. O significado deste princípio pode ser compreendido por comparação: no processo judicial normalmente se tem entendido que aquilo que não consta nos autos não pode ser considerado pelo juiz, cuja decisão fica adstrita às provas produzidas nos autos; no processo administrativo o julgador deve sempre buscar a verdade, ainda que, para isso, tenha que se valer de outros elementos além daqueles trazidos aos autos pelos interessados.” [25]

Hely Lopes Meirelles, nessa esteira, expõe que “o princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o Juiz deve cingir-se às provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até o julgamento final conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem alegações em tela.[26]

E Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que, no interesse público, o administrador público deve levar em conta a verdade material não podendo se limitar com a verdade formal. A ver:

Se a Administração tem por finalidade alcançar verdadeiramente o interesse público fixado na lei, é obvio que só poderá fazê-lo buscando a verdade material, ao invés de satisfazer-se com a verdade formal, já que está, por definição, prescinde do ajuste substancial com aquilo que efetivamente é razão por que seria insuficiente para proporcionar o encontro com o interesse público substantivo.”[27]

Dessa forma, tem-se que a fiscalização no procedimento fiscal tem o dever de provar a concretização da hipótese de incidência tributária para que possa lavrar o auto de infração e, para isso, pode valer-se dos meios de prova que têm conhecimento e que lhe são cabíveis. Mesmo quando há presunções legais, compete à administração apresentar provas dos fatos a partir dos quais se pode aplicar a presunção.

 

3.2. Nulidade do lançamento fiscal pela falta da prova do fato gerador. Vicio de motivação.

A ausência da prova da concretização do fato gerador do tributo imposição da penalidade macula o lançamento de nulidade por vício de motivação.

Como visto, a motivação ou o fundamento de um ato administrativo é a situação de direito ou de fato que enseja, autoriza ou determina a sua realização. Trata-se de elemento intrínseco do ato administrativo, de modo que, se ausente ou viciado, gera a nulidade do ato sem a possibilidade de sua convalidação, pois atinge o próprio direito. Como explica Eurico Marcos Diniz de Santi “não se pode convalidar ato-norma administrativo em que se verifica que falta de qualquer dos elementos de sua estrutura[28].

Nesse sentido vem decidindo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, conforme se verifica nos seguintes julgados:

“AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA OU ERRO NA MOTIVAÇÃO. NULIDADE. VÍCIO MATERIAL. Sendo a descrição dos fatos e a fundamentação legal da autuação elementos substanciais e próprios da obrigação tributária, os equívocos na sua determinação no decorrer da realização do ato administrativo de lançamento ensejam a sua nulidade por vício material, uma vez que o mesmo não poderá ser convalidado ou sanado sem ocorrer um novo ato de lançamento. Por isso, a falta de motivação ou motivação errônea do lançamento alcança a própria substância do crédito tributário, de natureza material, não havendo de se cogitar em vício de ordem formal.” (Ac 9303-004.583 – 3ª Turma, CSRF, data de julgamento 27 de janeiro de 2017, negritamos)

LANÇAMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. O lançamento, sendo ato administrativo que afeta direitos ou interesses por excelência, não prescinde de motivo nem, por expressa previsão legal (art.50 da Lei 9.784/99), de motivação. Se o auto de infração não indica circunstâncias de fato que justificam a glosa da despesa, não pode o lançamento ser completado posteriormente, eis que teria nascido sem um dos seus elementos essenciais.” (Ac 1401­002.027-4ª Câmara/1ª Turma Ordinária, data de julgamento 15 de agosto de 2017, negritamos)

Nesse diapasão, é, a nosso sentir, tranquila a conclusão pela nulidade do lançamento ou auto de infração que não tenha suporte em provas suficientes da concretização do fato gerador do tributo ou da imposição da penalidade.

 

3.3 – Dos meios de prova da verdade

Recai sobre a Administração Pública, desse modo, o dever probatório inafastável de produzir a prova necessária para demonstrar os fatos que autorizam a exigência do tributo.

Para tanto, a fiscalização pode utilizar-se de todos os meios de prova cabíveis, desde que obtidas de maneira lícita. Inclusive da prova indireta e emprestada.

Rememora-se que a prova direta é aquela que se refere ao fato que se quer provar. Representa de forma imediata o evento. Já a prova indireta alude a um fato diverso, mas dele pode deduzir o fato que se quer provar. Isso é, apesar de referir-se a fato diverso daquele que se quer provar, ele informa o referido fato. Os registros contábeis, por exemplo, não se confundem com operações negociais, mas contem registros delas. Sãos as denominadas provas indiciárias.

A prova indireta, contudo, não é suficiente por si só para sustentar a autuação, já que não comprova o fato de forma imediata. Deve ser considerada em conjunto com outras provas.

A autoridade fiscal, no procedimento fiscal, pode também utilizar a prova emprestada. Nos termos do art. 199 do Código Tributário Nacional, pode, por exemplo, utilizar informações prestadas por outros entes, verbis:

“Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.”

Como a prova indiciária, a emprestada não tem o condão, por si só, de comprovar a concretização do fato gerador do tributo. A fiscalização não pode, a partir somente da prova produzida por outro ente, promover o lançamento. Deve instaurar o seu próprio procedimento fiscal e realizar as suas próprias investigações com levantamento das provas da ocorrência do fato gerador do tributo.

O CARF, ao analisar a utilização da prova emprestada no procedimento fiscal, confirmou a sua validade, desde que submetida do contraditório. A ver:

PROVA EMPRESTADA. REQUISITOS PARA SUA ACEITAÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO NO JUÍZO DE DESTINO. NATUREZA DA PROVA. CAPACIDADE DAS PARTES DE INFLUÍREM NA SUA FORMAÇÃO. (Ac 3401-003.864, 4ª Câmara/1ª Turma Ordinária, data do julgamento 25/07/2017)

Quanto à forma, o meio de prova mais utilizado pela Administração Pública é o documental, merecendo destaque a aceitabilidade de arquivos magnéticos. Atualmente, a prova em meio digital é amplamente acolhida, desde que assegurada a validade do documento, até porque os contribuintes realizam sua escrituração contábil por meio eletrônico.

Não há também óbices legais quanto à sua utilização. Ao contrário. O artigo 188 do CPC/2015, de aplicação subsidiária e supletiva no procedimento e no processo administrativo fiscal, não prescreve forma determinada para os atos e expressamente determina sejam considerados válidos se preencherem a sua finalidade. A ver:

 Art. 188.  Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

Ratifica o exposto, o art. 11 da Lei no 11.419/06 que dispõe sobre a informatização do processo judicial, segundo o qual “Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais”, ou seja, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da ICP-Brasil.

A fiscalização para devidamente comprovar os fatos, também pode requerer a realização de perícia técnica, quando a complexidade da matéria demandar, bem como inquirir testemunhas, apesar de essa última não ser muito comum.

 

CONCLUSÃO

O procedimento administrativo fiscal, que precede o processo administrativo, é o conjunto de atos e termos promovidos pela Administração Pública, de forma unilateral e inquisitória, com o fito de fiscalizar os contribuintes, apurar a eventual ocorrência ou da hipótese de incidência tributária a ensejar a constituição do crédito tributário ou de ou de ilícito a ser punido com a cominação de penalidade. Conclui-se com o lançamento por meio da lavratura do auto de infração. Como ato administrativo,deve ser motivado e ter como finalidade o interesse público.

O lançamento resultante do procedimento fiscal possui presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, a qual, todavia, pode ser ilidida por prova em contrário.

Por isso o lançamento deve ser motivado por prova cabal dos fatos que o enseja. A própria Constituição expressamente, no seu art. 37, colocou a motivação dos atos como princípio norteador da atividade administrativa. E não é sem razão, pois a prática de ato administrativo sem esteio em provas, desatrelado da verdade, baseado em ilações e ao arrepio da lei, é estado de exceção.

Nessa tarefa, para a devida motivação do ato administrativo e aplicação da lei de forma concreta e individual, tem-se o princípio da busca da verdade real.

Por força do princípio da legalidade, a obrigação tributária somente nasce com a concretização da hipótese de incidência nos exatos termos em que previsto no antecedente da norma jurídica tributária. É preciso que o fato jurídico tributário se materialize.

A fiscalização, nesse contexto, tem o dever de provar os fatos que a levaram a lavrar o auto de infração. A motivação do lançamento é imprescindível, constituindo garantia de que os princípios constitucionais e ditames legais.

A ausência, de outro lado, da prova da concretização do fato gerador do tributo ou do que ensejou a imposição da penalidade macula o lançamento de nulidade por vício de motivação.

Diante do exposto, a busca da verdade real assume posição de suma importância no âmbito do procedimento administrativo fiscal como mecanismo de controle de legalidade, efetivação de direitos e garantia de observância dos princípios. Quanto mais próximo da verdade dos fatos, mais certeza se tem quanto à validade do lançamento e, por conseguinte, menores são as chances de conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte.

 

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[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006. P 502.

[2] LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 141.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zannela. Direito Administrativo. São Paulo, Ed. Atlas.p.

[4] LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, pág. 191, 18ª Edição, 2005, Atlas, São Paulo.

[6] LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 141.

[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.

[8] DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 135.

[9] FIGUEIREDO Lucia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 246.

[10]

[11] CARACIOLA, Andrea Boari. Teoria geral do processo contemporâneo. 2a ed. São Paulo. Editora Atlas. 2017.

[12] PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo. Editora Atlas, 1996, p. 396/397.

[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 806.

[14] FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 25.

[15] MARQUES. José Frederico. Instituições de direito processual civil. 2a ed. Rio de Janeiro. Forense.

[16] CARVALHO. Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3a ed. Revista e ampliada. São Paulo. Editora Noeses. 2009. p 897/988

[17] VALERO, Luiz Martins. Fiscalização tributária: Poderes do Fisco e Direitos dos Contribuintes. p. 239

[18] TOMÉ. Fabiana Del Padre. A prova no processo administrativo fiscal. Curso de Especialização em Direito tributária: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007 p. 558.

[19] NEDER, Marcos Vinícius. LOPÉZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. São Paulo. Dialética. 2002. p. 75/76.

[20] OLIVEIRA. Leonardo Henrique M. Processo administrativo e judicial tributário. Direito Tributário e processo administrativo aplicados. Ed. Quartier Latin. São Paulo, 2005.

[21] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2 ed. Editora Malheiros, 2006. P 335

[22] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2 ed. Editora Malheiros, 2006. P 335

[23]  Carvalho, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3. Ed. Noeses. São Paulo 2009.P. 925

[24] Vide art. 148 do CTN.

[25] Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari. Processo Administrativo. 2 ed. São Paulo. Ed. Malheiros, p. 109.

[26] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. Editora RT. São Paulo, 2011, p; 581

[27] Mello. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006. P 502.

[28] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Forma, evento, fato relação jurídica, fontes e validade no Direito. Curso de Especialização em Direito tributária: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007.

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