Breve análise sobre o caso Cesare Battisti

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Resumo: Trata-se de análise do caso Cesare Battisti, extremamente relevante, levado a julgamento no Supremo Tribunal Federal, com manifestação do ex-Presidente da República Lula que repercutiu, sobremaneira, sobre a possibilidade de ter havido ofensa ao tratado internacional firmado entre o Brasil e o governo italiano.           


Palavra-chave: Cesare Battisti, extradição, ofensa, tratado internacional


Abstract: It is analyzing the case Cesare Battisti, extremely relevant, put on trial in the Supreme Court, with manifestation of the former President of the Republic Lula that reflected, above all, about the possibility of there having been an offense against the international treaty signed between Brazil and Italian government.


Keywords: Cesare Battisti, extradition, offense, an international treaty


Sumário: 1. Regime Jurídico do Estrangeiro. Estatuto do Estrangeiro 6.815/80, alterações trazidas pela Lei 6.964 e regulamentada pelo Decreto n. 86.715/81. Alguns conceitos e procedimentos. 2. Apontamentos do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. 3. Peculiaridades de Cesare Battisti e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. 4. Decisão de Lula e Inexistência de ofensas ao Tratado entre Brasil e Itália. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Regime Jurídico do Estrangeiro. Estatuto do Estrangeiro 6.815/80, alterações trazidas pela Lei 6.964 e regulamentada pelo Decreto n. 86.715/81. Alguns conceitos e procedimentos.


A situação do estrangeiro no país é regulamentada 6.815/80 com as alterações trazidas pela Lei 6.964 e regulamentada pelo Decreto n. 86.715/81 chamado de Estatuto do Estrangeiro.


Consideram-se estrangeiros aqueles com nacionalidade diversa do país em que se encontra.


O Estatuto do Estrangeiro define a situação jurídica do estrangeiro no país, disciplinando sobre a entrada, saída e retorno do estrangeiro ao país, seus direitos e deveres, bem como aqueles que ingressam na condição de asilado, ainda prescreve sobre os requisitos da deportação, expulsão e da extradição entre outras situações de igual importância, no entanto, que não são necessárias no momento para análise do caso de Cesare Battisti.


O estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político deverá cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo fixar, assim, não poderá sair do país sem prévia autorização do Governo brasileiro, sendo que o descumprimento resultará na renúncia ao asilo e impedirá o reingresso na condição de asilado.


A extradição, instituto que nos interessa entender primordialmente a fim de ingressar na discussão sobre o caso em foco, não está conceituada no Estatuto, mas é definida por Rezek como “a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivíduo que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena” [1].


 A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou na ausência deste, quando prometer ao país a reciprocidade, no entanto, a extradição não será concedida por diversos motivos expressamente previstos no Estatuto do Estrangeiro, entre eles, se for brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido; o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente e o fato constituir crime político; nesse último caso, não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.


O Supremo Tribunal Federal tem competência exclusiva de apreciar o caráter da infração, ademais, poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.


A concessão da extradição deve respeitar duas condições: ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado e existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo em caso de urgência, poderá ser ordenada a prisão preventiva do extraditando desde que pedida, em termos hábeis, qualquer que seja o meio de comunicação, por autoridade competente, agente diplomático ou consular do Estado requerente.


O requerimento da extradição poderá ser por via diplomática ou, na ausência de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, sendo que o pedido deverá ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por Juiz ou autoridade competente.


Assim, o Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal, já que a extradição não poderá ser concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão.


Após a efetivação da prisão do extraditando perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, sendo que o Relator ao receber o pedido designará dia e hora para o interrogatório, que apresentará defesa, se quiser.


A concessão da extradição, será comunicada por meio do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional, no entanto, não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido; computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição; comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação; de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena.


Outrossim, no caso de negativa da extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato.


2.  Apontamentos do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana


O Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana foi assinado em Roma, em 17 de outubro de 1989, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 78, de 20 de novembro de 1992, promulgado pelo Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993 e publicado no Diário Oficial de 12 de julho de 1993.


Trata-se de instrumento de pequeno volume, composto de vinte e dois artigos, que disciplina a obrigação firmada entre os governos; os casos que autorizam a extradição; os casos de recusa da extradição, expressamente prevendo que será recusada quando a infração cometida, fundamento do pedido de extradição, for apenada com morte ou que viole os direitos fundamentais da pessoa reclamada, entre outros motivos facultativos de recusa.


Além disso, o tratado em questão impõe limites à extradição, como por exemplo, o fato de a pessoa extraditada não poder ser submetida à restrição da liberdade pessoal para execução de uma pena, nem sujeita a outras medidas restritivas, por um fato anterior à entrega, diferente daquele pelo qual a extradição tiver sido concedida, situação que comporta exceção.


O referido instrumento não deixa ao desalento o princípio do contraditório e da ampla defesa prevendo que à pessoa reclamada será facultada defesa, de acordo com a legislação da parte requerida, a assistência de um defensor e, se necessário, de um intérprete.


Ainda há previsão do cômputo do período de detenção, de forma que o período de detenção imposto à pessoa extraditada na parte requerida para fins do processo de extradição será computado na pena a ser cumprida na parte requerente, entre outras questões atinentes ao modo de comunicação, as pessoas envolvidas e os procedimentos da entrega.


Mister destacar que, assim como previsto no Estatuto do Estrangeiro, o referido tratado prevê em seu artigo III, os casos de recusa da extradição, entre eles, se o fato pelo qual é pedida a extradição for considerado, pela parte requerida, crime político ou se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados.


3. Peculiaridades de Cesare Battisti e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal


Cesare Battisti é cidadão italiano condenado pela Corte de Apelações de Milão à pena de prisão perpétua por homicídio de quatro pessoas. Viveu na França por aproximadamente dez anos e na iminência de ser extraditado, fugiu para o Brasil.


Em 2007, o governo italiano requereu sua extradição; interrogado em 2008, negou a autoria dos crimes em relação aos quais foi condenado na Itália, e atribuiu a um grupo político ligado à extrema esquerda italiana, sendo que na época dos fatos não fazia mais parte desse grupo.


A condição de refugiado foi requerida por Cesare Battisti junto ao Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, prevista na Lei 9.474/97, indeferido num primeiro momento, mas concedido em fase de recurso pelo Ministro de Estado da Justiça.


A Lei 9474/97 define mecanismos para implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e é composta de 49 artigos, em que define o conceito de refugiado, a quem se estendem os efeitos da condição de refugiado, bem como os excluídos dessa condição, entre outros procedimentos para o reconhecimento jurídico do refugiado no país de ingresso.


O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do pedido de extradição, entendeu, preliminarmente, a ilegalidade do ato que concedeu a condição de refugiado pelo Ministro da Justiça a Cesare Battisti, bem como decidiu pela extradição, no entanto, condicionou tal decisão à homologação do Presidente da República.


Contrariamente, ao costume apontado pelo autor Rezek em sua obra[2], o Supremo Tribunal Federal não se manifestou em termos definitivos sobre o pedido de extradição, se limitando, portanto, em declará-la viável.


No entanto, no último dia de mandato, o então Presidente da República Luíz Inácio Lula da Silva, manifestou posicionamento de forma contrária ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, negando a extradição.


4. Decisão de Lula e Inexistência de ofensas ao Tratado entre Brasil e Itália


Após a decisão do Presidente da República em negar a extradição, houve imensa repercussão, bem como grande inconformismo do governo italiano, o que resultou em pedido de liberdade pelos advogados de Cesare Battisti, negado num primeiro momento, mas concedido após o recesso judiciário, por decisão não unânime, sendo seis votos (Ministros: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio Mello) a favor da soltura e 3 votos (Gilmar Mendes – Relator, Ellen Gracie e Cezar Peluso) negando a liberdade requerida, seguindo a orientação do ex-Presidente.


A decisão do ex- Presidente Lula se fundamentou no fato de que Cesare Battisti poderia sofrer perseguições do país requerente, o que é perfeitamente autorizado, nos termos do artigo III, item 1, alínea f, do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, se caracterizando como um dos motivos em que concessão de extradição pode ser negada.


De outro lado, é mister apontar que o fato da decisão do ex-Presidente não ofender ao Tratado, não vincula a decisão do Supremo Tribunal Federal positivamente à ofensa.


Ocorre que, as decisões aparentemente conflitantes, levam em conta fundamentações diversas que possibilitam chegar em conclusões extremistas, portanto, em nenhum momento houveram ofensas ao Tratado, mas premissas destoantes.


Ademais, ante a alegação do governo italiano de ofensa ao pacto entre os países (Brasil e Itália), o assunto passou da esfera nacional para a internacional, se enquadrando na competência delineada pela Constituição Federal ao Presidente da República, haja vista sua exclusividade firmar tratados, conforme previsão expressa no artigo 84, inciso VIII[3], da Constituição Federal, o que não se delega para a União, Estados ou Municípios.


Sobre o tema consignou de forma esclarecedora o autor LUCIANO AMARO que “não se deve confundir o tratado firmado pela União com as leis federais. Quem atua no plano internacional com soberania é o Estado Federal, e não os Estados federados ou os Municípios. Portanto, o tratado não é ato que se limite à esfera federal; ele atua na esfera nacional, não obstante a Nação (ou Estado Federal) se faça representar pelo aparelho legislativo e executivo da União” [4].


Apesar de no sistema presidencialista a figura do Chefe de Governo e de Estado se confundirem, seus conceitos são diversos, na medida em que o primeiro reflete que o Presidente da República é chefe do poder executivo, e no segundo caso, é o representante da nação, o que significa dizer que no caso dos tratados internacionais, o Presidente exerce a função de chefe de Estado desaparecendo qualquer característica de uma isenção heterônoma, vedada pelo artigo 151, inciso III, da Constituição Federal.


5. Conclusão


Na decisão final dada ao caso que se arrasta desde 2007, não houve ofensa ao Tratado firmado entre os países, porém, mister considerar que a motivação adotada para negar a extradição beira o subjetivismo, haja vista que as provas contidas nos autos traduzem a realidade parcial que jamais poderá alcançar a totalidade dos fatos em análise, destarte, o que se observa na parcialidade que se tem, foi manifestada pelos seus interpretantes, que por óbvio, necessitaram de algum repertório.


Tem que se ter em vista, para definitivamente da decisão adotada, as características do caso que mais se sobressaem em relação à análise de sua concretude, já que toma proporções diversas e assume características variadas, ora de concessão da extradição, ora de negativa de tal extradição.


Por fim, a extradição foi definitivamente negada ao governo italiano, considerando tratar-se de matéria atinente à soberania nacional, no campo das relações internacionais.


 


Referências bibliográficas:

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1948.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. Lisboa, Armênio Amado Ed, 1984.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª edição, rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

 

Notas:

[1] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 189.

[2] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 192. “Nasceu, como era de se esperar que nascesse, por força de tais fatores, no Supremo Tribunal Federal, o costume de se manifestar sobre o pedido extradicional em termos definitivos. Julgando-a legal e procedente, o tribunal defere a extradição. Não se limita, assim, a declará-la viável, qual se entendesse que depois de seu pronunciamento o regime jurídico do instituto autoriza ao governo uma decisão discricionária”.

[3] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…)

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

[4] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 186.


Informações Sobre o Autor

Adriana Souza Dellova

Mestranda em Direito das Relações Econômicas Internacionais (PUC/SP). Especialista em Direito Processual Civil (PUC/ Campinas). Pós-graduanda em Direito Tributário (IBET/SP). Advogada em São Paulo.


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