O foro privilegiado nos processos de improbidade administrativa

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Resumo: O objetivo deste trabalho é fazer uma sucinta abordagem da relação existente entre a ação de improbidade administrativa e o foro privilegiado que alguns agentes políticos ostentam. Primeiramente, procurou-se demonstrar os contornos da demanda judicial por ato de improbidade administrativa, seu conceito, amplitude e importância. Nesse ponto, foi relevante tratar do princípio da jurisdição necessária. Discorreu-se, então, acerca dos agentes políticos. Com relação a estes, buscou-se demonstrar que eles têm tratamento diferenciado no que tange ao foro julgador e que isso tem relevância prática, pois, consoante parte da doutrina e da jurisprudência, alguns desses agentes públicos não são atingidos pela Lei de Improbidade Administrativa, porquanto praticam crime de responsabilidade. Concluiu-se que existem três posicionamentos doutrinários a respeito do assunto, bem como que a jurisprudência é vacilante e não se mostra solidificada, já que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça tem decisões paradoxais quando tratam do foro privilegiado e da ação de improbidade administrativa.

Palavras-chave: Improbidade; Foro; Privilegiado.

Abstract: The objective of this work is to make a succinct approach to the relation between the action of administrative misconduct and privileged forum that some politicians boast. First, we tried to show the contours of the lawsuit by act of administrative misconduct, concept, scope and importance. At that point, it was important to treat the principle of jurisdiction required. Spoke up, then, about the political agents. With respect to these, we sought to demonstrate that they have different treatment with respect to the forum judgmental and it has practical relevance because, as part of the doctrine and jurisprudence, some of these public officials are not affected by the Law of Administrative Misconduct, because practicing crime of responsibility. It was concluded that there are three doctrinal positions on the subject, as well as the precedent is wobbly and does not show solidified, as both the Supreme Court and the Superior Court of Justice has paradoxical decisions when dealing with special jurisdiction and action administrative misconduct.

Keywords: Misconduct; Forum; Privileged.

Sumário: Introdução. 1. A ação de improbidade administrativa e o foro privilegiado. 1.1. A ação de improbidade administrativa e sua imperiosa necessidade. 1.2. Agentes políticos. 1.3 Aplicação da lei 8.429/92 aos agentes políticos: foro privilegiado?. Considerações finais. Referências.   

INTRODUÇÃO:

A ação de improbidade administrativa é prevista na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA). Esta norma prevê rol exemplificativo e aberto de atos caracterizadores de condutas ímprobas, notadamente porque os artigos 9º, 10 e 11 utilizam, em seu bojo, da expressão “notadamente”.

Genericamente, a LIA estabelece, nos artigos mencionados, respectivamente, o enriquecimento ilícito, o dano ao erário e a violação aos princípios da Administração Pública como atos tipificadores da improbidade administrativa. É relevante, ainda, atentar a existência de tipificação de improbidade administrativa no art. 52 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), direcionada exclusivamente a Prefeitos. A qualificação da conduta como ato de improbidade depende da presença dos pressupostos elencados no caput dos três dispositivos legais em comento.

Os sujeitos ativos da improbidade administrativa são os agentes públicos, membros da magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, Militares, empregados e dirigentes de concessionárias de serviços públicos, advogados, notários e registradores, terceiros que, embora não estejam vinculados ao serviço público, beneficiam-se com o ato ímprobo, além dos agentes políticos. Para estes últimos, a CF, as Leis nº 1.079/1950 e nº 7.106/1983 e o Decreto-lei 201/1967 fazem previsão de crimes de responsabilidade, cujo conteúdo, para parte da doutrina e da jurisprudência, mantém identidade com os atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92, porquanto ambos os institutos guardam forte conteúdo político-administrativo.

Para os referidos agentes políticos, adiante nominados, há previsão de prerrogativa de foro para processamento e julgamento dos atos previstos como crimes de responsabilidade. Nesse ponto, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que, constitui-se bis in idem condenar o sujeito ímprobo por ato previsto na Lei 8.429/92 e também por conduta tipificada como crime de responsabilidade, o que ensejaria o foro privilegiado por prerrogativa de função.

O assunto tratado revela questões de ordem prática e não somente acadêmicas, porquanto delimitar qual o órgão julgador do agente político detentor de foto privilegiado é essencial para dar maior celeridade e efetividade às condenações, de ordem a não esvaziar o instituto previsto na LIA.

Adiante seguem considerações mais detalhadas sobre o assunto.

1 A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O FORO PRIVILEGIADO:

1.1 A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SUA IMPERIOSA NECESSIDADE

Dos controles repressivos que o nosso ordenamento jurídico possibilita, o jurisdicional  é certamente o mais eficaz e o que apresenta maior relevância no que tange a manter a função administrativa aos contornos da ordem jurídica.

Nesse contexto, a ação de improbidade administrativa prevista na Lei 8.429/92 apresenta os contornos necessários para levar ao Judiciário demanda com fim de impor sanções ao agente público ou a terceiro que pratique ato ilícito contra entidades públicas ou privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública.

Há, portanto, estreita relação entre a improbidade administrativa e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, pois, presentes os requisitos previstos na Lei 8.4.29/92, a Constituição Federal no art. 5º, inc. XXXV, garante a necessária tutela estatal aos conflitos decorrentes do ato ímprobo. A par disso, o parágrafo único do art. 12 da Lei em comento dispõe expressamente que as sanções serão fixadas pelo magistrado, desde que o seja competente para tanto.

Posto isto, resta delinear se os agentes políticos podem figurar como réus na ação de improbidade administrativa. E o mais importante: qual órgão jurisdicional detém a competência para julgá-los.

1.2 AGENTES POLÍTICOS

Há controvérsia doutrinária em relação à conceituação dos agentes políticos. Essa discussão possui relevância prática, porquanto a determinados agentes políticos é previsto pela Constituição Federal ou por leis infraconstitucionais, atos de improbidade caracterizados como crimes de responsabilidade.

Sem embargos das posições da doutrina acerca de quem pode ser conceituado como agente político, os arts. 52, I, 85, V, e 102, I, c, todos da Constituição Federal, regulamentados pelas Leis 7.106/1983 e 1.079/1950 e pelo Decreto-lei 201/1967, mencionam atos de improbidade praticados por determinados agentes políticos, os quais são classificados como crimes de responsabilidade.

O art. 52, I e II, e parágrafo único, da CF/88 c/c o art. 2º da Lei nº 1.079/1950 preveem que compete ao Senado, em virtude da prática de crime de responsabilidade, o julgamento do Presidente da República, dos Ministros de Estado e do Superemo Tribunal Federal (STF), dos membros do CNJ e do CNMP, do PGR e do AGU.

Por outro lado, o art. 102, I, da CF/88 estabelece que compete ao STF processar e julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Quanto aos Governadores e os Secretários de Estado também praticam crimes de responsabilidade, submetendo-se à Lei 7.106/1983 e à Lei 1.079/1950 (arts. 75 a 79). O julgamento, nesses casos, será da respectiva Assembleia Legislativa.

O Decreto-lei 201/1967 dispõe dos crimes de responsabilidade dos Prefeitos, bem como da cassação dos vereadores que praticarem atos de improbidade administrativa.

Quanto aos membros do Congresso Nacional e aos deputados estaduais, a CF/88, tampouco a legislação infraconstitucional, fazem previsão de foro por prerrogativa de função para processo e julgamento dos crimes de responsabilidades por eles praticados.

1.3 APLICAÇÃO DA LEI 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS: FORO PRIVILEGIADO?

Atualmente a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos é controvertida, consoante a jurisprudência oscilar nesse ponto. Destoam, ainda, sobre o foro julgador desses sujeitos. Da mesma forma, a jurisprudência do STJ e do STF não convergem sobre o assunto.

Em um primeiro entendimento, todos os agentes políticos submetidos à legislação especial que versa sobre crimes de responsabilidade não se submetem à Lei 8.429/92. Defende-se que a CF/88 teria dado tratamento distinto aos atos de improbidade: os agentes públicos previstos no art. 37, §4º, da CF se sujeitam à Lei de Improbidade, enquanto que os agentes políticos submete-se às regras específicas previstas para o crime de responsabilidade, nos termos dos arts. 52, I, 85, V, e art. 102, I, c, da CF/88, dispositivos regulamentados pelas Leis nº 1.079/1950 e nº 7.106/1983 e pelo Decreto-lei 201/1967. Filiam-se a essa posição Gilmar Mendes e Gina Copola.

Essa foi a posição adotada pelo STF no julgamento da Reclamação 2.138/DF, que tratava do julgamento por ato ímprobo praticado por Ministro de Estado. No caso, decidiram os eminentes Ministros que o dito agente político, por estar regido por norma especial de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com fundamento na Lei 8.429/92, mas somente por crime de responsabilidade. E nessa ordem, a teor do que prevê o art. 102, I, da CF/88, compete ao STF processar e julgá-los.

Embora da decisão do STF repercuta no meio jurídico, tal posicionamento não revela jurisprudência consolidada, já que a decisão foi estreita (6×5) e a atual composição da Corte é  distinta daquela que proferiu a decisão.

A segunda posição esclarece que os agentes políticos sujeitam-se à Lei 8.429/92 e à legislação que trata dos crimes de responsabilidade. Esses indivíduos se subordinariam às sanções previstas tanto na Lei de Improbidade Administrativa quanto às punições estabelecidas nas Leis nº 1.079/1950 e nº 7.106/1983 e no Decreto-lei 201/1967, sem que isso fosse considerado bis in idem. Esse posicionamento é seguido por Pedro Decomain, Wallace Paiva Martins Junior e Sergio Turra Sobrane.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) perfilha desse entendimento. Esse Tribunal já teve a oportunidade de decidir pela compatibilidade das sanções de improbidade administrativa e dos crimes de responsabilidade, ressalvando, entretanto, questões de ordem processual para aplicação das sanções a determinados agentes políticos. Confira-se: STJ, Rcl. 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, Dje 04.03.2010.

A terceira reflexão sobre o tema é partilhado por José dos Santos Carvalho Filho, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Marino Pazzaglini Filho, entre outros. Para eles, deve-se dar uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, porquanto a CF/88 teve a intenção de estabelecer regras especiais para os agentes políticos que praticarem atos de improbidade administrativa e crimes de responsabilidade tão somente com relação à aplicação de sanções de conteúdo político, tais quais: perda do cargo e inabilitação temporária para o exercício de função pública, mas não no tocante às demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 e que não possuem caráter político, mas civil.

A aplicação das sanções políticas, então, dependeria de processo por crime de responsabilidade, enquanto que as outras punições ensejariam o processo e julgamento previsto na Lei de Improbidade Administrativa, sem o foro por prerrogativa de função.

Outrossim, frise-se que, quanto aos Prefeitos, Governadores, Deputados Federais e Senadores, tanto o STF quanto o STJ tem admitido a propositura da ação de improbidade com base na Lei 8.429/92 no Juízo de 1º Grau, já que não detém prerrogativa de foro previsto na CF com relação aos crimes de responsabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Analisando os elementos colhidos, conclui-se que o foro por prerrogativa de função em nada contribui para a efetividade do processo judicial. Ao contrário, dá azo a discussões infindáveis acerca da competência para processar e julgar indivíduos que praticaram atos tipificados como de improbidade administrativa.

O foro privilegiado, na verdade, tornou-se escudo para agentes políticos discutirem a questão no processo em que figuram como réus. Afinal, é mais um argumento de defesa.

O crime de responsabilidade, previsto na CF e regulamentado pelas Leis nº 1.079/1950 e nº 7.106/1983 e pelo Decreto-lei 201/1967 trouxe dúvidas que pairam sobre a doutrina e a jurisprudência. Afinal, há três grandes posicionamentos, defendidos por eminentes doutrinadores. Há ainda diversas decisões que não trazem para o ordenamento jurídico a segurança bastante e necessária para afirmar qual o órgão jurisdicional detém competência para julgar os indivíduos que praticam crimes de responsabilidade e se estes confundem-se ou não com os atos de improbidade administrativa.

 

Referências:
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Volume 1. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
BARBOZA, Márcia Noll (Coordenadora). Cem Perguntas e Respostas sobre Improbidade Administrativa. Brasília: ESMPU, 2008.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 991;
COPOLA, Gina. A improbidade administrativa no direito brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 41.
DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 39.
DI PIETRO, Maria Zylvia Zanella. Direito administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 817
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
NEIVA, José Antonio Lisbôa. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2006.
MARTINS JÚNIOR,  Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 312;
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4a. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 814
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 5a. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 143-144.
SOBRANE, Sergio Turra. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa julgada. São Paulo: Atlas, 2010. p. 52.

Informações Sobre o Autor

Sidney Belte Smith

Assessor jurídico do Ministério Público Federal. Especialista em Direito Criminal e Direito Material e Processual do Trabalho


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