Paternidade biológica e afetiva no direito brasileiro

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Resumo: O presente artigo apresenta uma análise acerca dos conceitos de família, entidade familiar e os requisitos legais sobre a paternidade que compreendem atualmente as famílias e entidades socioafetivas que compõe a estrutura básica da sociedade.

Palavras-chave: Direito Civil. Direito de Família. Paternidade.

Sumário: Introdução. I Evolução histórica do Direito de Família. II Da Filiação. III Da Paternidade biológica e afetiva. Considerações Finais; Referências.

INTRODUÇÃO

A família é considerada como a base da sociedade e tem sua estrutura preservada e fortalecida pelo Direito por meio do Estado, já que desde a antiguidade, considerava-se que tal instituto fosse somente aquele que advinha do casamento, porém, hoje esse conceito já não é mais o mesmo, tendo em vista que não há conceitualização daquilo que seria família na Constituição Federal vigente, mas é perfeitamente possível denominar sua constituição por pais e filhos ligados por laços consanguíneos entre si.

A filiação é um vínculo de parentesco que liga os pais aos filhos, vinculo este caracterizado não somente pela origem genética, mas também pela afetividade, tendo em vista que os filhos havidos fora do casamento foram reconhecidos como entidade familiar, pelo do artigo 227§ 6º da Constituição Federal de 1988, o qual fixa a relação de igualdade entre filhos havidos dentro ou fora da constância da união matrimonial. É conveniente perceber que com todas essas mudanças, o direito de família sofreu variações no tempo e espaço, e o Estado passou a proteger também os filhos que nasciam fora do casamento.

Diante desse contexto, são diversas as opiniões dos autores jurídicos que discutem o tema “Paternidade Biológica e Afetiva”, e, assim, o presente artigo se focou primeiramente em expor aquilo que estaria definido como família, na sua diferenciação com entidade familiar, tipificada na Constituição Federal e no Código Civil, demonstrando a importância do reconhecimento da paternidade. Buscou-se alcançar os objetivos, acima apontados, por meio de uma pesquisa bibliográfica, que garantisse as perspectivas e entendimentos de diferentes estudiosos do direito a respeito do tratamento que é dado a paternidade e o seu reconhecimento.

I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA

O termo família é utilizado no sentido amplo, podendo ter significado de família brasileira, sendo parentes unidos segundo laços consanguíneos, família natural e família substituta, sendo importante ressaltar que o direito de família vem passando significativas mudanças ao longo da história. Se antes a família legítima, ou seja, originada pelo casamento, era amparada e reconhecida pelo Estado, hoje, é possível verificar uma ampliação de tal conceito familiar, pela valorização jurídica do afeto, abrangendo-se os mais diversos arranjos familiares, dentro de uma perspectiva pluralista de respeito à dignidade da pessoa humana através da convivência, publicidade e estabilidade.

Em relação a definição de família, o civilista VENOSA (2003, p. 23), afirma que “a família é um fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e sociológicos regulados pelo direito”. Nessa mesma perspectiva, FIÚZA (2003, p. 795) diz que “a ideia de família é um tanto quanto complexa, uma vez que variável no tempo e no espaço. Em outras palavras, cada povo tem sua ideia de família, dependendo do momento histórico vivenciado”.

Ressaltando essa questão da afetividade, DIAS (2007, p. 28) ensina que “a valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas no momento da celebração do casamento, devendo perdura por toda relação”. Logo em seguida, continua o raciocínio afirmando que “cessado o afeto, esta ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da pessoa”. É muito interessante observar nessas palavras, a importância do afeto dentro do agrupamento familiar, caracterizando-se o alicerce da construção da família, ou seja, toda sua formação se dá por meio do meio social, da afetividade, mas que sua estruturação é totalmente baseada no direito. DIAS (2007, p. 27) acrescenta que “É essa estrutura familiar que interessa investigar e trazer para o direito. É a preservação do LAR no seu aspecto mais significativo: Lugar de Afeto e Respeito”.

Neste sentido, de acordo com as observações de RODRIGUES (2002, p. 14) a família é a “célula básica onde se alicerça toda a estrutura da sociedade”, ou seja, todo um alicerce de organização social, onde o Estado possui grande interesse em preservar e fortalecer para que a família viva sob sua proteção.

Observa, também, GONÇALVES (2008, p. 09) que “a família constitui o alicerce mais sólido em que se assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a proteção especial do Estado, como proclama o art. 226 da Constituição Federal, que a ela se refere como “base da sociedade”.

Sobre essa questão de interesse do Estado em preservar a família, RODRIGUES (2002, p. 04) explica que:

“(…) a família constitui a base toda a estrutura da sociedade. Nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social. De sorte que o Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais”.

É VENOSA (2003, p. 25) quem chama atenção para o fato de que “não se pode conceber nada mais privado, mas profundamente humano do que a família, em cujo seio o homem nasce, vive, ama, sofre e morre”. Nesse contexto, surge a família como primeira e a principal forma de agrupamento humano. Logo, sendo a família composta por seres humanos, que evoluem continuamente, podemos afirmar que os conceitos e a compreensão do que é a família dentro do direito também evoluem, sendo os que mais se alteram com o tempo.

Na verdade, sabe-se que com o passar do tempo, a concepção de família mudou bastante, já que “hoje, todos estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional” (DIAS, 2007, p.38). A ideia de família formal, conforme a jurista, aquela que o comprometimento de ambos deriva do casamento, vem dando lugar ao envolvimento afetivo, garantindo, com isso, espaço de individualidade e assegurando uma privacidade indispensável ao desenvolvimento humano.

É importante fazer uma construção histórica da evolução da família, para se entender como que hoje se chegou a este conceito, que acabou por dar mais relevância ao afeto do que à própria verdade biológica ou jurídica para se estabelecer quem é o pai de uma criança.

Segundo VENOSA (2003, p. 23) “a intervenção do Estado na família é fundamental , embora deva preservar os direitos básicos da autonomia. Essa intervenção deve ser sempre protetora”. Com isso, o pontapé inicial foi apresentado, surgindo uma nova ideia de família, ou seja, o primeiro passo foi dado e, com isso, desvinculou-se família de casamento.

Francisco Ferreira Muniz citado por VENOSA (2003) advoga que:

“(…) a família não se funda necessariamente no casamento, o que significa que casamento e família são para a Constituição realidades distintas. A Constituição aprende a família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste um conceito unitário de família” VENOSA (2003, p. 16).

A união do homem à mulher por meio do casamento era o meio exclusivo pelo qual se constituía a família, pelos ensinamentos de ASSUMPÇÃO (2004, p. 31) “Os filhos nascidos dessa união sentiam, diretamente, tais efeitos, uma vez que sua legitimidade dependia da preexistência desta na relação dos pais, sem o que lhes era, em princípio, negado o acesso à condição jurídica de filhos e sua respectiva proteção”.

A Constituição Federal de 1988 trouxe várias inovações no âmbito familiar, ou seja, representou uma mudança radical. Assentou-se igualdade entre homens e mulheres dentro do casamento. O artigo 227,§ 6º da Constituição Federal fixa essa mudança, na relação de igualdade entre filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, todos com seus direitos e qualificações, proibidas quaisquer tipo de discriminação no que diz respeito à filiação.

De acordo com o entendimento de GIORGIS (2007, p. 17) “Não se falou mais em filhos ilegítimos, naturais, espúrios, bastardos, clandestinos ou incestuosos, nomes que tinham vezo preconceito, etapa que veio a ser contemplada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”. Neste mesmo sentido, estão as seguintes palavras de Ana Surany M. Costa, citada por GRACIAN:

“(…) os filhos ilegítimos se subdividiam em dois grupos: os naturais, oriundos do concubinato, representando uma terceira que surgiu no direito pós-clássico; e os espúrios, que receberam tal designação devido a impedimentos de os pais se casarem à época de sua concepção. Ressalte-se que a filiação espúria se subdivide em espúrios incestuosos, cujo impedimento decorre de parentesco próximo dos genitores, ou de afinidade; e, espúrio adulterino, cujo impedimento se dá em função de um deles já ser casado com outra pessoa”.

Havendo, dessa forma, a violação do dever de fidelidade recíproca. É importante observar, a grande importância na evolução da família, principalmente com relação à filiação, no qual não se unem mais pelos laços consanguíneos, mas sim pelo afeto, sobretudo da cessação da discriminalidade havida entre os filhos. Conforme DINIZ (2007) cabendo ressaltar o que se segue:

“Ditas expressões nada mais significam do que a consagração, também no campo da parentalidade, do novo elemento estruturante do direito de família. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pelo vinculo afetivo paterno filiar. Ampliou-se o conceito de paternidade, que passou a compreender o parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal” DINIZ (2007, p.320).

É fundamental destacar que novas leis foram criadas que proporcionaram uma visão nova da definição de família. A Lei nº 8.971/94 e posteriormente a Lei nº 9278/96, regulamentou o artigo 226 § 3º da Constituição Federal, reconhecendo como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família.

Não se encontram as definições das expressões “família” e “entidade familiar” na Constituição Federal vigente. Aos doutrinadores, aos juízes e aos tribunais restou a incumbência de definir a extensão de uma e de outro, verificando a proteção que o Estado pode oferecer tanto para a família como para a entidade familiar.

A Constituição Federal inseriu o afeto no âmbito da juridicidade, quando nomeou a paternidade afetiva de entidade familiar, conferindo-lhe a proteção do Estado. De acordo com  DIAS (2007):

“Ser pai era considerado algo da ordem natural e da ciência, mas as mudanças socioeconômicas e culturais que consolidaram nos últimos tempos, juntamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mostraram-nos que a paternidade requer envolvimento afetivo e primordialmente resguardar a dignidade da pessoa humana e o interesse da criança” DIAS (2007, p. 320).

Culturalmente vem sendo analisada que a paternidade não é somente um ‘dado’, ela ‘se faz, se constrói com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito, carinho, zelo, entre outros elementos constitutivos de um vínculo afetivo entre seres humanos. Esse estreitamento na relação entre o pai e o filho foi tão grande que hoje é amplamente discutido aquilo que os doutrinadores passaram a chamar de paternidade afetiva.

O conceito de família foi se alargando, possibilitando assim, a legalização dos outros relacionamentos além do casamento. Segundo Michele Perrot citada por DIAS (2007, p. 38) “desmontam novos modelos de família, mais igualitária nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo”.

Na opinião de Yussef Said Cahali, citado por PONZONI (2008, p. 105): “Tem-se como certo que o casamento continua mantendo a sua dignidade como único expediente legal hábil para a constituição da família, não se lhe equiparando, para os efeitos da lei-especialmente com vistas aos efeitos que dela resultam”.

A Constituição Federal considera a família a base da sociedade e lhe outorga especial proteção estatal. Ela consagrou princípios que agora regem as soluções de conflito familiar e, atualmente, há mais uma realidade, a da filiação afetiva e o reconhecimento de direitos e deveres vindos dessa relação ao pai. Entretanto, nesse contexto o comentário do professor Nelson Nery Junior e da professora Rosa Maria de Andrade Nery ao artigo 1593 do Código Civil:

“Existem fatos que importam ao direito por trazer-lhe consequências, criando ou extinguindo situações jurídicas existentes. Esses fatos que importam para o direito, por criar, modificar, extinguir ou transmitir direitos são ocorrências do mundo dos fatos com interesse para o direito. A afetividade é um desses fatos que podem gerar efeitos jurídicos de, até mesmo, criar o parentesco civil por outra origem”.

Neste sentido, percebe-se claramente que a aparência da família mudou, tendo em vista que o emocional do indivíduo, sem dúvida é o seu papel principal, onde se constata que há flexibilidade e mais intensidade, reavivando, com isso, o reconhecimento de laços afetivos. Com essa visão mudou a família e, em consequência, também a forma de enfrentá-la.

O pensamento de DIAS (2007) se estende, sendo complicado e difícil definir o que é família, pois o número de seus componentes mudou, os papéis foram invertidos e, assim sendo, essa palavra sofreu enormes transformações no decorrer de anos, ou seja, “os novos contornos da família estão desafiando a possibilidade de se encontrar uma conceitualização única para sua identificação” (DIAS, 2007, p. 40-41).

Famílias foram formadas por pessoas que saíram de outras relações e, por isso, seus componentes não possuem lugar definidos. Comenta Orlando Soares, citado por VENOSA (2003) que:

“Seja como for, o desinteresse pelo casamento acabou provocando uma espécie de clamor publico, no sentido que fossem constitucionalizadas e reguladas, legislativamente, as uniões livres entre o homem e a mulher, para efeito recíproca assistência e proteção à prole, daí resultante, originando a noção de entidade familiar, prevista na Carta Política de 1988, em razão do que não mais se pode falar em família ilegítima, em oposição da família legitima, pois ambas essas situações estão sob o manto da proteção legal e constitucional” VENOSA (2003, p. 450).

De acordo com DIAS (2007, p. 06) “a legislação e a jurisprudência evoluíram no sentido de proteger a família não matrimonial e de conferir efeitos ao concubinato ou ao companheirismo”. Para essa jurista, a família, no seu sentido restrito, seria um conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, juntamente com os cônjuges e a prole, e que a entidade familiar seria a comunidade formada por pais que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes.

No sentido técnico, DINIZ (2007) estende a família como um grupo fechado de pessoas, unidos pela convivência e afeto numa economia e sob a mesma direção. No decorrer de seu pensamento sobre família, percebe-se que a civilista, constata que :

“O que realmente ocorre é uma mudança nos conceitos básicos, imprimindo uma feição moderna à família, mudança esta que atende às exigências da época atual, indubitavelmente diferente das de outrora, relevando a necessidade de um questionamento e de uma abertura para pensar e repensar” DINIZ (2007, p. 23).

Conclui-se, de acordo com as palavras da autora, que a família está passando por profundas modificações, sofrendo novas organizações, e que mesmo sendo assim, nada irá abalar a estrutura essencial da família e do matrimonio. Lévy-Bruhl citado por DIAS (2007, p. 22) diz que o traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tomar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição mútua, que estabelece plena comunhão de vida.

Na discussão proposta por GONÇALVES (2008, p. 1): “A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda organização social (…) instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado”.

Surgiu uma nova concepção de família, formada por laços afetivos de carinho e amor. Devendo esses afetos durar por toda a relação. Mas, caso esses afetos forem interrompidos por qualquer motivo, a dissolução do vínculo será atingida, com isso, a base de sustentação da família estará à mercê de uma decadência.

Interessante observar nas palavras de GONÇALVES (2008, p. 19) que “as alterações pertinentes ao direito de família advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro”. O reconhecimento do novo formato de família advindas da afetividade rompeu todo formato da família tradicional. Com isso, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 absorveu essa alteração e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, o pluralismo das entidades familiares a afetividade, ou seja, ao invés da segurança imposta, o reconhecido como fato e valor social, hoje é incorporado ao ordenamento como princípios.

Para DIAS (2007):

“Hoje, temos por bem, dar valor ao sentimento, a afeição, ao amor da verdadeira paternidade, não sobrepujar a origem biológica do filho e desmistificar a supremacia da consanguinidade, visto que a família afetiva foi constitucionalmente reconhecida e não há motivos para os 23 operários do direito que se rotulam como biologistas e se oporem resistência à filiação sociológica. Essa é a realidade” DIAS (2007, p. 31).

Independente de regras, os vínculos afetivos sempre existiram, mas hoje são considerados como novos elementos constituidores de relações familiares sendo importantes para o desenvolvimento em espécie. Menciona-se a manifestação de afeto, porque a afetividade foi uma possibilidade reconhecida pelo Estado   nas     entidades familiares.

Antes do reconhecimento, o vínculo afetivo tinha tanta relevância jurídica, o casamento era indissolúvel. Mesmo sem os laços afetivos, os cônjuges eram obrigados a permanecer casados e obrigados a suportar a lei. Hoje, o Estado somente intervirá de maneira direta ou indireta, se alguém manifestar a falta de afetividade em suas consequências jurídicas. E essa possibilidade de manifestação de afeto, só se dá através da convivência, no sentido de familiaridade, bastando para isso a convivência.

A publicidade e a estabilidade completam os requisitos para a possibilidade de manifestação de afeto em uma entidade familiar. O amor, o afeto no mais amplo sentido, é uma possibilidade em todas as relações de família, portanto, importa sim, para o direito, de sorte que, excluída essa perspectiva, ter-se-á uma visão parcial do direito de família. Assim, conclui RODRIGUES (2002) que:

“O interesse do Estado pela família faz com que o ramo do direito que disciplina as relações jurídicas que se constituem dentro dela se situe mais perto do direito público que do direito privado. Dentro do direito de família o interesse do Estado é maior que individual, o interesse da sociedade sobreleva ao individual” RODRIGUES (2002, p. 12).

Assim, ao pensar numa família, não deve vir à mente, apenas a visão de um homem e uma mulher, unidos pelo casamento, e seus filhos. A filiação afetiva é mais uma forma de constituição de família reconhecida pela Constituição Federal e outras leis entre elas, o vigente Código Civil.

II DA FILIAÇÃO

A definição legal de filiação não aparece nem nas disposições do texto constitucional de 1988 e nem no Código Civil vigente, por isso, é fundamental buscar auxílio nos ensinamentos doutrinários dos estudiosos do direito. A partir daí, é fácil perceber que a filiação é a relação existente entre o filho e as pessoas que o geraram. Segundo VENOSA (2005, p. 244): “O termo filiação exprime a relação entre o filho e as pessoas que geraram ou adotaram”.

Com o avanço da ciência, houve várias mudanças no que tange à compreensão do que seria a filiação já que nos dias atuais, ela não se resume nas pessoas que geraram ou adotaram outro ser, popularizaram-se diversos tipos de métodos reprodutivos, tem-se: a reprodução assistida homologa e heteróloga, a comercialização de óvulos e espermatozoides, a barriga de aluguel etc. Com isso, ocasionou uma revolução no sistema da filiação.

Sendo assim, DIAS (2007) afirma que:

“Todas essas mudanças refletem-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor trata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial” DIAS (2007, p. 320).

Com tais mudanças, a filiação deixou de ser aspecto religioso, econômico, social, para se firmar no campo da afetividade e companheirismo. Para VENOSA (2003, p. 265) “A filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que tem como sujeitos a relação entre pais e filhos”.

Corroborando com esse entendimento, colaciona-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS de maio do corrente ano, que reafirma a formação de vínculos de afetividade independente do vínculo biológico, mas “que em tudo se equiparam àqueles”:

“APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE RECONHECIMENTODE FILHO. VÍCIO DE VONTADE NÃO COMPROVADO. IRREVOGABILIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONFIGURADA. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável, e não cede diante da inexistência de vínculo biológico, pois a revelação da origem genética, por si só, não basta para desconstituir o vínculo voluntariamente assumido. 2. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. Inteligência do art. 1.593 do Código Civil. 3. O reconhecimento voluntário de paternidade, com ou sem dúvida por parte do reconhecente, é irrevogável e irretratável (arts. 1609 e 1610 do Código Civil), somente podendo ser desconstituído mediante prova de que se deu mediante erro, dolo ou coação, vícios aptos a nulificar os atos jurídicos em geral. Considerando que a instrução não trouxe qualquer elemento que corroborasse a tese de erro, ou outro vício qualquer de vontade, prevalece a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário de paternidade, que, no caso, corresponde a uma "adoção à brasileira". Precedentes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível, nº 70040743338, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/05/2011). (negritou-se)”

Sobre o aspecto do direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos, abrangendo-se o papel do pai que exerce em relação do filho, a proteção e assistência em geral. De acordo com DIAS (2007, p. 321) “cabe ao direito identificar a relação entre pai e filho como sendo o que confere a este a posse do estado do filho e aos genitores as responsabilidades decorrentes do poder familiar”.

Com todas essas mudanças no direito de família e com os avanços da ciência, visualiza-se outra forma de vivenciar e compreender a relação entre pai e filho.

Neste ponto, ressalta DIAS (2007, p. 322) que:

O status do filho pode ser conquistado com nascimento em uma família matrimonialmente constituída com adoção,   com reconhecimento    da paternidade, voluntário ou forçado, sem que a causa que deu ensejo ao vínculo que se estabelece entre pai, mãe e filho seja a consanguinidade.

É o doutrinador LOUREIRO (2009, p.1.160) quem ensina que o direito da filiação, em sua visão moderna, encontra-se fundamentado em quatro grandes pilares:

1) O da perfeita igualdade dos vínculos de filiação, independente de qual for o estado dos pais;

2) O da facilidade do estabelecimento da filiação;

3) O da responsabilização dos pais e da viabilidade de cada criança ter um vínculo de filiação que a conecte a cada um dos pais; e,

4) O da seguridade e estabilidade do vínculo da filiação.

Desse modo, destaca-se que o interesse da criança é primordial em direito de filiação por se tratar de direito indisponível, inalienável, imprescritível e irrenunciável, tendo em vista que é muito interessante observar o progresso da filiação ao longo da história, marcada por inovações agregadas no campo constitucional e no campo das legislações infraconstitucionais.

A paternidade anterior à Constituição Federal de 1988 fazia uma distinção entre filhos. Os nascidos dentro do casamento eram chamados de filhos legítimos, e os nascidos fora do casamento chamados de filhos ilegítimos. Neste sentido posiciona GUIMARÃES (2001, p. 27):

“Filiação Legítima seria aquela proveniente do casamento civil, ou justas núpcias; a ilegitimidade seria a união de pessoas fora do casamento, que por sua vez se desdobraria em natural ou espúrias”. Dentro desse aspecto de filiação ilegítima, os espúrios se dividiam em incestuosos e adulterinos.

Para DIAS (2007, p. 318) “Essa classificação tinha como único critério a circunstância do filho ter sido gerado dentro ou fora do casamento, isto é, a prole proceder ou não de genitores casados entre si”. Portanto, os filhos sofriam um tratamento desigual social e jurídico. Alguns nem podiam ser reconhecidos, sendo a estes restringidos direitos pelos quais os legítimos gozavam. Tem-se a comprovação no Código Civil de 1916, nos termos do art. 337 “São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou nulo, se contraiu de boa fé”. É nítida a sua desigualdade com relação aos filhos legítimos e ilegítimos. O filho ilegítimo era aquele fruto de relacionamento mantido fora do casamento.

Hoje esta distinção mostra-se odiosa. Prova disto encontra-se em julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS julgado no ano de 2003, em que se encontra afirmado que “a paternidade é muito mais que um evento meramente biológico, é um fenômeno social”, declarando ser irrevogável o reconhecimento dos filhos extramatrimoniais, pois que também têm estes sua relação de filiação e os direitos daí decorrentes. Leia-se a ementa de citado julgado a seguir:

“EMENTA:    APELAÇÃO.   NEGATÓRIA   DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. Em que pese ser outro o nome da ação proposta, o autor renova a pretensão de direito material anteriormente buscada, qual seja a exclusão da relação jurídica de parentalidade e filiação que se estabeleceu entre ele e o recorrido com o registro de nascimento por ele levado a efeito. Não basta a simples alegação de que sua manifestação de vontade estava comprometida pelas ameaças de familiares da genitora do demandado para autorizar a anulação do reconhecimento efetuado. Nos termos do inciso I do art. 1.609 e do art. 1.610 do CCB é irrevogável o reconhecimento dos filhos extramatrimoniais feito no registro do nascimento. Além do mais, a paternidade é muito mais que um evento meramente biológico, é um fenômeno social e o filho não é algo descartável, que se assume em certo momento para ser dispensado quando  entender  conveniente. À UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO. (APELAÇÃO CÍVEL  Nº 70007580178,    SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, JULGADO EM 17/12/2003) (NLPM) (negritou-se)”.

Há também o filho civil, chamado de filho adotivo, ou seja, o resultante do ato jurídico da adoção. O instituto da adoção não é novo no sistema brasileiro, já o Código Civil de 1916 o previa, mas sabe-se que não tinha o intuito assistencial hoje presente, a finalidade era dar filho a quem na não pudesse tê-los, por isso é que um dos requisitos era que o adotante tivesse mais de 50 anos de idade e, ainda, uma diferença mínima de 18 anos do adotado.

A situação do adotado mudou radicalmente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que foram igualados os direitos de todos os filhos, ao tratar da Ordem Social, no Título VIII, Capítulo VII, Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso (artigos 226 a 230), podendo-se citar a previsão do § 6º do artigo 227 que traz especificamente a palavra adoção: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (negritou-se).

É interessante mencionar que o Código Civil vigente repetiu a previsão constitucional, trazendo em seu artigo 1.596 que: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Na conceituação de WALD (2002, p. 217) a adoção “é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente”.

Na esfera da filiação ilegítima, havia a seguinte subdivisão: a) filho natural, que era o filho extramatrimonial de pessoas entre as quais não havia impedimento matrimonial na época da sua concepção; b) filho espúrio, que era o filho havido fora do casamento, mas que havia impedimento entre os pais para se casarem validamente, ora por força da vedação do adultério – filho adulterino -, ora em razão de se proibir o incesto ou práticas semelhantes – filho incestuoso.

Com o passar do tempo, os filhos ilegítimos foram reconhecidos, por meio da mudança dentro do direito de família, e aquela família tradicional, foi ficando no passado, dando lugar à igualdade e à afetividade no âmbito familiar. Feito isso, ampliou-se o conceito de família, e surgiu a proteção os relacionamentos constituídos fora do casamento.

A Constituição Federal de 1988 dá a proteção para todos os filhos, o direito a paternidade, não se admitindo mais que aqueles que biologicamente não sendo filhos, sejam discriminados. E com isso elegeu um dos seus princípios fundamentais o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo inaceitável que uma criança ficasse sem pai, ou seja, sem os direitos que uma relação paterno-filial poderia lhe conferir.

Traz ALMEIDA (2009, p.158), a preciosa informação de que o Supremo Tribunal Federal – STF tem decidido que é dever não apenas da família, mas também da sociedade e do Estado assegurar a criança, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar. Com isso, proibida está qualquer espécie de discriminação entre os filhos, sejam eles havidos ou não da relação de casamento, e o reconhecimento de ser direito legítimo a criança saber a verdade a respeito de sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação. (CF – Arts. 226, §§. 3º, 4º, 5º, 7º; 227, §6º) (RE. 248.869, voto do min. Mauricio Correa, julgamento: 07.08.03, DJ: 12.03.04).

Neste ponto, ressalta DIAS (2007, p. 320):

“A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonado a feição patrimonialista da família”.

Sendo assim, com essas mudanças na ordem jurídica, à palavra “filho”, não comporta nenhum adjetivo. Filho é simplesmente filho.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 no direito de família, priorizou o princípio da dignidade humana, proibindo-se qualquer distinção discriminatória referente à filiação.

Assim dispõe o artigo 1596 do Código Civil de 2002: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. A filiação prova-se com o registro de nascimento. O reconhecimento da paternidade, independente da natureza genética é um ato de vontade. Somente o pai tem legitimidade de praticá-lo.

Neste sentido, COMEL (2004, p. 381) dispõe:

O reconhecimento da paternidade de filho incapaz é ato jurídico que se reveste de características bastante específicas, quais sejam: é constitutivo de estado, personalíssimo, unilateral, puro e simples, não receptício, independente da vontade de terceiro ou do filho incapaz e, ainda, irrevogável, salvo vício de vontade. É constitutivo de estado porque é dele que decorre a paternidade, ou seja, é através dele que o homem investe-se juridicamente da condição de pai, inserindo também no estado do filho os seus parentes (avós, tios, etc.). É personalíssimo porque somente o pai tem legitimidade para praticá-lo, não se admitindo que ninguém o faça por ele. É ato unilateral, porque se perfaz com uma só declaração de vontade, reputando-se perfeito e acabado tão somente pela atuação do pai, na forma da lei. A propósito, está no ECA, art. 26 e no art. 1.607 (CC 2002), que os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, ou seja, é prerrogativa que a lei comete a cada genitor, individualmente.

Afirma-se que o reconhecimento de paternidade dá-se por ato de vontade, ou seja, reconhecimento voluntário. E quando essa vontade não se manifesta, há o reconhecimento judicial através da investigação de paternidade.

Para EDUARDO (1994, p. 115) e o art. 1º da Lei 8560/92:

Quando esta vontade se manifesta espontaneamente, dá-se o reconhecimento voluntário: a) no próprio termo de nascimento (efetuado por ambos os pais, conjuntamente, ou por qualquer deles, isolado); b) por escritura pública; c) por testamento cerrado; d) mediante sentença com transito julgado.

De acordo com DIAS (2007, p. 338) “O ato de reconhecimento é irretratável e indisponível, pois gera o estado de filiação. Assim, é inadmissível arrependimento. O pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos são estabelecidos em lei”. Ainda, complementa que “O fato de ter havido o reconhecimento voluntário da paternidade não pode afetar o direito de investigação da verdade biológica” (DIAS, 2007, p. 344).

Por ser referência nacional quando o assunto se refere ao direito de família, busca-se mais uma vez o entendimento recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS acerca desta questão do reconhecimento da filiação, abaixo colacionado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA CONTRA O ESPOLIO DO PAI BIOLÓGICO. EXTINÇÃO QUANTO AO PEDIDO DE ANULAÇÃO DO REGISTRO E PETIÇÃO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE MERA   DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE. ANTERIOR AÇÃO NEGATÓRIA, PELO PAI REGISTRAL, JULGADA IMPROCEDENTE. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Julgada improcedente a ação negatória de paternidade intentada pelo pai registral, ante o reconhecimento da paternidade socioafetiva, mantendo hígido o registro civil da menor, descabe admitir pleito de anulação de registro e petição de herança, movida pela menor contra o espólio do pai biológico, ante a higidez do registro civil da paternidade, decidido judicialmente, embora admissível a ação de cunho meramente declaratório da paternidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, nº 70037906542, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 10/11/2010)”.

Percebe-se que a lei atribui àquele que reconheceu o filho, a condição de pai, dando a ele todos os deveres dos quais não se pode mais negar, pois por meio desse ato, a lei produz todos os seus efeitos. Segundo LEITE (1994, p. 115) “Quando a vontade paterna não se manifesta, a lei admite o reconhecimento compulsório, também chamado de investigação de paternidade”. Para o direito, a sentença de ação de investigação de paternidade, é considerado como reconhecimento forçado ou coativo.

De acordo com Silvio de Salvo Venosa, citado por DIAS (2007, p. 338),: “Enquanto não houver reconhecimento, a filiação biológica é estranha ao direito.”.

Não se pode esquecer-se de mencionar que o Código Civil vigente foi tão inovador em relação ao direito da filiação, que admitiu o reconhecimento da filiação antes mesmo do nascimento do filho ou ainda depois do seu falecimento, se ele tiver deixado descendentes, conforme previsão do parágrafo único do artigo 1.609. Nesse sentido, para ilustrar a prática dos tribunais nacionais, segue abaixo Apelação Cível deste ano de 2001, julgada pelo TJRS:

“APELAÇÃO  CÍVEL. INVESTIGAÇÃO  DE PATERNIDADE CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. DNA POSITIVO. POSSE DE ESTADO DE FILHO, CONSOLIDADA AO LONGO   DE QUASE 60 (SESSENTA) ANOS, OBSTACULIZA DEMANDA INVESTIGATÓRIA CONTRA TERCEIRO. O autor desfrutou de determinado status familiar ao longo quase 60 anos, sem que jamais tenha se sentido tentado a formalizar o alegado vínculo parental com terceiro. Somente veio a fazê-lo após o óbito do pai registral e do investigado. E isso que desde os 30 anos de idade tinha conhecimento de sua alegada origem biológica, informado que foi por sua genitora. Desimporta verificar por quanto tempo de sua vida o apelante conviveu efetivamente com seu pai registral, nem o grau de afeto que havia entre eles! O que se visa preservar, no caso, não é o vínculo meramente afetivo (circunstância absolutamente aleatória, porque subjetiva), mas a posse de estado de filho, dado sociológico da maior relevância, que não pode, de uma hora para outra, após toda uma vida desfrutando de determinado status familiar, ser desprezado, em nome de uma verdade cromossômica que, na escala axiológica, seguramente se situa em patamar bastante inferior. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível, nº 70040457913, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/05/2011)”.

Depois de identificados os requisitos legais para a configuração da paternidade e em decorrência da evolução e das mudanças pelas quais a sociedade vem passando, é interessante saber o reconhecimento da paternidade afetiva e biológica e como será tratado na lei.

III DA PATERNIDADE BIOLÓGICA E AFETIVA

Com as diversas mudanças no que tange a compreensão da filiação, houve avanços científicos, no qual existe uma verdade biológica, comprovada por meio de exame laboratorial, afirmar-se com certeza a existência de um liame biológico entre duas pessoas. Para DIAS (2007, p. 326), “(…) o direito de conhecer a origem genética, a própria ascendência, é um direito fundamental, um direito de personalidade. Trata-se de um direito individual, personalíssimo, e não significa necessariamente direito à filiação. Hoje está mais fácil descobrir a origem genética”.

O acesso ao exame permite identificar de forma segura a verdade biológica. Segundo DIAS (2007, p. 320) “todos esses avanços ocasionaram uma revira volta nos vínculos de filiação. A partir do momento em que se tornou possível interferir na reprodução humana por meio de técnicas, a procriação deixou de ser um fato natural para subjulgar-se a vontade humana”. O vínculo biológico consiste na identidade genética que une dois indivíduos pelos laços do parentesco, neste prisma, ao que diz respeito à filiação, trata-se de uma relação genética ou consanguínea entre os pais e os filhos.

Para a biologia, pai é unicamente quem fecunda o óvulo da mulher, que se leva a gestação, e dá-se a luz a uma criança. Neste contexto, pai é o marido da mãe. Sendo assim, essa presunção privilegiava a família que nascia com o casamento, o único reduto que aceitava a procriação. DIAS (2007, p. 323), aponta que: “Para que não haja discriminações, a lei gera um sistema de reconhecimento da filiação por meio de presunções: deduções de um fato certo para prova de um fato desconhecido”.

Independentemente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é sempre certa, e o marido da mãe é o pai de seus filhos. Tal presunção é identificada por uma expressão latina: pater is est quem nuptiae demonstrant. Com isso, elimina-se a incerteza do marido em relação aos filhos de sua esposa. Pai é aquele que o sistema jurídico define como tal, é a lei que atribui à criança um pai. De acordo com DIAS (2007):

“A finalidade é fixar o momento da concepção de modo a definir a filiação, de certificar a paternidade e os direitos e deveres decorrentes. A forma mais segura de identificar a filiação é a realização do exame de DNA (ácido desoxirribonucléico) (DIAS, p. 323, 2007)”.

Dessa maneira, os filhos havidos ou não na constância do casamento, poderão obter o reconhecimento de sua origem, tomando conhecimento de seus ascendentes, sua identidade pessoal, características e semelhanças genéticas, garantindo também no âmbito jurídico os fins sucessórios e de caráter alimentar. A origem biológica presume o estado de filiação ainda não constituído, independentemente de comprovação da convivência familiar, formando-se apenas o vínculo sanguíneo.

Para ilustrar o tratamento dos tribunais pátrios acerca da verdade biológica, segue-se julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – REGISTRO DE NASCIMENTO – FALSIDADE IDEOLÓGICA   –    ANULAÇÃO    – HIPÓTESE   DE ADMISSIBILIDADE. 1. Registrado o filho próprio como alheio, tem o pai biológico, provando que o é, legitimidade para propositura da ação de nulidade do registro. 2. A prevalência do registro é relativa. 3. A lei, preocupada em preservar a credibilidade dos assentos e da fé pública, admite que qualquer pessoa legitimamente interessada (o próprio registrado, o cônjuge que não declarou o conhecimento, terceiro, etc.) tenha acesso à vias ordinárias para vindicar estado contrário ao mencionado nos livros oficiais, comprovando o erro ou a falsidade quando da sua lavratura. 4. Apelo provido. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – 2ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 1.0582.05.000820-7/001 – Comarca de Santa Maria do Suaçuí – Relator: Desembargador Nilson Reis – Data do Julgamento: 26/02/2008 – Data da Publicação: 11/03/2008)”.

No entender de LOBO (2004, p. 56) três são as verdades que existem em relação à filiação, não existindo apenas uma única verdade real. Cita-as como sendo: 1) a biológica, com fins de parentesco para determinar a paternidade; 2) a biológica sem fins de parentesco, na situação em que existe vínculo afetivo com outro pai; e 3) a socioafetiva, em que já está formado o estado de filiação. Conclui LOBO (2004, p. 56) que por existir mais de uma verdade real, “… o reconhecimento da filiação biológica, não vincula ao exercício efetivo da paternidade, sendo esse o fator principal das divergências doutrinárias existentes”.

O que se observa é que o direito de filiação está ligado ao Princípio da Dignidade Humana e da Igualdade que regem o direito moderno de família não se admitindo qualquer discriminação pejorativa entre a filiação biológica, adotiva ou afetiva.

As opiniões doutrinárias são divergentes, para WELTER (2010, p. 60): “Os códigos do DNA são exclusivos de cada indivíduo (não há duas pessoas com o mesmo código de barras, exceto os gêmeos univitelinos), pelo que o exame genético em DNA é a melhor opção para o estudo da paternidade”. Ressalta, também, DINIZ (2007, p. 325) que “A presunção da paternidade sempre teve como justificativa a verdade biológica, ou seja, gerava a lei uma certeza ficta com base na probabilidade do vinculo genético”.  Até então, o julgador baseava-se em provas documentais, testemunhais, indiciais, que forneciam apenas indícios do relacionamento sexuais do suposto pai com mãe, mas não era capaz de revelar a existência do vínculo genético. Segundo WELTER (2010):

“A prova pericial, mesmo antes da descoberta do DNA, como ABO, HLA, sempre foi utilizada nas investigações de paternidade. Porém os resultados nunca foram de afirmação, e sim apenas de exclusão. Com exame de DNA, não se tem só a exclusão, mas sim, a afirmação cientifica da paternidade em 99,9999997% WELTER (2010, p. 63)”.

É interessante observar que o exame de DNA foi recebido no mundo jurídico, como o fim de um enigma. Sendo assim, segundo FACHIN (2003, p.34), há uma consagração do liame biológico em que “filho é o filho de sangue, cuja prova de descendência genética é a prova suprema”, em razão de seu caráter científico e da crença de que o vínculo biológico determina a verdadeira paternidade.

Mas seria a certeza da paternidade biológica mais relevante do que a certeza da paternidade afetiva? Diferente da paternidade biológica, a paternidade socioafetiva não pode ser provada com um simples exame, sendo considerada como verdadeira paternidade que se constrói, se fortalece no dia-a-dia, sendo evidenciada pelos elementos trato, fama e nome como será visto adiante.

Conforme o artigo 227 da Constituição Federal, o qual proíbe qualquer tipo de discriminação, assegurando com prioridade absoluta, a convivência familiar, pois o que deve prevalecer é o interesse da criança, a paternidade afetiva fundamenta-se no Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente. Leia-se o artigo 227 da Constituição Federal in verbis:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O filho, então, não pode sofrer discriminação relativa ao fato ou circunstância do seu nascimento, trazendo a igualdade de filiação, pois não se pode favorecer o filho legítimo e penalizar o filho “ilegítimo”. Dentro desse contexto, LOUREIRO (2009, p. 1.126) divide o significado da igualdade entre filhos em duas vertentes: uma formal e outra material. Explica que, tendo em vista o significado formal, que considera menos importante, “A não discriminação ou igualdade em sentido formal, seria a vedação ao uso de termos como legítimos, naturais, bastardos”. Agora, no tocante ao significado material, “a não discriminação impede qualquer distinção ou diferença de regime jurídico que consubstancie num desfavor ou numa desproteção que não seja objetiva e razoavelmente fundada”.

A lei antes privilegiava a verdade biológica, sendo que há uma relevância maior no critério afetivo, no qual se sobrepõe à verdade biológica tendo por base um valor maior: o vínculo da afetividade. Para DIAS (2007, p. 334): “A filiação pode resultar da posse do estado do filho e constitui a modalidade do parentesco civil de “outra origem”, isto é, de origem afetiva. A filiação sócio-afetiva corresponde a uma verdade aparente e decorre do direito de filiação”.

Em relação à lei civil vigente, em vários artigos abaixo apontados, entende-se que o Código Civil confere tratamento privilegiado à filiação socioafetiva. Como exemplo, podem ser citados:

– O artigo 1.593 que reconhece o parentesco resultante de consanguinidade ou outra origem;

– O artigo 1.596 que segue o texto constitucional, equiparando os filhos havidos por consanguinidade ou por adoção;

– O artigo 1.597, em seu inciso V, que traz a presunção de serem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por reprodução assistida heteróloga;

– O artigo 1.605, inciso II, que aceita a posse do estado de filiação como presunção para provar a filiação;

– O artigo 1.614, uma vez que concede ao filho biológico maior rejeitar o reconhecimento e ao menor impugnar ao atingir a maioridade.

Isto porque a relação entre pai e filho não deriva somente de um fato biológico, mas de uma convivência afetiva. A paternidade afetiva é aquela em que o pai cumpre seu papel em todos os sentidos, ou seja, amar, educar e se interessar pela criança. É ser verdadeiramente um pai. Mas, para certificar a paternidade afetiva é necessária a posse do estado do filho, sendo realizado pela maioria das vezes por via testemunhal.

Sobre a comprovação da posse do estado de filho, BLIKSTEIN (2008, p.115) ensina que se deve “obedecer, todavia, alguns requisitos para validade: filho deve possuir o nome do pai (nomen), deve ser tratado como filho daquele pai (tractatus) e deve comportar-se e ser enxergado socialmente como filho daquele pai (fama)”.

Sobre o aspecto da posse de estado de filho, o “nome” é considerado como o primeiro elemento, no qual se caracteriza pelo nome da família, ou seja, o nome do suposto pai. Mas a doutrina não dá relevância a esse fator, uma vez, que o filho não utiliza o nome do pai.

Quanto ao “trato” é caracterizado pelo comportamento, ou seja, o tratamento do pai com relação do suposto filho, sustentada pela assistência moral, material dada ao filho.

E a “fama” é considerada o elemento público, ou seja, é necessário que a sociedade conheça determina pessoa como pai e filho. Assim, a sociedade deve ter a convicção de que realmente são pai e filho.

Contudo, ressalta BOEIRA (1999) que:

“No exame de seus elementos caracterizadores, é preciso distinguir que a intensidade com que irá revelar-se a “posse de estado de filho” pode variar de acordo com eventuais impedimentos que possa ter o pai em identificar, publicamente, esta situação. É evidente que, para os cônjuges, sem impedimentos de ordem legal ou ético-moral, é fácil demonstrar, ou, até mesmo invocar abertamente a posse de estado para justificar a filiação, ainda não regularizada ou cujo assento perdeu-se ou é insuficiente. Por outro lado, quando se tratar de filiação ilegítima e ainda, mais especificamente, de adulterina, é possível que a “posse de estado de filho” não seja menos intensa embora tenha que ter sido sufocada por longo período. Então, a posse do estado de filho caracteriza-se numa relação clara e pública, de um vínculo natural existente entre pai e filho. Logo, entende José Bernardo Ramos Boeira (1999, p. 60) que “a posse de estado de filho é uma relação íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse e pelo tratamento existente na relação paterno e a aceitação do chamamento de pai” BOEIRA (1999, p. 63).

Assim, faz-se necessário que a pessoa tenha sido tratada como filho pelo suposto pai e que tenha atendida toda a manutenção, a educação e sendo considerado como filho nas relações sociais. Neste contexto, a afetividade passou a ser um elemento identificador da família, ou seja, um elo de ligação entre pai e filho. Os laços de afeto derivam da convivência e não do sangue. DIAS (2007, p. 333) entende que: “A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A afeição tem valor jurídico”.

Destarte, de acordo com as palavras de FACHIN (2003) que:

“A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação da paternidade psicoafetiva; aquele, enfim, que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, trata-o como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social” FACHIN (2003, p. 29).

Reconhecida à existência da paternidade afetiva, estabelece-se a partir de então um vínculo jurídico visando, principalmente, a proteção de quem é considerado filho. Segundo DIAS (2007, p. 293): “Não há nada mais autêntico do que reconhecer como pai quem age como pai, quem dá afeto, quem assegura a proteção e garante a sobrevivência”.

Antonio Carlos Parreira , juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões de Varginha – MG exarou sentença em 07 de abril de 2009, que merece ser trazida à baila, por demonstrar claramente a tendência jurisprudencial de dar prevalência à situação de socioafetividade em relação à verdade biológica. Segue-se a ementa e trechos da sentença:

“DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA X PATERNIDADE BIOLÓGICA – PREVALÊNCIA DA PRIMEIRA DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA X PATERNIDADE BIOLÓGICA – PREVALÊNCIA DA PRIMEIRA – ANULAÇÃO E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL–IMPROCEDÊNCIA. (Autos nº: 0707 03 065874-4, Classe : Ação Anulatória c/c Retificação de Registro Civil). […] Na verdade o vínculo de paternidade vai muito além da participação do homem no ato da concepção do ser humano e dos genes transmitidos, não sendo necessário apresentar longas teses sobre a predominância da paternidade socioafetiva sobre a biológica, e nem invocar em sua defesa direitos maiores consagrados na Constituição da República, pois o velho Código Civil de 1916 já deixava claro não ser a paternidade apenas resultante do vínculo biológico, como efeito da procriação. Assim, em seu artigo 384 estabelecia o Código revogado competir aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dentre outros deveres, dirigir-lhes a criação e educação; tê-los em sua companhia e guarda; representá-los, até aos 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos nos quais forem partes, suprindo-lhes o consentimento; exigir-lhes prestar obediência, respeito, etc. Tais normas praticamente foram repetidas no art. 1.634 do estatuto civil vigente. […] Comprovada, portanto, a verdadeira paternidade responsável socioafetiva, pouco importa o resultado do exame de DNA afastando a existência de vínculo biológico entre as partes […]”.

É interessante observar que a existência do amor, afeto, respeito entre pai e filho, é o verdadeiro vínculo de paternidade, portanto pai não é simplesmente o que determina o vínculo genético. Para a doutrina a paternidade afetiva esta cada vez mais presente, não se limitando em buscar a lei, mas a solução do caso concreto.

Trazendo novamente as lições de DIAS (2009, p. 29), pode-se dizer que no moderno direito de filiação, o formato tradicional de família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, sendo o traço fundamental a lealdade e a afetividade. Não se pode negar que o vínculo da filiação atribui aos pais o poder familiar, com direitos e deveres. Sendo assim, trata-se do poder-dever de criar e educar os filhos mantendo-os sob sua guarda e proteção, consequência necessária do princípio da paternidade responsável.

Nesse sentido, o jurista WELTER (2003) afirma que:

“A filiação afetiva também se corporifica naqueles casos em que, mesmo não havendo vínculo biológico, alguém educa uma criança ou adolescente por mera opção, denominado filho de criação, abrigando-o em um lar, tendo por fundamento “o amor por seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”. É dizer, quando uma pessoa, constante e publicamente, tratou um filho como seu, quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua educação, é impossível não dizer que o reconheceu” (WELTER, 2003, p. 78).

O conceito de paternidade afetiva não exclui o direito do filho de reconhecer sua paternidade biológica, pois o reconhecimento da paternidade biológica é um direito personalíssimo do filho. “Não se pode prevalecer o reconhecimento do genitor biológico sobre um vínculo construído pela convivência familiar e que assumiu as vestes da paternidade.” (DIAS, 2007, p. 344).

Enfim, a imputação da paternidade biológica não substitui a convivência, que é a construção permanente dos laços afetivos. O ser humano possui uma enorme capacidade de manifestação de afeto, que não tem limites. Vínculos afetivos não são prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm a solidão. (DIAS, 2007, p. 27).

Por esse motivo, o melhor entendimento é acreditar que o melhor a fazer é encaixar esse vínculo afetivo no ordenamento jurídico, e não marginalizá-las. O Estado não pode negar essa realidade, e afastar assim situações de afeto, respeito do direito de família, pois a família é absolutamente importante para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e, não reconhecer a família socioafetiva, é ir contra aos preceitos fundamentais da Constituição Federal. A paternidade afetiva visa o bem-estar da criança, e é a partir daí que ela se estabelecerá.

Além do que, para BOEIRA (1999, p. 53/54), em relação a socioafetividade é onde “(…) encontramos a única garantia de estabilidade social, pois um filho reconhecido como tal, em um relacionamento diário e afetuoso, certamente formará uma base que lhe assegure um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano”.

Conclui-se então, com as palavras de DIAS (2007, p.27), que, “não enxergar fatos que estão diante dos olhos é manter a imagem da Justiça cega. Condenar à invisibilidade situações existentes é produzir irresponsabilidades, é olvidar que a Ética condiciona todo o Direito, principalmente o Direito de Família”

Continua dizendo que se mostra indispensável “reconhecer que o afeto é uma realidade digna de tutela, e para isso é preciso levantar o véu do preconceito e arrancar a venda da injustiça.” Para tanto, faz-se necessário reconhecer a filiação socioafetiva, e principalmente os efeitos decorrentes dessa filiação.

Também convêm trazer as lições de Guilherme Calmon Nogueira da Gama citado por DIAS (2007), segundo o qual:

“(…) o prestigio da verdade afetiva frente à realidade biológica impôs o alargamento do conceito de filiação. Paternidade, maternidade e filiação não decorrem exclusivamente de informações biológicas ou genéticas, dá-se relevo a sentimentos nobres como o amor, o desejo de construir uma relação afetuosa, carinhosa, reunindo as pessoas num grupo de companheirismo, lugar de afetividade, para o fim de estabelecer relações de parentesco” DIAS (2007, p. 315).

Contudo, se uma pessoa foi criada como filha de outra, configurando a paternidade afetiva, não há em que se falar a desconstituição desta, devendo a paternidade afetiva prevalecer sobre a biológica.

Por fim, ressalta LOUREIRO (2009, p.1.125), que a proteção à família e à igualdade não derivaria apenas da Constituição Federal ou do Código Civil, haja vista que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário desde 1991, já determinava que os Estados devem adotar medidas especiais de proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição.

O afeto está presente nas mais variadas relações humanas. Não se compra, se conquista e é um elemento tão importante na real identificação de uma paternidade/maternidade quanto um sobrenome proveniente de uma relação biológica.

Nos dizeres de BERNARDES (2011):

“Acreditamos, por certo, que este instituto jurídico familiar identificado como paternidade socioafetiva, mesmo ainda não respaldado com solidez pela legislação civil em voga, mas que já vem sendo admitido pelos Tribunais do país, enquadrado como um fato e integrado ao sistema de direto, concretizará como a mais importante de todas as formas jurídicas de paternidade, onde seguirão como filhos legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de espontânea afeição, tendo um significado mais profundo do que a verdade biológica” BERNARDES (2011).

Finaliza-se, observando as novas perspectivas para a solução destes conflitos, pois é enorme a divergência dos entendimentos sobre o tema paternidade biológica e afetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de família que advinha somente do casamento mudou com a Constituição Federal de 1988. Atualmente, o casamento não é mais tido como modelo familiar único e exclusivo da constituição de família. Com relação aos filhos, no Código Civil de 1916, era nítida sua redação com relação à desigualdade e discriminação dos filhos havidos fora do casamento, que eram considerados como filhos ilegítimos. Somente havia direitos para os filhos que eram nascidos dentro do casamento, considerados filhos legítimos.

A mudança dentro do direito de família com relação à paternidade dos filhos aconteceu com o artigo 227 da Constituição Federal, sendo priorizado o princípio da dignidade humana, no qual se proibiu qualquer tipo de discriminação com relação aos filhos havidos fora do casamento. Com isso, todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos e obrigações referente à filiação.

O Código Civil de 2002, como não poderia deixar de ser, acompanhou a Constituição Federal e expurgou do ordenamento jurídico o tratamento odioso que era dado ao filho “ilegítimo” em relação ao considerado “legítimo”. Não há mais distinção, nem denominação diversa para os filhos que advém ou não do casamento.

Por meio deste artigo, que aborda o conceito de família e de entidade familiar e os requisitos sobre a paternidade, compreende-se que, atualmente, as famílias e entidades familiares se popularizaram. Assim sendo, por meio da manifestação do afeto, famílias foram sendo construídas. O presente trabalho se focou em apresentar a nova visão em relação ao fato de que a paternidade não pode ficar restrita somente ao vínculo biológico, pois o afeto, o amor, o carinho não decorrem simplesmente da biologia, sendo um direito personalíssimo do filho o reconhecimento genético. A paternidade afetiva surge após a verificação dos requisitos da posse de estado de filho; sendo assim, valorizam-se os elementos afetivos e sociológicos da filiação, buscando-se uma análise profunda da discussão com objetivo de determinar a paternidade biológica ou afetiva.

É interessante observar que com esse trabalho, conclui-se que a paternidade biológica não substitui a convivência, a construção permanente dos laços afetivos, pois pai é considerado aquele que educa, ama e se preocupa com o bem-estar dos filhos. Então, o mais importante vínculo de paternidade é o afetivo, e pai pode perfeitamente não ser o que determina o vínculo genético. Que fique claro que a paternidade biológica não é descartada e tem suas utilidades, mas, também, que ficou em segundo plano perante a paternidade socioafetiva, uma vez que tem sido considerado como mais importante o fato do filho gozar da posse do estado de filho do que a simples verdade sanguínea.

 

Referências
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Direitos humanos. São Paulo: Atlas, 2009.
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto. Aspectos da Paternidade no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004.
BERNARDES, Marcelo Di Rezende. Pai biológico ou afetivo? Eis a questão. Disponível em <http://www.ibdfam.com.br/Public/artigos.aspx?codigo=198>    Acesso em 21/11/2011.
BLIKSTEIN, Daniel. DNA, Paternidade e Filiação. Belo Horizonte: Del Rey. 2008.
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse do estado de filho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
COMEL, Denise Damo. Reconhecimento da paternidade : manifestação de vontade da mãe no ato de averbação perante o registro civil de pessoas naturais. Jus Navigandi,  Teresina,  ano    9,  n.  381,   23 jul. 2004. Disponível em:  <http://jus.com.br/revista/texto/5492>. Acesso em: 10 nov. 2011.
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Informações Sobre os Autores

Guilherme Weber Gomes de Almeida

Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Catalão

Wânia Lúcia Machado Leão

Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Catalão


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