Os cartéis, a licitação e a teoria dos jogos

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Nem todos os bens consumidos pelo
Estado são fornecidos por empresas que atuam em mercados de concorrência
perfeita. Mesmo que o processo licitatório seja
precedido de ampla divulgação, inclusive internacional, há riscos de que as
empresas habilitadas sejam parte de um cartel. Pela
ótica econômica e financeira, não há muita diferença entre monopólio,
oligopólio e cartel1. No tocante ao cartel a diferença
reside em que este constitui-se em um acordo comercial
(coalizão) entre empresas do mesmo ramo, as quais, embora conservem a autonomia
interna, organizam-se com o escopo de praticar uma política de preços elevados
e de restrição de mercado a novos concorrentes.

O risco da
Administração Pública demandar bens ou serviços de setores cartelizados é a contratação por preços superfaturados.
Despesas em valores excedentes, sem contraprestação, são verdadeiros prejuízos,
caracterizando-se como despesas sem amparo legal processadas pela Administração.
É dever indeclinável contratar a preços de mercado.

A Administração
Pública, por vezes, torna-se refém dos cartéis, os quais  além de
obrigá-la a comprar acima do preço de mercado, resultando na dilapidação dos
minguados cofres públicos, acaba por ainda ferir o Estado Democrático de
Direito e a Constituição da República que preconiza a livre concorrência como
um dos Princípios Gerais da Atividade Econômica do Brasil, na dimensão do
artigo 170 inciso IV.
Os malefícios dos cartéis são notórios tanto jurídica quanto economicamente.

Todavia, a Administração Pública possui
remédios jurídicos dentro da Lei de Licitações e econômicos face a esta
distorção de mercado.

O primeiro ponto a ser atacado pela
Administração Pública é instrumentalizar o processo de
compra com uma confiável estimativa de valor de mercado para o bem ou serviço a
ser adquirido ou da planilha de custos, quando for o caso, na forma do art. 40,
§ 2º da Lei 8.666/93. Uma cotação de mercado séria é o primeiro
obstáculo que se constrói face aos cartéis. Somente com a estimativa de preço
corrente a Administração poderá comparar os valores ofertados com a realidade
do mercado. O próximo passo está no âmbito da Comissão de Licitação.

Uma vez abertas as propostas dos
licitantes e caso a Comissão de Licitação se depare com ofertas
supervalorizadas em relação ao preço de mercado, possivelmente viciadas por cartelização deverá, além dos dispositivos de caráter
exclusivamente penal, utilizar do artigo 48, inciso II conjugado com o seu §3º,
que, dispõem:

Art. 48. Serão desclassificadas:

II – propostas com valor global
superior ao limite estabelecido (superfaturada) (…).

§3º Quando (…) todas as propostas
forem desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de
oito dias úteis para a apresentação de (…) outras propostas (…)”

O disposto no artigo citado não
constitui mera faculdade para a Administração, quando presentes indícios de
caracterização de cartel, entretanto, é verdadeiro ato administrativo
vinculado. Nas palavras do reconhecido Toshio Mukai, a razão do dispositivo é impedir que, em conluio, os
licitantes imponham preços excessivos à Administração Pública.

Quando todas as propostas são
declaradas superfaturadas, o acordo do cartel é posto em xeque. O odioso arranjo
prévio entre os licitantes não logra êxito, pois a nenhum será adjudicado o
objeto licitado. Inicia-se um novo momento na licitação, a reapresentação de
propostas. Todavia, com um fator novo, vez que todos os licitantes sabem dos
preços praticados por seu concorrente. Este conhecimento inédito acrescenta
novas variáveis na disputa pelas empresas, conforme discutiremos adiante.

Poder-se-ia perguntar, qual é a
garantia de que as propostas não permanecerão inalteradas? A primeira assertiva
é de que não é interessante para os licitantes arriscarem permitir que a
Administração Pública contrate diretamente pelo preço de mercado com outro
fornecedor (art. 24, VII da Lei 8.666/93) ou, até mesmo, inicie um novo
processo licitatório desde a habilitação. Segundo, a
manutenção dos valores das propostas não é a melhor solução dentro do modelo de
análise da Teoria dos Jogos.

Mister se faz explicar minimamente a
Teoria dos Jogos. Trata-se de um conjunto de modelos teóricos
muito utilizado na ciência política e na economia como instrumento de
auxílio na análise de escolhas dos agentes econômicos. No problema entre
licitação e cartéis, utilizaremos um dos modelos da Teoria dos Jogos, chamado
de “dilema dos prisioneiros” adaptado para o caso em tela.

Suponhamos que numa licitação os três
licitantes habilitados “A”, “B”, empresas já consolidadas no setor e cartelizadas, e “C”, empresa pequena que deseja
entrar no mercado e que não pertença ao cartel, são desclassificadas
por apresentarem propostas superfaturadas, conforme art. 48, inciso II, e
deverão apresentar novas propostas em conformidade com o preço de mercado. “A”
e “B” manteriam o acordo do cartel e persistiriam nos
mesmos preços ou não arriscariam diante da possível contratação direta e
reduziriam suas ofertas? Senão vejamos.

A e B poderiam manter os mesmos preços
ofertados inicialmente, entretanto, correriam o risco da Administração Pública
contratar diretamente outro licitante, conforme art. 24, VII da Lei 8.666/93,
logo esta não é a melhor escolha para A e B, pois as empresas do cartel
estariam excluídas do certame.

Caso as Comissões de Licitações adotem
sempre a estratégia da desclassificação, indubitavelmente gerará um insegurança para os licitantes quanto aos deslanches das
próximas licitações, logo a segurança do acordo do cartel ficará arranhada,
pois os obrigará a reduzir seus preços. Consequentemente, com a redução real de
lucratividade abusiva das empresas do cartel, a longo prazo ficará mais difícil
manter o acordo de cartelização entre as empresas
devido a redução de ganho de algumas que são
ineficientes e possuem custos ainda elevados. Para estas últimas o impacto de
uma licitação frustada possui uma repercussão maior,
pois deixar de ganhar muito pode significar, por causa da baixa competitividade
fora do cartel,  a sua possível retirada do mercado.

O “dilema do prisioneiro” torna-se
evidente, pois, se na primeira licitação, “A” não reduz a sua proposta
supervalorizada e permite que “B” ganhe, qual a garantia de “A” que este acordo
de cartel persistirá numa segunda concorrência, se no primeiro contrato “B”
pratica preço de mercado e com lucratividade menor? Nenhuma, talvez “B” também
queira ganhar a próxima licitação, pois necessita de um novo contrato para
manter o mesmo faturamento quando praticava preços superfaturados. Se uma firma
pratica preços elevados então é financeiramente interessante para a outra
empresa diminuir um pouco os seus preços, capturar o mercado da companheira e
obter lucros ainda maiores. Qualquer que seja o preço que a outra cobre, sempre
será a melhor escolha reduzir o seu preço.

O dilema dos cartelizados
é: Num jogo de sempre ter que reduzir as ofertas superfaturadas, sob pena de
perder totalmente a licitação, caso o jogo de redução da oferta se proceda em
infinitas licitações, um licitante diminuirá seu preço numa licitação e o outro
cartelizado, na próxima. Entretanto, nem sempre isto
será verificado, conforme explicamos no parágrafo anterior. Se cada licitante
sabe que o outro está jogando “bate-e-rebate”, então
cada empresa teria receio de diminuir o seu preço e iniciar uma guerra de
preços. A ameaça implícita no “bate-e-rebate” pode
permitir às firmas manterem seus preços altos. Entretanto, a realidade não é a
de infinitas licitações. O Estado possui um número fixo de concorrências, logo coloca-se em disputa entre os cartelizados
os melhores contratos, que representam a mais alta lucratividade, sempre
almejada num cenário de preços de mercado.

Já no curto prazo, a Administração
conta com empresas que estão excluídas do mercado cartelizado,
não possuem grandes margens competitivas e nem ganho de escala, contudo, têm o
interesse de fornecer para o Estado, suponhamos no caso a empresa “C”.
Quando a Comissão de Licitação divulga as propostas de todos os licitantes e
abre prazo para a apresentação de novas ofertas, possibilita à empresa “C
analisar sua proposta frente à de seus concorrentes e à cotação de mercado,
detendo assim uma posição privilegiada de informações e a possibilidade de
competir isonomicamente com empresas que até então dominam o mercado. A simples
presença de uma empresa não integrada ao cartel, já é uma ameaça potencial à
hegemonia das empresas dominantes, principalmente num cenário de divulgação e
de reapresentação de propostas.

A estratégia da desclassificação e a
lógica da Teoria dos Jogos são poderosas armas para que a Administração
Pública, em sede de licitação, se imponha sobre os cartéis. Esta exegese se
ajusta ao escopo do cenário sob comento, o qual tem por objetivo o interesse
jurídico de que a Administração Pública não se submeta ao abuso do poder
econômico. Em última instância, é dever do Estado dar
combate a essa irregularidade e defender o Princípio Constitucional da Livre
Concorrência.

Bibliografia:

Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. A
licitação e os Cartéis. In www.escritorioonline.com.br em 16 de Janeiro de 2001.

Samuelson, Paul A. Introdução à análise econômica. Rio de Janeiro.
Ed. Livraria Agir editora. Volume I. 6ª ed., 1966.

VARIAN, Hal R.. Microeconomia – Princípios Básicos. 2ª Edição americana: Editora Campus. 2ª Reimpressão 1997.

BRASIL. Lei n. 8.666/93, com a redação dada pela Lei n. 8.883/94 –
Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras
providências.

Nota:

1. Vide:
Introdução à análise econômica. Volume I. Samuelson, Paul A. 6ª ed. pg.: 134.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Gustavo Pamplona Silva

 

Advogado, bacharel em Administração Pública, Pós-graduado em Controle Externo da Administração Pública

 


 

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