A certificação dos recursos naturais “caipiras” do Hotspot Mata Atlântica

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Resumo: Este trabalho foi baseado no modelo que envolve a base territorial de um povo, os recurso naturais, a estrutura social e o modo de vida dos grupos sociais locais. A base territorial é o Bioma Mata Atlântica, considerada Hotspot Ecológico; o grupo social “Caipira” com seu modo de vida que maneja os recursos naturais transformando-os em produtos cotidianos. Esses produtos foram certificados para o mercado e comercializados. A discussão é quanto ao tratamento com bases econômicas para o uso dos recursos da Mata Atlântica e da cultura “Caipira”, que considerado social pode comprometer a existência de alguns recursos e modos de vida “Caipira” em detrimento de outros com pouca ou nenhuma oportunidade econômica.


Palavras-chave: Etnoconservação, Caipiras, Mata Atlântica


Abstract: This paper was based on the model that involves the territorial basis of a people, natural resources, social structure and way of life of local social groups. The base area is the Atlantic Forest Biome, Ecological Hotspot considered, the social group “Caipira” with their way of life that manages natural resources, transforming them into everyday products. These products have been certified to market and sold. The discussion is based on the economic treatment for the use of the resources of the Atlantic and culture “Caipira”, which considered social may endanger the existence of some resources and ways of life “Caipira” at the expense of others with little or no opportunity economical.


Keywords: Etnoconservation, Caipiras, Atlantic Forest


Sumário: Introdução. 1. “Caipiras” – povo da Mata Atlântica. 2. Material e Métodos. 3. Resultados e Discussão. 3.1. Ajustes sociais, uso do espaço e os recursos da Mata Atlântica. 3.2. O Mercado da Mata Atlântica e o discurso da oportunidade. 4. Considerações finais. Referências


Introdução


Os conceitos de Biologia, Ecologia e Conservação de recursos naturais estão em constante dialógica com a Sociologia, Antropologia… com as Ciências Sociais, resultando produtos que sustentem modelos etnográficos, etnoecológicos e etnoconservacionaistas. Esse estado dialógico se estabelece no cotidiano da Ciência e das comunidades envolvidas direta ou indiretamente com a conservação de animais silvestres, vegetais nativos, enfim ecossistemas e biomas.


A Etnobiologia, preocupada com a sistematização das relações entre as comunidades e os conhecimentos biológicos (BIGHETTI, 2004), agrega a metodologia da abordagem da Etnoecologia para ampliar o olhar para a comunidade humana, no sentido de compreender as relações desses humanos com o ambiente próximo ou distante. (GRAGSON e BROUNT, 1999) No entanto, a percepção, a cognição e o uso dos recursos do ambiente, envolvidos por relações de poder na forma de políticas e argumentos históricos tornam-se intervenientes importantes para uma leitura da relação cultural com o ambiente, demonstrado por LEFF (2000). Essa é uma oportunidade de se perceber o conhecimento local e as estratégias de uso dos recursos naturais e materializar o que Lévi-Strauss (1962) chamou de a “ciência do concreto” quando escreve La Pensée Sauvage, pensando em todos os saberes sobre a natureza.


Numa perspectiva Etnoconservacionista é possível traçar pistas para compreender as questões de fundo que articulam o conhecimento e as estratégias locais de uso dos recursos, as relações homem-natureza em comunidades ou grupos sociais locais ou tradicionais. (DIEGUES, 2000)


Esse trabalho enfatiza o recorte Etnoconservacionista quanto ao uso dos recursos naturais do Hotspot Mata Atlântica (protegido por Parques Nacional, Estadual e Municipal) pelo grupo social tradicional, denominado por Darcy RIBEIRO (1995), como Caipiras, distribuído pelos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina).


Os Caipiras se deparam com o confinamento daqueles recursos naturais da Mata Atlântica que sustentaram e escreveram sua cultura em Unidades de Conservação de Proteção Integral. A dialógica foi interrompida e a expropriação local se traduz na busca de novas estratégias e oportunidades, apesar das dificuldades.


Diametralmente, o questionamento desse trabalho fica por conta da problemática vivida pelos Caipiras e as Unidades de Conservação, quanto ao uso dos recursos naturais protegidos. Essas Instituições conservacionistas impedem a expressão cultural do grupo social étnico representado nesse ensaio. Em síntese, o que se quer saber é se a Instituição Unidade de Conservação do Hotsport Mata Atlântica se tornou um elemento social da cultura caipira quanto socializou o uso dos recursos naturais protegidos que sustentam a citada cultura.


A hipótese que se enunciou foi de que os recursos da Mata Atlântica utilizados pelos Caipiras somente foram socializados para uso após terem sido ressignificados como recursos do mercado ocidental capitalista, o que não configura a manutenção da cultura, mas a apropriação desta, também como recurso de mercado. Logo a Unidade de Conservação do Hotspot Mata Atlântica não se constitui em um elemento social da cultura caipira.


O Bioma Mata Atlântica se compõe de vários ecossistemas: floresta, restinga, manguezal, jundu de praia, campos de altitude, entre outros. Esse “mosaico” de ambientes se distribui de Norte a Sul do Brasil, com diferenças geológicas, de altitudes, solos e climas, o que, de certa forma, justifica sua formação heterogênica de ambientes. (SOS MATA ATLÂNTICA, 2009)


Ecossistemas com perfil tropical e umidade típicas favorecem o desenvolvimento e a manutenção de uma das mais ricas biodiversidades do planeta (megabiodiversidade). O Bioma Mata Atlântica conta com aproximadamente 450 espécies arbóreas por hectare. A fauna com 130 espécies de mamíferos: 17 primatas, 23 marsupiais, 57 roedores, além de 160 aves, 140 répteis e 180 anfíbios já catalogados e em expansão. .(SANDEVILLE Jr., 2004; COSTA, 2008; MARTINS, RÓZ e MACHADO, 2009; SOS MATA ATLÂNTICA, 2009)


Esse Bioma não se restringe aos refúgios para uma fauna e flora endêmica ou não, mas também se mostra competente para proteger os mananciais de água doce, os solos e as paisagens, tão importantes para as regiões que estão inseridas.


A Mata Atlântica tem grande importância histórico-cultural para o Brasil, visto que serviu de portal para a colonização no Século XVI, foram utilizados seus recursos naturais para a manutenção do comércio europeu, bem como o uso da madeira Pau-brasil para a reconstrução de Portugal após o terremoto do Século XVIII. Atualmente, apesar das ações antrópicas, é cenário para a vida de diversos grupos sociais, entre eles os Índios (70 áreas indígenas), jangadeiros mais ao nordeste, caipiras e caiçaras no centro sul. (RIBEIRO, 1995)


Pressionado por dois movimentos urbanísticos, do litoral para o continente e do continente para o litoral, esse Bioma vem perdendo sua megabiodiversidade, bem como suas características pedológicas e climáticas, condição que coloca a Mata Atlântica na classificação de Hotspot, isto é, um ambiente “natural” com alto risco de extinção.


1. “Caipiras” – Povo da Mata Atlântica


Para esse trabalho, o recorte dos povos da Mata Atlântica se fez a partir dos Caipiras (Sitiantes), assim denominados por Darcy RIBEIRO (1995), que vivem no Centro Sul do Brasil, entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Norte de Santa Catarina.


Os Caipiras, considerados sitiantes, ocuparam as áreas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Norte de Santa Catarina. São um grupo social que se origina da miscigenação entre Portugueses, Negros Africanos e Índios. Espalharam-se pelo Centro Sul brasileiro por conta da agricultura da cana-de-açúcar e do café, da mineração e do tropeirismo associado à pecuária bovina.


Atualmente, os Caipiras se ocupam de atividades de subsistencia, com poucas inserções no mercado local, por meio de agricultura itinerante, avicultura tradicional e pecuária bovina e suína.


Durante os movimentos migratórios, o Caipira buscava as margens dos rios e o topo das montanhas, fugindo do acesso da mecanização da agricultura. Com isso, propriedades e vilas rurais foram se estabelecendo a custa de derrubadas e queimadas de florestas nativas. Ao longo do tempo, em torno dessas propriedades e vilas rurais, as populações cresceram e suas subsistencias também, incrementadas pela caça, coleta e pesca na Mata Atlântica.


2. Material e Métodos


O que se coloca como metodologia de abordagem é a sistematização das inter-relações entre a base territorial, a estrutura social e as estratégias do grupo social caipira para se compreender a conservação da natureza como uma instituição social.


O grupo social Caipira que se tornou o objeto deste estudo pertence ao Estado de São Paulo, mais particularmente do Vale do Paraíba (Alto e Médio Vale Paulista). Foi desenvolvido um inventário sobre a diversidade de recursos naturais utilizados e a elaboração dos produtos finais a partir de visitas aos municípios e aos artesãos, ao comércio, às feiras e festas locais.


De forma indireta, foi utilizado o Catálogo de Produtos Sustentáveis da Mata Atlântica certificados para o mercado, desenvolvido a partir de uma parceria entre Organizações Não-governamentais, Governo Brasileiro, Iniciativa Privada brasileira e a União Européia.


3. Resultados e Discussão


3.1. Ajustes Sociais, Uso do Espaço e os Recursos da Mata Atlântica


Os Caipiras formam aquilo que Zygmunt BAUMAN (2003) defende como Comunidade, uma categoria terminológica que carrega significantes emocionais e que colocam seus atores em busca da segurança no mundo atual.


Essa segurança das comunidades de Caipiras da Mata Atlântica está ameaçada por, pelo menos, três eventos que se entrelaçam: Urbanização, Turismo e Unidades de Conservação de Proteção Integral.


Com a base territorial limitada pela expansão da urbanização e do turismo, bem como pela proibição de uso de recursos pelos Parques Nacional e Estadual, que discursa sobre a proteção (segurança) da natureza, há influencias significativas no modo de vida das comunidades caipira e caiçara, resultando em novas propostas de estrutura social desses grupos, que deixam de ser pequenos e isolados para se mesclar com a vida regional.


O que se constata é a materialização da hipótese de CHINOY (2006) que defende ser garantia de segurança a possibilidade de fazer crescer a comunidade. Para tanto, se recomenda enfrentar os problemas que o ambiente propõe – o uso restrito dos recursos e a ocupação limitado do espaço. O risco para as comunidades pequenas fica por conta do tipo de Cultura de subsistencia que desenvolveram e que pode ser apropriada, num primeiro momento, pela região e descartada ao longo do tempo, criando os refugiados culturais, sem terras, sem recursos… sem ambientes.


Numa perspectiva da Etnoconservação, a pressão maior sobre as comunidades de Caipiras se materializa na forma de restrições da ocupação do solo e uso dos recursos naturais da Mata Atlântica, sob gestão dos Parques Nacional e Estadual da Serra do Mar, que defendem a proteção integral dos recursos. Essa pressão desencadeou uma série de questionamentos e resultados que necessitam ser compreendidos talvez como a dimensão social da Unidade de Conservação de Proteção Integral, criando limites e oportunidades para as comunidades tradicionais.


3.2.O Mercado da Mata Atlântica[1](1) e o discurso da oportunidade


Dentre as várias ações apoiadas e promovidas pelos Governos Estaduais, Federal e de alguns países da União Européia, instituições de capital privado e organizações não governamentais com identidade conservacionista, vale a pena destacar o Projeto Mercado da Mata Atlântica, que envolve vários Estados brasileiros, mais particularmente o objeto desse ensaio, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, mobilizando as comunidades tradicionais para colocarem suas características culturais no Mercado Regional, Nacional e Internacional. É uma iniciativa de manutenção de uma Cultura a partir do Capital, percorrendo o paralelo traçado por BEGOSSI (2004), entre a Ecologia e a Economia, como modelos que alocam a melhor forma dos recursos próprios para uso dos recursos naturais limitados.


O Projeto Mercado da Mata Atlântica se movimentou para certificar internacionalmente os recursos naturais do Bioma Mata Atlântica usados pela Cultura dos povos tradicionais que vivem desse Bioma. Foram certificados 50 itens, na Tabela 01 estão mostrados os 21 usados diretamente pela Cultura Caipira como matéria prima para a confecção de produtos artesanais, alimentícios, farmacêuticos, cosméticos, ornamentais, mobiliários, florestamentos e brinquedos.


4345a(1) 


A respeito do uso dos recursos, a Tabela 02 mostra os Caipiras dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná como protagonista do uso dos recursos certificados.


4345b(1)


Sobre o tipo de uso dos recursos naturais certificados pelo Projeto Mercado Mata Atlântica por cada um dos estados tratados neste ensaio, mostrado pela Tabela 03.


4345c(1) 


Essa parece ser uma iniciativa interessante, pois alia a Cultura local com o manejo do Bioma. No entanto, é importante pensar que as restrições de uso e ocupação do Bioma Mata Atlântica imposta pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação e executado pelo Instituto Chico Mendes na forma de Parque Nacional e pela Secretaria do Meio Ambiente dos Estados, na forma de Parques Estaduais, foram flexibilizados pelos elementos Capital-Trabalho.


4. Considerações Finais


O que preocupa é o modo como se pensa a dimensão social de um Bioma, um manejo do recurso natural e da Etnia, permeado pelo Símbolo que poderia ser grafado: CON$ERVAÇÃO.


Esse tratamento mercadológico dos recursos e produtos da Mata Atlântica pode gerar um descompasso cultural e levar a um estado de valorização de alguns recursos, produtos, manejo e modos de vida dos grupos sociais locais. O risco é a sobrevivência daquilo que é mercadologicamente viável em detrimento daqueles elementos pouco exploráveis pelo mercado. Muitos dos recursos naturais, produtos, manejo e modos de vida são preponderantes para a manutenção da qualidade de vida local, para o resguardo da base territorial local.


Uma alternativa poderia ser a “Certificação Agregada”, isto é, cada elemento certificado mercadologicamente carrega consigo outro pouco relevante à cadeia produtiva-econômica, mas importante para manter a cultura local e a base territorial do recurso.


 


Referências

BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. São Paulo: Jorge Zahar Ed., 2003.
BEGOSSI, A. (Org.) Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: NUPAUB-USP-HUCITGEC, 2004.
CHINOY, E. Sociedade. Uma introdução à Sociologia. São Paulo: Cultrix, 2006.
COSTA, J.P.O. Avaliação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Disponível em: http://www. rbma.org.br/rbma/pdf/Caderno_06.pdf Acessado em 11/11/2008.
DIEGUES, A.C.S. (Org.) Etnoconservação. Novos rumso para a proteção da natureza nos trópicos, 2ed. São Paulo: AnnaBlume/NUPAUB-USP/HUCITEC, 2000
GRAGSON, L. e BROUNT, B.G. Ethnoecology: knowledge, resources, and rights. Athens: University of Georgia Press, 1999.
LEFF, E. . Ecologia, Capital e Cultura. Racionalidade Ambiental, Democracia Participativa e Desenvolvimento Sustentável. Brumernau: Ed. FURB, 2000.
LÉVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962.
MARTINS, M.S.; RÓZ, A.L.; MACHADO, G.O. Mata Atlântica. Disponível em: http//www.educar. sc.usp.br. Acessado em: 07/02/2009.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
SANDEVILLE JUNIOR, Euler . A Divisão Natural das Paisagens Brasileiras. Paisagem e Ambiente, São Paulo, v. 18, p. 71-98, 2004.
SOS MATA ATLÂNTICA. Projetos SOS – Sustentabilidade. Disponível em: http://www.sosmatatlantica. org.br. Acesso em: 15/03/2009.

 

Nota:

[1] Catálogo de Produtos Sustentáveis da Mata Atlântica, disponível em http://www.rbma.org.br/ mercadomataatlantica,visitado em 20/11/2008.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sergio de Sena

Biólogo, Mestrado em Ciência Ambiental, Mestrado em Ecologia e Doutorado em Ciências Sociais – Antropologia. Docente do Centro Universitário Teresa De´Ávila – UNIFATEA – Lorena, SP. Docente Permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado em Design, Tecnologia e Inovação, disciplinas: Ecodesign; Inovação e Cognição


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