Os institutos do nome empresarial e da marca no direito brasileiro e o leading case Odebrecht

Resumo: Trata-se de artigo que busca analisar o leading case Odebrecht, à luz dos princípios que tratam do nome e da marcas empresariais e das decisões do Eg. Superior Tribunal de Justiça.


Palavras-Chave: Nome empresarial. Marca empresarial. Direito brasileiro. Leading Case Odebrecht.


Abstract: This is an article that seeks to analyze the leading case Odebrecht, in light of the principles that deal with the brand name and business and the decisions of Eg. Superior Court of Justice.


Keywords: Business name. Corporate brand. Brazilian Law. Leading Case Odebrecht.


Sumário: I) Introdução. II) Justificativa do tema; III) Análise das soluções do Eg. STJ; III.1) A extensão territorial do nome e da marca; III.2) Outro patronímico, outra solução; III.3) O conflito entre o nome empresarial e marca; III.4) A marca de alto renome; III.5) A definição pelo Eg. STJ; III.6) O âmbito de proteção do nome empresarial; IV) Conclusão; V) Referências Bibliográficas.


I) Introdução.


O presente artigo tem como tema a análise das soluções apresentadas pelos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, por intermédio dos Recursos Extraordinário nº 99.574-9 e Especial nº 653.609-RJ, respectivamente, relativos ao famoso leading case Odebrecht, bem como analisar as questões correlatas propostas, que são fundamentais para a definição e delineamento dos institutos do nome e marca empresariais no Direito Brasileiro:


– Qual a extensão territorial de proteção do nome empresarial e da marca?


Caso a sociedade ‘Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda.’ não tivesse, em sua composição social, um sócio com o patronímico ‘Odebrecht’, a solução seria a mesma daquela definida pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça?


– O conflito entre marca e nome empresarial, segundo o Superior Tribunal de Justiça, deve ser resolvido à luz de qual(is) princípio(s)?


– Considerando que a expressão discutida fosse uma marca de alto renome, seria possível sua utilização por outra pessoa, ainda que em ramo distinto da explorada pelo titular?


– Quais foram os critérios utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para solucionar o referido caso concreto?


– Qual o âmbito de proteção do nome empresarial, segundo o Superior Tribunal de Justiça? É possível obter sua extensão para que o titular obtenha sua proteção em todo o território nacional? Como?


Para cumprir esse desiderato, além dos julgados acima referidos, valhemo-nos também de abalizada doutrina e observações necessárias.


II) Justificativa do tema.


Como sói ocorrer, as confusões relativas ao nome empresarial, à marca e o título do estabelecimento são rotineiras para quem não lida cotidianamente com o Direito Empresarial, motivo pelo qual consideramos nossa contribuição importante para elucidar algumas dúvidas relativas aos temas.


Para fins de distinção, é possível asseverar que o nome empresarial tem por fim a identificação do empresário, a marca tem como objeto os produtos e serviços e o título do estabelecimento visa ao local onde o empresário está estabelecido.


Em decorrência destas diferenciações, o nome empresarial é registrado na Junta Comercial, a marca é registrada no INPI, com reservas do direito à classe em que foi registrada, exceto, como é de curial sabença, se constituir marca de alto renome.


Pois bem, adotadas essas premissas, optamos por trazer à discussão o famoso caso Odebrecht, para o desenvolvimento do tema.


De forma prévia, verifica-se que o caso surgiu em função de disputa pela expressão Odebrecht, alvo de litígio entre a empresa baiana Odebrecht S/A, do ramo da engenharia e petroquímica e a empresa paranaense Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda., do ramo de alimentos.


A Odebrecht S/A atua no Brasil desde 1945 e atua nas áreas de arquitetura, engenharia, geofísica, química, prospecção e perfuração de petróleo, e suscitou o reconhecimento de seu direito à exclusividade da referida expressão, requerendo a nulidade dos registros das marcas concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) à empresa Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda.


Em 1979, a Odebrecht S/A obteve no INPI o registro da marca “Odebrecht” em diversas classes, o que lhe proporcionaria a exclusividade da expressão, pois esta identificava seus produtos e serviços.


Lado outro, a empresa Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda, atuante no comércio e beneficiamento de café, milho, arroz, cereais, frutas, verduras e legumes e à exportação de café, constituída em 1963, sob o nome Edmundo Odebrecht e Filhos, obteve, em 1992, o registro como marca da expressão “Odebrecht”, que também designa o nome de seu fundador.


Instaurada a lide por iniciativa da Odebrecht S/A, após decisões de primeiro grau, e, em seguida, com a decisão do TRF da 2ª Região, que se basearam no fato de que a expressão Odebrecht designa o nome dos fundadores de ambas as empresas, além do que incidiria no caso o princípio da especialidade, uma vez que não é notória a marca da Odebrecht baiana, sendo improvável eventual confusão ao consumidor, concluindo-se que o direito à exclusividade é protegido apenas às classes em que registrada. Restando irresignada a empresa baiana, recorreu ao Eg. Superior Tribunal de Justiça.


Interposto Recurso Especial no STJ, alegando-se violação de diversos artigos da Lei nº 5.772/71 (antigo Código de Propriedade Industrial). Em atenção ao direito invocado quanto à proteção do nome comercial, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso. Contudo, em Embargos de Declaração, com efeitos modificativos, foi dada razão à Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda, sob o argumento do Ministro Relator no sentido de que a proteção legal da denominação de sociedades empresariais se limita à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que o registro está arquivado. Caso se desejasse estender para todo o país, deveria haver registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os estados-membros da federação, o qual não constava nos autos.


O Ministro Relator destacou que ambas as empresas por terem como fundadores e atribuída a expressão a ambos os nomes, o termo Odebrecht constitui patrimônio delas. Acrescentou que, como no registro de cada uma das empresas, há uma individualização das denominações sociais e dos ramos que atuam, a coexistência é totalmente possível, pois afastada está qualquer possibilidade de que os consumidores a venham confundí-las.


Neste sentido, esclareceu que eventual conflito não pode ser dirimido pelo critério da antiguidade, devendo se ater o exegeta, de forma sistemática, ao princípio da especificidade, o que significa que o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes ou itens pelo critério da afinidade.


Neste sentido, ao final, prevaleceu a tese de que, diversas as classes de registro e âmbito de atividades desempenhadas pelas litigantes, afasta-se a nulidade do registro da marca Odebrecht, concedida pelo INPI à empresa paranaense.


III) Análise das soluções do STJ.


Ab initio, de forma a bem cumprir ao que nos propomos com este artigo, buscaremos analisar as soluções apresentadas pelo STJ, bem como responder as indagações arroladas na parte introdutória, almejando tecer comentários acerca dos princípios e posicionamentos presentes na questão, de forma a bem fixar para o leitor nossa humilde opinião acerca do caso Odebrecht.


Como forma de melhor tratar didaticamente o tema, seguem as considerações relativas às indagações formuladas na parte introdutória.


III.1) A extensão territorial do nome e da marca.


A primeira indagação: Qual a extensão territorial de proteção do nome empresarial e da marca?” – No que tange ao nome empresarial, cujo registro ocorre nas Juntas Comerciais, a jurisdição está atrelada “à àrea de circunscrição territorial respectiva” (artigo 5º, Lei 8934/94), isto é, circunscrita à unidade federativa da Junta Comercial em que o registro está arquivado. Lembrando-se que pode ser feito registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os estados-membros para dotá-lo de efeito nacional (artigo 1.166, parágrafo único, CC/02).


Segundo nos informa Rubens Requião, também “o artigo 13, §1º, da IN nº 53, de 06/03/1996, estabelece que a proteção ao nome empresarial ou nome comercial na jurisprudência de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial nela registrada.”


Relativamente à marca, os efeitos do registro são nacionais, com fulcro no artigo 129 da Lei nº 9.279/96. De acordo com este diploma legal, registrada no INPI, a marca estará protegida em todo o território nacional.


Ressalta-se comentar que, enquanto o nome empresarial é protegido em âmbito estadual, indepentemente do ramo de atividade econômica do empresário ou sociedade empresária, a marca tem sua proteção nacional, circunscrita à classe dos produtos ou serviços em que se encontra registrada no INPI, excetuadas as hipóteses descritas nos artigos 125 (marca de alto renome) e 126 (marca notoriamente conhecida).


III.2) Outro patronímico, outra solução.


Concernente ao segundo questionamento: – “Caso a sociedade ‘Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda.’ não tivesse, em sua composição social, um sócio com o patronímico ‘Odebrecht’, a solução seria a mesma definida pelo Superior Tribunal de Justiça”, atesta-se que, preambularmente, tem-se que levar em consideração as definições relativas aos princípios da veracidade e da novidade, previstos no artigo 34 da Lei 8934/94.


De acordo com o princípio da veracidade, temos duas idéias: a primeira, proíbe-se a adoção de nome que veicule idéia falsa sobre a empresa; a segunda, exige-se, se o sócio que dava o nome à sociedade dela se retirar, que seu nome empresarial também seja alterado (art.1.165, CC/02).


De acordo com o princípio da novidade, duas noções o ampara: identifica um nome empresarial de forma plena em detrimento de outros que desejam o mesmo registro e objetiva proteger a originalidade do nome empresarial escolhido.


Nos termos do que prescreve o artigo 5º, I, da IN-DNRC nº 99/2005, observado o princípio da veracidade, o empesário só poderá adotar como firma o seu próprio nome, aditando, se quiser ou quando já exisitir nome empresarial idêntico, designação mais precisa de sua pessoa ou atividade. Ainda nos termos o inciso II, “b” do referido dispositivo, “a sociedade limitada se não individualizar todos os sócios, deverá conter o nome de pelo menos um deles, acrescido do aditivo ‘e companhia’ e da palavra ‘limitada’, por extenso ou abrevidados”.


Assim, caso não houvesse o patronímico “Odebrecht” não nos parece que a solução seria a mesma. Acresça-se que, segundo o artigo 6º, IN-DNRC nº 99/2005, de acordo com o princípio da novidade, “não poderão coexistir, na mesma unidade federativa, dois nomes idênticos ou semelhantes, bem como o artigo 9º, alínea “d”, do referido diploma, por meio do qual, “não são exclusivas, para fins de proteção, palavras ou expressões que denotem nomes civis”.


Há que se ter em vista o que restou consignado no Recurso Extraordinário nº 99.574-9, onde se determinou que em nosso ordenamento, de acordo com os princípios da novidade e veracidade, a firma apenas poderá adotar o nome de um ou de todos os sócios, indicando patronímico integrante da sociedade. Acresça-se que a denominação não pode conter nome de quem não seja sócio, ou seja, que não tem direito ao uso. Esta solução foi dada em razão da inteligência e alcance do artigo 3º, §1º, do Decreto 3.708/19.


III.3) O conflito entre o nome empresarial e marca.


Quanto à terceira indagação: – “O conflito entre marca e nome empresarial, segundo o Superior Tribunal de Justiça, deve ser resolvido à luz de qual(is) princípio(s)?”, após atenta leitura do julgado do STJ, verifica-se que foi dada prevalência ao principio da especialidade. Assim, mesmo quando o nome possuir registro anterior (princípio da anterioridade), prevalecerá o critério da especialidade, segundo o qual, o INPI agrupa os produtos e serviços em classes e itens pelo critério da afinidade, para o que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços da mesma classe e do mesmo item.


III.4) A marca de alto renome.


Já no que pertine à quarta indagação: – “Considerando que a expressão discutida fosse uma marca de alto renome, seria possível sua utilização por outra pessoa, ainda que em ramo distinto da explorada pelo titular?”, a resposta é negativa, nos termos do que preconiza o artigo 125 da Lei nº 9279/96, que assegura à marca considerada de alto renome proteção especial em todos os ramos de atividade, cuja competência para definição cabe ao INPI.


III.5) A definição pelo Eg. STJ.


Para a quinta pergunta: – “Quais foram os critérios utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para solucionar o referido caso concreto?”, pensamos que os critérios utilizados pelo STJ se reportam à interpretação sistemática adotada, isto é, o STJ não se ateve ao princípio da anterioridade, prevalencendo-se o princípio da especificidade, uma vez que é este o princípio que embasa o INPI ao registrar a marca, agrupando os serviços e produtos em classes e itens, de acordo com o critério de afinidade.


III.6) O âmbito de proteção do nome empresarial.


Por fim, quanto ao sexto questionamento: -“Qual o âmbito de proteção do nome empresarial, segundo o Superior Tribunal de Justiça? É possível obter sua extensão para que o titular obtenha sua proteção em todo o território nacional? Como?”, ao que nos parece, segundo o STJ no julgado apresentado, o âmbito de proteção do nome se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial, no qual o registro está arquivado. No caso em comento, para a empresa Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda, o estado do Paraná e, para a empresa Odebrecht S/A, o estado da Bahia. Há que se ressaltar a ressalva do efeito da proteção em todo o território nacional apresentado pelo Ministro Relator quando o registro é levado a efeito em todos os estados da Federação.


IV) Conclusão


Buscou-se por intermédio desta atividade apresentar possíveis respostas para as indagações trazidas à baila, com análise das soluções tecidas no Recurso Especial nº 653.609-RJ, adotando-se subsidiariamente, os termos do Recurso Extraordinário nº 99.574-9, como embasamento para responder ao segundo questionamento.


Da análise do caso em questão, chegamos a algumas conclusões interessantes, tais como: a diferenciação que é realizada quanto aos nomes e marcas; à extensão territorial de ambos (nome – em regra, estadual, marca – nacional); a diferença de registro quanto aos dois institutos (Junta Comercial e INPI); a incidência dos princípios, seja o da anterioridade, ou os da veracidade e novidade e, ainda o da especialidade; a situação de colidência entre o nome empresarial e a marca, prevalecendo pelo critério da especialidade, o registro da marca quando atuem no mesmo segmento de mercado, excetuando-se a hipótese da marca de alto renome, onde independe desta circunstância; enfim, analisamos as situações propostas de forma objetiva, tendo por escopo sempre trazer subsídios para as soluções apresentadas.


 


Referências bibliográficas

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, v.1.

DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO COMÉRCIO. Instrução Normativa nº 99, de 21/12/05. Disponível em: http://www.dnrc.gov.br/Legislaçao/normativa/in 99.htm. Acesso em 12.02.09.

Jurisprudência no portal da Justiça Federal. http://www.justicafederal.jus.br/juris. Acesso em 12/02/2009.

MESSSERSHMIDT. Empresa de Alimentos tem reconhecido o direito de manter o nome “Odebrecht”. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=78431&tmp>.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1998, v.1.


Informações Sobre o Autor

Leonardo Ayres Santiago

Assistente Jurídico da Presidência do TRT/RJ – Analista Judiciário; Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense e em Direito Processual Civil pela UVA; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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