O filme “O pagador de promessas”: uma (re)leitura com base no pensamento sociológico de Pierre Bourdieu

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Resumo: Na história e na evolução da humanidade, o Direito Natural e o Direito Positivo geralmente foram antagonizados e imaginados como espécies de direito distintas e, às vezes, até mesmo incompatíveis. Enquanto, apesar das divergências teóricas, o Direito Natural representaria um direito não-escrito oriundo dos deuses, da razão humana ou de sua própria natureza, tendo aplicabilidade geral, o Direito Positivo representaria uma espécie de direito “artificial”, criado pela sociedade e personificado, de regra, na norma, com aplicação restrita. Apesar do histórico antagonismo vivenciado pelas referidas espécies de direito, é inegável que se estipulou, através dos tempos, uma importante dialética entre eles, bem como uma relação razoável que resultou na positivação gradativa dos direitos naturais. A superação da dialética “Direito Natural – Positivismo Jurídico” envolve questões cruciais, entre as quais constam a “Naturalidade do Direito Positivo” e a “Positividade do Direito Natural”, como propõe o ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant. Este trabalho buscará desenvolver esses aspectos.


Palavras-Chaves: Direito Natural, Direito positivo, dialética, superação, “Positividade do Direito Natural”.  


Resumen: En la Historia y evolución de la humanidad, el derecho natural y derecho positivo en general, se enemistó y concebido como especies distintas de derecho y, a veces, incluso, incompatibles. Si bien, a pesar de las divergencias en la teoría, el derecho natural son un derecho no escrito, vienen de los dioses, de la razón humana o de su propia naturaleza, y tengan aplicabilidad general, el derecho positivo representan una especie de derecho “artificialmente” creado por la sociedad y visto, de la regla, en la norma, con una aplicación limitada. A pesar del antagonismo histórico experimentado por las especies de derecho, es innegable que se estipuló, a través del tiempo, una importante dialéctica entre ellos y una relación razonable que resultó en la positivación gradual de los derechos naturales. La superación de la dialéctica “Derecho Natural – El positivismo jurídico” implica cuestiones cruciales, entre las que incluyó el “Naturalidad del Derecho Positivo” y “La Positividad del Derecho Natural”, según lo propuesto por el distinguido jurista argentino Luis Eduardo Tinant. Este estudio desarrollará estes aspectos.



Palabras-clave: Derecho Natural, Derecho Positivo, Superación, Dialéctica, “Positividad del Derecho Natural.”


Sumário: 1 Introdução; 2 Aspectos Relevantes da Obra Cinematográfica – da Obra Literária à Obra Cinematográfica: 2.1 Breve Resumo da Obra Literária Adaptada para a Película; 2.2 Sobre a Obra, o Autor Dias Gomes e o Diretor Anselmo Duarte: Breves Comentários; 3 O Pensamento Sociológico de Pierre Bourdieu: Delimitações Necessárias para a (Re)leitura Proposta; 4 A Película “O Pagador de Promessas” e uma (Re)leitura a la Bourdieu: 4.1 O Protagonista e o seu Enquadramento no Campo Social. Sua Relação                                    Geral com o Jogo e as suas Regras e Estratégias; 4.2 A Identificação dos Campos Sociais Tratados na Película; 4.3 A Relação do Pagador de Promessas com os Campos Sociais Identificados: 4.3.1. A Relação com o Campo Religioso: seu Enquadramento; 4.3.2. A relação com os Demais Campos Identificados na Obra; 4.4 Os Reflexos do Desconhecimento das Regras do Jogo e suas Estratégias pelo Protagonista; 5 Conclusão; Referências Bibliográficas.


1 Introdução


O senso comum, geralmente, tem um olhar muito limitado e superficial das obras cinematográficas e, com o avanço da inserção dos meios tecnológicos (visuais, sonoros, virtuais etc) no cinema, esse contexto vê-se ainda mais estimulado. Os efeitos especiais, a utilização de sons artificializados e das tecnologias 3D – apesar de suas importâncias potenciais para a revolução do cinema -, por exemplo, estimulam pirotecnicamente a usufruição aguçada dos sentidos, em detrimento do interesse real dos expectadores pelo valor, da mensagem, do significado e do conteúdo das películas. Desse modo, o aumento significativo das bilheterias não reflete proporcionalmente a absorção real do conhecimento produzido e o seu necessário degustamento artístico.


A Coroa de “Arte” sustentada pelo cinema requer, em contraposição ao mero ato mecânico de “assistir” a uma película e da simples qualidade da tecnologia adotada, a sua análise aprofundada. Esse artigo, certamente, favorece essa espécie de análise, ao propor uma relevante (re)leitura da película “O Pagador de Promessa”, por intermédio do pensamento sociológico de Pierre Bourdieu.


A visão sociológica do trabalho permitirá a identificação, na obra, de diversos campos de influência (comercial, cultural popular, institucional, midiático e, em especial, o religioso) e o conflito entre eles, bem como a identificação de símbolos e características isoladas e conjuntas dos personagens e os seus reflexos nesses campos.


Gerar uma (re)leitura, ante a perspectiva de Pierre Bourdieu, da referida obra cinematográfica, possibilita demonstrar o significado por trás das imagens da película e a sua importância e complexidade acadêmica, de uma das maiores obras da história cinematográfica brasileira, de relevância internacional, baseada em um dos grandes clássicos da literatura sul-americana. O talento do escritor Dias Gomes, potencializado pela perspicácia do diretor Anselmo Duarte, enxergado pelas lentes peculiares de Bourdieu: é ao que se propõe este artigo.


2 Aspectos Relevantes da Obra Cinematográfica – da Obra Literária à Obra Cinematográfica


2.1 Um Resumo da Obra Literária Adaptada pela Película


O romance conta a história de “Zé do burro” (protagonista), homem bastante simples da região interiorana da Bahia. A peculiaridade do personagem principal dá-se justamente pelo vínculo de “amizade” existente entre ele e o seu burro – animal que lhe acompanhava em todos os locais aos quais se dirigia e em suas atividades cotidianas.


Diante de uma fatalidade ocorrida com o seu “burro” – atingido por um galho de árvore, que lhe acertou a cabeça, colocando-o em grave situação de saúde –, o protagonista fez uma promessa, com o objetivo de salvar a sua vida. Para tanto, caso o pedido fosse concedido, doaria parte de suas terras a pessoas pobres de sua região e, ainda, carregaria uma cruz “tão pesada quanto aquela carregada por Cristo” até o altar da Igreja de Santa Bárbara.


Destaca-se o fato de que, por não haver em sua cidade uma igreja católica da mencionada Santa, “Zé do burro” utilizou-se do espaço de um terreiro de Candomblé[1] para fazer a promessa à Santa Bárbara, na qual ela, segundo essa cultura religiosa, é reconhecida pelo nome de Iansan.


Como depois da promessa o seu animal se curou, o protagonista iniciou o seu pagamento com a divisão de parte de suas terras e iniciou uma via crucis de quarenta e dois quilômetros, na qual teve como companheira de viagem sua mulher, de nome Rosa.


A chegada na Igreja de Santa Bárbara em Salvador, Estado brasileiro da Bahia – local de destino da cruz levada –, deu-se, justamente, no dia da festividade de Santa Bárbara, durante a madrugada, período em que a Igreja ainda estava fechada. Por esse motivo, o pagador de promessas e a sua esposa ficaram na escadaria a esperar.


Rosa, esposa do protagonista, não escondia o seu descontentamento com a promessa e com todo o sacrifício efetivado para quitá-la. Nesse tempo, aparece um dos personagens mais intrigantes da obra, retornando de um bordel: “Bonitão”, cafetão e gigolô local, que mira, ao longe, Rosa, interessando-se imediatamente por ela. Diante desse interesse, agiu ele, rapidamente, no sentido de se aproximar do casal, alegando intenção “solidária” de querer ajudá-lo. Com a sua lábia malandra acabou por convencer “Zé do Burro” a permitir que Rosa deixasse as escadarias e fosse descansar em um hotel das proximidades, onde logrou êxito em se envolver sexualmente com ela, aproveitando-se, certamente, do seu descontentamento com a teimosia o seu esposo e com a situação.


No clarear do dia, assim que foi visto, juntamente com a sua cruz, pelo Padre, “Zé do Burro” narrou os motivos que lhe levaram a pagar a promessa daquela forma. O Padre, de pronto, se recusou a permitir a sua entrada na Igreja com a cruz para pagá-la, alegando que tinha ela sido feita não para Santa Bárbara católica, mas, sim, para Iansan do candomblé; não em uma igreja, mas, sim, em um, terreiro[2]. Foi o pagador de promessas, ainda, acusado de heresia e de culto ao demônio.


Decidiu o Padre fechar as portas da igreja até que “Zé do Burro” partisse, enquanto que, em via inversa, preferiu ele esperar até que lhe fosse permitida a entrada, para que cumprisse a promessa de forma completa.


A sua presença nas escadarias da Igreja de Santa Bárbara, justamente no dia de festividades da Santa, chamou a atenção das pessoas que chegavam para a procissão. Outras que nem estariam interessadas em questões religiosas, depois da divulgação do fato por intermédio de jornal sensacionalista, que, inclusive, manipulou, através de um repórter, o pensamento do protagonista e distorceu as suas falas, eram atraídas para o local, aumentando a quantidade de pessoas.


Enquanto isso, Bonitão, através de um amigo, contactou a polícia, com a finalidade de levantar suspeitas sobre “Zé do Burro”. Suspeitas que fossem suficientes para a sua prisão, o que deixaria Rosa livre, para que pudesse manipulá-la e inseri-la na vida da prostituição, podendo, assim, explorar financeiramente os seus serviços.


Mesmo diante de uma autoridade superior católica que, visando uma solução alternativa para o problema, que fosse favorável para a Igreja Católica, lhe permitiu renunciar à promessa ou substituí-la por outra, permaneceu ele firme em suas convicções, sobrepondo a Santa à decisão administrativa da Igreja e às suas lideranças locais.


Com a chegada do Delegado que, por intermédio do Padre e de sua arrogância, reafirmou a proibição de sua entrada na igreja, após um diálogo intenso com o “Zé do Burro”, externou a sua detenção. Revoltado com a iniciativa da autoridade policial, o Pagador de Promessas resistiu à prisão e, enfim, após a confusão formada, na qual foi defendido por populares, acabou sendo morto, publicamente, pelas autoridades.


Por fim, ignorando a decisão do Padre de impedir a entrada do protagonista com a cruz na Igreja e a repressão estatal transfigurada na presença e na atitude dos policiais, o povo se rebelou, colocando o corpo de “Zé do Burro” sobre a cruz e, após de com ela arrebentar as portas da Igreja, levaram-na ao altar no seu interior, como forma de colaborar para que, mesmo depois de morto, pudesse ter ele a sua promessa paga.


2.2 Sobre a Obra, o Autor e o Diretor: Breves Comentários


A obra literária “O Pagador de Promessas” do escritor Dias Gomes, uma das mais importantes da Literatura brasileira contemporânea, publicada em 1959, enquadra-se no gênero dramático e é dividida em três atos. Toda a história se passa no espaço temporal de 1 (um) dia, em Salvador, capital brasileira do Estado da Bahia.


Na obra, trata-se de diversas questões, sendo elas: o sincretismo religioso, problemas sociais e, entre outros, a crise, elitização e a mercantilização da fé. Todavia, como bem define o próprio autor Dias Gomes, o enredo central do seu trabalho demonstra-se outro:


“O HOMEM, no sistema capitalista, é um ser que luta contra uma engrenagem social que promove a sua desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O Pagador de Promessas é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído. Seu tema central é, assim, o mito da liberdade capitalista. Baseado no princípio da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os meios necessários ao exercício da dessa liberdade, tornando-a, portanto, ilusória “(GOMES, 1972, p. 09).


Essa qualificação de “engrenagem social que promove a desintegração do homem” fica implícita na pessoa de “Zé do Burro” que se vê impedido de pagar uma promessa (símbolo da limitação do exercício da sua liberdade de expressão e de locomoção) pela ação eclesiástica e, na figura da ação policial, estatal (representantes da referida engrenagem). A escolha do protagonista pela persistência nos exercícios de suas liberdades individuais para que fosse bem sucedido no cumprimento da promessa feita à Santa Bárbara, custou-lhe a “morte” personificadora, justamente, da ideia de “desintegração humana”.


O mito da liberdade capitalista, portanto, é o núcleo sólido da produção literária. Não se pode, entretanto, negar a existência paralela de diversas outras temáticas no trabalho. Nesse sentido, chama-se a atenção, por exemplo, para o aspecto religioso, para o seguinte posicionamento:


“O enfoque principal do autor não é, portanto, a questão religiosa. Não obstante, as personagens, diálogos e contexto sócio-político, também permitem a reflexão nesta perspectiva. O próprio autor admite que “há também a intolerância, o sectarismo, o dogmatismo, que fazem com que vejamos inimigos naqueles que, de fato estão do nosso lado” (id.). Sua preocupação não se restringe à intolerância religiosa, como podemos deduzir a partir do confronto entre o Padre Olavo e Zé-do-Burro, mas abarca a intolerância universal” (SILVA, , p.01).


Independente da quantidade de temáticas abordadas na obra, há que se falar de suas profundidade e complexidade, e de sua relevante crítica social, características evidentes da identidade literária de Dias Gomes, bem como de sua inquestionável competência literária. Romancista/contista, cineasta/teatrólogo e autor de telenovelas, Dias Gomes nutria uma preferência por explorar: temáticas esquerdistas; envolvedoras da religião popular; de denuncia à corrupção; e, entre outras, de prepotência e de intolerância dos padres e demais componentes da religião católica.


Ante a intensidade e qualidade valorativa de “O Pagador de Promessas” e de seu autor, não seria fácil fazer uma adaptação cinematográfica à altura ou, ao menos, satisfatória.


Desse papel, contudo, desincumbiu-se satisfatoriamente Anselmo Duarte, que, na qualidade de Diretor, teve êxito em transplantar para a película as qualidades literárias do livro, bem como realçá-las e potencializá-las através dos recursos sétima arte.


Com a sua competência incontestável, em uma época na qual os recursos tecnológicos do cinema eram limitados, Anselmo Duarte usou, elegantemente, de recursos audiovisuais, potencializados pelas diferentes paisagens iniciais na película – durante a viagem do protagonista até Salvador – e pelas manifestações culturais e religiosas populares da capital baiana – na música, na dança, nas expressões religiosas e no complexo meio ambiente do centro histórico local.


A eficiência do Diretor Anselmo Duarte e a qualidade do material produzido renderam o reconhecimento internacional da película, tendo vencido a Palma de Ouro e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes em 1962, bem como sido indicada a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.


3 O Pensamento Sociológico de Pierre Bourdieu: Delimitações Necessárias para a (Re)leitura Proposta


Pierre Félix Bordieu, nascido em Denguin, em 01 de agosto de 1930, e falecido em Paris, em 23 de janeiro de 2002, foi e, através de suas obras, continua sendo um dos mais importantes sociólogos da contemporaneidade.


Centrou a sua discussão sociológica no objetivo de revelar e compreender mecanismos da reprodução social legitimadores das diversas formas de dominação, para tanto desenvolvendo conceitos específicos, excluindo aspectos econômicos da órbita de análises da sociedade, com alicerce no conceito de “violência simbólica” de sua própria autoria.


Cabe, igualmente, ressaltar a visão peculiar do “mundo social” tecida por Bordieu. Para o mencionado sociólogo, essa realidade teria três importantes conceitos: campo, hábitos e capital.


Nesse mesmo contexto, Bordieu abstrai sobre o papel dos atores sociais e a sua relação com a noção de campo social. Nesse ínterim, faz-se relevante evidenciar o posicionamento abaixo, de autoria de Azevedo (2003):


“Como e com quais categorias Bourdieu pensa a sociedade? Bourdieu compreende que os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados campos sociais, a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu posiciomento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social. Bourdieu afirma que para o ator social tentar ocupar um espaço é necessário que ele conheça as regras do jogo dentro do campo social e que esteja disposto a lutar (jogar)”.


Diante dessa realidade, faz-se necessário, por consequência, compreender as determinantes da posição espacial desse ator no campo social e, ainda, quais os princípios de diferenciação que condicionam a ocupação do seu espaço. Trata, assim, sobre essas questões, complementarmente, Azevedo (2003):


“O que determina a posição espacial no campo social? Quais os princípios de diferenciação que condicionam a ocupação do espaço social? Nas sociedades desenvolvidas as alavancas mais eficientes de distinção são as posses de capital econômico e de capital cultural. Logo, os sujeitos ocuparão espaços mais próximos quanto mais similar for a quantidade e a espécie de capitais que detiverem. Em contrapartida, os agentes estarão mais distantes no campo social quanto mais díspar for o volume e o tipo de capitais. Assim, pode-se dizer que a riqueza econômica (capital econômico) e a cultura acumulada (capital cultural) geram internalizações de disposições (habitus) que diferenciam os espaços a serem ocupados pelos homens.”


Dessa maneira, Bourdieu evidencia, com transparência, a possibilidade de enquadramento de atores sociais em um ou mais campos específicos, bem como a sua posição e importância em cada um deles, a depender de suas qualidades pessoais, medidas, nesse caso, pelo capital que possui. Assim, no campo cultural melhor se destaca aquele que mais conhecimento e experiência cultural tiver acumulado e em melhor qualidade ou sintonia com o contexto, bem como em todos os campos assim também ocorre. A aproximação ou enquadramento de um ator social em determinado campo e a sua posição, dependerá, também, disso.


E conclui o mesmo autor:


Dessa forma, portadores de um quantum de capital de diversas naturezas, seja ele capital cultural, capital social, capital político, capital artístico, capital esportivo, capital econômico etc., estão a contestar ou a aceitar certas diretrizes que redefinem as bases da sociedade. (…)


O habitus é uma forma de disposição à determinada prática de grupo ou classe, ou seja, é a interiorização de estruturas objetivas das suas condições de classe ou de grupo sociais que gera estratégias, respostas ou proposições objetivas ou subjetivas para a resolução de problemas postos de reprodução social.”


É importante salientar, que, pela teoria social de Bourdieu, os campos não seriam apenas espaços de associação de pessoas. Na verdade, eles seriam limitados e geridos por leis gerais, que, de certa forma, devem ser obedecidas para assegurar a permanência de determinado ator social.


Os campos sociais, portanto, têm dominantes, que tratam de defender o seu monopólio, o que, por outro lado, envolve, para o seu funcionamento, a necessidade de existência de um jogo e gente predisposta a jogar, que absorva e compreenda as estruturas objetivas da sua condição de classe ou de grupos sociais, sintetizando, com isso, entre outras coisas, as estratégias para o jogo.  


 Infere-se, outrossim, que, no interior desses campos, os conservadores são justamente aqueles que concentram maior capital específico, agindo no sentido de desenvolver e aplicar as estratégias de dominação, a fim de manter a sua posição, status.


Por fim, esses valores, apesar de não representarem todos os objetos e conceitos da Teoria Social de Bourdieu, serão aqueles adotados para análise de “O Pagador de Promessas”. Far-se-á crucial, assim, de forma panorâmica e sucinta, devido à objetividade do trabalho: a identificação e análise dos campos sociais existentes na obra e os seus atores; os atritos (inter)campos; e, igualmente, a identificação do exercício de dominação e suas estratégias.  


4 A Película “O Pagador de Promessas” e uma (Re)leitura a la Bordieu


Já tendo sido explicitadas as características da obra, bem como os aspectos da teoria social de Pierre Bourdieu que serão utilizados para efetivação de sua (re)leitura, resta, finalmente, associar os dois contextos, com o fito de atingir o objetivo proposto e os critérios exigidos para este trabalho.


Em um primeiro momento, faz-se curial destacar que a análise da película pela ótica de Bourdieu, dar-se-á por intermédio do protagonista, haja vista ser um elemento subjetivo relevante para a visualização do contexto sociológico da obra, o que se fará em etapas, como nos moldes a seguir:


 4.1 O Protagonista e o seu Enquadramento no Campo Social. Sua Relação Geral com o Jogo e as suas Regras e Estratégias.


“Zé do Burro” era uma pessoa do interior, que vivia na zona rural – onde as relações humanas e sociais eram menos complexas –, não tinha estudo, não era empresário, era inapto com a tecnologia e com os meios de comunicação, era movido pela fé e pela confiança nos demais. Desse modo, como se verá mais à frente, o personagem principal, exceto no religioso, não se enquadrava perfeitamente em quaisquer dos campos sociais retratados na obra, até mesmo por desconhecê-los.


O não enquadramento perfeito do referido personagem, consciente ou inconscientemente, nos demais campos sociais tratados na película, seria, justamente, fruto de sua condição isolada e de pouco preparo, situação muito comum, à época, de moradores da zona rural baiana.


Obviamente, nessas condições, o protagonista, claramente, ignorava as regras do jogo relacionadas a quaisquer campos, inclusive o da religião, e, também, as suas estratégias, tornando-lhe uma pessoa vulnerável no contexto da história; situação conscientemente tecida pelo autor Dias Gomes e explorada pelo diretor Anselmo Duarte.


4.2 A Identificação dos Campos Sociais Tratados na Película


Ao analisar-se a presente obra cinematográfica, na perspectiva sociológica de Bourdieu, é possível se identificar diversos campos sociais, representados por meio de alguns personagens especiais:


I – o campo religioso (aquele em que mais se enquadra o protagonista, apesar da rejeição oficial católica), representado na pessoa do padre e, também, na baiana de acarajé, entre outros figurantes;


II – o campo literário, representado na figura do poeta excêntrico;


III – o campo comercial, representado na figura do comerciante estrangeiro, proprietário de um bar em frente às escadarias da Igreja de Santa Bárbara;


IV – o campo midiático, representado na pessoa do repórter, do jornal e de seus demais empregados;


V – o campo estatal ou institucional, representado na figura da polícia e do delegado;


VI – o campo da cultura popular, representado pela baiana de acarajé, pelos capoeirista e pelos demais populares que participavam das manifestações culturais, na festa de Santa Bárbara.


4.3 A Relação do Pagador de Promessas com os Campos Sociais Identificados


4.3.1 A Relação com o Campo Religioso: seu Enquadramento


Notadamente, o título da película “O Pagador de Promessas” perpassa uma ideia imediata de que o protagonista enquadra-se e atua, diretamente, no campo religioso. Aliás, a história, por si só, já evidencia essa realidade: uma pessoa que carrega uma cruz (símbolo religioso cristão), por diversos quilômetros, para pagar uma promessa (ato cristão de agradecimento a uma graça – nessa situação, um milagre – concedida), realizado em um terreiro (sede de exercício de uma religião brasileira: o candomblé), para uma imagem de Santa Bárbara (santa católica), que, para o candomblé, representa, de fato, Iansã (uma de suas divindades).


Desta feita, não há dúvidas sobre


4.3.2 A relação com os Demais Campos Identificados na Obra


4.4 Os Reflexos do Desconhecimento das Regras do Jogo e suas Estratégias pelo Protagonista


Os campos sociais, portanto, têm dominantes, que tratam de defender o seu monopólio, o que, por outro lado, envolve, para o seu funcionamento, a necessidade de existência de um jogo e gente predisposta a jogar, que absorva e compreenda as estruturas objetivas da sua condição de classe ou de grupos sociais, sintetizando, com isso, entre outras coisas, as estratégias para o jogo.  


 Infere-se, outrossim, que, no interior desses campos, os conservadores são justamente aqueles que concentram maior capital específico, agindo no sentido de desenvolver e aplicar as estratégias de dominação, a fim de manter a sua posição, status.


5. Conclusão


Diante do todo já exposto, cabe, pertinentemente, sintetizar o seguinte:


– A compreensão do significado de Direito Natural remonta à antiguidade, alcançando o presente, apresentando-se ele diferentemente a depender do tempo e do espaço em que for analisado;


 


Referências bibliográficas

AZEVEDO, Mario Luis Neves de. Espaço Social, Campo Social, Habitus e Conceito de Classe Social em Pierre Bourdieu. In Revista Espaço Acadêmico. Maringá, Ano III, nº 24, Maio de 2003.  Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.

htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2010.

BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996.

GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. 46 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

_____. Teatro de Dias Gomes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

 SILVA, Juliana Ozaí da. Preconceito e Intolerância Religiosa em O Pagador de Promessas. In Revista Espaço Acadêmico. Maringá, Ano VII, nº 73, Junho de 2007.  Disponível em: < http://www.espacoacademico.com.br/073/73ozai.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2010.


Notas:
[1]  Religião brasileira nascida da integração de aspectos religiosos da cultura afro (trazidos com os escravos, no período colonial) com conceitos e entidades católicas. Um dos reflexos da escravatura no Brasil foi a imposição religiosa católica dos proprietários aos seus escravos e a proibição de adoração aos cultos e entidades pagãs, que para não abdicarem de sua tradição religiosa projetavam nas imagens e esculturas de santos católicos a ideia da personalidade dos orixás (seres divinos), a exemplo do caso relatado na presente obra em que Iansan seria, para o candomblé, representada por Santa Bárbara. A associação das entidades divinas, vistas como demônios, e da cultura religiosa da população afro-brasileira com aspectos religiosos católicos durante muito tempo foi reprimida pelas autoridades eclesiásticas, aspecto histórico relevante que foi registrado criticamente na obra literária de Dias Gomes.

[2] Local, equivalente à igreja para os católicos, que serve de sede para os núcleos religiosos do candomblé e as suas atividades.


Informações Sobre o Autor

Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.


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