Desconsideração da personalidade jurídica na questão ambiental

Todas as sociedades simples ou empresárias devem ter como objeto fins lícitos e quando cometem algum ilícito devem responder por ele, o que normalmente ocorre de forma monetária como nos casos de indenizações civis, trabalhistas, previdenciárias etc. Também pode acabar respondendo drasticamente com o patrimônio pela má administração culminando muitas vezes com a falência, o que liquida as suas possibilidades no mercado. Tudo isso forma o contexto de atividade normal de risco da sociedade.

A sociedade foi regulada no Código Civil nos arts. 981 a 1.141,

– Sociedade Simples;

– Sociedade Empresária.

Sociedade Simples: é a sociedade constituída por pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados, não tendo por objeto o exercício de atividade própria de empresário. (art. 981 e 982 CC).

São também, sociedades formadas por pessoas que exercem profissão intelectual (gênero, características comuns), de natureza científica, literária ou artística (espécies, condição), mesmo se contar com auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (Parágrafo Único do art. 966).

Exemplo: dois médicos constituem um consultório médico. Dois dentistas constituem um consultório odontológico.

Sociedade Empresária: é a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito ao registro, inclusive a sociedade por ações, independentemente de seu objeto, devendo inscrever-se na Junta Comercial do respectivo Estado.

Isto é, Sociedade Empresária é aquela que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo elemento de empresa.

A reunião de empresários para a exploração, em conjunto, de atividades econômicas pode ser chamada de sociedade empresária. No Novo Código Civil considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (CC, art. 982).

Exemplo: Dois médicos constituem um hospital. Duas ou mais pessoas se unem para constituir uma empresa cuja atividade será comércio varejista de suprimentos de informática, podendo ainda, ser cumulado com a prestação de serviços de manutenção.

Empresa é toda atividade econômica exercida de forma repetida e organizada com vistas à produção ou à circulação de bens ou de serviços, (Manual de Direito Comercial, 2003, p. 10) e que referida atividade pode ser exercida de forma individual, por um empresário individual, ou de forma coletiva, por uma sociedade empresária no dizer de (BELLOTE, 2003).

Sob o ponto de vista econômico a empresa é considerada como uma combinação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um resultado econômico, tomando ímpeto na ação organizadora do empresário. É a organização econômica destinada a produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo em geral como objetivo o lucro. Do ponto de vista jurídico é uma abstração, uma organização jurídica.

A empresa pode ser caracterizada como: empresa aberta (com ações negociadas em bolsa de valores), fechada, mista (ações com direito a voto pertencem em sua maioria ao poder público), estatal (controle acionário é detido direta ou indiretamente pelo poder público) e Empresa pública (aquela cujo capital pertence inteiramente ao poder público).

Mas quando ela é constituída com o intuito de fraudar, acobertar objetos ilícitos ou ainda passa a dificultar a sua responsabilização patrimonial com mecanismos ilegais, estará sujeita a ser desconsiderada para a recuperação dos bens ou para que seus sócios respondam com seu patrimônio pelos atos praticados por ela, aplicando-se assim o instituto jurídico denominado “desconsideração da personalidade jurídica[1].

A desconsideração da pessoa jurídica ou da personalidade jurídica, ou ainda do inglês “disregard of legal entity” já vem sendo aplicada no Brasil há alguns anos, estando a matéria praticamente consolidada tanto na doutrina quanto na jurisprudência[2]. Com a entrada em vigor da Lei n.º 9.605, de 13.2.98 (Lei dos Crimes Ambientais), o referido instituto voltou a tona já que é previsto especificamente em se tratando de ilícitos de cunho ambiental (art. 4º[3]); pois vejamos.

A citada lei ambiental prevê também inovações interessantes como  a possibilidade de condenação do diretor, administrador, membro de conselho e órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica que sabendo da conduta criminosa de outrem elencada na lei, deixar de impedir sua prática, quando podia agir para evitá-la (art. 2º[4]). E ainda a possibilidade de responsabilização administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas por infrações cometidas por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º[5]).

Já seu art. 4º diz que: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”, estando aí prevista expressamente a figura da “desconsideração da personalidade jurídica” na esfera dos crimes ambientais. Isto é muito importante, pois a aplicação deste instituto permite a justiça inibir a fraude de pessoas que utilizam as regras jurídicas da sociedade para fugir de suas responsabilidades ou mesmo agir fraudulentamente.

Ademais, não podemos esquecer que no caso dos crimes ambientais o bem tutelado é o meio ambiente que é considerado como bem de uso comum do povo (art. 225 da Constituição Federal), ou seja, é um bem difuso e de interesse de todos, que deve ser defendido por todos.

Desse modo, a pessoa jurídica que praticar algum ilícito ambiental responderá juntamente com a pessoa física causadora do dano entre as elencadas no art. 2º, pelos atos praticados por esta em seu nome (art. 3º). Também aquele que se esconder por detrás de uma sociedade, seja qual for, para praticar atos delituosos contra a qualidade do meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho, deverá responder administrativa, civil e penalmente por eles, com aplicação do instituto da “desconsideração da pessoa jurídica”.

Aliás, é bom observar também que quanto a indenização na esfera civil a responsabilidade objetiva está em vigor, bastando ser averiguado o dano e a autoria para gerar a obrigação de indenizar, pois a Lei 9.603/98 não excluiu a responsabilidade na esfera civil; e nem poderia por existir previsão constitucional neste sentido (art. 225, §3º) e a Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente e regulamenta o tema, prevendo-a em seu art. 14, § 1º.
Portanto, as empresas ou indústrias em geral devem estar atentas as questões ambientais para que possam adaptar suas atividades e parques industriais aos novos anseios mundiais preservacionistas, se não quiserem estar expostas a sanções que poderão inviabilizar seu empreendimento.

 

Notas:
[1] A idéia que vige no ordenamento jurídico nacional é que a pessoa jurídica tem capital diverso daquele relativo às pessoas físicas que a compõem. Deveras, poderá a empresa contrair direitos e obrigações de forma autônoma, através de seus representantes. É o princípio da autonomia patrimonial, da separação subjetiva entre a pessoa física e jurídica, que, por vezes, culmina por possibilitar o uso fraudulento, abusivo, da empresa, utilizada como uma espécie de véu, cortina de fumaça, capaz de esconder a ilicitude de determinados atos e gerar a impunidade. Em tais casos concretos, haverá o magistrado, episódica e excepcionalmente, desconsiderar o princípio da autonomia patrimonial, ingerindo, de forma direta, no patrimônio dos sócios ou administradores que perpetraram fraude ou tenham agido em abuso de direito, com desvio de finalidade; ou, ainda, tenham o patrimônio confundido com o da sociedade empresária (FIGUEIREDO, 2006).
[2] Consiste a desconsideração, portanto, em mecanismo de exceção, visando a coibir a fraude, o abuso de direito, o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Imperioso registrar que o escopo da ‘desconsideração’ não se consubstancia na negação ao princípio da autonomia, tampouco a extinção da pessoa jurídica; trata-se, em verdade, de instrumento de coibição de abusos, preservando-se, entretanto, a separação subjetiva havida entre os sócios/adminstradores e a sociedade empresária. Desconsidera tão-somente in extrema ratio e relativamente a um específico caso concreto. Não há dissolução da empresa, desfazimento de seus atos constitutivos ou sua invalidação, mantendo-se a pessoa jurídica, pois, completamente intacta em relação aos demais fatos da vida (FIGUEIREDO, 2006), salvo nos casos em que a pessoa jurídica foi constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei n° 9.605/98, nos termos de seu art. 24, terá decretada a sua liquidação.
[3] Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
[4] Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
[5] Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jair Teixeira dos Reis

 

Professor Universitário. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor das seguintes obras: Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho. 4 ed. Editora LTr, 2011 e Manual Prático de Direito do Trabalho. 3 ed. Editora LTr, 2011.

 


 

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