Tópicos processuais avançados sobre o jus standi nos mecanismos de proteção dos Direitos Humanos: O indivíduo e a legitimatio ad processum na Corte Intermericana

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Resumo: Este trabalho pretende tecer algumas considerações sobre o Jus Standi como mecanismo de aprofundamento do sistema interamericano de proteção de direitos humanos utilizando argumentos de natureza processual vis a vis o direito interno, como também por uma análise crítica a par de comparação aplicada com o sistema europeu. Examinaremos a internacionalização dos direitos humanos e sua conformação regional para defender o alinhamento das estruturas e das instituições de modo complementar, mas também para fundamentação do Direito Internacional. Ainda, faremos importantes precisões conceituais para demarcar funções e apontar perspectivas de reformulações na atuação da Comissão e Corte Interamericana, sobretudo para incorporar o jus standi em que se permitam as petições individuais de forma autônoma, direta e independente, conformando a capacidade processual em todas as etapas dos procedimentos judiciais.


Palavras-chave: Sistema Interamericano – Jus Standi individual – Direito de Petição – Processo – Capacidade.


Abstract: This paper aims to present some considerations on the jus standi as a mechanism of deepening the interamerican system human rights protection using procedural arguments comparatives the law, but also by a critical analysis alongside comparison applied to the European system. We will examine the internationalization of human rights and to defend its conformation regional alignment of structures and institutions in a complementary manner, but also for reasons of international law. Still, we important conceptual clarification to demarcate roles and perspectives point of changes in the work of the Commission and the Inter-especially to incorporate the jus standi in that allow individual applications independently, directly and independently, conforming to procedural capacity in all stages of judicial proceedings.


Keywords: Interamerican system – Jus Standi individual  – Right of Petition – Case – Capacity.


Sumário: 1. Introdução. 2. A internacionalização dos direitos humanos e o status de proteção dos indivíduos. 3. Análise dos mecanismos de garantia dos indivíduos nos sistema americano de proteção dos direitos humanos: comparações aplicadas. 4. Precisões conceituais para aprimoramento dos mecanismos de garantia dos direitos humanos: a (in)capacidade processual dos indivíduos. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


Como ponto de partida, as questões que norteiam as análises que se seguem neste artigo trazem como dimensão fundamental o aprofundamento dos mecanismos garantidores de participação direta aos indivíduos em todas as etapas dos procedimentos judiciais ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, aperfeiçoando os mecanismos de garantia individual, ou seja, avançando do locus standi in judicio para o jus standi.


Esta discussão busca fortalecer os argumentos que já apontam como essencial a participação direta, autônoma e independente das vítimas, familiares e representantes nas etapas de procedimentos judiciais da Corte Interamericana, o que temos como garantia apenas na retórica, dado que esta participação direta se dá somente após o recebimento pelo Tribunal de causas individuais processadas, admitidas e encaminhadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ou seja, permanece a Comissão como única via para se encaminhar petições individuais e detentora do monopólio de legítima instância para atuar, neste caso, no desenvolvimento do processo judicial perante a Corte Interamericana.


Desse modo, fica evidente que os indivíduos ocupam um lugar, dada a efetiva realização do locus standi, assegurado pelo quarto (4º) Regulamento da Corte Interamericana[1] e que inovou no sentido de se permitir o acesso e atuação autônoma da vítima, familiares ou representantes, como por exemplo, juntando suas observações, registros, documentos e outras provas vistas como relevantes para o caso em apreciação. Contudo, a evidência também é inequívoca posto que este lugar (locus standi) somente se realiza pela condição fundamental de que a petição individual se revestiu dos requisitos e elementos inexoráveis para receber tratamento judicial pela Corte Interamericana, qual seja, a apreciação formal e material de tal petição pela Comissão e sua iniciativa para movimentação nas etapas judiciais.


Mesmo reconhecendo os avanços do locus standi, há algumas questões que se colocam como a não titularidade processual e postulatória pelo indivíduo junto a Corte, visto que é a Comissão a legítima para atuar. Assim, o percurso desde a primeira iniciativa do indivíduo para encaminhar informação de violações na esfera internacional se dá pela seletividade, e não como garantia de universalidade, na medida em que não há acesso direto dos indivíduos para constituir uma relação processual regular, pois o único caminho segue o roteiro procedimental da Comissão Interamericana. Portanto, não há jus standi aos indivíduos, ao contrário do que já ocorre na Europa, que já consagra o mecanismo garantidor de petições individuais à Corte Européia de Direitos Humanos, inexistindo instância ou órgão intermediário que acumule ou duplique funções, inclusive judiciais, como é o caso no sistema interamericano relativo às atribuições da Comissão e Corte Interamericana.


Desdobram-se ainda questões de amplitude geral e comparativa como a relação sistema universal e sistemas regionais e suas conexões; as evidências de atuação direta do indivíduo perante órgãos e outras instâncias judiciais, além da discussão recorrente da própria perspectiva e dos desafios do Direito Internacional para os próximos anos e diante da conjuntura atual de democracia e os direitos e deveres dos cidadãos, especialmente a participação, dentre outras implicações dos processos resultantes da globalização que traz a movimentação de bens, pessoas, informações com intensa velocidade, e que repercutem nas esferas social, política, institucional, econômica em todo o mundo.


De modo mais específico sobre as questões dos direitos humanos, notadamente sobre os sistemas internacional e regionais, convém avaliar e discutir as implicações de mecanismos de garantia diferentes e com certo descompasso, como é o caso do sistema europeu e interamericano no tocante às petições individuais.


Pretende-se inserir mais alguns elementos em prol da implementação do jus standi perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobretudo elementos para expansão dos critérios processuais que possam apoiar futuras mudanças nos mecanismos de garantias nesta instância judicial. Utilizamos ainda o sistema europeu e seu estágio de evolução que já permite as petições individuais para ilustrar as possibilidades de implementação do sistema interamericana, ainda reforçando o argumento de alinhamento dos sistemas internacionais, dada a unidade da proteção dos direitos humanos.


2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E O STATUS DE PROTEÇÃO DOS INDIVÍDUOS


De modo geral, o bem-estar e a harmonia social são alguns dos referenciais que fomentam o Direito Internacional, sobretudo considerando a dignidade humana como diretriz que fundamenta todas as normas jurídicas, criadas e efetivadas tendo o ser humano como beneficiário[2]. Contudo, remontando alguns períodos históricos, este lugar de precedência do ser humano não foi sempre respeitado, sendo por vezes o Estado ocupado o principal papel na arena internacional, ficando o indivíduo sujeito às concessões por parte do próprio Estado, ou mesmo tendo que disputar ou se submeter às arbitrariedades deste. 


Notadamente pelos períodos de guerras em que muitas pessoas foram vitimizadas por atrocidades cometidas pelos próprios Estados, por ação e omissão dos governantes, os direitos individuais foram elevados a uma categoria de maior valoração, como preceitua a compreensão do princípio da dignidade humana, e com isso, não somente os próprios indivíduos como também os Estados passaram a proteger tais direitos, inclusive garantindo sua codificação, bem como os mecanismos de reivindicação dos mesmos até na esfera judicial. Daí, além de medidas declaratórias (direitos), deu-se a concretização das medidas assecuratórias (garantias).


No contexto internacional, dada a complexidade de sujeitos e todas as implicações decorrentes dos processos sociais, econômicos e políticos, ainda não há uma linearidade universal ou geral no tocante ao reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos na arena internacional, sobretudo nas principais instituições e órgãos que compõem as estruturas organizacionais.


No entanto, algumas conquistas históricas em termos de assimilação dos indivíduos como sujeitos de direitos na esfera internacional fundaram as motivações para aprimoramento dos mecanismos para que fosse dada a projeção necessária aos indivíduos. A criação da Liga das Nações em 1919 ultrapassou interesses somente dos Estados fazendo compreender nos compromissos internacionais de promoção da paz e da segurança mundial, também a extensão e proeminência dos indivíduos ante ao período de guerra verificado anterior a sua criação. Ainda, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada após Primeira Guerra Mundial, também assentou o lugar dos indivíduos no contexto dos Estados e entre estes Estados na esfera internacional, na medida em que referenciou a dignidade humana para estabelecer parâmetros globais a serem observados acerca das condições de trabalho, sendo tais parâmetros consagrados como valores superiores sobre os quais nenhum Estado está acima. Outro importante marco histórico no reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos se deu com o desenvolvimento do direito humanitário, que diz respeito à proteção das pessoas em períodos de conflitos armados, sejam elas combatentes em guerra ou não, o que se evidencia nas Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais, documentos que representam os limites de atuação do Estado, especialmente em situações que exijam proteção das pessoas humanas.


Estes marcos históricos ilustram situações que precederam a conformação de um sistema normativo internacional que fosse convergente para a universalidade dos direitos humanos, em especial, para a concretização da concepção de ampla proteção dos direitos dos indivíduos ante o Estado e perante este, ou seja, protegidos contra o Estado sendo garantida esta proteção também pelo próprio Estado.


Desse modo, veio se consolidando um sistema internacional de proteção dos direitos humanos formado por diversos órgãos e instituições e propulsor de aprimoramentos que caminharam para maior adequação das diversas realidades internacionais, permitindo as devidas adaptações em contextos regionais. O que se viu no século XX foi esta conformação estrutural destes sistemas internacionais e de normas de proteção dos direitos e garantias fundamentais, o que coaduna com a retomada do papel principal do ser humano em quaisquer contextos da sociedade internacional. O século XXI aponta, portanto, para o aprimoramento e a implementação destes sistemas tendo como desafios o aprofundamento das conquistas históricas dos indivíduos para que possam solidificar seu reconhecimento como sujeito internacional, o que aponta para caracterizar como mais humano o direito internacional.


Extraímos que a proteção dos direitos humanos figura como princípio universal, o que representa a fixação precípua da dignidade humana em todo o arcabouço normativo-institucional no mundo, pretendendo consagrar os direitos e liberdades comuns a todos os seres humanos, ao mesmo tempo fomentando isso em escala regional para melhor adaptação histórico-cultural nos respectivos contextos.


Na perspectiva de universalidade da proteção dos direitos humanos conforma-se um sistema universal, que surge a partir da Organização das Nações Unidas – ONU já que tem atuação em todo o mundo e atua no estabelecimento de relações cooperativas entre as nações e com fins de desenvolvimento social, o que insere especial elemento de respeito aos direitos e liberdades humanas pelos Estados.


Paralelo a esta universalização de direitos e da estruturação normativa e orgânico-administrativa, decorreu a internacionalização dos direitos humanos[3], o que se compreende como o avanço da proteção dos direitos humanos de uma esfera interna do Estado para um cenário acima dos Estados, inclusive com a edição de instrumentos declaratórios de direitos e os devidos mecanismos e estruturas para sua garantia. Eis que se conforma de forma mais evidente a internacionalização e universalização da proteção aos direitos humanos em um sistema normativo criado na ONU, especialmente pelo cenário verificado na Segunda Guerra Mundial que representou um dos episódios em que o indivíduo sofreu os maiores abusos, o que justificava medidas para assegurar e garantir direitos individuais e cristalizar a dignidade humana como princípio universal, ao mesmo tempo em que se procurava evitar situações futuras de tamanha crueldade no mundo.


Os principais instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos: Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagram direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos, reafirmando a precedência do ser humano em toda sorte de relações no mundo, inclusive assegurando mecanismos processuais para garantia dos direitos, como se vê nos Pactos Internacionais.


A Carta das Nações Unidas já em seu preâmbulo justifica sua proclamação expressamente quando aponta os seres humanos como sujeito de direitos e também a exigência para que estes direitos sejam respeitados.[4]


Vejamos que é possível distinguir pessoas humanas e Estados, sujeitos distintos, o que reafirma nosso entendimento de que os sistemas de proteção dos direitos humanos devem inserir mecanismos de garantia de direitos dos indivíduos, inclusive abrindo espaços para os pleitos individuais junto aos órgãos e instituições judiciais, nos mesmo termos garantidos aos Estados.


A Carta das Nações Unidas é documento essencial e originário em termos de institucionalização da proteção aos direitos humanos na medida em que dela decorreram a criação das estruturas orgânicas e a positivação dos direitos em vários tratados. Além disso, ampliou a concepção de que somente no âmbito interno de cada Estado haveria proteção dos direitos humanos, dado que institui a compreensão de tal proteção dentro da esfera internacional, superando o alcance apenas estatal e regional, e mesmo interestatal. Então, com o crédito de ter consolidado o princípio da internacionalização dos direitos humanos, os instrumentos seguintes trouxeram os direitos e seus mecanismos de proteção e garantia.


A Declaração Universal dos Direitos Humanos funda um período de extremas contribuições à proteção internacional dos direitos humanos, já anotado pela Carta das Nações Unidas, incorporando em seu texto muitos princípios que passaram a repercutir na vida dos indivíduos em todo o mundo, desdobrando em outros instrumentos normativos internacionais, especialmente na segunda metade do século XX, o que configura a fundamentação dos direitos humanos e aponta o foco para a proteção de tais direitos, em grande medida pela instrumentalização desta proteção em todos os sistemas internacionais.


Embora ainda perdure discussão acerca de seu status jurídico, por ser esta originada a partir de uma Resolução (Resolução 217 A – III, em 10.12.1948) da Assembléia Geral da ONU, há um entendimento majoritário na doutrina que garante à Declaração Universal a natureza de jus cogens, o que quer dizer que suas prescrições se tornam inderrogáveis pela vontade das partes, vinculando-as e estando hierarquicamente superior a qualquer outro tratado. Isso se deve não exatamente em uma discussão sobre a natureza jurídica do documento, mas em razão da opinio juris de que ela representa o interesse da sociedade internacional pela sua aceitação unânime como instrumento referencial para proteção dos direitos humanos. É dizer que de fato a Declaração Universal tornou-se costume internacional dada sua repercussão que gerou diversos tratados internacionais e nas próprias Constituições de muitos países[5].


Reafirmando a ruptura e os avanços provocados pela Declaração Universal em termos de declaração de direitos, ainda carecia de melhor processualística para a reivindicação de tais direitos. Daí a edição dos Pactos Internacionais como instrumentos processuais para proteção e garantia dos direitos humanos.


O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos reafirma a Declaração Universal e avança a partir desta fixando obrigações e limites aos Estados, inclusive refletindo na sua ordem interna, como exemplificado em seu artigo 18, 3. Mas, como fundamental para efetivação dos direitos e garantias individuais é que o Pacto cria um Comitê autônomo e independente para monitorar e fiscalizar a concretização e exercício dos direitos declarados a serem cumpridos pelos Estados, por exemplo, a partir dos relatórios de avaliação que podem inclusive serem levados à Assembléia Geral informando o descumprimento do referido Pacto Internacional.


Como avanço para atuação direta dos indivíduos, o Protocolo Facultativo referente a este Pacto Internacional passou a permitir a possibilidade de petições individuais ao Comitê em caso de violações de direitos pelos Estados que ratificaram este Protocolo Facultativo, além os demais critérios (Artigo 2º e 3º do Protocolo). Daí segue toda uma tramitação, mas que  coloca Estado e o próprio peticionário no itinerário processual, não como objeto que sofreu a violação, mas como efetivo sujeito dado que este mesmo é quem se pronuncia e atua, legitima e diretamente, no procedimento.


Outro instrumento oriundo da Declaração Universal é o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que expande os direitos proclamados naquela e complementa os direitos prescritos no Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. Enquanto este elenca direitos a serem preservados ante eventual arbitrariedade estatal (natureza negativa), o Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece as obrigações de fazer que os Estados devem assumir (natureza positiva). Em geral, os direitos previstos neste pacto se colocam como programáticos, passando a depender da capacidade (e vontade) dos Estados em realizar tais direitos, o que dificulta seu monitoramento e fiscalização, além do fato de não existir um instrumento ou mecanismo de garantia, sequer uma estrutura orgânica para pleitear a realização de tais direitos. Não havendo instância para encaminhar demandas pelo descumprimento deste Pacto, restam somente os procedimentos administrativos de encaminhar relatórios à Assembléia Geral da ONU.[6]


Outros inúmeros tratados sobre temáticas específicas derivaram da Declaração Universal e também destes Pactos, como já citamos alguns acima.


Contudo, mesmo que o sistema internacional traga esta previsão de proteção do indivíduo, o que também de desdobra nos sistemas regionais, de um modo geral, há algumas diferenças deste lugar do indivíduo, sobretudo na utilização dos mecanismos de garantias de direitos. Se por um lado há um corpo normativo-institucional em certa medida uniformizado, de outro não se pode afirmar quanto aos procedimentos para que o indivíduo acione as instâncias competentes para denúncias, mais especificamente apresente suas petições em caso de violações aos referidos instrumentos normativos.


Os sistemas regionais apresentam características diferenciadas quanto ao reconhecimento da capacidade processual dos indivíduos em procedimentos encaminhados às instâncias que compõem os sistemas.


3. ANÁLISE DOS MECANISMOS DE GARANTIA DOS INDIVÍDUOS NOS SISTEMA AMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: COMPARAÇÕES APLICADAS


Ainda na perspectiva de aprimoramento do sistema americano de proteção dos direitos humanos, mais especificamente sobre o jus standi, para permitir o acesso direto dos indivíduos junto à Corte Interamericana convém destacar a relação existente entre o sistema global (ONU) e os sistemas regionais. Evidentemente, há uma integração entre estes sistemas e uma unidade para que se garanta da melhor proteção possível ao ser humano, seja no ordenamento interno ou no ordenamento internacional, seja no âmbito de um sistema global ou de sistemas regionais.


No tocante a participação direta dos indivíduos nas instâncias judiciais, considerando a diversidade cultural marcante na sociedade torna-se necessário maior alinhamento entre os sistemas de proteção, mesmo contando com as necessárias adequações locais e regionais. Observando a relação existente entre os sistemas acreditamos que ao interagir com o sistema das Nações Unidas, os sistemas regionais complementam e dão maior eficácia ao sistema global. Embora os sistemas regionais, e especialmente o ordenamento interno de cada Estado tenha obrigações primárias em proteger os indivíduos em seus direitos humanos o ordenamento internacional tem-se reconhecido seu caráter complementar, ou subsidiário, desempenhando um papel estratégico ao atuar na sedimentação das conquistas operadas na esfera internacional, sobretudo evitando retrocessos e pautando os aprimoramentos necessários.


A despeito de eventuais demarcações de competências jurídicas internacional e interna, é importante que os sistemas global e regionais não padeçam desta falsa dicotomia dada a complementaridade positiva e que centra o foco, acertadamente, mais no grau e qualidade da proteção convergente aos seres humanos que em inócua discussão sobre delimitação de competências.


Na seção anterior já discorremos sobre a internacionalização dos direitos humanos, e de seus mecanismos de proteção, destacando os marcos legais e a sistemática e estrutura dos órgãos e instituições. Também, centramos em alguns aspectos que sustentam a condição de indivíduos como sujeitos de direitos na esfera internacional, mas especificamente para a condição de exercer, direta e autonomamente, suas potencialidades como ser capaz processualmente junto aos tribunais judiciais.


Ilustramos muitas situações em que há o efetivo exercício pelo indivíduo de suas capacidades processuais individualmente, bem como os referenciais para que se defenda a extensão deste exercício nos sistemas regionais. É dizer, para além da complementaridade, há que se buscar maior alinhamento dos procedimentos evitando discrepâncias entre tais sistemas e evite, por exemplo, situações em que os indivíduos, não encontrando a proteção no sistema regional do qual insere seu Estado, tenha que se ver forçado a procurar as instâncias do sistema das Nações Unidas (global).


A par das conquistas operadas no sistema internacional (global) em face de maiores avanços aos indivíduos, os sistemas regionais também precisam se ordenar seguindo este alinhamento, sem prejuízo de avançar de modo mais eficaz quanto a implementação dos mecanismos de garantias dentro do sistema de proteção.


Para melhor análise, convém contextualizar os sistemas regionais quanto aos mecanismos de garantias individuais para, após, fundamentar defesa de aprimoramento do sistema regional americano.


O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos fundamenta-se tendo como instrumentos jurídicos a Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta de Bogotá) [7], seguida da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), denominada Pacto de San José da Costa Rica. Logo no preâmbulo da Carta da OEA, há previsão expressa do princípio básico de que garante proteção especial aos indivíduos, obrigando os signatários a estabelecer regime especial de liberdade individual fundado no respeito dos direitos fundamentais do homem.


A Declaração Americana, embora tenha natureza de “recomendação”, não tendo força formal obrigatória tem status assemelhado da Declaração Universal de Direitos Humanos no âmbito das Nações Unidas. Dentre outras normas, a Declaração Americana estabelece a igualdade de alguns direitos judiciais (devido processo legal, não detenção arbitrária, direito de petição, asilo e outros), o que reforça a exigência de mecanismos de garantias para defender tais direitos. Vale lembrar que a criação da Comissão de Direitos Humanos foi obra desta Declaração Americana.


Por ocasião da Conferência Interamericana Especializada, realizada em 1969 na Costa Rica, foi adotada a Convenção Americana de Direitos Humanos.


Cabe uma distinção fundamental neste contexto americano, pois se coloca tal sistema de proteção com dois (2) referenciais. De um lado, um sistema geral orientado pela Carta da OEA e na Declaração Americana que tem como suporte a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. De outro lado, visto que somente obriga os Estados signatários, a Convenção Americana que também conta a salvaguarda da Comissão Interamericana, mas incorpora a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Contudo, a prática vista no sistema interamericano demonstra unidade e adequado funcionamento das instâncias jurisdicionais, ao mesmo tempo em que contempla todos os institutos que definiram os direitos.


Para maior detalhamento e efetividade dos direitos proclamados na Convenção Americana foi editado o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) em 1988. Ainda, outro Protocolo passou a vigorar em 1990 (Protocolo Adicional para Abolição da Pena de Morte).


Para garantir a realização dos direitos e garantias prescritos em todos os instrumentos acima relacionados, e também conformar um sistema de proteção, falamos das instituições de garantia desta proteção, quais sejam a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.


A Comissão Interamericana foi criada dez (10) anos antes da própria Convenção Americana; Convenção esta que também só passou a vigorar vinte (20) anos após a criação da Comissão de Direitos Humanos, o que lhe garantiu certa autonomia e independência em relação aos demais órgãos da OEA.


Como competências iniciais, à Comissão Interamericana cabia a promoção dos direitos humanos, o que envolvia a preparação de estudos, relatórios, recomendações aos governos dos Estados-membros para aplicação no direito interno. Com o tempo, ampliaram-se as competências para também atuar na proteção dos direitos humanos, conhecendo as petições individuais e as comunicações interestatais que tratassem de denúncias de violações de direitos, podendo realizar visitas in loco e ainda determinar aos Estados as necessárias adequações de leis que porventura violem direitos humanos.


No tocante aos mecanismos de proteção dos direitos humanos, por força dos artigos 61 e 64 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana é legítima para apresentar casos contenciosos junto à Corte Interamericana, além de solicitar opiniões consultivas. Ainda, no artigo 57 da mesma Convenção, deve a Comissão comparecer em todos os casos apreciados pela Corte, configurando espécie de auxiliar da instância judicial, em que pese não ter natureza de um órgão judicial.[8]


Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. É composta de juízes indicados pelos Estados-membros da OEA e detém a competência contenciosa (somente para os Estados-partes na Convenção Americana) e competência consultiva para todos os Estados constantes na jurisdição da OEA. [9]


A par da descrição das estruturas garantidoras de proteção aos direitos humanos e seu funcionamento, destacamos o mecanismos processuais de garantia de tais direitos, especificamente as petições individuais. Como já antecipado, a Corte Interamericana ainda não recebe petições individuais, o que somente pode ser viabilizado através da intermediação da Comissão. Ressalte-se, ainda, que é garantido este direito de petição às pessoas, individualmente ou em grupos, às entidades não governamentais, sendo ou não vítimas diretas e imediatas das violações que denunciam, podendo também ser familiares (art. 44 da Convenção).


A principal questão neste ínterim diz respeito a intermediação obrigatória da Comissão, como conditio sine qua non para que as petições individuais possam chegar a Corte. Como a Comissão examina inclusive requisitos formais, como também de conteúdo, ao mesmo tempo em que é o único meio, ou instância que pode viabilizar a apreciação de tais petições pelo órgão judicial, entendemos tratar-se não somente de instância prévia, mas efetivamente de uma instância que embora não tenha atribuições judiciais, assim atua. Assim, a despeito de se colocar como órgão fundamental para viabilizar a proteção dos direitos humanos pelas petições individuais, tem funcionado a Comissão, em certa medida, como órgão judicial ou com funções judiciais que já antecipam julgamentos formais ou se apóiam com parcialidade nos assuntos levados pelas petições (conteúdo).


Pelas circunstâncias históricas desde o início de seu funcionamento, ainda considerando todo o contexto americano de dificuldades nas relações interestatais para conformação dos tratados internacionais, a Comissão Interamericana vis a vis o sistema europeu, já reúne elementos para redefinir seus papéis, ou reduzindo ou modificando atribuições para que, definitivamente, atribua aos indivíduos a capacidade processual do direito de petição junto à Corte, conformando o mecanismo de garantia no sistema de proteção interamericano de direitos humanos. is, ou reduzindo ou modificando atribuiçxto americano de dificuldades nas relaços, e tambireitos, n extensbre o jus standi


Em breve perspectiva comparativa, convém examinar o sistema americano à luz do atual funcionamento do sistema europeu de proteção dos direitos humanos, sobretudo quanto ao direito de petição individual.


O sistema europeu de proteção dos direitos humanos é considerado o sistema mais avançado entre os sistemas regionais. A partir da criação do Conselho da Europa em 1949, tendo este a responsabilidade de romper com a insegurança do pós-guerra e garantir a unidade e desenvolvimento entre os Estados europeus, também marca convergência para proteção dos direitos humanos. Então, institui-se a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, em 1950, em Roma (Itália), entrando em vigor em 1953.


Como instituições de garantia para aplicação da Convenção Européia foram estruturadas a Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos. Após processo de amadurecimento institucional e adequando seus órgãos e estruturas para atender às exigências democráticas em vista do dinamismo da sociedade européia, foram realizadas mudanças que levaram à fusão das funções da Comissão e da Corte conformando um único órgão jurisdicional de funcionamento permanente.[10] Havia ainda o Comitê de Ministros, ligado ao Conselho da Europa, que atuava quando a Corte Européia não fosse acionada pelos desdobramentos advindos dos relatórios da Comissão. Também não poderia o indivíduo ter acesso a este órgão.


A Corte Européia de Direitos Humanos, sobretudo a partir do Protocolo 11 e com as novas atribuições, passou a receber as petições individuais. Assim, tdo Estado-parte na Convenção Européia, assim como todo indivíduo que se considere vítima de violação, passou a reclamar diretamente à Corte o descumprimento da Convenção por parte de um Estado contratante.


Cabe destacar que os fatores cruciais para a boa performance do sistema europeu foi também pela aceitação da Convenção Européia de Direitos Humanos e da jurisdição obrigatória de seus órgãos como condição obrigatória para integrar a Comunidade Européia.


A permissão pelos Estados que uma corte supranacional reveja um julgamento do Judiciário doméstico, assim como a concordância em serem obrigados pela decisão, representou um passo histórico e sem precedentes no direito internacional, o que serve como aprendizado e também para incorporação em cada sistema regional. Permite ainda  a crença de que certos direitos e liberdades fundamentais não devem ser subordinados ao poder ou à mera conveniência política de um Estado pautado na democracia. As decisões da Corte Européia, até o momento, têm demonstrado ser o sistema europeu um efetivo instrumento de harmonização das legislações nacionais relativas à proteção dos direitos humanos, além de um importante componente do processo de integração.[11]


Resumidamente, nos procedimentos adotados pelo sistema europeu para garantia dos direitos humanos, as demandas individuais são mecanismos que demonstram o desenvolvimento das instituições internacionais como também da própria população européia, na medida em que lutaram e tem utilizado efetivamente estes canais judiciais.A sistemática processual tem dado segurança jurídica e, em que pese todo o contesto de fusão de funções entre a antiga Comissão e a Corte, além das funções próprias do Comitê de Ministros, mostra-se perfeito funcionamento.


A preocupação atual da Corte Européia diz respeito às condições e recursos materiais e financeiros e outros de ordem estrutural para se manter e garantir o acesso dos indivíduos e o exercício direto cada vez mais efetivo, além de maior harmonização dos procedimentos para maior eficiência do órgão.


Isso permite apontar para que no sistema interamericano seja implementado, o quanto antes, este acesso direto, autônomo e sem intermediações pela Comissão. Por ter um desenho orgânico diferente e mais simples que no sistema europeu por ocasião dos Protocolos 9, 10 e 11, acreditamos que as adequações são viáveis sem maiores repercussões, sequer resultado em extinções ou fusões de órgãos ou funções.


Como elemento contributivo para se incluir a capacidade processual dos indivíduos nos mecanismos de garantias, através de petições diretas discutiremos uma questão pouca fundamentada como suporte ao pleito do jus standi: a capacidade processual ampla, que difere, mas inclui a capacidade de ser parte, de estar em juízo e de postular diretamente junto a Corte.


4. PRECISÕES CONCEITUAIS PARA APRIMORAMENTO DOS MECANISMOS DE GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS: A (IN)CAPACIDADE PROCESSUAL DOS INDIVÍDUOS.


Alguns argumentos para obstar a efetivação do jus standi aos indivíduos se dão na esfera técnica e textual do instrumento jurídico que instituiu, dentre outros, os mecanismo de garantia para acesso direto do indivíduo aos órgãos e instituições. Muitas destes obstáculos se ancoram em requisitos estritamente formais, muitos entendidos pela própria interpretação adotada para algumas normas, e também pela própria técnica legislativa adotada na codificação de regras, e por vezes, isto se justifica pelos interesses e vontades conflitantes em curso na elaboração de determinado tratado.


Porém, em que pese a consideração do termo que permitiu concluir um texto aceito pela maioria dos Estados e todo êxito em se firmar um acordo de vontades e interesses, a dinâmica internacional traz com muita velocidade mudanças e exigências ante aos desafios de uma sociedade internacional. Neste contexto, o ser humano é ao mesmo tempo um propulsor de tais mudanças como também o próprio destinatário das adequações geradas. É dizer, então, que o conteúdo material é regulador em perspectiva e que o sentido formal deve se inserir como elemento de alteração para recepcionar as novas conquistas viabilizadas por tais tratados.


Neste sentido, algumas limitações à participação direta do indivíduo nas instâncias judiciais que atuam na proteção dos direitos humanos têm se dado por falta de superação de conceitos e práticas processuais que sustentam estes conceitos por vezes não mais adequados á realidade fática.


Na esfera internacional, temos visto que as mudanças operadas nas competências e atribuições de órgãos e instituições jurisdicionais, muitas vezes atendem aos aprimoramentos exigíveis em função da realidade e dos desafios colocados no cenário mundial. Para garantir a concretização dos direitos e liberdades dos seres humanos foram criados a partir da Carta das Nações Unidas, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Pactos sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que instituíram certo rito processual para garantia dos direitos elencados nos mesmos. O primeiro Pacto trouxe como mecanismo de monitoramento e implementação dos direitos pactuados um Protocolo Facultativo que por meio de um Comitê garantia inclusive a possibilidade de apresentação de queixas individuais face ao descumprimento das normas estabelecidas neste Pacto.


Outro dado é desativação da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas que teve seus trabalhos encerrados em março de 2006 quando foi instituído o novo Conselho de Direitos Humanos. Criada em 1946 a Comissão de Direitos Humanos inseria-se no Conselho Econômico e Social para apresentar recomendações, relatórios e outras proposições sobre a proteção dos direitos humanos (grupos de trabalho), prestar assistência na coordenação de atividades como consultas especializadas, ciclo de estudos e por último, receber testemunhos de vítimas e familiares em casos de violações de direitos humanos no sistema das Nações Unidas. Pelas várias limitações impostas em situações concretas, especialmente pelas inúmeras Resoluções que limitavam sua atuação a Comissão de Direitos Humanos passou a ser alvo de críticas pela sua inefetividade ante aos casos de violações de direitos humanos bem como demonstrava sua excessiva politização e seletividade dos casos, o que resultou em seu enfraquecimento.


Vale dizer que o Conselho de Direitos Humanos, além de assumir os mecanismos de proteção dos direitos humanos, também potencializou estes, inclusive aprimorando os procedimentos especiais (mecanismos geográficos e mecanismos temáticos) e os mecanismos de queixas (reclamações individuais em procedimentos especiais e o Procedimento 1503). Estes mecanismos também reafirmam a possibilidade de atuação dos indivíduos de forma direta em instâncias que apuram violações de direitos humanos (BRANT, 2006, p. 27-34).


Além destas instâncias e destes mecanismos, denominados mecanismos não convencionais dado que foram criados pelos próprios dispositivos da Carta das Nações Unidas, há também os mecanismos convencionais, ou seja, criados por meio de tratados específicos e que são constituídos como comitês formados por especialistas independentes que atuam no acompanhamento do cumprimento de determinadas convenções aprovadas pelos Estados. Também nestes mecanismos são permitidas as queixas e demandas individuais e os procedimentos são definidos no próprio texto dos tratados, assim como os desdobramentos para encaminhar soluções a estas demandas.


Um dado mais alinhado com os objetivos desse trabalho que defende a assimilação do jus standi aos indivíduos nas instâncias judiciais se deu com o Protocolo N.º 11 à Convenção Européia que fundiu as funções da Comissão Européia e da Corte Européia em um único órgão (Corte Européia de Direitos Humanos). Este Protocolo também foi fruto de uma evolução fundamental das instituições no interior do sistema europeu e incorporado na Convenção Européia. Nesta Convenção as petições individuais passavam obrigatoriamente por complexo procedimento de análise de pertinência ou não, inclusive sobre questões de mérito. A mudança passou a permitir não somente a apresentação de demandas individuais diretamente a Corte Européia como também passou esta a ser obrigatória em relação aos Estados, o que antes era facultativo. Alguns argumentos para a mudança fundamental que efetivou o jus standi aos indivíduos no sistema europeu originaram de avaliações de limitações das instituições e do funcionamento dos órgãos europeus, especialmente a Comissão Européia. Partindo de uma competência facultativa sobre os Estados em 1950, a Comissão teve expandiu suas atividades nos anos 1990, sobretudo pelo aumento do número de países que integraram o grupo de países componentes do sistema e, em especial, pelo grau de consciência alcançado pelos indivíduos quanto aos seus direitos. Isso passou a exigir maior dinamismo da Comissão que, pelos formalismos e excessos no controle das petições individuais encaminhadas já não mais se adequava às exigências da sociedade européia.


Com isso, inevitavelmente, fez-se necessária esta mudança que notadamente solidificou o conceito de sujeitos de direitos aos indivíduos, inclusive redefinindo os mecanismos de garantia que ampliou, definitivamente, o acesso ao tribunal sem mais a intermediação e controle da Comissão Européia.


Estes apontamentos ilustram que as adequações operadas nas instituições e órgãos internacionais decorrem também de aperfeiçoamentos dos mecanismos de proteção dos direitos humanos, também a partir das necessidades e exigências das pessoas a quem se destinam tais direitos.


Outro aspecto essencial diz respeito aos próprios conceitos relativos às instâncias e procedimentos, até mesmo nos ritos processuais que foram incorporados pelos mecanismos de proteção. Assim, faz-se importante algumas distinções dos papéis e funções originárias de algumas instituições e órgãos componentes dos sistemas de proteção.


Em sucinta análise das atribuições das Comissões em relação aos órgãos judiciais ou não que integram os sistemas de proteção, quase sempre são aqueles órgãos de assistência ou aos próprios Tribunais, ou a outras instâncias administrativas. Igualmente, têm marcadamente um papel de produção técnica de relatórios, consultas, recomendações e outras intervenções para promoção de direitos humanos, diferente de órgãos de proteção, notadamente marcados por mecanismos judiciais[12].


A Comissão, embora tenha sua competência estendida em todos os sistemas internacionais, inclusive com intervenções que obrigam Estados, ainda mantém seu caráter não judicial. Há o locus standi dos indivíduos neste espaço, mas para atuação judicial junto a Corte, somente através desta Comissão, que por sua vez funciona como órgão intermediário e seletivo das demandas individuais, ou mesmo como uma espécie de órgão pré judiciário, embora não judicial. Outro dado é que as Comissões, de modo geral, são formadas por membros, ou nomeados pelos Estados-Partes ou por órgãos da própria instituição a qual se vincula tal Comissão. De outro lado, as Cortes levam em conta para sua composição o conhecimento técnico, sempre considerando os membros com formação e atuação jurídica. Estas apresentam características de autonomia e independência em relação aos Estados, o que nem sempre pode se dizer dos membros indicados para as Comissões. Este é um aspecto fundamental na atuação judicial e tem a ver com a legitimidade, creditada pela atuação de seus membros de modo neutro e imparcial.


De modo geral, uma comissão quase sempre é criada por tempo determinado e para tratar de assuntos específicos. Ao revés, os comitês são destacamentos menores, com poder de representação de um grupo maior, geralmente que instituiu o comitê, e que atua como órgão permanente gerenciando diversas tarefas e atuando em vários temas. Já os conselhos, genericamente, são instâncias políticas e representativas, quase sempre sem poder deliberativo e obrigatório, em geral criados para auxiliar órgãos executivos. Esta distinção aponta para algumas idiossincrasias vistas nas estruturas dos sistemas internacionais de proteção que por vezes definem competências distintas para órgãos de mesma nomenclatura ou dão poder decisório (inclusive judicial) para órgãos que, originariamente, não o teriam[13].


Portanto, em que pese a vinculação do instituto conforme a norma geral que cria determinado órgão, nos parece ao menos inadequado que uma Comissão (órgão não judicial), em que pese a existência de uma Corte (órgão judicial), ainda execute funções judiciais, de cunho estritamente técnico e relativas a proteção e garantia dos direitos humanos, paralelas as suas funções originárias de atuação de promoção de tais direitos. Este é o caso da Comissão Americana, situação que deve ser modificada haja vista o aprendizado que pode ser retirado das mudanças que foram operadas no sistema europeu de proteção dos direitos humanos.


Uma problematização que precisa ser saneada diz respeito a este acúmulo de instâncias e de funções díspares e diversas em cada sistema de proteção de direitos humanos, o que corrompe a complementaridade entre o sistema ONU e os sistemas regionais e entre estes comparativamente, gerando prejuízos também em termos de legitimidade e reconhecimento pelos sujeitos e pela sociedade internacional.


Há que distinguir as funções das Comissões, especialmente separando as funções de promoção das funções de proteção e garantia dos direitos humanos, ainda retirando destas as competências judiciais, mesmo as atividades preparatórias para eventual submissão aos tribunais, posto que os aspectos formais também são de caráter judicial, o que deve ser atribuição originária das instâncias de competência judicial. Também pelo fato de as maiorias das Comissões serem vinculadas a algum órgão diretivo ou terem na sua composição membros indicados pelos Estados-partes, coloca-se em questão a imparcialidade exigida para os órgãos judiciais e também o necessário afastamentos das questões e implicações políticas, o que é muito comum nas Comissões, mas deve ser afastado nos Tribunais.


Nas Comissões e nas Cortes há representantes dos Estados. A diferença é que na Corte é apenas um critério de composição, referente ao poder dos Estados, destacando sobremaneira o referencial técnico-jurídico, o que difere em se tratando das Comissões que para composição do órgão observam mais os critérios políticos e menos os conhecimentos técnicos. Fato é que neste cenário, não se fazem representados os indivíduos, mantendo-se ainda a predominância da representação a partir da aceitação dos Estados da jurisdição dos órgãos e instituições internacionais. Este é um dos principais argumentos a respeito da limitação da compreensão dos indivíduos como sujeitos internacionais, dentre outros, porque não dispõem de poder (atribuído por norma geral) de produção de leis. Ou seja, como os Estados podem produzir leis com a celebração de tratados, logo são sujeitos de direitos, o que não se permite aos indivíduos que são sempre intermediados pelos Estados na celebração de instrumentos jurídicos na arena internacional.[14] (REZEK, 2002: 146-150)


Esta discussão sobre ser ou não o indivíduo, de modo autônomo e sem intermediários, sujeito de direitos remete também a discussão sobre a capacidade de ser parte e de atuar processualmente nos feitos levados aos tribunais internacionais.


Disso resulta uma constatação de que não se trata da capacidade de ser sujeito, mas de tratar da incapacidade que é previamente é atribuída aos indivíduos, o que não se admite em termos processuais vis a vis o direito interno, nem mesmo pela concepção do indivíduo no direito internacional atual.


Podemos, por analogia aos procedimentos adotados com as eleições nas quais elegemos nossos representantes, concluir que a condição de sujeito internacional assemelha-se a uma forma de aquisição derivada, pois os governantes que assinam determinado tratado, tornando o país signatário em algum instrumento internacional, o faz em nome dos indivíduos através de mandato representativo outorgado por estes, ato que vincula e goza de total responsabilidade e validade jurídica.


Portanto, a via de ajuste é que os órgãos e instituições dos sistemas internacionais, aqui o sistema interamericano, adequem seus procedimentos a nova realidade que coloca o indivíduo como sujeito de direitos atendendo a uma melhor performance do Direito Internacional.


Então, temos no Direito Internacional há uma prévia consideração do indivíduo como incapaz para atuar ante os órgãos judiciais em alguns sistemas internacionais. É o caso do sistema interamericano. Assim, o desafio não é buscar o reconhecimento da personalidade e capacidade jurídica dos indivíduos, mas desfazer o preconceito de incapacidade já antecipado.


Em um contexto processual, seguindo na delimitação feita pelas distinções conceituais que ora fazemos e, aprofundando nas especificidades da atuação dos indivíduos no cenário judicial, sobretudo das Cortes Internacionais, carecem algumas distinções fundamentais para que o jus standi seja efetivado, de preferência, linearmente, em todos os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos.


A dita declaração de incapacidade dos indivíduos para atuar direta e independentemente, acionando os mecanismos individuais de garantias de direitos, como parte dotada de capacidade processual sustenta-se na compreensão de que o locus standi já lhe garante capacidade de ser parte, posto que recebida a queixa individual pela Comissão Interamericana, esta pode encaminhá-la a Corte. Ainda, pode o indivíduo ser ouvido e mesmo apresentar declarações escritas diretamente a esta Corte, no curso do processo judicial, mesmo sendo intermediado pelos delegados designados pela Comissão para acompanhamento judicial. Embora conste como parte a pessoa ou pessoas que tiveram seus direitos violados, a presença no pólo ativo da ação é condição de aceitação e prosseguimento da ação, não se admitindo atuação dos indivíduos de forma autônoma e independente em todas as fases dos procedimentos judiciais. Portanto, não se viabiliza o jus standi como se vê na Corte Européia.


Partindo da compreensão que incapacidade processual tem a ver com impossibilidade de exercer atos jurídicos válidos, necessitando de assistência ou representação, temos que na esfera internacional vis a vis o direito processual interno, a Comissão Interamericana tem atuado como representantes ou assistentes dos indivíduos, o que enfatiza a incapacidade individual de praticar atos válidos no processo.


Em certa medida, temos que a capacidade processual reúne na sua compreensão três critérios de exercício: a capacidade de ser parte no processo, a capacidade de estar em juízo e a capacidade de postular tais direitos em instâncias judiciais. (SANTOS, 2009, pg. 37).


A primeira representa o fato de que o indivíduo figura no processo por ser interessado por se tratar de defesa de seus interesses, sendo sujeito ativo ou passivo na relação processual. Isso difere da capacidade de estar em juízo, também conhecida como capacidade processual em sentido estrito ou legitimatio ad processum que, diferentemente da capacidade de ser parte, significa a capacidade de exercitar os direitos atuando no processo e realizando atos com efeitos jurídicos.[15] Por fim, ainda integra a compreensão do conceito de capacidade processual, a capacidade de atuação técnica em juízo, ou postulatória, em geral exercida por profissional que detém conhecimentos processuais para acionar as instâncias judiciais (Advogado, Promotores e Procuradores de Justiça, Defensores Públicos).


Basicamente, neste elemento de capacidade postulatória identificamos semelhanças na atuação da Comissão Interamericana atualmente ante a Corte. Pelas funções desempenhadas pela Comissão, na avaliação das condições de admissibilidade ou não das petições individuais e sua adequação formal, além do acompanhamento e atuação em todos os atos e etapas do processo, esta tem sido a principal distinção no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Ou seja, os indivíduos se apresentam com capacidade de ser parte, de estar em juízo, mas têm sido privados de postular diretamente seus direitos diante da Corte.


Mas, como defendemos, não há como diluir papéis, pois capacidade processual é uma instituição jurídica integral, não admitindo demarcações. Ou se tem capacidade postulatória podendo estar em juízo, ser parte e legitimamente agindo no processo, ou não se é capaz, cabendo à própria norma prover tais situações. Mas, não se havendo restrições nem de ordem pessoal, nem de ordem fática ou de direito, não há que se privar da atuação direta os indivíduos. Portanto, em certa medida, a Comissão Interamericana tem usurpado funções e atribuições dos indivíduos, inviabilizando o jus standi no curso de ação dos mecanismos de garantia e proteção de direitos humanos, uma vez que ela detém, ainda, o dominus litis absoluto.


5. CONCLUSÃO


Procuramos evidenciar mais alguns elementos favoráveis à implementação do jus standi no sistema interamericano de direitos humanos, como já ocorre no sistema europeu, que permite aos indivíduos, de forma autônoma e direta, sem intermediações ou restrições, sequer de objeções pessoais ou processuais.


Apontamos de forma mais enfática, como elementos positivos, que tal medida a ser incorporada através dos mecanismos de garantias junto à Corte Interamericana representa um fortalecimento da democracia em tais órgãos, assim como a própria fundamentação e legitimidade do Direito Internacional, no plano interno e internacional.


Dentre outros elementos que apontam para a superação do atual desenho da Comissão e a Corte Interamericana vis a vis o direito processual interno, procuramos apontar que a Comissão deve retomar e investir em suas funções precípuas, sobretudo das funções de promoção dos direitos humanos. As atribuições como auxiliar da justiça junto à Corte, além das ações predefinidas junto aos Estados, podem estar prejudicadas e até mesmo comprometer a validade dos procedimentos judiciais, em que Comissão tem presença obrigatória junto a Corte. Pelo fato de se manifestar junto aos Estados com visitas in loco, relatórios, recomendações e também através de comunicações de organizações não governamentais, a Comissão pode perder a legitimidade por já estar atuando e ter feito outras intervenções nos Estados, eventualmente parte em procedimento judicial originado por denúncia individual.


A retirada do dominus litis standi da Comissão Interamericana pode potencializar suas ações de promoção como também pode representar um alinhamento dos sistemas internacionais dando maior legitimidade a estes. Sem dúvida, isso promoverá repercussões importantes internamente nos Estados, como também contribuirá para maior adesão dos Estados aos instrumentos internacionais.


Ainda, e mais importante, os seres humanos passarão por maior reconhecimento, de forma mais efetiva e pragmática, posto que terão respeitados seus direitos humanos, a partir de então garantidos e incorporados nos mecanismos de garantia, observando, portanto, a precedência inserta na compreensão de dignidade humana, tão propalada e registrada em diversos instrumentos jurídicos nacionais e internacionais.


A idéia de complementaridade dos sistemas internacionais quer dizer mais que simples adesão, mas uma conexão positiva que deve ser aprofundada sob pena de que o mal funcionamento de um sistema implique na deslegitimação dos demais. Daí, cremos que o argumento de complementaridade inter sistemas é uma condição, não mais uma simples adesão.


No mesmo sentido, a garantia do acesso aos indivíduos a Corte Interamericana, com a implementação do jus standi como extensão e compreensão da capacidade processual (legitimatio ad processum) também é condição para sustentação do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.



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SOARES, G. F. S. 2002 Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas,  V. 1.

 

Notas:

[1] O Regulamento que passou a permitir o locus standi à vítima, familiares e representantes junto à Corte foi aprovado em 24 de novembro de 2000.

[2] Podemos dizer que o Direito Internacional superou o positivismo voluntarista que se condicionava à ordem estatal (paradigma interestatal) e adotou os “valores comuns superiores” do jusnaturalismo e passou a reconhecer a pessoa humana como titular de direitos no âmbito internacional, logo, como sujeito com capacidade de exercício de tais direitos.

[3] Temos como principais instrumentos de proteção dos direitos humanos característicos de um sistema universal: 1) Carta das Nações Unidas; 2) Declaração Universal dos Direitos Humanos; 3) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo; 4) Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 5) Tratados temáticos (Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção Contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outros).

[4] O Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, em sua primeira parte diz: “NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.”

[5] Por ocasião da realização da Conferência Mundial de Direitos de Viena, em 1993, ficaram consagrados os princípios da universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, o que reafirmou os direitos e garantias individuais na concepção de dignidade humana quando interpreta que a Declaração Universal garante aos seres humanos direitos por sua individualidade, tais como vida, liberdade, segurança, contra a escravidão, contra a tortura, além de outros mais explícitos em termos processuais de sua garantia como reconhecimento de sua personalidade jurídica; direito de recursos em tribunais competentes; direito a uma justiça independente e imparcial, dentre outros, todos de características necessariamente individuais, e não institucionais ou de ordenação à pessoas jurídicas ou aos Estados.

[6] Em 1987 foi criado um Comitê junto ao Conselho Econômico e Social com a finalidade de examinar o cumprimento do Pacto, mas ainda hoje não se implementou um mecanismo como um Protocolo Facultativo ou quaisquer outros instrumentos que garantam apreciação de queixas pelos Estados ou mesmo individuais.

[7] A Carta de Bogotá criou a Organização dos Estados Americanos em 1948, entrando em vigor em 1951. Já foi emendada pelo Protocolo de Buenos Aires (1967), pelo Protocolo de Cartagena de Índias (Colômbia – 1985), pelo Protocolo de Washington de 1992 e, por fim, pelo Protocolo de Manágua de 1993.

[8] Maior detalhamento sobre tramitação de petições individuais e comunicações interestatais podem ser conferidas em NEMER, 2006, pg. 104-105.

[9] Quando um Estado ratifica a Convenção Americana, ele só reconhece a competência consultiva da Corte Interamericana, acrescida da competência ampla da Comissão. Cabe aqui dizer que, se o Estado não ratifica a Convenção Americana, mas faz parte da OEA, o mesmo reconhece a competência da Comissão. Sendo assim, a competência da Comissão independe da ratificação da Convenção Americana, bastando, para tanto, ser membro da OEA. Para que o Estado reconheça a competência contenciosa da Corte Interamericana, ele deve manifestar vontade expressa para tanto. O Brasil reconheceu a competência consultiva da Corte Interamericana em 1992, ao ratificar o Pacto de San José, só aceitando a competência contenciosa em 1998.

[10] O Protocolo n.º 11 foi assinado em Estrasburgo em 11 de maio de 1994, entrando em vigor 1º de novembro de 1998.

[11] Há ainda uma discussão que se ampliou com a concepção e implementação do Direito Comunitário, o que  introduziu o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias e a Carta de Direitos dos Direitos Fundamentais da União Européia. Nesse, contexto, cumpre indagar como ficam as relações ente Estrasburgo e Luxemburgo, entre a Corte Européia dos Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, entre a Convenção Européia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Humanos da União Européia e, em última análise, qual é a relação entre o Direito Internacional e o Direito Comunitário.

[12] A Comissão de Direitos Humanos da ONU, extinta para dar lugar ao novo Conselho de Direitos Humanos era órgãos de assistência ao Conselho Econômico e Social. Também, a Comissão Européia de Direitos Humanos, também sofreu mudanças (fusão com a Corte Européia) e dentre suas atribuições funcionava como uma instância inicial para análise de denúncias de violações aos direitos humanos antes de serem encaminhadas a Corte, inclusive com poder de vetar o seguimento de tais petições em análise formal e material. Esta também tem sido uma das atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que nos termos do art. 57 da Convenção Americana deve comparecer em todos os atos perante a Corte, além de poder submeter casos contenciosos a esta ou fazer consultas. Desempenha funções ora como auxiliar da justiça, como o Ministério Público, ora como parte já que tem competência para iniciar procedimentos junto à Corte. Com alguma diferença em contexto de criação, a Comissão Africana de Direitos Humanos também se mostra extremamente politizada pelo vínculo imediato com a Assembléia de Chefes de Estados e Governos, o que aponta sua parcialidade.

[13] O Comitê criado pelo Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos tem atribuição precípua de examinar os relatórios estatais quanto ao cumprimento dos direitos humanos e, em caso de descumprimento, comunicar a Assembléia da OEA, embora sem qualquer poder coercitivo juntos aos Estados-membros. O Comitê de Ministros do sistema de proteção europeu se trata de um órgão eminentemente político, com funções executivas, especialmente de supervisão e implementação das decisões tomadas pelo Conselho Europeu, ou seja, funcionando como órgão auxiliar ou espécie de secretaria executiva do Conselho. Ainda, como mecanismos convencionais, há os Comitês criados no âmbito da Carta das Nações Unidas que são responsáveis por fiscalizar e garantir a proteção dos direitos humanos no sistema ONU, a partir de tratados específicos celebrados. Vejamos que são instâncias com atribuições variadas, criadas por instituições e órgãos variados e com atribuições também as mais diversas.

[14] Causa muito estranhamento que ainda persista este tipo de argumento limitador do jus standi individual, não somente pelos avanços vistos na Corte Européia como também pela incoerência de tal argumento de capacidade de produção de leis, sendo que o texto expresso da Declaração Universal (de direitos do homem) traz inúmeros direitos que carecem de garantias em caso de recusa ou outro tipo de violação, ao passo que mesmo assim não se admita que estes destinatários de direitos não possam vindicá-los. Com a máxima vênia, o argumento não exige maiores contestações, bastando apenas este que somente o indivíduo é capaz de reivindicar, judicialmente, o direito á vida, à dignidade humana, à segurança, ao trabalho, á moradia. Sendo o Estado uma virtualidade, não há como este fazer tais reivindicações.

[15] Em brilhante artigo denominado Direitos Humanos: Personalidade e Capacidade Jurídica Internacional do Indivíduo, Cançado Trindade (2004) utiliza a expressão legitimatio ad causam para descrever a capacidade processual do indivíduo de atuar e proceder a atos válidos no processo. Contudo, com a devida vênia compreendemos não se trata de capacidade de atuar na causa haja vista, como já dito, que nos procedimentos atuais na Corte Interamericana os indivíduos atuam com depoimentos e com documentos juntados. Mas, melhor nos parece, distintamente, de legitimatio ad processum, ou seja, plena capacidade de atuar na produção de atos judiciais válidos, em todas as fases do processo.


Informações Sobre o Autor

Braulio de Magalhães Santos

Advogado, Assessor Jurídico – Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte, Especialista em Direitos Humanos, Conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Mestre em Ciências Sociais – Gestão de Cidades, Doutorado em Direito Público – Internacional (em curso) – PUC-MG


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