A sociedade anônima: aspectos gerias

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Resumo: O presente trabalho tem por desiderato investigar as origens históricas da sociedade anônima. Aborda-se também a estrutura societária construída pela legislação atual, dando ao leitor um panorama geral dessa espécie societária. Para tanto, foi realizado um estudo doutrinário com ênfase no direito comercial. São abordados tópicos relevantes para a compreensão do tema apresentado, especialmente, conceito, histórico, ações, órgãos societários, dentre outros. Fez-se uso da análise legal e doutrinária, na busca do melhor entendimento dos desafios jurídicos e inerentes ao assunto.

Palavras-chave: Direito comercial. Direito societário. Sociedade anônima.

Sumário: 1 Introdução. 2 Histórico. 3 Sistema Legal. 4 Formalidades de Constituição. 5 Posição dos Acionistas. 6 Ações. 7 Órgãos Sociais. 7.1 Assembleia Geral. 7.2 Conselho de Administração. 7.3 Diretoria. 7.4 Conselho Fiscal. 8 Modificaçõoes nos Tipos Sociais. 8.1 Transformação. 8.2 Incorporação. 8.3 Fusão. 8.4 Cisão. 9 Dissolução, Liquidação e Extinção. 9.1 Dissolução das Sociedades Anônimas. 9.2 Liquidação. 9.3 Extinção.

1 Introdução

Fran Martins lecionou com peculiar proficiência que sociedade anônima é a sociedade em que o capital é dividido em ações limitando-se a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas[1].

J. X. Carvalho de Mendonça, por seu turno, definiu: a sociedade anônima é  aquela em que todos os sócios, denominados acionistas ou acionários, respondem pelas obrigações sociais até o valor com que entraram ou prometeram entrar para a formação do capital social[2].

A sociedade anônima caracteriza-se em primeiro lugar pela sua natureza institucional. Ao contrário das sociedades contratuais, em que a pessoa do sócio é de fundamental importância para a vida da pessoa jurídica, a sociedade anônima é intuitus pecuniae, ou seja, o importante em verdade é o capital. O percuciente Waldemar Ferreira já ressaltara que seu crédito é reflexo do seu patrimônio.

Desta feita, a absoluta impessoalidade desta espécie societária fez que muitos comercialistas do Século XIX e início do Século XX a tivessem como um ente privilegiado, com tratamento especializado por parte da lei.

De dito caractere decorre outro de importância não menos exponencial, referente à responsabilidade dos acionistas pelos negócios da empresa, responsabilidade essa que é limitada ao preço de emissão das ações integralizadas ou subscritas.

Vale enfocar que já havendo o sócio integralizado as ações que subscreveu, nenhuma responsabilidade poderá ter ante os negócios da companhia, pois, integralizando o valor com o qual se comprometera, apenas este valor poderá vir a perder.

Entretanto, se ainda não integralizou a quantia constante do boletim de subscrição, poderá ser compelido a completar as parcelas restantes e nada mais.

2 Histórico

Não há uniformidade doutrinária acerca da origem das sociedades anônimas. Os primeiros registros de associações com especificidades das companhias remontam da Antiguidade grega e romana. As poderosas arrendatárias de tributos devidos ao Estado em Roma, societatis publicanorum ou societatis vectigalium, popularizadas nas páginas do Evangelho, são enxergadas por alguns como a origem mais remota da hodierna sociedade anônima.

Mencionam-se também, na Idade Média, as associações de credores do Estado, denominadas de mons, mossa ou maona, nas quais vários credores de empréstimos ao Estado se uniam no intuito de receber os seus créditos, assim como os juros pagos pelo erário a título de remuneração pelo capital tornado disponível. O valor do empréstimo de cada sócio constituía a sua cota parte na sociedade, representando, por via de consequência, sua percentagem nos valores recebidos diante do governo. Essas cotas-partes podiam ser livremente cedidas, sendo irrelevante a affectio societatis.

A Casa de São Jorge, em Gênova, transformada em 1407 no Banco de São Jorge, é o mais ilustre exemplar dessa espécie societária, sendo apontado por alguns autores como a primeira sociedade anônima constituída nos moldes atuais.

Machiavelli, contador de suas origens, escreveu que o embrião do Banco de São Jorge fora disseminado após a importante guerra entre genoveses e venezianos, quando o governo, incapaz de pagar os empréstimos concedidos pelos cidadãos, cedera-lhes a alfândega, juntamente com seu palácio, para que, com a renda auferida, saudassem a dívida que a cidade tinha para com eles. Formaram então um conselho composto por cem deles e instituíram uma diretoria formada por oito. Dividiram os seus créditos em partes denominadas luoghi. Nascera a Casa de São Jorge.

As sociedades holandesas do Século XVII, com vista às explorações ultramarinas, também são mencionadas por diversos autores. Dentre elas se destaca a Companhia das Índias Ocidentais, formalizada em 1602. No sistema holandês, as companhias se constituíam como um privilégio concedido pelo governo, sistemática que perdurou até a edição do Código Francês de 1808, que passou apenas a exigir autorização governamental para a sua constituição, autorização esta que veio a deixar de ser exigida em 1867, passando as sociedades a se constituir livremente.

As associações navais, cujo contrato era denominado colonna, eram mencionadas na Tábua Amalfitana de 1131. Nessa espécie, o navio era dividido em partes iguais livremente cessíveis por seus proprietários, sendo que o Consulado do Mar especificava a responsabilidade entre os sócios. No Mediterrâneo, eram alcunhadas sociedades de armadores, especialmente em Gênova e Marselha (Rhederein) e os quinhões ou partes ideais chamados carati ou loca, sendo apontados, desde então, caracteres essenciais das atuais sociedades anônimas.

As Empresas Moageiras francesas de fins do Século XII também faziam a divisão da sociedade em cotas cessíveis denominadas de ucaux ou saches, bem como as associações mineiras germânicas (gewerkschaft) e italianas cujas partes cessíveis tinham o nome de kux.

Também no pontificado de Paulo IV (1555), algumas sociedades concessionárias de serviços públicos tinham caracteres específicos da nossa sociedade institucional acionária.

Em meados do Século XIX, a sociedade anônima adquiriu grande parte da sua vestimenta atual, sendo cada vez mais importante para o desempenho de atividades comerciais no setor público e privado e alvo de rigores legislativos cada vez mais densos, no intuito de evitar o livre estabelecimento de condições por parte dos sócios que lhes parecessem mais convenientes.

3 Sistema Legal

A sociedade anônima decerto adquiriu importância substancial no desempenho de certas atividades comerciais, especificamente, no que concerne a grandes empreendimentos que demandam vultosas somas de capital. Dessa maneira, as legislações de quase todos os países dedicam regramentos para as companhias, tendo como nota predominante a responsabilidade limitada dos sócios.

A Lei belga de 1873, em seu artigo 26 preceitua:

“La société anonyme est celle dans laquelle les associés n’engagent qu´une mise determinée.”

O Código da Confederação Helvética das Obrigações, revisto, no artigo 612, informa:

“La société anonyme ou société par actions est celle qui se forme sous une raison sociale nenoncant pas les noms des associés, dont le capital, déterminé à l’avance, est divisé em actions et dont les dettes ne sont garanties que par l’avoir social, sans que lhes associés en socient tenus personnellement.”

O antigo Código Comercial Italiano, no artigo 76, nº 3, conceituava:

“La società anonima, nella quale le obbligazioni sociali sono garantite soltanto limitatamente ad un determinato capitale, caiscun socio non è obbligato che per la sua quota o per la sua azione.”

O Código Comercial Húngaro, no artigo 147, dispunha: A sociedade por ações é constituída por meio de um capital previamente fixado e consistente em certo número de ações de igual valor (ações integrais ou frações de ações) e cujos donos se obrigam somente até a concorrência das suas ações.

O Código Comercial argentino define, no artigo 313:

“Sociedad anonima es la simples asociación de capitales para una empresa ó trabajo cualquiera.”

O legislador brasileiro, por seu turno, não silenciou. O Código Comercial, lei nº 556, de 26 de junho de 1850, dedicou cinco artigos às chamadas companhias, que detinham algumas características bem nítidas:

a) eram designadas pelo objeto, não possuindo firma social;

b) eram administradas por mandatários revogáveis;

c)  necessitavam de autorização governamental para o seu funcionamento, autorização esta que dependia de aprovação do legislativo quando tinha que gozar de algum privilégio;

d) podiam ser provadas por escritura pública, pelos estatutos ou pelo ato do governo que as autorizou;

e) as ações podiam ser divididas em frações;

f) os administradores e diretores eram responsáveis, pessoal e solidariamente, pelas obrigações sociais, até o momento da inscrição do seu título constitutivo no registro do comércio.

O Código Comercial brasileiro mostrou ser insuficiente para regular de forma razoável a vida das sociedades anônimas, de forma que foi alterado nessa parte por diversas leis posteriores. O Decreto nº 3.150, de 3 de outubro de 1882, seguindo orientação da legislação francesa, suspendeu a exigência de autorização governamental.

O Decreto nº 434, de 4 de junho de 1891, veio a consolidar as disposições legislativas referentes às sociedades anônimas, revogando os artigos 295 a 299 do Código.

Posteriormente o Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940 substitui o Decreto nº 434, vigorando até 1976, quando foi revogado pela Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976.

A atual lei em vigor (Lei 6.404/76) foi posteriormente alterada por vários dispositivos. Vejamos os principais:

a) Resolução nº 436, de 20 de julho de 1977, dispõe sobre o conceito de companhia aberta;

b) Decreto nº 88.323, de 23 de maio de 1983;

c) Decreto nº 89.309, de 18 de janeiro de 1984;

d) Lei nº 8.021, de 12 de abril de 1990;

e) Lei nº 8.639, de 31 de março de 1993;

f) Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995;

g) Lei nº 9.292, de 12 de julho de 1996;

h)  Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997. Fez substanciais modificações na Lei das Sociedades Anônimas, dotada de grande abrangência de assuntos;

i) Decreto nº 2.232, de 23 de maio de 1997. Dispõe sobre as renegociações de débitos decorrentes da emissão de debêntures não conversíveis;

j) Decreto nº 2.400, de 21 de novembro de 1997. Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis;

k) Medida Provisória nº 1958-37, de 26 de dezembro de 2000;

l) Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001.

4 Formalidades de Constituição

A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, regulou a constituição da companhia a partir do seu artigo 80, no qual menciona os requisitos preliminares dos quais nos ocuparemos a seguir.

Dispõe a regra, verbatim:

“Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes requisitos preliminares:

I – subscrição, pelo menos por duas pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto;

II – realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro;

III – depósito, no Banco do Brasil S.A.., ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro.”

Desta feita, podemos entrever três requisitos essenciais à formação da sociedade anônima. O primeiro deles é a subscrição de todas as ações representativas do capital social por pelo menos duas pessoas.

No sistema atual, o número mínimo de sócios foi reduzido de sete para dois, com a exceção da subsidiária integral, sendo obrigatória a subscrição de todas as ações da sociedade anônima. Por subscrição, no dizer do Professor Fran Martins, se entende como o compromisso que toma a pessoa de entrar para a sociedade com determinada importância, equivalente a um certo número de ações[3]. Desta forma, a empresa só poderá se constituir depois que, no mínimo, duas pessoas se comprometam a realizar o equivalente a 100% do capital social.

O segundo requisito consubstancia-se na integralização, a título de entrada e em dinheiro de, no mínimo, 10% do capital subscrito por sócio, individualmente. Vale ressaltar que esse percentual deve se aplicar a cada acionista de per se. Assim sendo, se cada sócio subscreve 50% das ações, admitindo uma companhia com dois sócios, e apenas um deles realiza 10% ou mais do total das ações o requisito não foi satisfeito. Necessário se faz que cada subscritor pague a vista pelo menos 10% de suas ações em dinheiro.

O terceiro e último requisito perfaz-se na exigência de depósito devidamente documentado, no Banco do Brasil S.A. ou em outra instituição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários, do total das entradas pagas pelos subscritores, à vista da exigência constante no Decreto-Lei nº 5.956, de 1º de novembro de 1943; do artigo 81 da Lei das Sociedades Anônimas e do Ato Declaratório CVM nº 2, de 3 de maio de 1978.

Há ainda que se ressaltar a existência de duas modalidades de constituição da sociedade anônima, quais sejam, por subscrição pública ou sucessiva, ou por subscrição particular ou simultânea.

A constituição por subscrição pública é regulada pelos artigos 82 a 87 da Lei 6.404/76, dependendo o pedido de registro de emissão junto à CVM, devidamente instruído com o estudo da viabilidade econômica e financeira do empreendimento, o projeto do estatuto social e o prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária.

A intermediação da constituição da companhia por subscrição pública de instituição financeira é obrigatória, segundo o disposto no caput do artigo 82.

O prospecto que acompanha o pedido é, no dizer de Fran Martins, uma exposição clara e precisa das bases da sociedade e dos motivos ou razões que têm os fundadores de esperar o êxito do empreendimento[4].

A constituição por subscrição particular é descrita no artigo 88 da Lei e pode ser de duas formas: a) por deliberação dos subscritores em assembléia geral ou; b) por escritura pública.

5 Posição dos Acionistas

A Lei nº 6.404/76 ocupa-se dos acionistas nos artigos 106 a 120. A Lei nº 9.457/97, que operou grandes modificações no regulamento das sociedades anônimas, pouco interveio nesse assunto, acrescentando apenas uma alínea no dispositivo que enumera os casos de exercício abusivo de poder por parte do acionista controlador.

A Lei nº 10.303/2001, por sua vez, operou mudanças substanciais na posição dos acionistas, alterando os artigos 109, 115 e 118 e, ainda, acrescentando o artigo 116-A.

O acionista nada mais é do que o sócio da companhia. A razão de ser desta denominação diferenciada advém da própria natureza societária, eminentemente institucional. Inexistindo a affectio societatis os acionistas muitas vezes sequer sabem da existência um do outro, o que diferentemente ocorre nas sociedades contratuais, nas quais a pessoa do sócio é essencial à sobrevivência da pessoa jurídica.

As principais obrigações dos acionistas constituem-se em fazer o pagamento da entrada prevista no momento da subscrição das ações e a sua posterior integralização na forma prevista no estatuto. Caso venha a descumprir tais condições, a companhia pode escolher entre promover o competente processo de execução por título executivo extrajudicial, já que o boletim de subscrição e o aviso de chamada se prestam a tal função ou, pode ainda mandar vender as ações correspondentes em bolsa, por conta e risco do acionista remisso.

O direitos essenciais do acionista são os seguintes (art. 109):

a) participar dos lucros;

b) participar do acervo da companhia em caso de liquidação;

c) fiscalizar a gestão dos negócios sociais;

d) ter preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição;

e) retirar-se da sociedade nos casos previstos em lei.

O direito de voto não é essencial ao acionista, podendo ser limitado ou completamente suprimido no caso das ações preferenciais (art. 111) ou inexistente na hipótese das ações ao portador (art. 112), espécie esta extinta pela Lei nº 8.021/90.

A Lei dispõe ainda acerca do denominado acionista controlador que, nos termos do artigo 116, é a pessoa, natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas sob acordo de voto, ou sob controle comum, que tem assegurado de forma permanente a maioria dos votos na assembléia geral, elegendo a maioria dos administradores e que efetivamente usa desse poder para dirigir as atividades da empresa, respondendo pelos danos causados em decorrência do seu exercício abusivo.

6 Ações

Entende-se por ação a menor fração na qual se divide o capital social de uma companhia. Tal designação serve para determinar o grau de participação do acionista nos interesses sociais, bem como a sua parte nos dividendos pagos pela anônima.

A lei designa três espécies de ações a saber: a) ordinárias; b) preferenciais; c) de gozo ou fruição.

As ordinárias são a modalidade comum de ação, em geral; dão ao seu proprietário amplos direitos de participação nos negócios da empresa, inclusive o direito de voto correspondente ao seu número. No caso de companhia fechada, aquela em que as ações não podem ser negociadas em bolsa ou mercado de balcão, poderá haver a divisão em diversas classes, em função da conversibilidade em ações preferenciais, exigência de nacionalidade brasileira do acionista e direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos.

As preferenciais têm o direito ao voto restrito ou totalmente excluído. Em troca disso dão ao seu detentor certas vantagens que consistem em direitos à percepção de dividendos no mínimo 10% superiores aos atribuídos às ações ordinárias, prioridade de distribuição dos dividendos, prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio, ou acumulação de todas essas vantagens.

As ações de gozo ou fruição são aquelas que substituem outras espécies de ações quando estas são amortizadas. A amortização consiste no adiantamento ao acionista, em face da existência de reservas disponíveis, do montante que lhe caberia em razão do valor de suas ações em caso de liquidação da companhia.  As ações de fruição conservam as mesmas características das ações originais, exceto que, em caso de liquidação da sociedade anônima, não farão jus ao pagamento do capital investido anteriormente pago.

Quanto à circulação, as ações poderiam ser de três espécies: a) nominativas; b) endossáveis; c) ao portador. A Lei nº 8.021, de 14 de abril de 1990, entretanto, veio a suprimir as ações endossáveis e ao portador, restando apenas as nominativas.

Nominativas são aquelas ações em que a propriedade se presume pela inscrição do nome do acionista no livro de “Registro de Ações Nominativas”. A sua transferência não se opera apenas com a transmissão do certificado pois necessário se faz a lavratura da cessão no livro competente assinada pelo cedente e pelo cessionário.

Ações escriturais, segundo o disposto no artigo 34, são aquelas em que o estatuto da companhia determina que todas as ações, ou uma ou mais classes,  sejam mantidas em conta de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados, operando-se a sua transferência pelo lançamento efetuado pela instituição depositária, a débito da conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente.

O artigo 44 trata do resgate e da amortização de ações. A amortização já fora explicada, entendendo-a a lei como a distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia, podendo ser integral ou parcial e abranger todas as classes de ações um só a uma delas.

O resgate é o pagamento do valor de certas ações para retirá-las de circulação, podendo ou não representar redução no capital social. Caso o valor original seja mantido, deve ser atribuído novo valor nominal às ações remanescentes.

Tanto o resgate como a amortização, se não abrangerem a totalidade das ações de uma mesma classe, devem ser feitos mediante sorteio, para evitar possíveis e indesejáveis favorecimentos por parte dos administradores.

O reembolso é tratado separadamente no artigo 45 da Lei 6.404, sendo a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia geral o valor de suas ações. É o chamado direito de retirada mediante reembolso, garantido à minoria dissidente em caso de alterações que modifiquem o objeto da pessoa jurídica, determinem aumento de capital não autorizado, et cetera.

7 Órgãos Sociais

Os poderes da sociedade são exercidos pelos órgãos sociais. Esses poderes podem consistir em deliberar, executar e fiscalizar. Daí por que existem entes designados por lei para exercer tais funções no âmago da companhia.

A atual legislação brasileira dispõe que os órgãos sociais serão a assembléia geral (função deliberativa), o conselho de administração e a diretoria (função executiva), e o conselho fiscal (função fiscalizadora). Trataremos de cada um deles individualmente.

7.1 Assembléia Geral

A assembléia geral é normalizada nos artigos 121 a 137 da Lei das Sociedades Anônimas. Vivante a conceituou lapidarmente:

“L’assemblea è la riunione dei soci debitamente convocati per trattare degli affari sociali. Essa è l’organo supremo della volontà sociale, che si manifesta, come avviene in ogni collegio, col voto della maggioranza. Questa volontà è decisiva anche pei soci dissenzienti, purchè resti nei limiti della legge e dello statuto”[5].

A assembléia geral é, portanto, o órgão máximo da sociedade anônima, sendo da sua competência privativa:

a) reformar o estatuto social;

b) eleger ou destituir os administradores e fiscais;

c) tomar as contas dos administradores anualmente;

d) autorizar a emissão de debêntures;

e) suspender o exercício dos direitos do acionista;

f) deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social;

g) autorizar a emissão de partes beneficiárias;

h) deliberar sobre a transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas;

i) autorizar os administradores a confessar a falência e pedir concordata.

Ordinariamente, a competência para a convocação é da diretoria ou do conselho de administração, se houver, cabendo, de forma especial e subsidiária, ao conselho fiscal, nos casos de retardo da convocação por mais de trinta dias ou relevante motivo, ou a qualquer acionista em caso de retardamento por mais de sessenta dias.

A Lei nº 9.457/97 ainda acrescentou mais duas hipóteses de convocação pelos acionistas, a saber: a) por acionistas que representem, no mínimo, 5% do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicações das matérias a serem tratadas; b) por acionistas que representem, no mínimo, 5% do capital votante ou do capital sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação de assembléia para instalação do conselho fiscal.

O quorum para instalação da assembléia geral, com ressalva dos casos previstos em lei, será, em primeira convocação, de, pelo menos, um quarto do capital social com direito a voto e, em segunda convocação, com qualquer número.

A assembléia geral poderá ser ordinária, devendo se instalar, obrigatoriamente, uma vez ao ano, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social previsto no estatuto. Vale nesse caso a ressalva de que o ano social não coincide necessariamente com o ano do calendário, apesar de tal fato ocorrer com certa freqüência.

A assembléia geral extraordinária deve ser convocada para quaisquer deliberações que demandem urgência. A lei determina quorum qualificado de dois terços para instalação de assembléia que pretender deliberar sobre mudança no estatuto e de metade, no mínimo, para a aprovação das matérias designadas no artigo 136.

7.2 Conselho de Administração

O conselho de administração, da forma como se conhece hoje, não fez sempre parte dos órgãos da anônima, pelo menos com a estrutura e competência que são atribuídos pela legislação vigorante.

Messineo ilustra bem a situação pretérita, da forma como a lei italiana determinava:

“L’altro (e più vero) organo della società per azioni è l’amministratore (unico), nel quale si riassumono tutti i poteri amministrativi.

È, questa, una situazione non frequentissima nella società per azioni, poichè importa un’eccessiva concentrazione di poteri in una sola persona, non cònsona al funzionamento di una grande impresa.

Più di frequente, l’amministrazione è affidata a um collegio, composto di più persone, che è detto consiglio di amministrazione e che sceglie un presidente, se questo, non sia nominato dall’assemblea (2380 secondo, terzo, e quarto comma), e, talvolta, anche un vice-presidente”[6].

O conselho de administração, na Itália, nada mais era, portanto, do que a diretoria a ser estudada no próximo tópico. Na Lei brasileira hodierna, o conselho de administração tem funções mais amplas do que a diretoria e sua existência se faz obrigatória nas sociedades com aumento de capital autorizado e nas companhias abertas.

Segundo o disposto no artigo 140, o conselho de administração será composto de, no mínimo, três membros, eleitos pela assembléia geral e destituíveis a qualquer tempo, sendo que o prazo da gestão não poderá ultrapassar  três anos, permitida a reeleição.

Dentre as atribuições conferidas ao conselho de administração pelo artigo 142 da Lei das Sociedades Anônimas, podem ser lembradas como de maior importância fixar a orientação geral dos negócios da companhia e eleger e destituir os diretores da sociedade.

7.3 Diretoria

Os diretores, que poderão ser acionistas ou não, serão de no mínimo dois, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembléia geral, sendo de três anos o prazo da gestão, permitida a reeleição.

A lei impõe diversos deveres aos administradores, dentre os quais se destacam o dever de diligência (art. 153), segundo o qual o administrador deve empregar todo o seu conhecimento e cuidado na administração da companhia, como se sua fosse.

Impõe dever de lealdade (art. 155), segundo o qual o administrador deve servir com lealdade, mantendo reserva quanto aos negócios da sociedade.

Impende ainda o dever de informar (art. 157), segundo o qual o administrador deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular.

7.4 Conselho Fiscal

O conselho fiscal, órgão controlador das atividades da empresa, será composto de, no mínimo, três e, no máximo, cinco membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não, eleitos pela assembléia geral.

Só poderão fazer parte do conselho fiscal pessoas naturais, residentes no país, diplomadas em curso de nível universitário, ou que tenham exercido, por prazo mínimo de três anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.

Sua existência é de fundamental importância para o controle das atividades dos administradores e para a defesa dos interesses dos sócios que, nem sempre, podem estar minuciosamente verificando o cumprimento das diretrizes administrativas fixadas pelo conselho de administração, bem como a regularidade das contas da empresa.

8 Modificação nos Tipos Sociais

A sociedade, ao longo de sua existência, pode passar por modificações em sua espécie. Essas modificações, especialmente no que concerne às sociedades por ações, podem ocorrer de quatro formas, através da transformação, incorporação, fusão e cisão, todas reguladas textualmente na Lei nº 6.404/76. Vejamos cada caso.

8.1 Transformação

João Eunápio Borges salientou que a transformação designa assim a mudança de tipo, de espécie ou de forma. Não as simples modificações externas, alterações contratuais, aumento de capital, substituição de sócios, etc. que não determinam a mudança do tipo societário[7].

O artigo 220 da lei dispõe que a transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. Assim um limitada se transforma em anônima; uma anônima se transforma em comandita por ações e assim por diante.

No que concerne às companhias, existe entretanto uma limitação quanto a essa possibilidade, pois a norma dispõe que só poderá haver transformação em caso de deliberação da totalidade dos sócios, salvo previsão no estatuto social, caso em que será garantida à minoria dissidente o direito de retirada mediante reembolso.

Deve-se também ressalvar o direito de terceiros, que não poderão ser prejudicados por tal disposição, permanecendo, dessa forma, com a mesma garantia até o pagamento integral de seus créditos.

8.2 Incorporação

Entende-se por incorporação a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas  por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Desta feita, desaparece umas das sociedades, denominada incorporada, que será absorvida por outra, denominada incorporadora.

Os acionistas da sociedade incorporada receberão da incorporadora as ações que lhe couberem em razão de sua participação na companhia que está se extinguindo.

Situação curiosa ocorre no que se relaciona ao direito da minoria dissidente. Caso a anônima seja incorporadora, a minoria terá que acatar a decisão da maioria em assembléia, já que tal decisão eqüivale a uma reforma dos estatutos. Entretanto, se a companhia for a incorporada, os dissidentes terão direito de retirada mediante reembolso. Esse direito decorre do fato de que a sociedade da qual o sócio fazia parte se extinguirá, não podendo a deliberação da assembléia compeli-lo a participar de outra companhia.

8.3 Fusão

A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. Nesta espécie de modificação, todas as empresas envolvidas se extinguem e dão lugar a uma nova, que englobará todo o seu patrimônio, bem como direitos e obrigações.

Os credores que se sentirem prejudicados com a operação poderão pleitear o seu desfazimento em juízo, trazendo os argumentos que os fazem crer que a fusão em questão diminuiu as garantias para o pagamento dos seus créditos. Nesse caso, para evitar tal desfecho, a sociedade poderá fazer o depósito das quantias referentes aos créditos como forma de garantir o efetivo pagamento e levar o caso ao exame judicial.

8.4 Cisão

A cisão é uma inovação da Lei nº 6.404/76, sendo a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

Portanto, a cisão pode ou não importar na dissolução da sociedade, isso dependerá do montante de transferência de capital. Se for total a companhia se extingue, se for parcial ela permanece com o capital remanescente.

9 Dissolução, Liquidação e Extinção

9.1 Dissolução das Sociedades Anônimas

A lei determina que a dissolução da companhia poderá se dar em três ocasiões, de pleno direito, por decisão judicial e por decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.

A dissolução de pleno direito ocorrerá pelo término do prazo de duração, naquelas sociedades com prazo determinado; nos casos previstos no estatuto; por deliberação da assembléia geral; pela existência de único acionista, verificada em assembléia geral ordinária, se o mínimo de dois não foi reconstituído até o ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251, ou seja, a subsidiária integral e; pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar.

A dissolução por decisão judicial dar-se-á quando for anulada a constituição da companhia, em ação proposta por qualquer acionista; quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% ou mais do capital social e; em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei.

9.2 Liquidação

Fran Martins esclarece que a liquidação é a fase, no processo de extinção da pessoa jurídica, em que será realizado o ativo e satisfeito, com o produto do mesmo, o passivo da sociedade[8]. Poderá se operar na forma prevista no estatuto ou judicialmente, conforme exigir o caso concreto.

Deverá, obrigatoriamente, ser nomeado um liquidante, que terá funções de administração do patrimônio durante o processo de extinção e terá competência para representar a companhia e praticar todos os atos necessários à liquidação, inclusive alienar móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação.

9.3 Extinção

Durante o período de liquidação, as atividades da anônima são suspensas, mas sua existência ainda persiste. O término da existência da sociedade anônima só se dará com a extinção que ocorre pelo encerramento da liquidação ou pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.

 

Referências
BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, 5ª ed., 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 1976. 568 p.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial, 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 613 p.
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945.
MESSINEO, Francesco. Manuale di Diritto Civile e Commerciale, 8ª ed. Milano: Giuffrè, 1954.
VIVANTE, Cesare. Trattato di Diritto Commerciale, 5ª ed. Milano: Francesco Vallardi, 1928.
 
Notas:
[1] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, p. 229.
[2] MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, V. III, Livro II, p. 285.

[3] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, p. 260.

[4] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, p. 263.

[5] VIVANTE, Cesare. Trattato de Diritto Commerciale, Vol. II, p. 216.

[6] MESSINEO, Francesco. Manuale di Diritto Civile e Commerciale, Volume Terzo, p. 453.

[7] BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 525.

[8] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, p. 304.


Informações Sobre o Autor

Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença

Doutorado em Direito em curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (início 2013), possui mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (2001) e graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995). É Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia. Tem ênfase em Direito Comercial e Administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Falimentar, Direito Marítimo, Direito Societário, Direito Internacional Privado, Direito de Energia Elétrica, Direito de Petróleo e Gás e Direito Minerário. Lecionou na Universidade Federal do Ceará – UFC, na Universidade de Fortaleza – Unifor, no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, dentre outros. Atuou na construção dos marcos regulatórios do pré-sal e da mineração. Autor da obra A Licitação na Sociedade Economia Mista, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003


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