Mobilização social e direito ambiental no Brasil: uma abordagem histórico-crítica

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O presente artigo procura fazer uma abordagem histórica da evolução do Direito Ambiental no Brasil, vinculando-o às lutas do movimento ambientalista, e à mudança do próprio Estado nacional. Aponta para a necessidade de avanço na cidadania ambiental do povo brasileiro, que vá além do formalismo legal, transformando-se em sujeito ativo nas políticas e nos espaços de gestão ambiental.

1. Papel dos movimentos ambientalistas na gênese da legislação ambiental

No Brasil, seguindo a tendência da América Latina, tem se verificado dois grupos de destaque no movimento ecológico: a visão ambientalista e a ideologia ecologista propriamente dita, aquela expressa em setores mais ligados aos postos de governo ou internacionais, e esta mais atrelada a setores que criticam radicalmente o atual modelo de desenvolvimento adotado mundialmente.

Após a queda do regime militar e retomada do processo democrático do país, o movimento ecologista tem tomado fôlego, aparecendo também com enfoque político-partidário, permitindo-se a participação em instrumentos “burgueses” de poder, a exemplo do Parlamento, através de partidos de ideologia socializante ou do Partido Verde, inspirado na ideologia verde européia (VIOLA – 1990).

As normas de cunho ambiental tiveram seu incremento legislativo a partir dos anos 70 (no Brasil em 1971, segundo BRITO & CÂMARA – 1999, p. 73). É nesta década que se verifica um aperfeiçoamento dos meios de atuação dos movimentos ambientalistas e permite-se então denunciar o estágio de crise ecológica (inclusive com alguns exageros de fundo escatológico).

2. Evolução da legislação ambiental no Brasil

Inicialmente a legislação ambiental brasileira caracterizou-se por oferecer pequenas garantias ambientais, inseridas em códigos e leis de caráter administrativo, avançando para a existência de uma legislação agrária, passando nos últimos vinte e cinco anos para o surgimento de normas especificas de tutela do meio ambiente.

Birnfeld (1998, p. 73) destaca que no Brasil, por exemplo, já são encontradas desde a época colonial, em preceitos das Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas (portanto vigentes em Portugal já à época do descobrimento). O Código das Águas, de 1934 e a assinatura do Protocolo de Genebra, de 1925 (que dispõe sobre a proibição de meios bacteriológicos de guerra), fazem parte do rol de normas surgidas no início do Século XX.

O documento legal brasileiro mais antigo é o Código das Águas (Dec. 24.643, de 10/07/34), que define o direito de propriedade e de exploração dos recursos hídricos para o abastecimento, a irrigação, a navegação, os usos industriais e a geração de energia. Reza ainda que infratores devem pagar  os custos dos trabalhos para a salubridade das águas, e ainda ser punidos criminalmente e responsabilizados pelas perdas e danos causados, e que a utilização das águas para fins agrícolas e industriais depende de autorização administrativa, com obrigatoriedade de restabelecimento do escoamento natural após o uso.

Ainda na década de 30, surgem mais dois documentos importantes: O Decreto nº 1.713, de 14/07/37, que cria o Parque Nacional do Itatiaia, e o Decreto-Lei nº 25, de 30/11/37, que organiza o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e dá proteção aos bens móveis e imóveis, de interesse público, por sua vinculação à história do país e por seu valor arqueológico e bibliográfico.

O Código de Minas, Decreto nº 1.985, de 10/10/40, define as atividades de exploração do subsolo e dissocia o direito de propriedade do direito à exploração. Desta forma, o concessionário de exploração tem o dever de evitar o extravio das águas e drenar aquelas que possam causar algum dano ao próximo, bem como evitar a poluição do ar, da água e conservar as fontes, sem prejuízo das condições gerais exigidas. Sua redação foi modificada pelo Decreto-lei nº 227, de 28/02/1967.

O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/64) define a função social da terra, que será cumprida, dentre outras condições, quando sua posse assegurar a conservação dos recursos naturais, além de estabelecer critérios de desapropriação das terras e de acesso à propriedade rural, e a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de conservação dos recursos naturais renováveis. Destaca-se a exigência de manutenção de uma reserva florestal nos vértices de espigões e nascentes, para a aprovação de projetos de colonização particular.

O Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15/09/65) reconhece as florestas e todas as formas de vegetação brasileiras como bens públicos, impondo limites ao direito de propriedade. Estabelece critérios mínimos para a preservação permanente de áreas e para a criação de parques e reservas biológicas.

Foi a partir da década de 70 que surgiu a maioria das disposições ambientais brasileiras, decorrente de um movimento ambientalista que exigia uma nova postura no relacionamento sociedade-natureza e, à medida de seu avanço teórico-prático, tem feito também evoluir o Direito Ambiental no plano legislativo.

Como exemplo da produção legislativa do período, temos o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), de 1974, que incorporou em seu bojo medidas de caráter ambiental; o Plano Nacional de Conservação de Solos, de 1975; o Decreto-Lei nº 1.413/75, que disciplina a emissão de poluentes pelas atividades industriais; e ainda o III PND, de 1979, que representou um marco decisivo para a consolidação do Direito Ambiental, pois ali se esboçou o estabelecimento de uma política ambiental a nível nacional (MAGALHÃES – 1998, p. 49-53). Nesta década, tratou-se também das áreas de interesse turístico, através da Lei nº 60513, de 20/12/77, instituindo o tombamento de trechos a serem preservados e valorizados no sentido cultural e natural, destinados a planos e projetos de desenvolvimento turístico.

A década de 80 reserva à legislação brasileira vários avanços importantes, significando passos largos à regulamentação de aspectos significativos na defesa do ambiente, dos quais podemos citar: Zoneamento Industrial (Lei 6.803/80); Estações Ecológicas e  Áreas de Proteção Ambiental ( Lei 6.902/81); Estudo de Impacto Ambiental (Resolução 01/86 do CONAMA); Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei 7.661/88); Criação do IBAMA (Lei 7.735/89); Agrotóxicos (Lei 7.802/89);

Ainda na década de 80, podemos ainda mencionar a afirmação de Birnfeld (1998, p. 80) que, discorrendo sobre a evolução da legislação ambiental brasileira, destaca três momentos normativos de envergadura: o ineditismo da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), a qual pela primeira vez conceituou o meio ambiente no plano legislativo (o meio ambiente como o mundo natural: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas); a  Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública por danos causados ao meio ambiente e outros bens de valor artístico, paisagístico, estético e histórico; e a Constituição Federal de 1988, que além de consagrar diversos institutos voltados para a proteção ambiental, dedica todo um capítulo destinado à disciplina da relação do cidadão brasileiro com o meio.

A Política Nacional do Meio Ambiente foi criada pela Lei nº 6.938, de 31/08/81, a qual dispõe sobre conexões entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, órgãos da administração direta e indireta, das três esferas de governo, além da criação do CONAMA e do SISNAMA.

A defesa judicial dos chamados “direitos difusos” vem tratada pela Lei 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente.

Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a atual Constituição brasileira, em que pela primeira vez foi inserido um capítulo específico para o Meio Ambiente, apesar de esparsamente previstas cláusulas protetoras em dispositivos constitucionais anteriores. Em seu artigo 225, declara o meio ambiente como bem de uso comum de todos, e impõe tanto ao poder público quanto à coletividade, o dever de zelar pela sua proteção. Além deste, traz no texto um elenco vasto de dispositivos tendentes à proteção ambiental, como a legitimidade do cidadão para propor ação popular, defesa da biota e demais recursos hídricos, minerais e naturais, função social da propriedade, proteção da população indígena, controle das atividades nucleares, direito à informação, princípios da administração pública, direito de participação, etc.

O art. 225 declarou, também, como patrimônio nacional, diversos ecossistemas representativos existentes no território brasileiro, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira.

3. Principiologia atual do Direito Ambiental no Brasil

Inaugura-se, desta forma, uma nova fase do Direito Ambiental no Brasil, em que se evolui, nitidamente, de enunciados normativos que apenas vêem os recursos ambientais como bens a serem utilizados de forma racional, para o reconhecimento dos mesmos como bem de uso comum do povo, necessário à sadia qualidade de vida, com a consciência de que sua manutenção é importante também para as futuras gerações.

Assim, todo o emaranhado de normas, princípios, instituições, etc., que emanam não só do Estado, como também dos princípios gerais do Direito, do costume, de organizações, movimento sociais, dentre outras, instrumentalizam o Direito Ambiental no Brasil, definindo para o mesmo uma série de princípios norteadores de sua aplicação, a saber:

a)      princípio do direito humano fundamental: informa que o meio ambiente é um direito subjetivo fundamental do ser humano, essencial à sua sadia qualidade de vida;

b)      princípio da necessidade de intervenção estatal: o Estado tem o dever de intervir na defesa e preservação do meio ambiente, no âmbito dos seus Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e nas esferas de governo (União, Estados e Municípios), pela atividade compulsória dos órgãos e agentes estatais;

c)       princípio da prevenção: pauta-se na adoção de todas as medidas necessárias para evitar que as ações humanas causem danos ambientais irreversíveis ou de difícil reparação;

d)      princípio da precaução: se caracteriza pela não intervenção no meio ambiente antes que se tenha certeza de que não haverá dano;

e)      princípio do poluidor-pagador: é a responsabilização civil, administrativa ou penal do agente responsável pelas atividades lesivas ao meio ambiente;

f)        princípio do desenvolvimento sustentável: a utilização dos recursos naturais deve satisfazer as necessidades das atuais gerações sem comprometer a satisfação das necessidades das futuras gerações;

g)      princípio da função sócio-ambiental da propriedade: a garantia do direito de propriedade está vinculada à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis para a preservação do meio ambiente;

h)      princípio da cooperação estado-coletividade: impõe tanto ao poder público, quanto à sociedade civil, o dever de zelar pelos recursos naturais, para as presentes e futuras gerações.

4. Políticas pós-Constituição de 1988

Após o advento da Constituição de 1988, a legislação brasileira avançou no sentido de se reconhecer a necessidade de participação da sociedade na gestão de recursos ambientais, o que se vê em diversas leis de políticas de gestão, a saber:

a) a lei nº 9.733/97, de Política Nacional de Recursos Hídricos, reconhece em seus fundamentos que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades;

b) o estabelecimento de uma Política Nacional de Educação Ambiental, através da Lei nº 9.795/99, significou um amadurecimento por parte do poder público com relação aos instrumentos de treinamento de pessoal e conscientização coletiva no tocante às questões ambientais, e estabelece a responsabilidade da sociedade com a educação para o meio ambiente através da educação ambiental não-formal;

c) o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei nº 9.985/2000, reconhece os direitos das chamadas populações tradicionais e garante a participação comunitária em todas as fases de implantação e manejo das unidades de conservação do território nacional.

d) o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar da população, bem como do equilíbrio ambiental.

Faz-se necessário acrescentar que todas as vertentes voltadas para as questões ambientais têm sido reformuladas no sentido de se garantir uma maior participação dos cidadãos interessados na aplicação das políticas públicas no Brasil, dando-se especial consideração para a composição de Conselhos Municipais setoriais, abrindo-se espaço para a presença efetiva da população, a qual utiliza estes espaços como tribunas de fiscalização do poder público e reivindicação, seja pela participação representativa, seja pela participação direta.

5. Participação representativa x direta

A emergência dos chamados novos movimentos sociais (VIOLA, 1991; RICCI, 1999), que se caracterizou pela conquista do direito a ter direitos, do direito a participar da redefinição dos direitos e da gestão da sociedade, culminou com o reconhecimento, na Constituição de 1988, em seu artigo 1°, de que:

Todo poder emana do povo, que o exerce indiretamente, através de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A Constituição Federal de 1988, que estabelece o princípio de todo o sistema normativo brasileiro, prevê a participação direta dos cidadãos através dos chamados institutos de democracia direta como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de lei, as tribunas populares, e outros canais institucionais. Na forma indireta, prevê a participação através de representantes “eleitos” para ocupar determinados cargos nas esferas de poder estatais.

Mas o direito não é estático, é dinâmico, e se transforma juntamente com a sociedade. Neste lapso de tempo, a sociedade brasileira transformou-se, e o alcance da norma constitucional alarga-se para contemplar as novas formas de gestão e co-gestão dos espaços estatais que têm surgido e se firmado nos anos 90, após a promulgação da Constituição de 1988, principalmente no que diz respeito à participação indireta, ou representativa.

Na nova formulação do Estado consolidou-se nos anos 90 um processo que se iniciara tímido na segunda metade dos anos 70, que foi a instituição de conselhos setoriais na gestão de políticas públicas de cunho social. Os conselhos, quando efetivamente funcionam, transformam-se numa das formas de participação mais permanente, que resistem aos diferentes graus de abertura dos governos à participação social.

No tocante às questões ambientais, nas políticas de gestão ambiental surgidas na década de 90, em especial nos recursos hídricos, na educação ambiental e no sistema de unidades de conservação, vê-se claramente a opção por conselhos para a administração destas políticas. Este espaços são ocupados por representantes do aparelho estatal e da sociedade civil (ONG’s, setores de usuários, comunidades locais, populações tradicionais e indígenas, além dos interesses de mercado – empresários e proprietários de terra).

Outro avanço interessante é o reconhecimento de participação direta da sociedade em iniciativas de proteção à natureza, verificadas nas ações da educação ambiental não-formal, a adoção de parcerias entre governo e sociedade, bem como negociação direta com as comunidades, além da institucionalização da consulta pública na gestão do meio ambiente.

A participação, antes de caracterizar-se como representativa ou direta, exige os atributos de dividir tarefas e tomar decisões. Para isso, cabe à sociedade civil buscar a capacidade de gerar e socializar as informações, como também formular políticas, fiscalizar, administrar às vezes. Em suma, deve buscar orientar-se para fazer frente às novas necessidades surgidas e ocupar os espaços abertos, tomando cuidado para não sair do saudável compartilhamento de ações e cair em tentações próprias de quem ainda não se instrumentalizou para o exercício da cidadania ativa, como aponta Ricci (1999):

Há várias modalidades de participação. Podemos destacar duas: aquela onde há representação e aquela onde o participante atua diretamente, sem representante. No primeiro caso, se os representantes tiverem liberdade total, podem, aos poucos, distanciar-se dos representados. No segundo caso, se não se combina a participação direta com formas de representação, tais mecanismos acabam por criar um modelo de assembleísmo, onde só decide quem participa de uma assembléia. (grifo do autor)

O texto sugere justamente a aplicação de mecanismos de controle  da participação. De um lado, o controle sobre os representantes da sociedade nos espaços de co-gestão. De outro, a combinação de alguma forma de representação na participação direta, para evitar-se determinados desvios no exercício da participação popular.

Faz-se urgente e necessário que a sociedade assuma o desafio. Nas formas direta e representativa, os canais de participação estão abertos, mediante a previsão legal. A cidadania ativa só será efetivamente exercida à medida que o cidadão de direitos e deveres reivindique, inscreva-se no espaço público, deixe de apenas admirar a “concessão” do espaço pelo segmento detentor do poder estatal.

6. Cidadania participativa no Brasil: um direito em construção

Desde suas raízes no período colonial, o Estado brasileiro tem uma história de mistura promíscua entre o público e o privado, uma história autoritária que excluiu sistematicamente largas parcelas das conquistas sociais e democráticas construídas pela humanidade. Os movimentos sociais foram, entretanto, construindo seu lugar como atores nesta história e suas possibilidades de participar da definição de políticas inicialmente sociais e evoluindo para políticas ambientais.

A partir da Constituinte de 1987, que culminou com a Carta Magna de 1988, e ao longo dos anos 90, torna-se cada vez mais clara para os movimentos sociais a reivindicação de participar da redefinição dos direitos e da gestão da sociedade. Não reivindicam apenas obter ou garantir direitos já definidos mas ampliá-los e participar da definição e da gestão desses direitos; não apenas ser incluídos na sociedade mas participar da definição do tipo de sociedade em que se querem incluídos, de participar da invenção de uma nova sociedade ética e politicamente comprometida com o cumprimento dos princípios preconizados pela Constituição de 1988.

Estas demandas de participação da sociedade organizada foram a causa de uma crescente mudança cultural que se opôs aos velhos padrões da política (clientelista, elitista, autoritária), gerando uma opinião pública que enfatiza a representatividade, que exige transparência e respeitabilidade.

Ao lado da constituição e da generalização de um discurso participativo e de uma multiplicidade de experiências e espaços participativos, é preciso ainda apontar um outro uso desse discurso, que tem sido feito pelos governos neoliberais, em todo o mundo, e que vem acentuar as diversidades e as disputas de significado já apontadas.

O movimento dos governos neoliberais de desobrigar-se de encargos sociais gera uma transferência de responsabilidades às instâncias locais, ao mercado e à sociedade. Este é um tipo de Reforma do Estado fundado em concepções e ações que não privilegiam o fortalecimento da cidadania, que ao invés de direitos retorna aos favores e à caridade, que não produz políticas universais mas políticas compensatórias, verdadeiras “cestas básicas” de saúde, educação, previdência, etc., para os mais pobres, privatizando tudo o mais. (CARVALHO – 2000)

A Reforma do Estado neoliberal tem provocado uma “zona cinzenta”, uma disputa velada de significados que provoca perplexidade mesmo nos movimentos ambientalistas e em outros setores da sociedade organizada comprometidos com a ampliação da cidadania ativa.

Exemplo disso são as políticas de descentralização. Embora seja um princípio sempre defendido pelos setores democrático-populares, pois favorece o controle social nos espaços locais, assiste-se a processos de “descentralização” que representam esforços de “economia” de recursos, pela transferência de responsabilidades às organizações e comunidades e produzem o “encolhimento” das políticas ambientais, reduzindo-as a políticas compensatórias voltadas apenas a alguma fiscalização ou assistência técnica.

Exemplo disso são os Conselhos, que têm sido largamente usados para respaldar esses processos, ratificando políticas supostamente democráticas. Uma certa “moralização” da política, a eliminação de mecanismos fisiológicos e corruptos, têm sido mesmo exigências dos movimentos e organizações a participação cidadã, para incluir a participação de setores excluídos. Origina-se assim uma “subversão” nos significados de conceitos como participação, controle social e cidadania, reduzidos às finalidades dessa “modernização”.

Participar da gestão dos interesses coletivos passa então a significar também participar do governo da sociedade, disputar posição no Estado, nos fóruns de definição das políticas públicas. Significa às vezes construir organizações públicas não estatais, afirmando a importância da gestão participativa, da co-gestão, dos espaços de interface entre Estado e sociedade. Esse é o significado de participação social que se consolida no Brasil dos anos 90, e que de alguma forma são recepcionados nas mais diversas leis surgidas no período.

O alargamento da cidadania para além do exercício dos direitos instituídos, o exercício da “cidadania ativa”, para além do exercício do voto nas consultas públicas e da delegação de poder a representantes em conselhos de gestão ambiental, a radicalização da democracia, abrindo a possibilidade de participação a toda a sociedade, através de novos canais institucionais de participação, são significados colocados pela vigorosa experiência dos mais variados movimentos sociais.

É nesse ponto que se faz necessário o resgate da cidadania, da qual os indivíduos da sociedade chamada “pós-moderna” foram sendo alijados na prática e “presenteados” na formalidade legal, a qual dita que todos são iguais perante a lei: a igualdade apenas formal. A justiça (substantivo – com “j” minúsculo) estatal que trata (ou pelo menos diz que trata) com igualdade os desiguais e oferece uma Justiça (instituição  – com “J” maiúsculo) que parece cega, e muitas vezes usa mais a espada do que a balança, quando se refere aos mais desafortunados.

 

Bibliografia
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Informações Sobre o Autor

 

Guilhardes de Jesus Júnior.

 

Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – UESC/Ba
Professor Assistente – Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.
Membro do Grupo de pesquisa “Comunidades Sustentáveis” – UESC/BA

 


 

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