Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar a decretação da prisão provisória, mesmo quando em conflito com o princípio da presunção de inocência. Utilizou-se o método de abordagem dedutivo, uma vez que se partiu de aspectos gerais para específicos. A pesquisa, quanto ao procedimento utilizado na coleta de dados, é a bibliográfica. O estudo foi realizado de forma a obter informações acerca dos tipos de prisão provisória, princípios constitucionais inerentes à prisão e, por fim, buscou-se saber sobre a legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência. Com base na pesquisa, conclui-se que os entendimentos relacionados ao assunto são variados, ora entendendo pela possibilidade da decretação da prisão provisória, ora a proibindo-a. Percebeu-se que tal prisão poderá ser decretada para garantir os fins da instrução criminal e esse é o argumento dos que são a favor. No entanto, para alguns, mesmo que se admita tal previsão, sua aplicação deve ser proibida em face da afronta ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente previsto. Assim, entende-se que há grande problemática relacionada ao tema, os quais devem ser ponderados pelo magistrado no momento da decretação da prisão.[1]
Palavras-chave: Processo penal. Prisão provisória. Presunção de inocência.
Abstract: This article aims to study the decree of provisional detention, even in conflict with the principle of presumption of innocence. We used deductive approach method, once it is started from general to specific aspects. Concerned the procedure, we used in data collection from literature in this research. The study was conducted in order to obtain information about types of provisional detention, constitutional principles inherent to the prison and finally we sought to know about the legality or not in cases of provisional arrest under the principle of presumption of innocence. Based on the research, it is concluded that understandings related to the subject are variable, now understand the possibility of enactment of provisional detention, sometimes banning it. We understand that this kind of order of arrest can be imposed to ensure the purposes of prosecution and this is the argument of those who are in favor of it. However, some of them, even assuming such a prediction, it should be prohibited, because it is an affront to the principle of presumption of innocence, as constitutionally provided. Therefore, we can assert there are large issues related to the topic, which should be considered by the magistrate at the time of order the arrest.
Keywords: Criminal procedure. Provisional detention. Presumption of innocence.
Sumário: Introdução. 1. Da prisão provisória. 1.1. Prisão em flagrante. 1.2. Prisão preventiva. 1.3. Prisão temporária. 2. Princípios constitucionais inerentes à prisão. 2.1 Princípio do devido processo legal. 2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana. 2.3 Princípio da liberdade. 2.4 Princípio da proporcionalidade. 2.5 Princípio da legalidade. 2.6 Princípio da motivação das decisões judiciais. 2.7 Princípio da presunção de inocência. 3. A legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência. 3.1. Argumentos favoráveis à prisão provisória. 3.2. Argumentos contrários à prisão provisória. 3.3. Análise da legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência. Conclusão.
Introdução
No presente artigo científico serão apresentadas considerações inerentes à legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência. Para tanto, serão analisados os tipos de prisão provisória, os princípios constitucionais inerentes à prisão, os posicionamento favoráveis e contrários à prisão e, por fim, será analisada a legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência.
O método de abordagem será dedutivo, partindo da análise das regras da prisão provisória e dos princípios constitucionais relacionados a ela, a fim de verificar se a aplicação da prisão provisória respeita o princípio constitucional da presunção de inocência. Desta forma, parte-se de uma premissa geral para uma particular.
O tipo da pesquisa, quanto ao seu procedimento, será bibliográfico, através de pesquisa em doutrinas, leis, dentre outros tipos de fontes bibliográficas, permitindo que se compreenda a complexidade e polêmica que há em torno do problema apresentado.
A pesquisa será exploratória, uma vez que se busca ter maior conhecimento relacionado ao problema. Sendo assim, ela é flexível, possibilitando diversas considerações sobre o tema estudado.
A razão da escolha do tema adveio com o interesse e a percepção de sua relevância jurídica e social para toda sociedade brasileira, sendo que existem grandes discussões e diferentes entendimentos doutrinários em relação ao fato da aplicação da prisão provisória, considerando a necessidade de ser respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência.
Por esses motivos, apresenta-se a seguinte questão de pesquisa: Se o agente é presumidamente inocente, poderá ser preso provisoriamente, já que isso implica a privação de sua liberdade de locomoção, sem haver uma sentença penal condenatória transitada em julgado?
1 Da prisão provisória
Todas as pessoas têm, como garantia constitucional, o direito à liberdade, de acordo com o inciso XV do art. 5º da Constituição Federal (CF), segundo o qual “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988).
Conforme o inciso LXVI do art. 5º da CF (BRASIL, 1988), “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Para Nucci (2008, p. 561), “quer o preceito indicar que a prisão, no Brasil, é a exceção e a liberdade, enquanto o processo não atinge o seu ápice, com a condenação com trânsito em julgado, a regra”.
No direito processual penal brasileiro há duas modalidades, de prisão que é a prisão-pena, decretada após o trâmite processual seguida de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, e a prisão sem pena, a qual não tem o intuito de garantir a instrução processual.
A prisão cautelar é chamada de prisão provisória. Ela ocorre antes do trânsito em julgado de sentença condenatória e tem como pressupostos o fumus commisi delicti, que é a probabilidade da ocorrência de um delito, e o periculum libertatis, que é o risco que o acusado causará se permanecer em liberdade.
Há três tipos de prisões cautelares no ordenamento jurídico brasileiro: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva, as quais serão analisadas a seguir.
1.1 Prisão em flagrante
A prisão em flagrante é uma exceção à regra e somente o juiz pode decretar a privação da liberdade de alguém, devendo o processo ter todo o trâmite legal, até haver uma sentença condenatória irrecorrível. Ela pode ser aplicada tanto nos casos de crime, como nos casos de contravenção.
Conforme expresso no art. 302 do CPP (BRASIL, 1941), considera-se em flagrante delito quem: (1) está cometendo a infração penal; (2) acaba de cometê-la; (3) é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; (4) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Não há previsão de tempo para que a prisão em flagrante seja efetuada, mas ela deverá se encaixar em um dos casos elencados no art. 302 do CPP, devendo permanecer o estado de flagrância.
Cabe ao bom senso do magistrado, ao ter conhecimento do flagrante, avaliar se realmente é logo após, bem como se não houve interrupção da perseguição, o que afasta o estado de flagrância.
Nos casos da prisão em flagrante dos crimes sujeitos à ação pública condicionada e à ação privada, poderá haver a prisão, desde que haja a presença da vítima e esta autorize a formalização do auto de prisão, conforme art. 5º, §§ 4º e 5º, do CPP[2] (BRASIL, 1941).
Quando se fala em prisão em flagrante, há quem se refira a ela como sendo prisão precautelar, eis que é uma medida que antecipa uma medida cautelar. Quando aplicada a prisão em flagrante, esta servirá de instrumento, não obrigatório, para a prisão preventiva.
Lopes Júnior (2011, p. 38, grifo do autor) afirma que “A instrumentalidade manifesta-se no fato de o flagrante ser um strumenti dello strumento[3] – a prisão preventiva; ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos, em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante. Por isso, qualquer pessoa ou autoridade policial pode prender em flagrante sem ordem judicial”.
Desta maneira, verifica-se que a prisão em flagrante não é requisito para a prisão preventiva. Ao receber o auto de prisão em flagrante, caberá ao juiz, fundamentadamente, relaxar a prisão ilegal, ou convertê-lo em prisão preventiva quando houver os requisitos do fummus commissi delicti e o periculum libertatis, ou deverá decretar outra medida cautelar alternativa, ou ainda conceder liberdade provisória com ou sem fiança, conforme art. 310 do CPP (BRASIL, 1941). Esses casos específicos da aplicação da prisão preventiva serão estudados a seguir.
1.2 Prisão preventiva
A prisão preventiva é uma prisão cautelar e tem natureza processual, porque é decretada pelo juiz durante a instrução criminal ou, ainda, no curso do inquérito policial, de acordo com o art. 311 do CPP (BRASIL, 1941).
Para ser aplicada a prisão preventiva deve haver motivos que justifiquem sua decretação, os quais estão elencados no rol do art. 312 do CPP (BRASIL, 1941), que assim dispõe: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Assim, se não estiverem presentes esses fundamentos, não poderá ser decretada a prisão preventiva.
O caput do art. 312 do CPP não foi alterado com a Lei n. 12.403 de 2011. Contudo, foi incluído o parágrafo único, o qual diz que “a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o)” (BRASIL, 1941).
A competência para decretar a prisão preventiva depende de quem originariamente julga o processo, que analisará o caso concreto para verificar se é a competência, do juiz ou do relator.
Somente poderá ser decretada a prisão preventiva caso haja grande probabilidade, se não certeza, de quem é o autor do delito. Se o fato for típico deve ser decretada prisão pelo juiz, seja ela de ofício, a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente ou por representação da autoridade policial.
Os casos em que pode ser decretada a prisão preventiva estão elencados no art. 313 do CPP (BRASIL, 1941), in verbis: “Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal[4]; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida”.
De acordo com Cunha (2011, p. 148), “O art. 313 do CPP prevê as condições em que se admite a prisão preventiva (condições de admissibilidade), selecionando crimes que, por sua natureza, quantidade da pena máxima em abstrato, condições pessoais do agente ou qualidades da vítima, são compatíveis com a custódia cautelar preventiva”.
Em comentário ao parágrafo único do art. 313, Nucci (2011, p. 68) diz que “[…] a prisão é fator de pressão para a identificação necessária; tão logo seja esclarecido o cenário da sua identidade, será colocado em liberdade, salvo se os requisitos da preventiva estiverem presentes”. Assim, quando identificada a pessoa, ela será imediatamente libertada da prisão, quando não for caso de decretação de prisão preventiva.
A prisão preventiva somente será decretada quando houver fundado motivo. Caso não estiver presente o motivo que a justifique, ela deverá ser revogada, mas, se surgirem novas razões que a justifiquem, poderá ser novamente decretada, conforme previsto no art. 316 do CPP[5].
Toda a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva deverá ser motivada, caso contrário o ato será nulo, pois “[…] o juiz não pode, simplesmente, dizer que decreta a prisão do agente. É preciso que motive a sua decisão, justificando as razões pelas quais decreta a custódia preventiva ou as razões de sua revogação, sob pena de nulidade da decisão” (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 60).
Esta motivação da decisão judicial que decreta a preventiva também é exigida nos termos do inciso IX do art. 93 da CF[6], bem como do art. 315 do CPP[7].
A decretação da prisão preventiva é razoável e justificável nos casos de crimes, uma vez que estes são atos de maior gravidade, justificativa esta cuja aplicação dificilmente é plausível em caso de contravenções, que são infrações penais de menor gravidade, pois haveria desproporcionalidade da medida. Neste sentido, para Tourinho Filho (2008, p. 635), “Não é possível, por mais grave que seja a contravenção, decretar-se a preventiva. Esta será sempre excluída quando a infração for contravencional. Pouco importa seja a contravenção inafiançável ou não. Ela é incompatível com a medida extrema da preventiva, mesmo porque, pelo princípio da proporcionalidade, não faz sentido uma medida tão grave para uma infração de pouca monta”.
Assim, depois desta explanação acerca da prisão preventiva, examinar-se-á a prisão temporária, que é outra medida cautelar.
1.3 Prisão temporária
A prisão temporária é uma prisão cautelar que tem o intuito de auxiliar as investigações ocorrentes durante o inquérito policial, por isso nunca será durante a ação penal, e sim na etapa de investigação policial, sendo decretada pelo juiz com amparo na Lei n. 7.960 de 1989.
Segundo Capez (2008, p. 275), a prisão temporária é “[…] prisão cautelar de natureza processual destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes […]”. Ela tem natureza processual porque somente o juiz pode decretá-la, conforme dispõe o art. 2º, da Lei n. 7.960/89 e terá seu prazo de duração de 5 (cinco) dias, prorrogáveis pelo mesmo período em casos de extrema e comprovada necessidade (BRASIL, 1989).
Acerca do assunto, Tourinho Filho (2008, p. 624) diz que “Somente o Juiz, mediante representação de Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público, poderá decretá-la. Seu prazo máximo de duração é de 5 dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Em se tratando de crimes hediondos, de prática de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e afins, e de terrorismo, o prazo de prisão temporária é de 30 dias, prorrogável de mais 30, nos termos do atual § 4º do art. 2º da Lei n. 8.072/90[8]”.
Como menciona o art. 2º, da Lei n. 7.960/89 (BRASIL, 1989), para ser decretada a prisão temporária, deverá estar evidenciada extrema e comprovada necessidade, isso significa que deverão estar presentes fundadas razões para se tomar decisão que justifique privação da liberdade de alguém, eis que isso é uma exceção, principalmente porque a regra é a liberdade de locomoção. “A exigência de fundadas razões é necessariamente imprescindível, pois não existe cautelaridade sem esse requisito. Apenas uma observação: fundadas razões são razões convincentes, sérias” (TOURINHO FILHO, 2008, p. 624, grifo do autor).
O prazo da prisão temporária começa a fluir a partir do dia em que foi cumprida a ordem e, esgotado o prazo determinado pelo juiz, o preso deverá ser posto em liberdade, caso não seja o seu prazo prorrogado, excepcionalmente, pelo mesmo período.
Os crimes em que é cabível a decretação da prisão temporária encontram-se elencados no art. 1º, III, da Lei n. 7.960/89, dentre eles estão: homicídio doloso, sequestro, roubo e estupro.
Conforme está expresso no art. 1º da Lei n. 7.960/89 (BRASIL, 1989), caberá prisão temporária quando: (1) imprescindível para as investigações do inquérito policial; (2) o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; (3) houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado.
Entretanto, Nucci (2006, p. 546) analisa criticamente as duas primeiras hipóteses, assim advertindo: “Enfim, não se pode decretar a temporária somente porque o inciso I foi preenchido, pois isso implicaria viabilizar a prisão para qualquer delito, inclusive os de menor potencial ofensivo, desde que fosse imprescindível para a investigação policial, o que soa despropositado. Não parece lógico, ainda, decretar a temporária unicamente porque o agente não tem residência fixa ou não é corretamente identificado, em qualquer delito. Logo, o mais acertado é combinar essas duas situações com os crimes enumerados no inciso III, e outras leis especiais, de natureza grave, o que justifica a segregação cautelar do indiciado”.
Adiante, falar-se-á sobre os princípios constitucionais inerentes à prisão.
2 Princípios constitucionais inerentes à prisão
Descrever sobre os princípios constitucionais que estão atrelados à liberdade é crucial para o desenvolvimento do raciocínio que se quer alcançar com este trabalho.
De acordo com o art. 3º do CPP (BRASIL, 1941) “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.
Por essa razão, a seguir, serão tratados os princípios mais importantes aplicáveis ao direito processual penal, que têm grande relevância na decretação das prisões provisórias, iniciando pelo princípio do devido processo legal.
2.1 Princípio do devido processo legal
O devido processo legal que é uma garantia constitucional prevista no art. 5º, LIV, da CF (BRASIL, 1988), o qual diz que “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Para que haja o devido processo legal das medidas cautelares, é necessário o contraditório, conforme art. 282, § 3º, CPP (BRASIL, 1941), mas se, feito desta forma, e não se alcançasse o fim almejado, por exemplo, poderia o acusado fugir quando fosse chamado para responder ao processo.
Acerca do assunto, Silva Júnior (2000, p. 24, grifo do autor) diz que “No processo cautelar não vigora o princípio do contraditório e nem o princípio da igualdade entre as partes, porque se tivesse o réu a oportunidade de fazer sua defesa e se o juiz somente pudesse decidir após a discussão a respeito do assunto, poderia restar frustrada a medida objetivada. A situação que vigora no processo cautelar é o da inaudita altera pars”.
Isso significa que não precisará ser ouvida a parte contrária para a decretação de uma medida cautelar, pois isso poderia prejudicá-la e torná-la ineficaz.
Constata-se que, respeitado o princípio do devido processo legal, o que pressupõe o acatamento aos direitos e garantias fundamentais, o processo penal terá seu trâmite sem ocasionar constrangimento ao acusado. Deste modo, estará satisfeita a verdadeira intenção do direito penal, qual seja, a punição do agente que cometeu o crime.
2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana
Esse princípio, previsto no art. 1º, III, da CF[9], é um princípio fundamental, pois está dentro do título I da CF, o qual trata dos princípios fundamentais.
Para Martins (2006, p. 38), “A dignidade da pessoa humana é de difícil conceituação, mas direcionando-se o raciocínio para a elaboração de um conceito, deve-se pressupor a existência de respeito à vida e à integridade física do ser humano, como a presença de condições mínimas para existência digna, resguardadas a intimidade e a identidade do indivíduo, com a garantia de igualdade para com outrem, sem que se possa excluir também sua condição psicofísica”.
Verifica-se que a dignidade humana está ligada com o “interior” do homem, por exemplo, com sua autoestima, por isso é fundamental, para a qualidade de vida, o respeito a sua dignidade.
O princípio da dignidade da pessoa humana também tem previsão no Código de Processo Penal, eis que esta é uma garantia ao acusado, da qual “[…] advém a condição de vir a ser julgado de forma justa e legal, sendo-lhe assegurado o Direito à prova e contraprova, buscar a defesa de forma mais ampla, em processo público, no qual lhe é assegurada a paridade de tratamento com a parte responsável pela acusação. Também lhe garante o direito de não vir a ser preso sem que tenha sido surpreendido em flagrante delito ou ausente ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ou, ainda, quando inexistente condenação criminal à pena privativa de liberdade, transitada em julgado (MARTINS, 2006, p. 41-42)”.
Quando alguém for acusado de cometer um crime, deve merecer a garantia de igualdade de condições com a acusação, pois o suposto agente não é mero objeto do direito e sim sujeito de direito, um ser humano com direito de ter uma vida digna, pelo que terá direito a se defender, com o objetivo de provar que não são verdadeiras as alegações da acusação.
Diante disso, percebe-se a importância do princípio em comento, visto que se trata de um valor moral inerente à pessoa e, como todos são iguais perante a lei, ele é um direito que cabe a todos.
2.3 Princípio da liberdade
A liberdade é um dos principais direitos resguardados aos seres humanos. Ela é um direito fundamental e está prevista no art. 5º, caput, da CF (BRASIL, 1988, grifo nosso), o qual prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
A liberdade tem sentido muito amplo, podendo ser liberdade de pensamento, reunião, crença ou política. Mas a liberdade que interessa especificamente a este trabalho se refere à liberdade física.
O legislador teve o cuidado de prever as possibilidades para decretação da prisão, bem como exigir que essa decisão seja devidamente fundamentada, por ser uma medida ríspida para o agente que cometer o delito saber o motivo que levou a isso e poder usar seus direitos a seu favor, por exemplo, impetrar habeas corpus com o intuito de obter, novamente, sua liberdade, caso o juiz verifique ser a prisão ilegal.
2.4 Princípio da proporcionalidade
Caso seja aplicada uma pena restritiva de liberdade, essa medida deverá ser proporcional ao crime cometido pelo agente e proporcional ao fim almejado, portanto, deverá ser uma medida ponderada entre o crime cometido com a pena aplicada, para, assim, a punição ser eficaz.
Carvalho (2006, p. 34) fala que a proporcionalidade “[…] consiste na razoabilidade da restrição imposta, aferida no confronto direto entre os interesses individuais e públicos, a fim de se estabelecer se é razoável exigir-se o sacrifício do interesse individual em nome do interesse coletivo”.
O juiz deverá atentar para a medida cautelar a ser aplicada, tendo em vista a pena que poderá ser imposta na futura sentença, a fim de não se tornar superior à pena definitiva. Caso haja uma medida desproporcional, a qual extrapola a intenção de garantir a instrução processual, ela passará a ter caráter punitivo, descaracterizando a função das cautelares.
O princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, engloba, como subprincípios, o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, os quais devem ser observados em conjunto.
De acordo com Buechele (1999, p. 124-125, grifo do autor), “[…] a aplicação do Princípio da Proporcionalidade na solução de um caso concreto se dá pela verificação, na espécie, da presença de três elementos essenciais: a adequação dos meios utilizados pelo legislador na consecução dos fins pretendidos; a necessidade da utilização daqueles meios (e de nenhum outro, menos gravoso, em seu lugar); e a efetiva razoabilidade da medida (proporcionalidade em sentido estrito), aferida por meio de uma ‘rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador”.
Mesmo esses subprincípios fazendo parte do princípio da proporcionalidade, este último continua sendo um princípio único.
2.5 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade da prisão diz respeito ao momento em que esta poderá ser decretada. Está expresso no art. 5º, LXI, da CF (BRASIL, 1988), in verbis: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
O princípio em comento também tem previsão no art. 283, do CPP (BRASIL, 1941), o qual assim dispõe: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Constata-se que as medidas cautelares somente poderão ser aplicadas se estiverem previstas em lei.
Segundo Aquino e Nalini (2005, p. 97-98, grifo do autor) o princípio da legalidade é “Também denominado princípio da obrigatoriedade. É a exteriorização do princípio da oficialidade, segundo a qual, tanto a polícia judicial como o Ministério Público titularizam o dever de exercer a ação penal pública de acordo com a lei. Não podem inspirar-se em critérios políticos de conveniência, oportunidade ou utilidade social.[…] com a edição da Lei 9.099/95, teve seu campo de atuação reduzido vez que [sic] agora o Ministério Público pode suspender consensualmente o processo nas ações penais públicas cuja pena for igual ou inferior a um ano[10]”.
Deste modo, o Ministério Público – MP deverá promover a ação penal pública independente de provocação e, após denunciar, o MP não poderá desistir da ação, salvo no caso da Lei n. 9.099/95, a qual prevê que o órgão ministerial poderá, consensualmente, suspender a ação, pois é uma função sua agir em prol da coletividade.
2.6 princípio da motivação das decisões judiciais
O princípio da motivação das decisões judiciais é, também, conhecido por alguns doutrinadores, por exemplo, Zavarize (2004, p. 39), como princípio da fundamentação das decisões judiciais, pois o art. 93, IX, da CF, anteriormente citado, diz que as decisões devem ser fundamentadas.
Além de ser uma garantia constitucional, o princípio da motivação das decisões judiciais também está previsto no art. 381, III, do CPP (BRASIL, 1941), o qual diz que “a sentença conterá: […] a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”. Desta forma, ratifica que as decisões penais também deverão ser fundamentadas.
Esse princípio também deve ser respeitado ao se aplicar ou revogar uma medida cautelar, de acordo com o art. 282, II, § 5º, do CPP (BRASIL, 1941, grifo nosso) o qual assim dispõe: “O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”. Assim, subentende-se que as decisões das medidas cautelares deverão ser motivadas.
O princípio da motivação das decisões judiciais é uma garantia de que a imparcialidade foi respeitada, pois através da obrigatoriedade da fundamentação se sabe quais os reais motivos que levaram o juiz a tomar a decisão.
Constata-se que quando o juiz eleger uma entre várias opções deve fundamentar sua decisão para garantir aos interessados a discussão acerca do assunto, ou seja, deste modo, será garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório, para ser considerada uma decisão justa.
2.7 Princípio da presunção de inocência
O princípio da presunção de inocência está previsto no art. 5º, LVII, da CF (BRASIL, 1988) o qual dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Tem-se que o estado de inocência deve perdurar até a sentença penal condenatória transitada em julgado.
A Declaração Universal dos Direito Humanos de 1948, das Nações Unidas, também prevê o princípio em comento em seu art. 11, o qual estabelece que “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (DECLARAÇÃO…, 1948).
De acordo com Bonfim (2007, p. 45-46), “Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre ambos. No caso, o que se tem mais propriamente é a consagração de um princípio de não-culpabilidade, até porque a Constituição Federal (art. 5º, LVII), não afirma presumir uma inocência, mas sim garantir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Assim, o princípio em questão alberga uma garantia constitucional, referindo-se, pois, a um “estado de inocência” ou de “não-culpabilidade”: vale dizer, ninguém pode ser reputado culpado até que transite em julgado a sentença penal condenatória”.
Como no art. 5º, LVII, da CF (BRASIL, 1988) diz que ninguém será considerado culpado até que seja prolatada sentença penal condenatória transitada em julgado, assim, está-se diante do princípio da não culpabilidade, pois nele é reconhecido um estado transitório de não culpabilidade durante a instrução processual, até a sentença irrecorrível.
Caso haja necessidade, como dispõe o art. 282 do CPP (BRASIL, 1941), será decretada a prisão provisória. Desta forma, não seria adequado chamar de presunção de inocência, pois o que está ocorrendo é uma presunção de culpabilidade.
Antes de ser decretada a prisão, deverá estar bem claro que o acusado cometeu o delito, pois a liberdade, que é a regra, é um direito previsto constitucionalmente (art. 5º, caput, da CF). Além disso, a decisão deverá ser fundamentada para estar garantida a plenitude de defesa.
Segundo Borges (2001, p. 153), “O instituto jurídico da presunção de inocência impulsiona o agente de infração penal a esgotar os meios para a sustentação de sua defesa da forma mais ampla que a Constituição Federal lhe garante, através do devido processo legal e da amplitude da defesa”.
O princípio da presunção de inocência é uma garantia de que, antes de ser decretada a prisão, haverá o respeito ao devido processo legal e a ampla defesa. Desta forma, o acusado terá uma “segurança jurídica” de poder se defender antes de ser abstraída sua liberdade.
Como está previsto na Constituição Federal o princípio da presunção de inocência, deverá o direito processual penal respeitá-lo, visto que é uma lei infraconstitucional.
Em face de sua relevância, a seguir será aprofundado o estudo do princípio da presunção de inocência diante da divergência a respeito de sua prevalência ou não em relação à imposição das prisões cautelares.
3 A legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência
Em seguida, serão apresentados os posicionamentos doutrinários a favor e contra a aplicação da prisão provisória, considerando que deve ser respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência; após, analisar-se-á a prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência e, por fim, apresentar-se-ão as conclusões acerca de sua legalidade ou não.
3.1 Argumentos favoráveis à prisão provisória
Há diversos doutrinadores, especificados a seguir, que são a favor da decretação da prisão provisória e a consideram legal, mesmo em conflito com o princípio da presunção de inocência.
Na Constituição Federal está previsto o princípio da presunção de inocência no art. 5º, LVII e, inversamente, tem-se a previsão da prisão em flagrante no art. 5º, LXI, ou seja, há dois dispositivos antagônicos, pois como alguém poderá ter a garantia de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória se, de outro lado, poderá haver a decretação da prisão sem o devido processo legal (BRASIL, 1988)?
No art. 283 do CPP (BRASIL, 1941) estão elencadas as espécies em que poderá ser decretada a prisão. Com relação à medida cautelar de prisão, ela poderá ser preventiva, temporária ou em flagrante, todas são espécies de prisão provisória.
Para a decretação da prisão provisória deverá haver uma decisão motivada, justificando os motivos que levaram a autoridade competente a tomar essa decisão, conforme art. 285 e 315, ambos do CPP (BRASIL, 1941).
Acerca das medidas cautelares, Capez (2008, p. 270) se posiciona: “Nosso entendimento, portanto, é o de que a prisão preventiva, bem como todas as demais modalidades de prisão provisória, não afronta o princípio constitucional do estado de inocência, mas desde que a decisão seja fundamentada e estejam presentes os requisitos da tutela cautelar (comprovação do perigo da demora de se aguardar o trânsito em julgado, para só então prender o acusado)”.
Quando estiverem presentes os requisitos da prisão provisória esta poderá ser decretada por ordem fundamentada, tornando-se uma prisão legal.
Com o mesmo entendimento, Borges (2001, p. 165-166) afirma: “Pode-se concluir que o princípio de inocência cuja garantia está assegurada na Constituição Federal de 1988, art. 5.º, inciso LVII, não impede que o acusado seja preso provisoriamente, da mesma forma que também não impede que permanecendo solto o infrator, fique adstrito ao processo e ao respectivo juízo”.
O princípio da presunção de inocência é uma garantia constitucional, mas a prisão provisória poderá ser decretada mesmo antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Neste sentido, Nucci (2006, p. 78-79) “[…] confirma a excepcionalidade e a necessidade das medidas cautelares de prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil à instrução e à ordem pública. No mesmo prisma, evidencia que outras medidas constritivas de direitos individuais devem ser excepcionais e indispensáveis, como ocorre com a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico (direito constitucional de proteção à intimidade), bem como com a violação de domicílio em virtude de mandado de busca (direito constitucional à inviolabilidade de domicílio)”.
Pode-se notar que Nucci equipara a decretação da prisão provisória com outras quebras de garantias constitucionais, como é o caso da quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, entre outros.
Acerca da prisão preventiva, temporária e em flagrante, Gonçalves (2004, p. 9), diz que “Essas espécies de prisões processuais têm sido aceitas sob o fundamento de que o próprio texto constitucional admite expressamente a prisão em flagrante e outras modalidades de privação de liberdade, desde que resultem de “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, bem como não representem verdadeira antecipação da pena, o que somente ocorrerá quando presentes, durante o processo, os requisitos das medidas cautelares […]”.
Sendo assim, quando presentes os requisitos do fummus commissi delicti e do periculum libertatis, poderá ser decretada a prisão cautelar.
Acerca do princípio da presunção de inocência, Bonfim (2007, p. 46) diz que “Também decorre desse princípio a excepcionalidade de qualquer modalidade de prisão processual. Com efeito, a prisão processual não constitui cumprimento de pena, ao contrário do que denominação reservada a algumas modalidades de prisão processual possa erroneamente sugerir. Seu fundamento é diverso. Ainda assim, a decretação da prisão sem a prova cabal da culpa somente será exigível quando estiverem presentes elementos que justifiquem a necessidade da prisão […]”.
Os elementos a que o autor se refere são provas que demonstrem a culpa do acusado e a comprovação, por meio de decisão motivada, que a liberdade do referido acusado colocará em risco a sociedade ou a instrução criminal.
A Constituição Federal prevê o direito à liberdade (art. 5º, caput, da CF) e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). De acordo com Gomes Filho (1991, p. 86), “Essencialmente, em face dessas grandes garantias, não é legítima a prisão anterior à condenação transitada em julgado, senão por exigências cautelares indeclináveis de natureza instrumental ou final, e depois de efetiva apreciação judicial, que deve vir expressa através de decisão motivada”.
Constata-se que, para os doutrinadores citados, quando estiverem presentes os requisitos do fummus commissi delicti, do periculum libertatis e a liberdade do acusado causar alguma ameaça à finalidade do processo, será permitida a decretação da prisão provisória sem que isso afete os direitos constitucionalmente previstos, uma vez que prevalece o direito coletivo sobre o individual.
3.2 Argumentos contrários à prisão provisória
De acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência, pode-se fazer o seguinte questionamento: se o agente é presumidamente inocente poderá, então, ser preso provisoriamente, já que isso é uma privação da liberdade de locomoção, sem haver uma sentença penal condenatória transitada em julgado? Em outras palavras, esta é uma indagação feita por alguns doutrinadores que consideram a prisão provisória uma medida ilegal.
Conforme Martins (2006, p. 53), “O Estado possui um aparato à sua disposição para demonstrar a ocorrência de um fato e a culpa de alguém. Acaso se permitisse o reconhecimento prévio da culpa tão-só pela existência de indícios que permitissem supor seu envolvimento, ficaria o réu refém da investigação ou mesmo do processo-crime, diante das enormes dificuldades que teria em comprovar sua inocência”.
Assim, impõe-se ao Estado a incumbência de demonstrar a culpa, e fazê-lo de forma inquestionável, autorizando a autoridade judiciária a declará-la motivadamente, impondo ao culpado a reprimenda cabível.
Rangel (2004, p. 643-644) expõe que “[…] no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito”. Logo após, o autor conclui que “Prisão não pode ser uma satisfação à sociedade por mais grave que seja o crime, mas sim uma necessidade para se assegurar o curso do processo. No caso da temporária é para assegurar que se realize uma investigação sobre o fato, dizem, praticado pelo apontado suspeito, o que, por si só, é inadmissível. Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção”.
Neste prisma, Delmanto Júnior (2001, p. 64, grifo do autor) complementa que “[…] negar o direito à presunção de inocência significa negar o próprio processo penal, já que este existe em função da presunção de inocência, afigurando-se em um Estado Democrático de Direito […]”.
A prisão provisória é uma prisão de natureza cautelar que visa à garantia da instrução criminal. A respeito de prisão cautelar, Gomes Filho (1991, p. 68) discorda com essa definição, pois “[…] é uma antecipação da punição, ditada por razões de ordem substancial e que pressupõe o reconhecimento da culpabilidade”.
De acordo com Borges (2001, p. 157, grifo do autor), “Deparamo-nos, às vezes, com hipóteses segundo as quais o preso provisório pode vir a permanecer mais tempo recolhido ao cárcere que o necessário. Isso pode ocorrer, dentre outras situações, por falta de um pedido de habeas corpus, por ausência de um defensor dativo ou, até mesmo, por deslizes do Judiciário, ocasião em que o juiz, ao aplicar a sanção penal, observa que o réu se encontra preso por lapso de tempo maior que o necessário, e finda por aplicar a pena sem a concessão de outros benefícios, para que assim seja efetivada a detração penal; na maioria das vezes, o preso não tem, tecnicamente, alcance da realidade do ocorrido”.
Em razão de falhas do Judiciário está o acusado vulnerável, pois, muitas vezes, por existir uma grande demanda, não consegue fiscalizar todos os processos no tempo de promover os benefícios que a lei oferece. Em virtude de nem todos os presos provisórios terem um advogado, acaba passando despercebido o decurso temporal e o preso não faz uso dos benefícios que lhe são permitidos, assim, se após essa prisão for declarada a inocência do acusado ele terá um prejuízo irreparável.
Conforme Kato (2005, p. 115), “a leitura tradicional da prisão cautelar […] é um dos motivos que permite sua desmedida aplicação como medida punitiva, antecipatória da pena, com razões ocultas e diversas da sua finalidade instrumental de efetividade do procedimento penal”.
Uma medida cautelar visa à garantia da prestação jurisdicional, mas no processo penal ela é utilizada como meio de antecipação da pena. Ela é decretada para garantir a aplicação da lei penal, mesmo não haja certeza, por meio de provas, de quem é a autoria do delito.
Em 2011, houve alteração no Código de Processo Penal por meio da Lei n. 12.403 e, de acordo com Gomes Filho (2011, p. 22), mesmo com a alteração dada por esta lei “[…] ao art. 312 do CPP, com a prisão preventiva determinada para a “garantia da ordem pública ou da ordem econômica”, na medida em que essa fórmula excepcionalmente ampla e aberta, ao conferir amplo poder discricionário aos juízes, acaba por possibilitar a ruptura dos padrões de unidade e hierarquia inerentes aos princípios da constitucionalidade, da legalidade e da certeza jurídica”.
Essa liberdade que é dada ao juiz, em razão de sua discricionariedade, faz com que ele não fique sujeito às limitações, pois ele terá a liberdade de decidir devendo, apenas fundamentar sua decisão, para, desta forma, fazer o que considera como justo e necessário.
3.3 Análise da legalidade ou não da prisão provisória à luz do princípio da presunção de inocência
De acordo com Gomes Filho (1991, p. 18), “o princípio da presunção de inocência vem relacionado, portanto, ao direito à tutela jurisdicional, assegurando-se ao acusado que a demonstração da culpabilidade seja feita através de procedimento público e legal, com a efetividade do direito de defesa”.
Desta maneira, é possível respeitar o princípio da presunção de inocência se, com a aplicação da prisão provisória não há o devido processo legal, nem mesmo o direito ao contraditório e à ampla defesa? Assim, tem-se que há a inviolabilidade de garantias previstas constitucionalmente, pois toda pessoa é presumidamente inocente até que se prove sua culpabilidade e essa culpabilidade, caso haja, é provada durante a instrução processual, devendo ser asseguradas a todos as garantias de defesa.
O que se objetiva em manter a liberdade do acusado não é sua proteção individual, mas sim o interesse público em proteger a garantia do justo processo.
Conforme Mendonça (2011, p. 36-37), “A prisão processual somente não viola o princípio da presunção de inocência se for decretada de maneira excepcional e sempre com caráter cautelar, para proteção dos fins do processo penal, que podem ser resumido na aplicação da pena, na busca da verdade real e, indiretamente, na proteção da sociedade contra as lesões praticadas pelo réu”.
A inclusão do princípio da presunção de inocência deu-se na Constituição Federal para respeitar a dignidade da pessoa humana no âmbito do processo penal e, consequentemente, haver uma limitação no poder do Estado quando intenciona aplicar a repressão ao acusado, devendo respeitar as garantias constitucionais antes de restringir a liberdade do indivíduo.
Diante das consequências provocadas por uma prisão cautelar, como, por exemplo, o suposto agente ser tachado pela sociedade como criminoso, é de suma importância que a autoridade que decretou a prisão tenha consciência disso e que realmente pondere sua decisão, a fim de verificar se as consequências não são excessivas para o caso concreto, uma vez que, se o suposto agente for declarado inocente, após sua prisão provisória, levará consigo as consequências dela.
Camargo (2005, p. 257) destaca os riscos da aplicação da prisão preventiva: “[…] a prisão, além de representar uma restrição ao direito de liberdade física, consiste em um sério constrangimento para o indivíduo, já que usualmente é a pena imposta para os condenados por crime de maior gravidade. Assim, a prisão imprime o estigma de culpado ao indivíduo que ainda está sendo processado, numa clara afronta à presunção de inocência […]”.
A prisão preventiva deverá ser justificada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, conforme exige o art. 312, do CPP (BRASIL, 1941).
Com relação à garantia da ordem pública, não se pode considerar correta a nomenclatura de prisão cautelar, porque neste caso o suposto agente terá sua liberdade cerceada em razão do clamor público para, assim, servir como exemplo de boa eficiência do Estado. Desta maneira, a aplicação da prisão, no caso citado, servirá como exemplo para as pessoas que tiverem a intenção de cometer o mesmo ato e como satisfação diante do sentimento de Justiça.
Neste contexto, a comoção das pessoas influencia como critério para decretação da prisão preventiva. No entremeio dessas decisões se temos que o acusado é o autor do crime, assim, ocorre a antecipação da culpabilidade e não a presunção de inocência.
Esses casos são meros arbítrios do magistrado que, ao decretar a prisão preventiva, não justifica adequadamente sua decisão. O caráter para decretação da prisão preventiva é muito subjetivo, pois esse momento ocorre antes da instrução criminal, momento em que o juiz somente baseia-se em indícios e probabilidades; desta forma, o argumento é muito frágil e é este argumento que servirá como base para prender alguém, mesmo sendo inconsistente.
Quando é decretada a prisão provisória, em razão da discricionariedade do juiz, a decisão é avaliada de acordo com seu íntimo. Desta maneira, mesmo inconscientemente, o juiz nela impõe suas emoções e conceitos, ou seja, o caráter subjetivo da decisão faz com que o juiz, conforme seu entendimento, defina o que é certo ou errado, se há risco de o acusado cometer novo crime ou se ele oferece alguma ameaça à instrução criminal.
Quando a prisão preventiva é decretada com fundamento na conveniência da instrução criminal, tem-se que isso é incoerente, pois as provas que se pretende conservar poderiam ter sido destruídas antes da prisão do acusado e, em caso de prova testemunhal, elas poderiam ser induzidas não necessariamente pelo acusado, mas também por terceiro orientado por ele.
Percebe-se que, mesmo com a prisão, não se tem controle da garantia da instrução processual, então não há justificativa para a decretação da prisão preventiva.
A respeito do princípio da presunção de inocência, Ferrajoli (2002, p. 441) diz que esse “[…] princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”. Assim, indaga-se: como se pode admitir a prisão de uma pessoa, mesmo se tendo dúvidas de sua culpabilidade, pois sem o devido processo legal não há como ter certeza da autoria delitiva, uma vez que ainda não foram produzidas todas as provas?
Em caso de decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, tem-se que mesmo o inocente pode querer fugir para evitar uma condenação injusta; haverá, neste caso, equiparação do inocente com o culpado. Não se consegue alcançar o fim almejado com a prisão provisória, pois poderá haver a punição de uma pessoa injustamente.
É muito difícil a aplicação da prisão provisória, uma vez que, com sua aplicação, mesmo sem ser a intenção, antecipa-se a punição do acusado, sem ao menos saber quem realmente cometeu o delito. Essa decretação somente se funda em presunções, tornando-se, assim, uma decisão inconsistente, fundada apenas no arbítrio do magistrado. Assim, essa decisão é vazia, sem se fundar em todos os meios de provas possíveis, os quais somente serão produzidos durante a instrução processual.
Por isso, para se atender a garantia constitucional da presunção de inocência, é muito importante preservar a liberdade física do acusado durante a instrução criminal.
De acordo com Delmanto Júnior (2001, p. 66, grifo do autor), “[…] o direito à presunção de inocência afeta não só o mérito acerca da culpabilidade do acusado, mas, também, o modo pelo qual ele é tratado durante o processo, como deve ser tutelada a sua liberdade, integridade física e psíquica, honra e imagem, vedando-se abusos, humilhações desnecessárias, constrangimentos gratuitos e incompatíveis com o seu status, mesmo que presumido, de inocente”.
Não é permitido nenhum tratamento preconceituoso com o acusado, mesmo que preso provisoriamente, ele deve ser considerado inocente, essa é a regra. Mas sabe-se que, na realidade, quando uma pessoa é presa, não tem como garantir todas essas seguranças, pois ele é colocado em uma cela comum, juntamente com outros presos já condenados criminalmente.
Quando o juiz for decidir entre decretar ou não a prisão provisória, ele verifica os indícios e, mentalmente, conclui se o réu é considerado culpado ou não. Averigua, ainda, se há indícios que prejudicarão a instrução criminal e, em caso positivo, decreta a prisão cautelar.
Se mentalmente entender que o réu não causa prejuízo estando solto, continuará a instrução processual deixando o réu permanecer em liberdade. Neste caso, com o devido processo legal, o acusado somente será levado à prisão por uma sentença condenatória transitada em julgado e não estaria apenas à mercê do critério de presunção do magistrado.
Conclui-se que a decretação da prisão provisória traz insegurança jurídica, pois o cidadão fica à mercê de apreciações subjetivas do magistrado, assim, contrapondo a certeza do direito.
Embora a Constituição Federal preveja garantias individuais por meio de princípios ou normas, a realidade não condiz com esse contexto, pois quando o acusado é preso provisoriamente, ele perde seu direito fundamental de liberdade. As garantias previstas não passam de ideologias do Poder Legislativo e Judiciário, uma vez que o processo penal não protege a pessoa individualmente.
Assim, deve-se refletir até que ponto uma pessoa pode ser colocada na prisão, que nem sequer teve seu processo julgado e está ali baseado somente em indícios e probabilidades.
A prisão provisória é muito severa, por isso, deverá ser tomado cuidado e cautela, devendo ela ser aplicada somente em casos excepcionais e com a justificada necessidade.
Em razão de ser produzido um cenário de insegurança e medo na sociedade e, além disso, pelo caráter subjetivo da prisão provisória, sua decretação é, muitas vezes, induzida por essas circunstâncias.
Os cidadãos não estão apenas ameaçados pelos delitos, mas também pelas decisões arbitrárias. Por isso, respeitar o princípio da presunção de inocência torna-se uma segurança da liberdade e da verdade, pois com a prisão, por exemplo, o acusado deixa de buscar provas para comprovar sua inocência.
Desta maneira, tem-se que o magistrado deve tomar cuidado ao decretar a prisão provisória, devendo ser humanitário para, assim, encontrar perfeita harmonia com a Constituição Federal. Deverá ele ser um julgador que não olha o acusado como culpado, mas como inocente em razão do respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Conclusão
O presente trabalho foi elaborado com a finalidade de possibilitar o conhecimento do conceito de prisão, bem como dos tipos de prisão provisória, quais sejam prisão em flagrante, temporária e preventiva.
A prisão provisória trata-se de uma medida excepcional que visa a diminuir o risco de ineficácia da decisão por meio de medida cautelar. Além disso, essa medida cautelar tem como intuito garantir o devido processo legal para que, quando se chegue ao final do processo, tenha-se a garantia de que a decisão proferida seja efetivada, ou seja, que haja meios de aplicá-la.
Viu-se que a prisão em flagrante poderá ser exercida por qualquer pessoa do povo ou pela autoridade policial. Ela deverá ocorrer logo após a ocorrência do crime; no momento em que se está cometendo o crime; se perseguido, se estiver em situação que se faça presumir que é o autor do delito, ou se a pessoa foi encontrada, logo após, com objetos, instrumentos, armas ou papéis que façam presumir que ele é o autor do delito.
Já a prisão preventiva deve ser decretada pelo juiz e servirá como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Como último tipo de prisão provisória, tem-se a prisão temporária, que somente poderá ser decretada por juiz mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público. Ela tem o intuito de auxiliar nas investigações ocorrentes durante o inquérito policial.
Estudaram-se os princípios constitucionais inerentes à prisão, iniciando pelo princípio do devido processo legal, o que significa que devem ser respeitadas as formalidades previstas em lei.
Observou-se que, no princípio da dignidade da pessoa humana, esta deve ser processada de forma justa, respeitando a vida e a integridade física do ser humano, com a presença de condições mínimas para o indivíduo.
Em relação ao princípio da liberdade, este é um direito fundamental de que todos possam estar livres, sendo essa a regra e, por isso, a prisão é a exceção.
Permite-se dizer que o princípio da proporcionalidade garante que a pena seja proporcional ao crime cometido para haver punição justa e eficaz.
Viu-se que o princípio da legalidade prevê que medidas cautelares somente serão aplicadas se estiverem previstas em lei.
Constatou-se que o princípio da motivação das decisões judiciais garante ao acusado saber o motivo de sua condenação, pois, em razão deste princípio, as decisões devem ser fundamentadas.
Após, estudou-se o princípio da presunção de inocência, o qual dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Analisaram-se os argumentos favoráveis à prisão provisória, os quais entendem que, quando estiverem presentes os requisitos da prisão provisória, esta poderá ser decretada por ordem fundamentada, tornando-se uma prisão legal.
Por outro lado, exibiram-se argumentos contrários à prisão provisória, segundo os quais ela não poderá ser decretada, visto que esta fere o princípio da presunção de inocência.
Ademais, verificou-se a ilegalidade da prisão provisória, uma vez que não há sentença penal condenatória transitada em julgado, assim, desrespeitando o princípio da presunção de inocência, ou seja, caso decretada a prisão provisória, há inviolabilidade de garantias previstas constitucionalmente, pois toda pessoa é presumidamente inocente até que se prove sua culpabilidade e essa culpabilidade, caso haja, é provada durante a instrução processual, devendo ser asseguradas a todos as garantias de defesa.
Quando decretada a prisão provisória não se tem garantia de ela ser justa e legal, uma vez que não há todo trâmite processual, concentrando apenas nas mãos do julgador o poder único de recolher a prova, escolhendo-a ao seu livre-arbítrio. Além de que, mesmo provisoriamente, causará transtorno e ônus para o acusado, seus familiares e amigos.
Por fim, concluiu-se que, quando for adequada e necessária a aplicação da prisão provisória, o magistrado deve agir com humanidade para, assim, encontrar perfeita harmonia com a Constituição Federal e preservar os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Informações Sobre o Autor
Juliana Heidemann
Acadêmica de Direito na Universidade do Sul de Santa Catarina