A União Sulamericana de Nações como estratégia integracionista

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Resumo: O presente artigo tem como objetivos analisar as origens e as razões de uma agenda sul-americana que culmina com o surgimento da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), como também em grandes linhas avaliar seus desdobramentos nos quadros nacionais, sub-regional e internacional.


Sumário: Introdução. 1. Origens e razões de uma agenda comum sul-americana. 2. Características do tratado constitutivo. Conclusões. Referências


INTRODUÇÃO


No contexto de transformação do cenário geopolítico mundial em suas dimensões políticas, econômicas, sociais, culturais e científico tecnológicas, por uma parte, e por outra parte, os impasses nas negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial de Comércio, observam-se que as inciativas de integração regional no hemisfério Sul adquire renovada importância.


Dentro dessa perspectiva, a América do Sul se destaca enquanto sub-região que reúne credenciais de estabilidade política crescente que lhe habilita a partir de seus fundamentos econômicos a retomar em novas bases o seu processo de integração regional.


Assim sendo, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) que surge concretamente em função de inciativas recentes busca estrategicamente reconhecer-se e ser reconhecida internacionalmente enquanto pólo de pode e sujeito de direito internacional.


Neste diapasão, nos itens que se sucedem, são analisadas as origens de uma agenda comum sul-americana que culmina com o surgimento da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).


Finalmente, são apresentadas algumas conclusões sobre o conteúdo analisado.


1. ORIGENS E RAZÕES DE UMA AGENDA COMUM SUL-AMERICANA


A América do Sul trata-se de uma zona estratégica não só para os Estados que se localizam nessa área geográfica, mas para toda a Humanidade em razão de seus recursos naturais representados pelas matérias primas localizadas na Bacia Amazônica e sua biodiversidade, na Bacia do Prata e o no Aquífero Guarani e seus recursos energéticos. Pode-se afirmar que os medicamentos, cosméticos, e alimentos, sem contar os minerais, a serem cientificamente extraídos das florestas e comercializados serão fontes de riqueza indiscutível para os países dessa região[1].


Os Estados que compõe a América do Sul compartilham inúmeras características comuns tanto de natureza material quanto imaterial.


Materialmente, como se assinalou anteriormente, compartilham recursos naturais e fronteiras a serem desenvolvidas em benefício de suas populações nacionais e do conjunto dos Estados.


Imaterialmente, compartilham princípios, valores e tradições que se irmanam numa cultura historicamente construída no transcurso de não só de séculos, mas também de milênios, se considerarmos os povos originários da região.


A esses elementos sub-regionais se agregam os desafios internos e externos para a consecução do desenvolvimento nacional sustentável. 


Quanto aos desafios de ordem interna, podem ser mencionados, entre outros, a necessidade de recuperação a econômica, a continuidade da redemocratização e aperfeiçoamento contínuo das instituições, aumentar e consolidar a coesão interna no sentido de se atender as condições imperativas de desenvolvimento individual e coletivo em matéria de alimentação, educação, saúde, emprego, moradia, meio ambiente e segurança, entre outros.


Quantos aos desafios de ordem externa, se pode mencionar a transformação do cenário geopolítico  mundial, os impasses nas negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial de Comércio, a necessidade de identificar e criar oportunidades de captação de recursos financeiros e não financeiros para potencializar os processos de desenvolvimento nacionais, a ampliação do acesso a mercados para dinamizar nacionalmente os setores primário, secundário e terciário, como também estabelecer e ampliar os programas de cooperação internacional para o desenvolvimento tanto nos eixos norte/sul quanto ocidente/oriente.


Assim sendo, os Estados que compõe a América do Sul compartilham elementos materiais e imateriais que convergem para a necessidade de uma agenda comum sul-americana que se justifica igualmente em função dos desafios internos e externos anteriormente assinalados e ainda em razão das estratégicas complementariedades encontradas nas dimensões nacionais, sub-regionais e internacional em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento.


Com efeito, uma agenda comum sul-americana proporciona  perspectivas construtivas e interdependentes de cooperação e integração no espaço sul-americano a partir de sua projeção internacional fundada na importância política, econômica, social, científico-tecnológica, ambiental, cultural e até espiritual da América do Sul no cenário internacional.


A pesar das inciativas de integração regional da América Latina e Caribe se caracterizarem por períodos de avanços e obstáculos de diferentes características, a criação de uma agenda comum sul-americana torna-se a opção estratégica e diplomática mais adequada aos desdobramentos das transformações geopolíticas em curso no planeta.


Desta forma, antes de se avançar na análise de alguns importantes marcos históricos que culminaram com a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) em 2008, é importante anotar que os obstáculos internos  à integração regional são recorrentes e devem estar sempre presentes com vistas a esclarecer as dificuldades inerentes ao processo. Assim, nota-se no âmbito doméstico: a) desestruturação do Estado; b) o processo de redemocratização e aperfeiçoamento contínuo da democracia; c) a instável coesão social derivada do aumento da pobreza, miséria, desemprego; d) a liberalização unilateral; e) o declínio de setores privatizados; f) a estabilidade macroeconômica, entre outros.


Uma vez realizado este esclarecimento, como marcos históricos importantes que culminaram com a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) em 2008 e a respectiva institucionalização de uma agenda comum sul-americana, devem ser considerados todos os esforços tanto teóricos como práticos que convergiram para a formação de uma identidade sul-americana.


Pensadores e idealistas merecem destaque em suas projeções de unidade necessária tanto para a América Latina e Caribe quanto para a América do Sul.  Com base em suas idéias e pensamentos integracionistas, o subcontinente vem assistindo a formação de uma mentalidade integracionista ao longo dos séculos recentes. Entretanto, diante das dificuldades de ordem externa e interna, os Estados na prática tem tido inúmeras dificuldades de materializar a unidade através da cooperação e integração entre seus povos.


Assim sendo, há que se recordar brevemente o acervo histórico da integração subcontinental que tem suas raízes na Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) estabelecida em 1960 e substituída pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) em 1980; no surgimento da atual Comunidade Andina (CAN) em 1969; na criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) em 1991, no lançamento da proposta de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) em 1993 como alternativa estratégica à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), no estabelecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) em 1995, no início das Reuniões de Cúpula dos Presidentes da América do Sul partir de 2000[2], nos acordos de fusão entre o MERCOSUL e a CAN em 2004[3] e no estabelecimento da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA)[4] em 2004.


Com efeito, em 23 de maio de 2008, é firmado o tratado constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) que se institucionaliza oficialmente como a organização internacional encarregada de projetar a América do Sul no cenário internacional e dinamizar a integração sub-regional  com base no legado derivado das Reuniões de Cúpula dos Presidentes da América do Sul, da CASA e de todo o acervo integracionista.


2. CARACTERÍSTICAS DO TRATADO CONSTITUTIVO


Uma vez considerada as origens de uma agenda comum sul-americana, cumpre analisar a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) , a partir de seu tratado constitutivo estabelecido em Brasília, em 23 de maio de 2008.


Assim sendo, o tratado constitutivo que estabelece a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) está integrado pela República Argentina, República da Bolívia, República Federativa do Brasil, República do Chile, República da Colômbia, República do Equador, República Cooperativista da Guiana, República do Paraguai, República do Peru, República do Suriname, República Oriental do Uruguai e República Bolivariana da Venezuela. Sua sede se encontra em Quito, Equador.


A UNASUL, desde sua constituição se eleva no cenário internacional enquanto uma organização internacional, de natureza intergovernamental[5], dotada de personalidade jurídica internacional e representa a primeira genuinamente sul-americana no sentido de compreender todos os países que compõe o subcontinente.


Por outro lado, considerando o universo linguístico sul-americano e de acordo com seu artigo 26, a UNASUL tem os seguintes os idiomas oficiais: o português, o castelhano, o inglês e o neerlandês[6].


Em relação a seus princípios diretores, a UNASUL está ancorada em princípios basilares que se extraem do preâmbulo de seu tratado constitutivo, entre os quais se destacam explicitamente:


a) o irrestrito respeito à soberania, integridade e inviolabilidade territorial dos Estados;


b) a autodeterminação dos povos;


c) a solidariedade;


d) a cooperação;


e) a paz;


f) a democracia, participação cidadã e pluralismo;


g) os direitos humanos universais, indivisíveis e interdependentes;


h) a redução das assimetrias e harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável.


Quanto a seus objetivos, estes podem ser divididos em duas categorias que são os específicos e o geral, em razão de sua amplitude. Assim sendo, observa-se que em linhas gerais, o objetivo da UNASUL busca em grandes linhas, de acordo com seus artigo 2:


“construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infra-estrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados” [7].


Com efeito, o objetivo geral assinala uma inovação explícita ao determinar a necessidade de se construir e fortalecer progressivamente a UNASUL, a partir de uma lógica participativa[8] e consensuada que transcende as esferas tradicionalmente governamentais e prioriza tanto a democracia e quanto a redução das assimetrias que ao mesmo tempo aproximam e distanciam os países entre si. No tocante aos objetivos específicos, em seu artigo 3, o tratado constitutivo enumera o total de vinte e um que são os seguintes:


a) o fortalecimento do diálogo político entre os Estados Membros que assegure um espaço de concertação para reforçar a integração sul-americana e a participação da UNASUL no cenário internacional;


b) o desenvolvimento social e humano com eqüidade e inclusão para erradicar a pobreza e superar as desigualdades na região;


c) a erradicação do analfabetismo, o acesso universal a uma educação de qualidade e o reconhecimento regional de estudos e títulos;


d) a integração energética para o aproveitamento integral, sustentável e solidário dos recursos da região;


e) o desenvolvimento de uma infra-estrutura para a interconexão da região e de nossos povos de acordo com critérios de desenvolvimento social e econômico sustentáveis;


f) a integração financeira mediante a adoção de mecanismos compatíveis com as políticas econômicas e fiscais dos Estados Membros;


g) a proteção da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos ecossistemas, assim como a cooperação na prevenção das catástrofes e na luta contra as causas e os efeitos da mudança climática;


h) o desenvolvimento de mecanismos concretos e efetivos para a superação das assimetrias, alcançando assim uma integração eqüitativa;


i) a consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana;


f) o acesso universal à seguridade social e aos serviços de saúde;


g) a cooperação em matéria de migração, com enfoque integral e baseada no respeito irrestrito aos direitos humanos e trabalhistas para a regularização migratória e a harmonização de políticas;


h) a cooperação econômica e comercial para avançar e consolidar um processo inovador, dinâmico, transparente, eqüitativo e equilibrado que contemple um acesso efetivo, promovendo o crescimento e o desenvolvimento econômico que supere as assimetrias mediante a complementação das economias dos países da América do Sul, assim como a promoção do bem estar de todos os setores da população e a redução da pobreza;


i) a integração industrial e produtiva, com especial atenção às pequenas e médias empresas, cooperativas, redes e outras formas de organização produtiva;


j) a definição e implementação de políticas e projetos comuns ou complementares de pesquisa, inovação, transferência e produção tecnológica, com vistas a incrementar a capacidade, a sustentabilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico próprios;


k) a promoção da diversidade cultural e das expressões da memória e dos conhecimentos e saberes dos povos da região, para o fortalecimento de suas identidades;


l) a participação cidadã, por meio de mecanismos de interação e diálogo entre a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de integração sul-americana;


m) a coordenação entre os organismos especializados dos Estados Membros, levando em conta as normas internacionais, para fortalecer a luta contra o terrorismo, a corrupção, o problema mundial das drogas, o tráfico de pessoas, o tráfico de armas pequenas e leves, o crime organizado transnacional e outras ameaças, assim como para promover o desarmamento, a não proliferação de armas nucleares e de destruição em massa e a deminagem;


n) a promoção da cooperação entre as autoridades judiciais dos Estados Membros da UNASUL;


o) o intercâmbio de informação e de experiências em matéria de defesa;


p) a cooperação para o fortalecimento da segurança cidadã, e


q) a cooperação setorial como um mecanismo de aprofundamento da integração sul-americana, mediante o intercâmbio de informação, experiências e capacitação” [9].


Quanto à estrutura institucional, em seus artigos 4 a 10, o tratado constitutivo estabelece os órgãos da UNASUL, e suas respectivas competências, que são os seguintes:


1. o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo, que é o órgão máximo da UNASUL se reúne com periodicidade anual[10] e tem como atribuições: o estabelecimento das diretrizes políticas, dos planos de ação, dos programas e os projetos do processo de integração sul-americana e decidir as prioridades para sua implementação; a convocação de Reuniões Ministeriais Setoriais e criar Conselhos de nível Ministerial; decidir sobre as propostas apresentadas pelo Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores e; a adoção de diretrizes políticas para as relações com terceiros.


2. o Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, tem uma função executiva e se reúne ordinariamente a cada seis meses, sendo que a Presidência Pro Tempore está facultada a convocar reuniões extraordinárias a pedido de metade dos Estados Membros. Com relação às suas atribuições, o Conselho está investido dos poderes para adotar resoluções para implementar as Decisões do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo; propor projetos de Decisões e preparar as reuniões do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo; coordenar posicionamentos em temas centrais da integração sul-americana; desenvolver e promover o diálogo político e a concertação sobre temas de interesse regional e internacional; realizar o seguimento e a avaliação do processo de integração em seu conjunto; aprovar o Programa anual de atividades e o orçamento anual de funcionamento da UNASUL; aprovar o financiamento das iniciativas comuns da UNASUL; implementar as diretrizes políticas nas relações com terceiros; aprovar resoluções e regulamentos de caráter institucional ou sobre outros temas que sejam de sua competência; criar Grupos de Trabalho no marco das prioridades fixadas pelo Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo.


3. o Conselho de Delegadas e Delegados, está integrado por uma ou um representante acreditado(a) por cada Estado Membro e se reúne-se com periodicidade preferencialmente bimestral, no território do Estado que exerce a Presidência Pro Tempore ou outro lugar que se acorde.  Suas atribuições consistem em implementar, mediante a adoção das Disposições pertinentes, as decisões do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de  Governo e as Resoluções do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, com o apoio da Presidência Pro Tempore e da Secretaria Geral; preparar as reuniões do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores; elaborar projetos de decisões, resoluções e  regulamentos para a consideração do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores; compatibilizar e coordenar as iniciativas da UNASUL com outros processos de integração regional e sub-regional vigentes, com a finalidade de promover a complementaridade de esforços; conformar, coordenar e dar seguimento aos Grupos de Trabalho; dar seguimento ao diálogo político e à concertação sobre temas de interesse regional e internacional; promover os espaços de diálogo que favoreçam a participação cidadã no processo de integração sul-americana e; propor ao Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores o projeto de orçamento ordinário anual de funcionamento para sua consideração e aprovação.


4. a Secretaria Geral cuja sede está em Quito, Equador, tem a missão de executar as mandatos que lhe conferem os órgãos da UNASUL, sendo que exerce sua representação por delegação expressa dos mesmos. A Secretaria Geral tem como atribuições: apoiar o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo, o Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, o Conselho de Delegadas e Delegados e a Presidência Pro Tempore no cumprimento de suas funções; propor iniciativas e efetuar o seguimento das diretrizes dos órgãos da UNASUL; participar com direito a voz e exercer a função de secretaria nas reuniões dos órgãos da UNASUL; preparar e apresentar a Memória Anual e os informes respectivos aos órgãos correspondentes da UNASUL; servir como depositário dos Acordos no âmbito da UNASUL e disponibilizar sua publicação correspondente; preparar o projeto de orçamento anual para a consideração do Conselho de Delegadas e Delegados e adotar as medidas necessárias para sua boa gestão e execução; preparar os projetos de regulamento para o funcionamento da Secretaria Geral e submetê-los à consideração e aprovação dos órgãos correspondentes; coordenar-se com outras entidades de integração e cooperação latino-americanas e caribenhas para o desenvolvimento das atividades que lhe encomendem os órgãos da UNASUL; celebrar, de acordo com os regulamentos, todos os atos jurídicos necessários para a boa administração e gestão da Secretaria Geral[11].


Ainda com relação à estrutura institucional da UNASUL, cabe anotar que a Secretaria Geral é dirigida e representada legalmente por um Secretário Geral que deve ser designado pelo Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo com base em proposta do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, por um período de dois anos, renovável apenas uma vez. Por outro lado, cumpre observar que os integrantes da Secretaria Geral tem o status de funcionários internacionais responsáveis unicamente perante a UNASUL. Assim sendo, tais funcionários sul-americanos no exercício de suas funções terão dedicação exclusiva aos temas pertinentes à integração sul-americana e não solicitarão nem receberão instruções de nenhum Governo, nem de entidade alheia à UNASUL.


Por outro lado,  é importante mencionar que as fontes jurídicas da UNASUL estão estabelecidas em seu artigo 10, onde se discriminam as seguintes:


a) o tratado constitutivo da UNASUL e os demais instrumentos adicionais;


b) os acordos que celebrem os Estados Membros da UNASUL com base nos instrumentos mencionados no parágrafo precedente;


c) as decisões do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo;


d) as resoluções do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, e


e) as disposições do Conselho de Delegadas e Delegados[12].


No tocante aos critérios de aprovação normativa no âmbito da organização, a característica fundamental reside na clássica adoção de normas por consenso, sendo poderão ser adotadas tais normas estando presentes ao menos três quartos dos representantes dos Estados Membros da UNASUL.


Neste sentido, de acordo com o modelo clássico de incorporação de normas ao ordenamento jurídico interno dos Estados Membros, se observa que serão obrigatórios uma vez que seus procedimentos internos tenham sido cumpridos integralmente.


É importante assinalar que a previsão do diálogo político e a relação com terceiros observada nos artigos 14 e 15 do tratado constitutivo, se funda na identidade sul-americana e busca simultaneamente a prática de construção de consensos no que se refere aos temas centrais da agenda internacional e a promoção de iniciativas que afirmem a identidade da região como um fator dinâmico nas relações internacionais[13].


Por outro lado, nota-se igualmente que tanto o diálogo político intra-UNASUL quanto a relação com terceiros priorizarão a ampliação e consolidação de projetos de cooperação nas áreas de energia, financiamento, infra-estrutura, políticas sociais, educação e outras a serem oportunamente definidas.


Quanto ao financiamento do orçamento ordinário de funcionamento da Secretaria Geral, de acordo com o artigo 16 do tratado constitutivo, verifica-se que o mesmo será materializado com base em cotas diferenciadas dos Estados Membros a serem determinadas por Resolução do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, por proposta do Conselho de Delegadas e Delegados. Neste sentido, em função da diversidade existente, se reconheceu juridicamente que as cotas diferenciadas considerarão a capacidade econômica variável dos Estados Membros, como também a responsabilidade comum e o princípio da eqüidade[14].


Considerando dois imprescindíveis elementos dos objetivos a serem buscados pela UNASUL que são a democracia e a participação cidadã, cumpre assinalar que foram expressamente reconhecidos nos artigos 17 e 18, a formação do Parlamento Sul-Americano e a criação de mecanismos e espaços inovadores que incentivem a discussão dos diferentes temas, garantindo que as propostas que tenham sido apresentadas pela cidadania recebam adequada consideração e resposta junto ao modelo de integração[15].


O tratado constitutivo da UNASUL, embora inicialmente tenha uma vocação nitidamente sul-americana, contemplou em seus artigos 19 e 20, a possibilidade de adesão que se amplia aos demais países da América Latina e do Caribe.


De acordo com o procedimento previsto e ainda a ser regulamentado em suas espeficidades, a adesão de pleno direito deve ser precedida por uma solicitação de participação que se configura com o status de Estado Associado da UNASUL.


Uma vez cumprida esta fase, existe a previsão de que partir de 2016, o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo poderá examinar oportunas solicitações de adesão como Estados Membros por parte de Estados Associados que tenham esse status por quatro (4) anos, mediante recomendação por consenso do Conselho de Ministras e Ministros das


Por outro lado, o tratado tem duração indefinida, sendo que a denúncia poderá ocorrer com base no artigo 24. No caso de denúncia, o Estado interessado deverá notificar por escrito ao Depositário, que comunicará a denúncia aos demais Estados Membros. Quanto aos efeitos de eventual denúncia, esta surtirá efeito uma vez transcorrido o prazo de seis meses da data em que a notificação tenha sido recebida pela autoridade competente[16].


A denúncia surtirá efeito uma vez transcorrido o prazo de seis (6) meses da data em que a notificação tenha sido recebida pelo Depositário.


Considerando as eventuais controvérsias que podem vir a ocorrer, o artigo 21 que versa sobre o tema, consagra os meios diplomáticos tradicionais mediante negociações diretas que podem contemplar diferentes níveis até alcançar o Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores[17].


Neste sentido, cumpre reconhecer que o processo de criação de uma agenda comum sul-americana se oficializa com a institucionalização da UNASUL que concede à sub-região um novo status internacional enquanto pólo de poder e enquanto sujeito de direito internacional apto a superar grandes desafios não só de ordem interna a cada um dos Estados Membros e na sub-região, mas também no cenário geopolítico mundial. 


CONCLUSÕES


Para se compreender a importância histórica da UNASUL enquanto pólo de poder e enquanto sujeito de direito internacional é imprescindível considerar, pelo menos no período recente, as origens e razões de uma agenda comum sul-americana como fruto de uma construção pragmática e convergente.


Pragmática, porque resulta dos esforços governamentais dos Estados Sul-Americanos em reconhecer reciprocamente uma identidade comum sul-americana como elemento necessário e aglutinador de tanto de ideais quanto de interesses. Convergente, no sentido de se  perceber o amplo acervo integracionista que conduz à integração dos diversos modelos de integração.


A partir da UNASUL tanto o pragmatismo quanto a convergência tem horizontes  geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais, científico-tecnológicos e culturais mais bem definidos e assim contribuem para unificar as referências anteriormente existentes.


A UNASUL representa uma iniciativa histórica de grande envergadura no sentido de comprometer a diferentes, mas interligados atores nacionais, para além do setor público, buscando a consolidação do desenvolvimento sustentável da América do Sul, da democracia e governança regionais de forma abrangente e co-responsável.


As enormes carências e desigualdades sociais existentes não só nos Estados Membros, mas também no mundo dão à UNASUL pela via da responsabilidade compartilhada, relevância ainda maior, visto que implica uma ordem harmonicamente articulada e coordenada a ser construída com novas formas de gestão que compreendam integradamente as dimensões social, política, econômica, ambiental, cultural, científico-tecnológica e até espiritual.


Se anteriormente à UNASUL não havia ainda um sujeito de direito internacional reconhecido consensuadamente para representar a América do Sul, a realidade a partir de 2008 é outra.


Com a UNASUL, se consagra definitivamente uma nova identidade política da América do Sul e se apresentam novas oportunidades para a cooperação, a integração e o desenvolvimento sub-regional. Estas novas oportunidades deverão superar as iniciais limitações em infra-estrutura através da identificação e criação de vínculos imateriais cada vez mais sólidos e construtivos.


Múltiplas dimensões e diversas especificidades locais, regionais, nacionais e internacionais devem ser equacionadas e convergirem para potencializar organicamente o desenvolvimento sustentável da América do Sul que se reconhece enquanto sujeito de direitos. Cumpre a partir de agora, o dever de sustentar o cumprimento dos objetivos assumidos.


 


Referências

BANCO MUNDIAL. Reducción de la pobreza y crecimiento: Círculos virtuosos y círculos viciosos. Nueva York: Banco Mundial, 2006.

CERVO, A. L. Inserção Internacional- formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008.

COSTA, D. Estratégia Nacional: A Cooperação Sul-Americana para a Inserção Internacional do Brasil. Porto Alegre, L&PM, 2003.

INGE KAUL, I. G.; et. Al. Bienes públicos mundiales: la cooperación internacional en el siglo XXI. México, D.F:, Oxford University Press, 2001.

MACHINEA, J. B.; A. Y LEÓN A. Objetivos de Desarrollo del Milenio: una mirada desde América Latina y el Caribe. Nueva York: Naciones Unidas, 2005..

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UNIÃO DE NAÇÔES SUL-AMERICANAS. Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=5466. Acesso em: 14 de maio de 2009.

UNITED NATIONS. THE RIGHT ROAD. A Report to the Under-Secretary-General for Management on the Global Compact and the Practice of Administration in the United Nations”. New York, UNDP, 2004.

 

Notas:

[1] Recorde-se igualmente as seguintes características: a) o espaço territorial da UNASUL é de cerca de 17 milhões de kilômetros quadrados; b) sua população é de aproximadamente 380 milhões de consumidores; c) seu PIB é de cerca de 4 trilhões de dólares; d) representa cerca de 27 por cento da agua doce do mundo; e) possui cerca de 30 por cento das florestas do mundo equivalente a 8 milhões de kilômetros quadrados; f) se destacar internacionalmente como grande produtor de alimentos, gás, petróleo e biocombustíveis.

[2] Nessa ocasião, foram lançadas as bases do programa intitulado Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). O programa IIRSA reconhecia a necessidade de integração física da América do Sul para que se oportunizasse  a redução das assimetrias sociais e econômicas dos países e o desenvolvimento regional. Assim, o plano de ação da iniciativa definiu oficialmente dez eixos de integração e desenvolvimento, contemplando as  áreas prioritárias em matéria de transporte, energia e telecomunicações. Quanto aos dez eixos de integração e desenvolvimento, estes são: o andino, o andino meridional, o capricórnio, a hidrovia Paraguai-Paraná, o Amazonas, as Guianas, o Sul, Interoceânico central, o MERCOSUL-Chile e o Peru-Brasil-Bolívia. Com o advento da UNASUL, o IIRSA foi incorporado dentro da estrutura da organização como foro técnico assessor do Conselho Sul-Americano de Infra-estrutura e Planejamento.

[3] De modo complementar, se pode afirmar que o pilar económico mais importante da UNASUL reside nos acordos que vinculam o MERCOSUL e a CAN sintetizados no quadro da ALADI através do Acordo de Complementação Econômica 59. Este por sua vez, desde 2004 estableceu uma zona de libre comercio que abarcará cem por cento do universo tarifário entre 2018 e 2021.

[4] A estes efeitos, por ocasião da realização da I Reunião de Chefes de Estado da CASA, foi definida uma Agenda e um Plano de Ação fundados nas seguintes temáticas: 1) diálogo político; 2) integração física; 3) meio ambiente; 4) integração energética; 5) mecanismos financeiros; 6) promoção da coesão social, da inclusão social e da justiça social e; 7) telecomunicações.

[5] Vide. Artigo 1, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[6] Vide. Artigo 26, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[7] Vide. Artigo 2, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[8] Neste sentido, nota-se o entendimento de se superar as tradicionais relações polarizadas de forma separatista entre o “Estado e a sociedade” e sinaliza a complementariedade necessária que se funda no conceito de co-responsabilidade entre o “Estado e a sociedade”. De todas as formas, é importante notar que a preponderância do Estado enquanto responsável maior pelo bem comum deve ser inquestionável.

[9] Vide. Artigo 3, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[10] Observe-se que a pedido de um Estado Membro poderão ser convocadas reuniões extraordinárias, através da Presidência Pro Tempore, com o consenso de todos os Estados Membros.

[11] Vide. Artigos 4 a 10, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[12] Vide. Artigo 10, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[13] Vide. Artigos 14-15, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[14] Vide. Artigo 16, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[15] Vide. Artigos 17 e 18, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[16] Vide. Artigo 24, do Tratado Constitutivo da UNASUL.

[17] Vide. Artigo 21, do Tratado Constitutivo da UNASUL.


Informações Sobre o Autor

Fernando Kinoshita

Doutor em Direito Internacional e Comunitário pela Universidad Pontificia Comillas, Espanha; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina; Pesquisador do CNPq e CAPES; Consultor em Direito Público Interno e Internacional, Cooperação e Negócios Internacionais.


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