Efeitos jurídicos das escolhas pessoais nas relações familiares

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Resumo:  A inversão axiológica promovida pela Constituição de 1988 repercutiu em todos os setores sociais da comunidade brasileira, inclusive na família. Tais alterações se refletem não só na proteção das novas formas de constituição familiar, como na valorização da pessoa humana de forma plena, livre dos antigos subterfúgios utilizados para impedir a intervenção estatal nas violações ocorridas dentro de núcleos familiares. Desta forma, a coesão da rigidez familiar de outrora, centrada no poder absoluto do Pater Familias, é substituída pela maior liberdade e igualdade, exigindo como contrapartida responsabilidade e cuidado. O objetivo deste trabalho foi analisar alguns dos efeitos jurídicos provocados pelas ações individuais no âmbito das relações familiares, a partir da Constituição de 1988, colacionando exemplos jurisprudenciais e doutrinários, capazes de demonstrar algumas dessas mudanças, de forma a promover uma reflexão que viabilize melhores e mais maduras soluções, sempre com respeito aos valores primordiais erigidos pela Constituição. *


Palavras-chaves: Direito de família; dignidade da pessoa humana; liberdade; responsabilidade; cuidado.


Abstract: The reversal axiological promoted by the Constitution of 1988 reflected in all social sectors of the Brazilian community, including the family. These changes reflect not only the protection of new forms of family constitution, as well as valorization of the human person entirely, free of the old subterfuges used to prevent state intervention in the violations occurred within family units. Thus, the cohesion of the family rigidity in the past, centered on the absolute power of the Pater Familias is replaced by greater freedom and equality, demanding in return responsibility and care. The objective of this study was to analyze some of the legal effects caused by individual actions in the context of family relationships, since the Constitution of 1988, collating examples from jurisprudence and doctrine, to demonstrate changes in order to promote a reflection allowing better and more mature solutions, always with respect to core values erected by the Constitution.


Keywords: Family law; dignity of human person; freedom; responsibility; care.


Sumário: 1. Introdução; 2. A família à luz da Constituição da República: livre desenvolvimento das personalidades e unidade familiar; 3. Responsabilidade civil nas relações familiares; 4. Responsabilidade civil nas relações conjugais; 5. Peculiaridades das relações paterno-filiais; 6. Conclusões.


1. Introdução


Ser senhor do próprio destino, através das próprias escolhas pessoais, é um dos sentidos que se extrai do princípio da dignidade da pessoa humana quando relacionada ao princípio da liberdade. No âmbito das relações familiares, tal significado reverte o parâmetro que predominava no Brasil até a Constituição de 1988, onde o patriarcalismo imperava e sujeitava todos os integrantes da família às vontades do Pater Familias.


A harmonia do núcleo familiar mantinha-se a todo custo, de molde que a esposa sujeitava-se às determinações maritais[1] e os filhos não contestavam a autoridade paterna. O papel do Estado circunscrevia-se a não interferência nesta formação social privada, apenas podendo coibir invasões de terceiros à intimidade do lar.


A decadência do paternalismo no campo das relações familiares brasileiras começou sua derrocada com a promulgação da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a qual regulou a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 9 de 28 de junho de 1977, permitindo-se a dissolução do casamento através do divórcio,[2] mas a Constituição de 1988 foi o marco teórico principal da inversão dos valores, inclusive nas relações familiares, com a presença fulgurante e especial da dignidade da pessoa humana.


As diferenças paradigmáticas resultaram na valorização de todos os integrantes das relações familiares, garantindo-se a todos plena liberdade para a realização das escolhas pessoais, bem como especial proteção para as pessoas vulneráveis, como a criança e adolescente e, mais recentemente, o idoso.[3]


O princípio do melhor interesse da criança, previsto tanto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 1989 pela Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/90, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, assim como o Estatuto do Idoso de 2001, exemplificam as alterações qualitativas promovidas no âmbito legal para melhor proteção das pessoas vulneráveis.


A nova configuração do direito de família, à luz da Constituição de 1988, promoveu mudanças significativas nos comportamentos dos seus integrantes. Hoje, não há mais óbices para o divórcio entre os cônjuges, assim como não há forma definida de família, com a proteção da união estável (art. 226, § 3º) e da família monoparental (art. 226 § 4º).


A liberdade exercida pelos indivíduos contribuem para o surgimento de novas situações fáticas. Assim, por exemplo, as uniões homoafetivas que são realidades fáticas, apesar de ainda não previstas expressamente em um texto jurídico, são decorrências naturais das escolhas pessoais e geram necessariamente efeitos jurídicos, resultando em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que amparam tais relações.[4]


O objetivo deste trabalho é analisar alguns dos efeitos jurídicos provocados pelas ações individuais no âmbito das relações familiares, a partir da Constituição de 1988, colacionando exemplos jurisprudenciais e doutrinários, capazes de demonstrar algumas dessas mudanças, de forma a promover uma reflexão que viabilize melhores e mais maduras soluções, sempre com respeito aos valores primordiais erigidos pela Constituição.


2. A família à luz da Constituição da República: livre desenvolvimento das personalidades e unidade familiar


 Com a Constituição de 1988, a família, informada pelo valor da dignidade da pessoa humana e de toda tábua axiológica constitucional, passa a existir com o fim de instrumentalizar a plena promoção das pessoas humanas integrantes desta comunidade intermédia.


 A família, segundo o italiano Perlingieri (1999, p. 179), caracteriza-se como uma unidade formada pela vontade permanente de se manter unido, como uma comunhão de afetos e sentimentos, de vida e de história, não cabendo se falar em uma titularidade autônoma de direitos da instituição familiar, mas sim dos seus integrantes, individualmente considerados.


A igualdade substancial, a solidariedade, o cuidado,[5] a liberdade e demais valores constitucionais, informam constantemente as relações familiares, variando seus enfoques em razão das peculiaridades e necessidades dos seus integrantes. Desta forma, eventual separação entre marido e mulher não terá o condão de dissolver os vínculos de filiação, permanecendo a responsabilidade dos pais pela formação educacional dos filhos, bem como permanente amparo, em consonância com o artigo 227 da Constituição Federal.


Os direitos fundamentais da pessoa humana no ordenamento constitucional são garantidos e promovidos em todas as esferas de convivência social. Neste sentido, sempre que for necessário, caberá intervenção estatal para a proteção das pessoas individualmente consideradas, mesmo que seja necessário interferir em núcleos privados, como a comunidade familiar.


No caso de dúvida ou negativa de paternidade, por exemplo, o Ministério Público pode promover a ação de investigação de paternidade quando instado pela parte interessada, assegurando ao menor o direito de saber a verdade sobre sua origem, em virtude do direito à filiação.[[6]] A intervenção no núcleo familiar pode também ocorrer no caso de violência doméstica, como previsto na Lei nº 11.340/2007, editada com mecanismos preventivos e repressivos, visando proteção especial à mulher.


Além da edição de leis mais protetivas, onde se constata crescente intervenção estatal na intimidade da vida familiar, houve significativo aumento de ações judiciais entre familiares.


Interessante é que há poucas décadas o “território da família” era considerado intocado, resolvendo-se tudo na “circunscrição familiar”. Atualmente, os próprios integrantes procuram o Judiciário para conseguir a efetivação do que entendem ter como seus direitos, inclusive reparação por danos materiais e morais, com fundamento em razões diversas, tais quais violações a deveres conjugais nas relações conjugais ou abandono afetivo do pai nas relações com vínculos de filiação.


3. Responsabilidade civil nas relações familiares


A responsabilidade civil evoluiu significativamente nas últimas décadas. Os Tribunais, paulatinamente, passaram a ampliar as hipóteses de presunção de culpa com a difusão da teoria do risco. A legislação ordinária e a Constituição passaram a prever novas hipóteses de responsabilidade objetiva.[[7]] A doutrina e jurisprudência relativizaram os papéis da “culpa” e do “nexo causal”. As conseqüências positivas destas mudanças resultaram em maior proteção à vítima.[[8]]


A evolução da responsabilidade civil permitiu a proteção de outros danos que não apenas os patrimoniais, de forma a abarcar ações sem repercussão patrimonial mas com violação aos direitos da personalidade ou capazes de causar severa angústia, dor e humilhação à vítima, caracterizados como dano moral.[[9]]


Percebe-se, portanto, que no âmbito da Responsabilidade Civil houve uma expansão qualitativa e quantitativa do dano ressarcível, o que provocou um número crescente de pretensões judiciais para ressarcimentos de toda ordem, inclusive na esfera familiar.


4. Responsabilidade civil nas relações conjugais


As relações conjugais são caracterizadas pela igualdade e liberdade das pessoas envolvidas, principalmente após a Constituição de 1988.[[10]] Um casal só se une e mantém-se unido porque ambos exercem consciente e livremente sua vontade, pois não apenas os muros morais que impediam o divórcio aos poucos foram ruindo como novas regras legais e constitucionais facilitaram os trâmites burocráticos para a separação.[[11]]


As mudanças estruturais nas relações conjugais ou entre companheiros colaborou para que as insatisfações ocorridas dentro destas relações passassem a ser objeto de ações judiciais. Antes da proteção constitucional ao companheirismo, houve pleitos judiciais que permitiram o desenvolvimento jurisprudencial de que em tais hipóteses existia uma sociedade de fato e, se houvesse patrimônio adquirido pelo esforço em comum, cabia partilha.[[12]] No entanto, na falta de patrimônio, a mulher não ficava desamparada, concedendo os Tribunais indenização pelos serviços domésticos prestados, sob pena de enriquecimento sem causa.[[13]]


Comuns também passaram a ser os pedidos de indenização por danos materiais e morais para noivos desistentes. Nestes casos, os julgamentos possuem pontos semelhantes, onde não obstante não se possa interferir na liberdade dos indivíduos, não se podendo nunca obrigar alguém a casar, o arrependimento tardio, com despesas efetuadas e muitas vezes às vésperas do casamento, pode acarretar prejuízos indenizáveis, principalmente no âmbito material e, eventualmente, no moral, em razão da configuração do abuso de direito no exercício da liberdade.[[14]]


Maria Celina Bodin (2006, p. 184), ao tratar do tema, ressalta que, em geral, não deve caber dano moral em tais situações, pois na ponderação de interesses a integridade de um cede em relação à liberdade de outro.


Tais questões, contudo, são extremamente delicadas e qualquer tentativa de definição de uma regra abstrata pode causar transtornos. De fato, somente nos casos concretos será possível avaliar se o exercício da liberdade foi realmente abusivo, com violação princípios como, por exemplo, a boa-fé objetiva, a ponto de gerar indenização.[[15]]


Hodiernamente, constata-se o ajuizamento de muitas ações de dissolução de casamento e de união estável cumuladas com ações de indenização por dano material e/ou moral. Verifica-se que a caracterização do dano nos casos em que se alega infração aos deveres do casamento ou da união estável decorre invariavelmente de condutas delituosas. Sendo que “esse dano material e moral à incolumidade física não se indeniza pela singela razão de ter ocorrido na constância do casamento ou da união estável, visto que, mesmo fora dessas entidades familiares, estará justificada a indenização pelo ato ilícito delituoso.”[[16]]


Ressalte-se que o que se nota nos julgamentos dos Tribunais é que a configuração do ato ilícito a gerar responsabilidade civil extrapatrimonial nas relações familiares não precisa estar descrito especificamente na lei, podendo ser deduzido na conjugação dos princípios e demais normas do ordenamento. Este raciocínio serviu como fundamento para as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de ações judiciais cujo pleito consistia na indenização por danos morais decorrentes da omissão da verdade sobre a real paternidade de filhos advindos na constância do casamento. No Recurso Especial nº 412.684/SP, julgado pelo STJ, o Relator confirmou a decisão do Tribunal a quo, entendendo que o ato ilícito ensejador da reparação pela responsabilidade civil extrapatrimonial era determinado pela ofensa à dignidade da pessoa humana.[[17]]


No Recurso Especial nº 742137/RJ, também subentendeu-se a violação à dignidade da pessoa humana, por conta da omissão da informação da verdade pela esposa ao marido sobre a real paternidade dos filhos gerados na constância do casamento, com manutenção do engano por 25 anos. A Relatora considerou que, tendo em vista as modificações pelas quais passou o direito de família, estariam implícitos os deveres de lealdade e sinceridade recíproca da esposa, e que a violação de tais deveres por conta da omissão da verdade sobre a verdadeira paternidade dos filhos por muitos anos afetaria a honra subjetiva do autor da ação. Considerou, entretanto, a Relatora, que o mesmo pedido indenizatório face ao amante não tem cabimento, pois este não possui nenhum dever jurídico em relação ao Autor.[[18]]


É possível notar nestas decisões que a configuração do ato ilícito decorreu de violações a princípios como a dignidade da pessoa humana e a boa-fé, que não são exclusivos de um determinado ramo do direito, mas são vetores interpretativos das relações subjetivas em geral. Como violações a direitos fundamentais cometidas por integrantes das relações familiares também merecem tutela estatal, não há que se falar em impossibilidade jurídica de pedido em pleitos judiciais, inclusive fundados em responsabilidade civil, se ficarem caracterizadas tais ofensas. Contudo, como em todas as relações subjetivas, compete ao julgador, na análise de cada caso, a ponderação dos princípios para determinar a norma adequada, não permitindo que suas próprias convicções morais interfiram no julgamento.


5. Peculiaridades das relações paterno-filiais


Se nas relações conjugais a igualdade e liberdade são seus fundamentos de constituição e manutenção, nas relações parentais a vulnerabilidade do menor e a responsabilidade dos pais conferem teor diferenciado. Ademais os vínculos são distintos, pois enquanto naquelas eles são dissolúveis, nestas eles são, em regra, indissolúveis.[[19]]


O papel instrumental do núcleo familiar ganha um contexto especial com relação ao menor, cuja personalidade está em formação e sua vulnerabilidade e completa dependência impõe maiores cuidados por parte dos pais que, em conformidade com os princípios da proteção integral, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, devem contribuir para a constituição de ambiente e condições propícias para o desenvolvimento da personalidade do menor. Neste sentido, o poder familiar traduz-se, como enfatiza Maria Celina Bodin, como um “poder-dever posto no interesse exclusivo do filho e com a finalidade de satisfazer suas necessidades existenciais consideradas as mais importantes, conforme a cláusula geral de tutela da dignidade humana.”(2006, p. 194).


 O poder familiar – ou a autoridade parental, termo preferido por alguns doutrinadores[[20]] – deve ser exercido em consonância com o princípio da parentalidade responsável,[[21]] não podendo os pais se eximirem dos seus deveres de promoção do desenvolvimento integral do filho, concebido a partir do exercício da sua liberdade de procriar. Neste contexto, a parentalidade responsável é informada pelo valor jurídico do cuidado. Guilherme Calmon ressalta que:


“a parentalidade responsável se reporta à noção de cuidado em sua dimensão ontológica, ou seja, à idéia de que a pessoa humana é um ser consciente e livre, que está no mundo com os outros, voltado para o futuro, precisando ser cuidado para viver e sobreviver, mas também cuidar dos outros, especialmente daqueles que representarão sua continuidade como descendência.”(2008, p.33).


A relação, portanto, entre pais e filhos no âmbito familiar é estabelecida entre situações jurídicas complexas, em que de um lado há um poder-dever dos pais em interferir na esfera jurídica do menor apenas para realizar interesses deste, de forma a cuidar, educar, promover o bem estar psicofísico completo daquela personalidade em desenvolvimento e, do outro lado, aos filhos compete o dever de respeito aos pais e de ajuda, com base na igualdade substancial e na solidariedade.


Impende destacar que a unidade familiar permanece, ainda que haja dissolução da sociedade conjugal, mantendo cada um dos pais a autoridade parental, como um poder-dever de promoção da personalidade dos filhos, ou seja, uma situação jurídica complexa composta de direitos, mas, também, e, principalmente, de deveres. No sistema brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Itália e França,[[22]] a autoridade parental permanece com ambos os pais, ainda que a guarda seja estipulada a apenas um, como se depreende da combinação dos artigos 1.630 e 1.633, ambos do Código Civil. Desta maneira, ambos permanecem com o direito-dever de decidir e assegurar as melhores condições possíveis para a plena realização de vida dos filhos, não podendo apenas um dos pais exercer esta tarefa sozinho, excluindo, propositalmente o outro. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça confirmou indenização a ser devida por pai que batizou escondido e sem o consentimento da mãe o filho dos dois.[[23]]


A manutenção da autoridade parental para ambos os pais, quando da dissolução do casamento, reforça a unidade da família, como uma comunidade formada não apenas ou em razão do casamento, mas sim como uma vontade permanentemente renovada de comunhão de vida, de história e de afetos, buscando constantemente a promoção da dignidade e personalidade de cada um dos seus integrantes, de forma solidária e igual, respeitando as liberdades individuais e o pleno desenvolvimento de cada pessoa.


Com as mudanças qualitativas dos últimos anos e inversão do eixo axiológico para a valorização de situações existenciais, algumas questões pertinentes às relações entre pais e filhos têm gerado controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, principalmente sobre os deveres dos pais.


Na leitura sistemática e teleológica do ordenamento constitucional com as normas dos artigos 1.632 e 1.589 do Código Civil, verifica-se um dever dos pais de visitação e convivência, decorrente do direito dos filhos poderem usufruir da companhia, proteção e cuidados dos pais. Isto impõe, de certa forma, uma priorização dos sentimentos e necessidades dos filhos, de forma que mágoas e demais constrangimentos vivenciados pelos ex-cônjuges, não sirvam como subterfúgio para impedir a saudável convivência destes com aqueles e que muito menos a natural constituição de novas famílias de pais separados possa impedir a companhia dos pais com os filhos de suas uniões anteriores, ainda que estas uniões tenham sido efêmeras.


As recentes transformações da sociedade exigem amadurecimento, responsabilidade e compromisso dos adultos que livremente exerceram sua sexualidade e geraram um filho.[[24]] Toda a configuração das normas-regras e normas-princípios do ordenamento brasileiro, relacionadas ao menor, lhe assegura não apenas subsídios patrimoniais como, principalmente, existenciais a serem oferecidos por ambos os pais, através do exercício da parentalidade responsável, em prol da proteção integral do próprio filho, em obediência à dignidade da pessoa humana, que no caso ganha um contorno especial, tendo em vista a personalidade em desenvolvimento e dependente daqueles.


No caso da falta de suporte material, há previsão na Constituição de prisão civil por débito alimentar, conforme dita o artigo 5º, inciso LXVII da Constituição da República, porém se um pai ou mãe não exercerem seu dever de companhia em relação aos filhos, não há previsão legal de mecanismo coercitivo ou preventivo, uma vez que a perda ou suspensão do poder familiar são medidas excepcionais.


A lei penal chega a prever no artigo 133 o abandono de incapaz, mas este tipo penal refere-se a um momento circunstancial, de exposição a riscos de incapaz que está sob esfera de vigilância de determinada pessoa, independentemente se há ou não relação de parentesco. O abandono moral do menor pelos pais, no entanto, não possui medida específica, muito embora existam entendimentos doutrinários, bem como projetos de lei em tramitação no Congresso defendendo a indenização por dano moral no caso de abandono afetivo.[[25]] Maria Celina Bodin é uma das defensoras da tese:


“Assim como a autoridade parental raramente cessa, a responsabilidade dela decorrente tampouco desaparece em razão de simples vontade ou por “falta de amor”. Em virtude de proteção por parte dos pais e da dependência e vulnerabilidade dos filhos, a solidariedade familiar alcança aqui o seu grau de intensidade máxima. Em caso de abandono afetivo ou moral, são lesados os direitos fundamentais implícitos na condição jurídica de filho e de menor, cujo respeito, por parte dos genitores, é pressuposto para o sadio e equilibrado crescimento da criança, além de condição para sua ajustada inserção na sociedade. Ou seja, os prejuízos causados avultam.” (2005, p.57-58).


Para Maria Celina, na ponderação de interesses, a integridade psíquica do menor prevalece em relação à liberdade dos pais, mas ela destaca que o dano somente fica configurado para fins de indenização quando além do abandono por parte do pai (ou da mãe), não exista uma pessoa que substitua esta ausência. Para ela, “se alguém “faz as vezes” de pai (ou de mãe), desempenhando suas funções, não há dano a ser reparado, independentemente do comportamento moralmente condenável do genitor biológico.” (2006, p.62).


Há, ainda, outras vozes defensoras da reparação pecuniária por dano moral provocado por abandono afetivo (DASSI, 2006), assim como há aquelas que chegam a considerar a possibilidade de indenização por dano moral quando há recusa ao reconhecimento voluntário do filho, quer por deliberada omissão, quer por resistência ao processo investigatório da paternidade (ALVES, 2006). Entretanto, há aqueles que não admitem a responsabilidade civil por abandono afetivo, entendendo que este expediente não resolve a situação, podendo até gerar mais danos (BERNARDO, 2008).


No primeiro caso que chegou ao Judiciário, o juiz Mario Romano Maggioni, da 2ª Vara de Capão da Canoa (Rio Grande do Sul), condenou o pai a pagar 200 salários mínimos à filha, em razão do abandono material e psicológico. O juiz fundamentou sua decisão, a qual fez coisa julgada, sustentando que “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”.[[26]]


Pretensões semelhantes chegaram ao Judiciário, porém as decisões favoráveis sobre o tema foram posteriormente derrubadas pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual entendeu como incabível a indenização por abandono afetivo.[[27]]


As decisões favoráveis à indenização foram praticamente isoladas, já que o que se constata não só no Superior Tribunal de Justiça como nos demais Tribunais é a rechaça à tese de responsabilidade civil por dano afetivo.[[28]] A fundamentação basicamente consiste na não configuração do ato ilícito, por não se poder exigir do pai ou da mãe sentimentos que devem ser espontâneos, não cabendo ao Judiciário legitimar uma espécie de vingança entre familiares.


O ordenamento jurídico certamente não pode impor que alguém sinta o que não consegue sentir, mas pode exigir condutas responsáveis de pais que ao exercerem sua liberdade tiveram filhos, cujas necessidades existenciais precisam ser atendidas. A responsabilidade civil talvez não seja o melhor remédio – até porque sua atuação envolve o momento patológico, quando o mal já foi feito – contudo não pode ser peremptoriamente negado. Ademais, nada impede a adoção de outras medidas estatais, como maior divulgação de informações das consequências prejudiciais que a ausência dos pais pode causar a uma criança.


No Congresso já tramitam dois projetos de lei, um do Senado, de nº 700/07, outro da Câmara, de nº 4.294/08, prevendo a possibilidade de indenização por dano moral quando houver abandono afetivo. O projeto de lei do Senado baseia-se exatamente na noção de responsabilidade parental, bem como em princípios como o melhor interesse da criança e artigos de leis, para exigir condutas responsáveis e de convivência dos pais com os filhos [[29]] No projeto de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados o objetivo é a previsão da responsabilidade civil em razão do prejuízo ocasionado tanto aos filhos quanto aos pais idosos pelo abandono afetivo.[[30]]


Conclusão


A família, como pequena comunidade inserida em sociedade, existe para a realização plena dos seus integrantes, não cabendo a violação dos direitos fundamentais de cada pessoa que ali compartilha uma comunhão de vida com argumentos como intimidade e privacidade familiar. A família é núcleo instrumental da plena promoção de seus componentes, de acordo com as peculiaridades de cada pessoa e, por isso mesmo, cada vez mais, as pessoas, conscientes de seus direitos, procuram a ajuda estatal, principalmente a intervenção do Judiciário.


As mudanças foram profundas, inclusive na esfera familiar, e o que se percebe é que nas últimas décadas elas contribuíram para a efetivação do princípio da liberdade e a realização plena da dignidade da pessoa humana ao assegurar às pessoas humanas a senhoria do próprio destino. Quanto maior a liberdade, maiores são as exigências quanto às responsabilidades ao exercê-la. Na vida em sociedade, as liberdades de uns encontram os limites nas liberdades dos outros e demais valores erigidos como primordiais para a convivência pacífica, tais quais a dignidade da pessoa humana, a igualdade substancial, a solidariedade, o cuidado. Assim, novas situações fáticas vão surgindo, impondo novas medidas estatais.


A realização das situações subjetivas existenciais de cada indivíduo, portanto, é tarefa de todos, inclusive do Estado e as experiências adquiridas são capazes de gerar soluções mais maduras para novas situações. Neste sentido, constata-se que mecanismos preventivos são mais eficientes, mas a devida repressão a condutas violadoras de direitos fundamentais, bem como a reparação pecuniária por danos materiais ou morais, mesmo entre familiares, não devem ser negadas pelo Judiciário quando for necessário. Da mesma forma, o Legislativo e o Executivo devem estar sempre atentos para a adoção das medidas pertinentes para a proteção dos mais vulneráveis e para a exigência de responsabilidades de seus cidadãos. Só assim será possível amadurecer a Democracia Brasileira, com o compromisso de todos, nos mais diversos setores de existência.


 


Referências

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Notas:

* Este artigo é o resultado de reflexões sobre o trabalho apresentado pela autora na conclusão da disciplina “Temas Atuais de Direito de Família”, ministrada pelo professor Doutor Guilherme Calmon Nogueira da Gama no programa de pós-graduação stricto sensu em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

[[1]] Como bem explica Tepedino sobre o poder marital (1999, p.352).: “Até o advento da Constituição de 1988 só o marido representava a família (art.233, I, CC), administrava os bens comuns e mesmo os particulares da mulher, segundo o regime matrimonial adotado (art. 233, II), além de deter o direito de fixar o domicílio da família (art. 233, III) e a faculdade de autorizar a mulher a praticar uma série de atos da vida civil (art. 242, CC). Todos esses poderes bem se coadunavam, em verdade, com o poder marital que, embora não atribuído expressamente pelo Código Civil ao marido, esteve entre nós presente até a Lei nº 4.121/62, quando vigorou a incapacidade jurídica da mulher casada.”

[[2]] Ressalte-se que a lei do divórcio foi promulgada de forma a agradar a todos os lados da sociedade, o que gerou absurdos como a possibilidade de apenas um único novo casamento. Até o ano de 1977, só se permitia o “desquite”, o qual resultava no fim dos deveres conjugais e do regime de bens, mas não permitia a dissolvição do casamento, o que impedia que os desquitados pudessem recomeçar suas vidas ao lado de outras pessoas com a proteção jurídica do casamento. Só com o advento da Constituição de 1988 passou a ser permitido divorciar e recasar quantas vezes fosse preciso.

[[3]] Tais garantias são asseguradas pelo Estado, conforme dispõem os artigos 226, 227 e parágrafos e 230 da Constituição do Brasil.

[[4]] A jurisprudência brasileira, incentivada pelo avanço da doutrina, vem garantindo direitos aos integrantes de relações homoafetivas, como, por exemplo, o pagamento de pensão por morte de companheiro, que resultou na Instrução Normativa do INSS nº 25 de 07/06/2000, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes (V. STJ, REsp 395904/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 06/02/2006), assim como a possibilidade de inclusão do companheiro em plano de saúde privado(STJ. AgRg no Ag 971466/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 05/11/2008). Há, inclusive, ações declaratórias para reconhecimento de união homoafetiva (neste sentido, ver o REsp 820475/ RJ, STJ, DJ em 06/10/2008). O Min. Celso de Mello, do STF, no julgamento da ADI 3300 MC/DF, publicada no DJ em 09/02/2006, apesar de extinguir a ação em razão de óbice formal insuperável, aproveitou a oportunidade para discutiu o tema da união homoafetiva, entendendo que poderia ser enquadrada como entidade familiar).

[[5]] Importa salientar que o cuidado se revela como um importante valor jurídico, como bem exposto por Guilherme Calmon: “O cuidado, como valor implícito do ordenamento jurídico brasileiro, dá ênfase e prioriza das relações de afeto, de solidariedade e responsabilidade na família contemporânea. É preciso identificar o cuidado dentre as responsabilidades do ser humano como pessoa e como cidadão; em nome do interesse público, exige-se do ser humano uma postura ética, a ética da co-responsabilidade que se fundamenta na solidariedade e na cidadania. O cuidado deve, assim, conduzir a efetivos compromissos, remetendo para a idéia de alteridade. O cuidado representa uma atitude de ocupação, de preocupação, de responsabilização e de envolvimento com o outro, daí sua essência humana.” (2008, p. 30).

[[6]] Confira-se julgado do STF neste sentido: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FILIAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. INEXISTÊNCIA DE DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3o, 4o, 5o e 7o; 227, § 6o). 2. A Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições prescritas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, artigos 127 e 129). 3. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27). 4. A Lei 8560/92 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhecimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai. 5. O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade. 6. O princípio da necessária intervenção do advogado não é absoluto (CF, artigo 133), dado que a Carta Federal faculta a possibilidade excepcional da lei outorgar o jus postulandi a outras pessoas. Ademais, a substituição processual extraordinária do Ministério Público é legítima (CF, artigo 129; CPC, artigo 81; Lei 8560/92, artigo 2o, § 4o) e socialmente relevante na defesa dos economicamente pobres, especialmente pela precariedade da assistência jurídica prestada pelas defensorias públicas. 7. Caráter personalíssimo do direito assegurado pela iniciativa da mãe em procurar o Ministério Público visando a propositura da ação. Legitimação excepcional que depende de provocação por quem de direito, como ocorreu no caso concreto. Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 248869/SP, Rel: Min. Maurício Corrêa; Segunda Turma; DJ 12-03-2004).

[[7]] A lei de Estradas de Ferro (Decreto nº 2.681/12), o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) e a Lei nº 6.453/77, que trata das atividades nucleares, são leis esparsas que preveem a Responsabilidade objetiva. A Constituição de 1988 estabeleceu a responsabilidade objetiva para alguns danos, como nas hipóteses do artigo 21, XXIII e do artigo 37 § 6º.

[[8]] Anderson Screiber em seu artigo intitulado “As Novas tendências da Responsabilidade Civil brasileira” trata de forma precisa e sucinta as alterações ocorridas no âmbito da Responsabilidade Civil. ( 2005, p.45-69)

[[9]] Quanto ao dano moral e sua perspectiva à luz dos valores constitucionais, confira-se o estudo de MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[[10]] Preceitua o art. 226 § 5º da CRFB: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

[[11]] A Lei 11.441/2007 já permite a separação e divórcio consensuais por via administrativa e há projeto de emenda constitucional tramitando no Congresso, excluindo o prazo mínimo para divórcio, como noticia o sítio: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1139242/pec-do-divorcio-e-reducao-de-tributos-sao-destaques-do-plenario>Acesso em 06.06.2009.

[[12]] O que resultou no entendimento sumulado do STF nº 380: “COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO ENTRE OS CONCUBINOS, É CABÍVEL A SUA DISSOLUÇÃO JUDICIAL, COM A PARTILHA DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO PELO ESFORÇO COMUM.” (DJ 08.05.1964).

[[13]] “CONCUBINATO. SERVIÇOS DOMESTICOS PRESTADOS PELA CONCUBINA. INDENIZAÇÃO A ELA DEVIDA, POIS QUE TAIS SERVIÇOS SÃO PERFEITAMENTE DESTACAVEIS DO CONCUBINATO EM SI E NEGAR-LHES REMUNERAÇÃO SERIA ACOROCOAR O LOCUPLETAMENTO INDEVIDO DO HOMEM COM O TRABALHO DA MULHER. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.” (STF, RE 102130/RJ, Rel. Min. Soarez Munoz, DJ 25-05-1984).

[[14]] Há precedentes jurisprudenciais reconhecendo indenização por danos materiais e morais no caso de nubentes, como o do TJSP, 17ª CC Ap. Civ. Nº 2003.001.21623, Rel. Des. Severiano Ignacio Aragão, julg.15/10/2003: “Dano moral. Rompimento de noivado, “per se”, nao engendra danos moral e outros, mas “ofensas à honra de moça grávida”, querendo honestamente casar, pelo pai do noivo (I) e o “abandono da noiva no altar das núpcias”, são ilícitos sociais graves, agravando a honra, a justificar reparação razoável e afirmativa (II), (arts. 186, 927 Código Civil c/c 5., V, X, CRFB/88 – II). Apelo improvido.” Já em outro, reconheceu-se apenas danos materiais: “Indenização por danos materiais e morais. Rompimento de noivado. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Despicienda a produção de provas testemunhais para a demonstração de fato não impugnado pelo réu. A ação do apelante não violou direito da apelada, pois não existe em nosso ordenamento direito à celebração de casamento. Se havia obrigação entre as partes, era apenas moral e ética, cujos campos não são englobados pelo mundo jurídico. Se o réu não violou dever jurídico preexistente, não há como responsabilizá-lo por eventuais danos sofridos pela autora. Direito da apelada, todavia, ao reembolso dos valores despendidos com a montagem do enxoval e contratos celebrados para realização da cerimônia, sendo inócua a alegação do apelante de que não autorizou tais gastos, porque ao marcar data para a celebração de seu casamento autorizou, de forma tácita, a noiva a iniciar os preparativos para a solenidade e para a futura vida em comum. Revela-se, com isso, que é responsável por tais gastos, em razão de sua conduta ter induzido a apelada a efetuá-los. Provimento parcial ao recurso.”(TJRJ, 18ª CC, Ap. 2005.001.11303, Rel. Des. Celia Meliga Pessoa, julg.: 07/06/2005).

[[15]] Vide este caso concreto noticiado na mídia em 17.04.2009: “Um fazendeiro foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a indenizar a ex-noiva em R$ 10 mil, por danos morais, após romper o compromisso. Cabe recurso. De acordo com o Tribunal, “ninguém é obrigado a manter relacionamento e casar contra a própria vontade, desde que não ‘atropele’ o respeito e a dignidade do outro”. O fazendeiro teria terminado o relacionamento com a jovem após descobrir que ela estava grávida. Segundo o processo, o namoro começou em 2001, quando a jovem tinha 18 anos e o fazendeiro, 36 anos. O noivado ocorreu em janeiro de 2002. Em março, a jovem descobriu que estava grávida e o homem teria proposto que ela fizesse um aborto. Ele terminou o relacionamento em outubro. A jovem declarou ainda que ele se negava a contribuir financeiramente com o filho e que, por causa de ciúmes, ela teve que abandonar os estudos. O fazendeiro alegou, no entanto, que nunca prometeu casamento à jovem e que, durante a gravidez, a garota mudou seu comportamento, passando a brigar e a ofendê-lo. Ele afirmou ainda, segundo o Tribunal, que nunca pediu que ela abandonasse a escola. A sentença de Primeira Instância da juíza Régia Ferreira de Lima, de Uberaba (MG), condenou o fazendeiro a indenizar a ex-noiva em R$ 10 mil por danos morais. Ele recorreu, mas os desembargadores Alberto Henrique, Luiz Carlos Gomes da Mata e Cláudia Maia mantiveram integralmente a decisão. Os desembargadores consideram que o dano moral foi comprovado, não somente pelo ruptura do noivado, mas pelas circunstâncias em que ocorreu, pois a jovem viu o seu então noivo romper o compromisso no momento em que mais precisava de apoio.” Informação disponível em: <http://www.sistemaodia.com/noticias/fazendeiro-tera-que-indenizar-ex-noiva-por-rompimento-18422.html>Acesso em 20.05.2009.

[[16]] O Autor explica que “o que se tem visto na doutrina, deve ser indenizado o dano moral na constância do casamento e da união estável, nos casos de crimes de homicídio, contra a honra, lesões corporais; contaminação pelo vírus da AIDS; falta do dever de assistência material, tentativa de morte, injúrias graves; lesão deformante, abandono injustificado da família, adultério, maus tratos, transmissão de doença venérea; incapacidade física; negligência ao estado de saúde da mulher, permite que ela desenvolva moléstia; sevícias, difamação e injúria” (WELTER, 2003).

[[17]] O trecho final da fundamentação do voto do relator diz que: “O autor referiu o fato do adultério para solicitar a reparação moral, sem acentuar a perda afetiva que sofreu ao tomar conhecimento de que a criança não era sua filha, o que eventualmente poderia ser mais um elemento a considerar para a elevação da verba deferida. Por fim, observo que não está posta a questão da responsabilidade civil pelo dano moral por descumprimento de regra de conduta determinada pelo direito de família. Observo, lateralmente, que toda ofensa à dignidade da pessoa, por constituir um fato ilícito, pode ser objeto de responsabilização do agressor, não importando o ramo do direito em que tal relação seja regulada, no direito das obrigações ou no de família, no direito privado ou no direito público”.(STJ, 4ªT, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 25/11/2002).

[[18]] Este acórdão ficou assim ementado: “Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica. Solidariedade. Valor indenizatório. – Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC/16 (correspondência: art. 1.566 do CC/02). – Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância. – O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. – A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial.- Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518 do CC/16 (correspondência: art. 942 do CC/02), exige-se que a conduta do “cúmplice” seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado.- A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada.Recursos especiais não conhecidos.”(STJ, 4ªT, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 29/10/2007).

[[19]] Isto porque apenas excepcionalmente ocorre a suspensão ou a perda do poder familiar, como previsto nos artigos 1.637 e parágrafo único e 1.638, ambos do Código Civil e no caso da adoção, onde há o desligamento do vínculo, na forma do art. 1.626, CC.

[[20]] Na doutrina há críticas quanto à expressão “poder familiar”, preferindo parte da doutina, como por exemplo, Gustavo Tepedino, a utilização da expressão “autoridade parental”, por entendê-la mais adequada ao contexto atual, tendo em vista que a atuação dos pais deve visar única e exclusivamente o interesse do menor, promovendo a personalidade em desenvolvimento do mesmo. Segundo Tepedino, “ A interferência na esfera jurídica dos filhos só encontra justificativa funcional na formação e no desenvolvimento da personalidade dos próprios filhos […] A função delineada pela ordem jurídica para a autoridade parental […] só merece tutela se exercida como um munus privado, um complexo de direitos e deveres visando ao melhor interesse dos filhos.” (2004, p. 41).

[[21]] O termo parentalidade responsável é o mais adequado, pois não deixa dúvidas que a responsabilidade é de ambos os pais. Assim deve ser lido o princípio previsto no art. 226 § 7º da CRFB. Guilherme Calmon explica que: “O termo “paternidade responsável” não abrange o conteúdo material do limite previsto no § 7º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, porquanto somente se refere à paternidade, como se a maternidade pudesse ser irresponsável. Há, no entanto, de se ressalvar a possibilidade da noção do termo realmente se limitar apenas à linha paterna na ascendência em primeiro grau da pessoa, diante dos inúmeros episódios individuais envolvendo a não-assunção de qualquer responsabilidade do homem nos efeitos da paternidade-filiação – sob o prisma biológico – que se estabelece em virtude de sua participação na concepção da criança, gerando famílias monoparentais a matre. No entanto, o exame mais aprofundado do próprio dispositivo, aliado a outras normas constitucionais – como, por exemplo, a igualdade entre homem e mulher em direitos e deveres –, permite a conclusão de que o constituinte disse menos do que queria, provavelmente por ter sido induzido em equívoco diante da tradução termo “parental responsability” que, no entanto, possui outra significação no âmbito do direito inglês. Assim, sem o cuidado que se deveria ter no transplante jurídico da noção inglesa para o direito brasileiro, o constituinte empregou o termo paternidade responsável quando na realidade o sentido é de parentalidade responsável. De outro lado, é possível encontrar explicação lingüística que justifica o emprego do termo “paternidade responsável” ao considerar que adotou o plural “pais” para designar ambos os ascendentes – das linhas paterna e materna –, e, por conseguinte, fez-se alusão a paternidade responsável, enquanto referência derivada. De todo modo, é fundamental que se constate que o termo não se limita ao homem, mas logicamente se refere também à mulher que, desse modo, terá vários deveres decorrentes das conseqüências e efeitos jurídicos – no campo da filiação – do exercício dos direitos reprodutivos e sexuais.”(2008, p. 33).

[[22]] Em estudo comparativo sobre a guarda e a autoridade parental, Tepedino ressalta as peculiaridades do tratamento jurídico no Brasil sobre o tema, explicando que em “rápida passada de olhos na disciplina da França (…) e da Itália é suficiente a demonstrar a diferença fundamental do sistema brasileiro, em que, com a separação, a autoridade parental, em sua integridade, permanece sob a titularidade de ambos os genitores, independentemente de quem venha a receber a guarda dos filhos.” (2004, p. 45).

[[23]] Decisão proferida pela 3ª Turma do STJ no julgamento do Resp 1117793/RJ, cuja relatora Ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o fat do menor ter sido batizado do menor sob a mesma religião seguida pela mãe não afasta a conduta ilícita já realizada, pois o dano moral foi caracterizado pela privação do direito da mãe em participar de ato único e “irrepetível” na vida do seu filho. (Julgamento em 04.02.2010).

[[24]] Guilherme Calmon, ao tratar do assunto, expõe que: “a responsabilidade – normalmente associada ao elemento anímico da vontade – se juridiciza e se objetiva para abarcar o fundamento do risco inerente ao exercício dos direitos reprodutivos. Em outras palavras: a parentalidade responsável decorre não apenas do fundamento da vontade da pessoa em se tornar pai ou mãe, mas também pode surgir em razão do risco do exercício da liberdade sexual – ou mesmo reprodutiva no sentido mais estrito – no campo da parentalidade. Diante do estágio atual da civilização humana, com os recursos educacionais e científicos existentes em matéria de contracepção – e mesmo de concepção – há risco inerente ao exercício de práticas sexuais realizadas pelas pessoas, o que fundamenta o estabelecimento dos vínculos de paternidade-filiação e maternidade-filiação e, conseqüentemente, a assunção das responsabilidades – deveres e obrigações especialmente – inerentes aos vínculos paterno-materno-filiais. Assim, o princípio da parentalidade responsável fundamenta o estabelecimento da paternidade, maternidade e filiação com base no simples risco, a par de também não excluir a vontade livre e consciente, como fontes geradoras de tais vínculos.” (2008, p. 33)

[[25]] No Senado tramita o projeto de lei nº 700 (www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=83516. Acesso em 06.01.2010), prevendo dano moral por abandono afetivo ao filho, enquanto o PL nº 4294/08, de iniciativa da Câmara dos Deputados, prevê dano moral por abandono afetivo tanto aos filhos abandonados afetivamente pelos pais quanto aos pais abandonados pelos filhos. Informação disponível em: www.camara.gov.br/internet/agencia/imprimir.asp?pk=130425. Acesso em 06.01.2010.

[[26]] Esta decisão foi de 2003, conforme informação disponível em: http://www.conjur.com.br/2005-nov-29/nao_cabe_indenizacao_abandono_afetivo_decide_stj. Acesso em 07.09.2007.

[[27]] No julgamento proferido pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível de Minas Gerais, o pedido de dano moral por abandono afetivo foi procedente, como se observa na ementada decisão: “INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.” (Rel. Juiz Unias Silva, Ap. Civ. Nº 2.0000.00.408550-5/000, D.O. de 29.04.2004). Mas com o Recurso ao STJ a decisão foi modificada: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (Resp 757.411/MG, 4ª T, Rel.Min. Fernando Gonçalves, DJ de 27.03.2006). O Superior Tribunal de Justiça também afastou tal pretensão indenizatória no REsp 514350/SP, julgado pela 4ª Turma, cujo Relator foi o Ministro Aldir Passarinho Junior e a decisão foi publicada no Diário de Justiça de 25/05/2009.

[[28]] Confira-se, a título exemplificativo, a fundamentação do voto do Relator Desembargador Luciano Pinto, da 17ª Câmara Cível na Apelação Cível n° 1.0499.07.006379-1/002 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sobre a inexigibilidade de sentimentos: “A questão trazida à baila de indenização por danos morais em razão da ausência afetiva do pai em relação a seu filho traz consigo o choque de dois conflitos: de um lado a liberdade do pai, de outro, a solidariedade familiar e a integridade psíquica do filho, inerentes da dignidade da pessoa humana. De sorte que a liberdade do pai, referida acima, divide-se em duas subespécies: a) uma de caráter objetivo, que engloba os direitos e deveres paternais, dos quais não se pode eximir sob pena de, no campo material, sofrer ação de alimentos, e no, extrapatrimonial, ser destituído do pátrio poder; b) outra de caráter subjetivo, que consiste na liberdade afetiva, isto é, no desejo inconsciente de dar afeto ao filho. Ora, em razão do enorme caráter subjetivo da liberdade afetiva paternal, a meu ver, ela não pode ser imposta, exigida ou obrigada, não se tratando, portanto, de dever, mas sim de uma opção, até mesmo inconsciente, do pai de sentir ou não carinho por seu filho, e, assim, lhe dar afeto. Dessa feita, entendo que o princípio da liberdade afetiva do pai, nessa hipótese, se sobrepõe a qualquer outro inerente da dignidade do filho, já que, em razão da subjetividade daquele, não se pode exigir do outro afeto.” ( D.O. de 09.01.2009).

[[29]] Vale trazer à lume a justificação do projeto de lei do Senado nº 700: “A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode prevenir e solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos. Eis a finalidade desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que, no seu art. 227, estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a família, o de assegurar a crianças e adolescentes – além do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer – o direito à dignidade e ao respeito.Mas como conferir dignidade e respeito às crianças e adolescentes, se estes não receberem a presença acolhedora dos genitores? Se os pais não lhes transmitem segurança, senão silêncio e desdém? Podem a indiferença e a distância suprir as necessidades da pessoa em desenvolvimento? Pode o pai ausente – ou a mãe omissa – atender aos desejos de proximidade, de segurança e de agregação familiar reclamados pelos jovens no momento mais delicado de sua formação? São óbvias as respostas a tais questionamentos. Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis conseqüências sobre a formação psicológica e social dos filhos. Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa pretensão. Queremos, tão-somente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia. Algumas decisões judiciais começam a perceber que a negligência ou sumiço dos pais são condutas inaceitáveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, o caso julgado pela juíza Simone Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, que condenou um pai a indenizar seu filho, um adolescente de treze anos, por abandono afetivo. Nas palavras da ilustre magistrada, “se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei”. E mais: “O poder familiar foi instituído visando à proteção dos filhos menores, por seus pais, na salvaguarda de seus direitos e deveres. Sendo assim, chega-se à conclusão de ser perfeitamente possível a condenação por abandono moral de filho com amparo em nossa legislação.” Por outro lado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não demonstrou a mesma sensibilidade, como deixa ver a ementa da seguinte decisão: “Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.” (Recurso Especial nº. 757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgamento em 29/11/2005). Entretanto, com o devido respeito à cultura jurídica dos eminentes magistrados que proferiram tal decisão, como conjugá-la com o comando do predito art. 227 da Constituição? “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Ou, ainda, com o que determina o Código Civil: Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 que Institui o Código Civil “Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos dos pais em relação aos filhos. Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar em restrição aos direitos e deveres previstos neste artigo Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quando ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: II – tê-los em sua companhia e guarda;” Portanto, embora consideremos que a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil contemplem a assistência moral, entendemos por bem estabelecer uma regra inequívoca que caracterize o abandono moral como conduta ilícita passível de reparação civil, além de repercussão penal. Fique claro que a pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Seria uma leitura muito pobre da Constituição e do ECA. A relação entre pais e filhos não pode ser reduzida a uma dimensão monetária, de cifras. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação. É verdade que a lei assegura o poder familiar aos pais que não tenham condições materiais ideais. Mas a mesma lei não absolve a negligência e o abandono de menores, pessoas em formação de caráter, desprovidas, ainda, de completo discernimento e que não podem enfrentar, como adultos, as dificuldades da vida. Portanto, aceitam-se as limitações materiais, mas não a omissão na formação da personalidade. Diante dessas considerações, propusemos modificações em diversos dispositivos do ECA, no sentido de aperfeiçoá-lo em suas diretrizes originais. Ao formular o tipo penal do art. 232-A, tivemos a preocupação de dar contornos objetivos ao problema, exigindo o efetivo prejuízo de ordem psicológica e social para efeito de consumação. Lembramos que compromissos firmados por consenso internacional, e ratificados pelo Brasil, também apontam para a necessidade de aprimoramento das normas legais assecuratórias dos direitos das nossas criança e adolescentes, vejamos: Declaração dos Direitos da Criança Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº. 99.710/1990 PRINCÍPIO 2ºA criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança. PRINCÍPIO 6º Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. (…) PRINCÍPIO 7º(…) Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990 ARTIGO 9 3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança. Assim, crendo que a presente proposição, além de estabelecer uma regra inequívoca que permita a caracterização do abandono moral como conduta ilícita, também irá orientar as decisões judiciais sobre o tema, superando o atual estágio de insegurança jurídica criado por divergências em várias dessas decisões, é que confiamos em seu acolhimento pelos nobres Congressistas, de sorte a permitir a sua rápida aprovação.” Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?observatorio&familias&tema=Abandono+afetivo. Acesso em 06.01.2010.

[[30]] Esta é a justificação do PL da Câmara: “O envolvimento familiar não pode ser mais apenas pautado em um parâmetro patrimonialista-individualista. Deve abranger também questões éticas que habitam, ou ao menos deveriam habitar, o consciente e inconsciente de todo ser humano. Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação de auxílio material. Encontra-se também a necessidade de auxílio moral, consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas indispensáveis ao adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade. No caso dos filhos menores, o trauma decorrente do abandono afetivo parental implica marcas profundas no comportamento da criança. A espera por alguém que nunca telefona – sequer nas datas mais importantes – o sentimento de rejeição e a revolta causada pela indiferença alheia provocam prejuízos profundos em sua personalidade. No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em deficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. A falta de intimidade compartilhada e a pobreza de afetos e de comunicação tendem a mudar estímulos de interação social do idoso e de seu interesse com a própria vida. Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amar, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado. Por todo exposto, clamo meus pares a aprovar o presente projeto de lei.” (Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/613432.pdf. Acesso em 06.01.2010).


Informações Sobre o Autor

Carolina Mendes Franco

Mestre em Direito Civil pela UERJ e Advogada no Rio de Janeiro.


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