Democracia: entre liberais, republicanos e deliberativos

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Resumo: O presente trabalho tem por escopo expor os conceitos de democracia dentro das perspectivas políticas liberal, comunitária/republicana e dos críticos-deliberativos. Será dado maior enfoque ao conceito de democracia deliberativa, por sintetizar o que de melhor se pode extrair dos dois outros modelos, e por mais adequadamente se adaptar às sociedades plurais contemporâneas.


Palavras-chave: Democracia – liberais – republicanos – deliberativa.


Introdução


“O que se entende por democracia” é tema polêmico, que suscita acalorados debates entre aqueles que a ele se dedicam. Não obstante a dificuldade de ser chegar a um consenso sobre qual o melhor ou o mais adequado conceito de democracia, não se pode furtar a essa tarefa quem pretende estudar o funcionamento de um Estado, qualificar sua estrutura e analisar a legitimidade da atuação de seus órgãos.


De fato, como saber se, num Estado denominado “Democrático de Direito”, os órgãos estatais agem dentro dos ditames democráticos, se não se sabe sequer o que representa o conceito de democracia?


Joseph Schumpeter[1] ressalta a dificuldade de se chegar a um conceito de democracia, haja vista a fórmula “governo do povo” comportar diversas interpretações. A definição de povo é variante, abarcando situações em que há a exclusão dos escravos, das mulheres, dos loucos, dos menores, entre outros. Por outro lado, a forma como procede qualquer governo é difícil de ser explicada, porque até mesmo um monarca ou um ditador podem governar em obediência à vontade do povo, ao menos em alguns pontos.


Sem embargo, argumenta o autor, outra dificuldade para a adoção da definição “governo do povo” se avulta, desta feita, de ordem técnica: como é possível, na prática, o povo governar?


Como se acredita que numa sociedade complexa a democracia direta é inviável, desenvolveu-se o conceito de governo aprovado pelo povo. Há que se atentar, no entanto, que muitos governos ditatoriais contam com o apoio de ampla maioria da população, não podendo, pois, esse critério, servir de discrímen.


Havendo infinitas formas pelas quais o governo aprovado pelo povo pode ser exercido, afirma ainda Schumpeter, qualquer definição do termo governar que se pretenda exclusiva será arbitrária.


Por mais árdua que seja a tarefa, todavia, deve ser desempenhada. Ainda que o conceito a que se chegue possa ser taxado de arbitrário, algum conceito deve ser utilizado. Como pondera Cass R. Sunstein, para a interpretação da Constituição, faz-se necessário o recurso a princípios substantivos externos a ela e a democracia deve ser a fonte desses princípios. Desse modo, as cortes precisam de conceitos claros do que seja democracia para poder atuar nos casos que lhe são submetidos à análise.[2]


Dependendo do tipo de orientação política de determinado Estado, pode-se retirar de suas premissas as características de democracia que pretende seguir.


De qualquer forma, determinados institutos são comuns a qualquer regime que se pretenda democrático, como a liberdade, a igualdade, o direito à participação política, ainda que indireta, por meio de sufrágio universal, e a garantia de direitos fundamentais.


A corrente de pensamento que melhor se adapta às sociedades plurais contemporâneas, como será visto, é a democracia deliberativa. Os chamados críticos-deliberativos realizam uma síntese das principais vantagens dos modelos liberal e republicano (comunitário) de política, que, de uma maneira bastante idealizada, podem ser definidos da forma como se segue.


Liberais, republicanos e deliberativos


O modelo liberal – neokantiano – valoriza em primazia o indivíduo, acima de tudo, racional. A autonomia individual é protegida pelos direitos fundamentais, que são pré-políticos, anteriores à existência social dos homens. Aqui, a soberania é apenas um status, nada mais que uma lista de direitos. A cidadania tem um caráter passivo: “determina-se o status dos cidadãos conforme a medida dos direitos individuais de que eles dispõem em face do Estado e dos demais cidadãos”[3]. Prega-se o respeito, a tolerância, a autonomia, a liberdade.


A política para os liberais é a forma através da qual se tem acesso ao Estado, ou às instâncias decisórias do Estado, sendo o meio pelo qual se obtém a autonomia: o indivíduo estabelece sua concepção de felicidade e como alcançá-la.


“O centro do modelo liberal não é a autodeterminação democrática de cidadãos deliberantes, mas sim a normatização jurídico-estatal de uma sociedade econômica cuja tarefa é garantir um bem comum entendido de forma apolítica, pela satisfação das expectativas de felicidade dos cidadãos produtivamente ativos.”[4]


A política é, assim, instrumental, uma soma de preferências individuais, que formam a maioria, por meio de arranjos de interesses, barganhas e agregação. Para eles, o Estado não pode adotar uma atitude paternalista, fazendo opções pelo indivíduo. Deve, ao contrário, ser neutro.


Nas palavras de Habermas:


“Na concepção ‘liberal’, esse processo [processo democrático] cumpre a tarefa de programar o Estado para que se volte ao interesse da sociedade: imagina-se o Estado como aparato da administração pública, e a sociedade como sistema de circulação de pessoas em particular e do trabalho social dessas pessoas, estruturada segundo leis de mercado. A política, sob essa perspectiva, e no sentido de formação política da vontade dos cidadãos, tem a função de congregar e impor interesses sociais em particular mediante um aparato estatal já especializado no uso administrativo do poder político para fins coletivos.”[5]


Os direitos individuais, negativos, são tidos como trunfos nas mãos da minoria, possibilitando-a agir contra a maioria, sempre que suas preferências não forem atingidas. O direito tem como única função assegurar os direitos civis – os direitos políticos servem apenas para garanti-los:


“Direitos subjetivos são direitos negativos que garantem um espaço de ação alternativo em cujos limites as pessoas do direito se vêem livres de coações externas. Direitos políticos têm a mesma estrutura: eles oferecem aos cidadãos a possibilidade de conferir validação a seus interesses particulares, de maneira que esses possam ser agregados a outros interesses privados (por meio de votações, formação de corporações parlamentares e composições de governos) e afinal transformados em uma vontade política que exerça influência sobre a administração. Dessa maneira, os cidadãos, como membros do Estado, podem controlar se o poder estatal está sendo exercido em favor do interesse dos cidadãos na própria sociedade.”[6]


A perspectiva republicana – comunitária – exalta a coletividade, como elemento definidor do indivíduo. Para os republicanos, não existe um sujeito abstrato, racional. A individualidade é construída contextualmente, dialogicamente. Sobreleva, nesse modelo, a virtude cívica, o pertencimento a uma comunidade.


Para o republicanismo, a política é o modus vivendi: se o indivíduo se reconhece como um sujeito que pertence a uma comunidade, participa da vida pública. A autonomia pública, o exercício da soberania popular, a cidadania ativa, enfim, transformam-no em sujeito de direito.


O direito serve para assegurar os direitos políticos – a importância dos direitos sociais, positivos, reside no fato de possibilitarem o exercício dos direitos políticos: “eles não garantem liberdade em relação à coação externa, mas sim a participação em uma práxis comum, por meio de cujo exercício os cidadãos só então se tornam o que tencionam ser – sujeitos politicamente responsáveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais.”[7]


Ainda segundo Habermas,


“A justificação existencial do Estado não reside primeiramente na defesa dos mesmos direitos subjetivos, mas sim na garantia de um processo inclusivo de formação da opinião e da vontade, em que cidadãos livres e iguais chegam ao acordo mútuo quanto a quais devem ser os objetivos e normas que correspondam ao interesse comum.”[8]


Diferentemente do modelo anterior, a política para os republicanos não é instrumental e sim deontológica, importante independentemente do fim visado. É um processo, desenvolvendo-se de forma dialógica, dinâmica. É o processo de construção do sujeito, que só existe porque participa da vida comunitária – o indivíduo existe em função do Estado. Democracia aqui é sinônimo de auto-organização política da sociedade. O valor supremo é o da solidariedade social. Não se distingue entre o público e o privado.


Conforme Habermas:


“Segundo a concepção ‘republicana’, a política não se confunde com essa função mediadora; mais do que isso, ela é constitutiva do processo de coletivização social como um todo. Concebe-se a política como forma de reflexão sobre um contexto de vida ético. Ela constitui o medium em que os integrantes de comunidades solidárias surgidas de forma natural se conscientizam de sua interdependência mútua e, como cidadãos, dão forma e prosseguimento às relações preexistentes de reconhecimento mútuo, transformando-as de forma voluntária e consciente em uma associação de jurisconsortes livres e iguais. Com isso, a arquitetônica liberal do Estado e da sociedade sofre uma mudança importante. Ao lado da instância hierárquica reguladora do poder soberano estatal e da instância reguladora descentralizada do mercado, surge também a solidariedade como terceira fonte de integração social.”[9]


Críticas são feitas aos dois modelos. Afirma-se que o modelo comunitário, ao pressupor uma comunidade homogênea, em que o indivíduo deve se reconhecer no outro como um par, ao tempo em que precisa ser participativo e presumivelmente bom, distancia-se da realidade pluralista contemporânea. Mais uma vez, recorre-se a Habermas:


“O modelo republicano tem vantagens e desvantagens. Veja como vantagem o fato de ele se firmar no sentido radicalmente democrático de uma auto-organização da sociedade pelos cidadãos em acordo mútuo por via comunicativa e não remeter os fins coletivos tão-somente a um ‘deal’ [uma negociação] entre interesses particulares opostos. Como desvantagem, entendo o fato de ele ser bastante idealista e tornar o processo democrático dependente das virtudes de cidadãos voltados ao bem comum. Pois a política não se constitui apenas – e nem sequer em primeira linha – de questões relativas ao acordo mútuo de caráter ético. O erro reside em uma condução estritamente ética dos discursos políticos.[10]


Já a corrente liberal é acusada pela falta de solidariedade social, por uma visão estática da política, em que os indivíduos só se reúnem pela força coercitiva do Estado de Direito.


A concepção deliberativa faz, como ressaltado, uma síntese dos dois modelos, afirmando-se que a autonomia pública e privada são co-originais, prescindindo de uma opção por parte do indivíduo. Os direitos individuais não limitam, mas possibilitam a soberania popular: sem soberania popular não há direitos humanos. Não se pode dizer o significado e o alcance dos direitos humanos sem o debate democrático, que os atualiza e dá conteúdo.


“Esse procedimento democrático cria uma coesão interna entre negociações, discursos de auto-entendimento e discursos sobre a justiça, além de fundamentar a suposição de que sob tais condições se almejam resultados ora racionais, ora justos e honestos. Com isso, a razão prática desloca-se dos direitos universais do homem ou da eticidade concreta de determinada comunidade e restringe-se a regras discursivas e formas argumentativas que extraem seu teor normativo da base validativa da ação que se orienta ao estabelecimento de um acordo mútuo, isto é, da estrutura da comunicação lingüística.”[11]


Salienta-se, todavia, que só há soberania popular se todos aqueles que puderem ser afetados pelo objeto do debate democrático puderem dele participar ativamente. Não pode haver constrangimento na pauta, nem das pessoas que participarão do debate; deve haver regras discursivas. Todos os argumentos devem estar presentes. O indivíduo deve ser co-autor das regras que obedece.


Tal prerrogativa é garantida pelos direitos humanos. Devem-se criar mecanismos que possibilitem a tomada de decisões racionais pela massa: “A teoria do discurso não torna a efetivação de uma política deliberativa dependente de um conjunto de cidadãos coletivamente capazes de agir, mas sim da institucionalização dos procedimentos que lhe digam respeito.”[12]


A individualização, no modelo deliberativo, é alcançada pela socialização. É um modelo procedimental, que visa ao universalismo dialógico. O que é justo é estabelecido em normas elaboradas pelos próprios sujeitos, obtido através da ação comunicativa, do debate. A noção de soberania é deslocada do indivíduo para a comunicação e seu locus é a esfera pública.


O Estado assegura os direitos individuais. Se a falta de um direito social impede o acesso à participação democrática, então ele é um direito fundamental. A solidariedade social é proporcionada pelo Direito. Constrói-se uma cidadania participativa através de atributos racionais, do debate público. O sujeito autônomo pode optar por não tomar parte do debate.


Como ensina Gisele Cittadino, os representantes do pensamento liberal desenham as democracias modernas como “sociedades onde coexistem distintas concepções individuais acerca do bem”, enquanto os republicanos as vêem como uma “multiplicidade de identidades sociais, específicas culturalmente e únicas do ponto de vista histórico.”[13] Já os críticos-deliberativos enxergam nas sociedades contemporâneas as duas dimensões de pluralismo: “a diversidade das concepções individuais acerca da vida digna e a multiplicidade de formas específicas de vida que compartilham valores, costumes e tradições.”[14]


“O pluralismo liberal associa a conformação de uma sociedade justa à garantia da autonomia privada do cidadão. Daí o caráter inviolável da subjetividade das concepções individuais acerca da vida digna. Nas sociedades democráticas, a justiça, para os comunitários, está vinculada a uma concepção de pluralismo que assegura a autonomia pública e, portanto, a intrassubjetividade das diversas identidades sociais e culturais. Habermas, por sua parte, configura uma concepção de pluralismo segundo a qual tanto a subjetividade das concepções individuais sobre o bem quanto a intrassubjetividade dos valores culturais que conformam as identidades sociais podem ser submetidas a um amplo debate público, que fixará normas cujos destinatários serão os próprios autores. Daí a conexão interna entre autonomia privada e autonomia pública.”[15]


Habermas assim sintetiza as três concepções de democracia dos modelos liberal, republicano e deliberativo:


“Na perspectiva liberal, o processo democrático se realiza exclusivamente na forma de compromissos de interesses. E as regras da formação do compromisso, que devem assegurar a eqüidade dos resultados, e que passam pelo direito igual e geral ao voto, pela composição representativa das corporações parlamentares, pelo modo de decisão, pela ordem dos negócios, etc., são fundamentadas, em última instância, nos direitos fundamentais liberais. Ao passo que a interpretação republicana vê a formação democrática da vontade realizando-se na forma de um auto-entendimento ético-político, onde o conteúdo da deliberação deve ter o respaldo de um consenso entre os sujeitos privados, e ser exercitado pelas vias culturais; essa pré-compreensão socialmente integradora pode renovar-se através da recordação ritualizada do ato de fundação da república. Ora, a teoria do discurso assimila elementos de ambos os lados, integrando-os no conceito de um procedimento ideal para a deliberação e a tomada de decisão. Esse processo democrático estabelece um nexo interno entre considerações pragmáticas, compromissos, discursos de auto-entendimento e discursos da justiça, fundamentando a suposição de que é possível chegar a resultados racionais e eqüitativos. Nesta linha, a razão prática passa dos direitos humanos universais ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade para as regras do discurso e as formas de argumentação, que extraem seu conteúdo normativo da base de validade do agir orientado pelo entendimento e, em última instância, da estrutura da comunicação lingüística e da ordem insubstituível da socialização comunicativa.”[16]


Adepto dessa corrente de pensamento, Cass R. Sunstein defende que o constitucionalismo, em sua visão, não resultaria numa preferência ilimitada pela maioria, devendo-se buscar um consenso – “acordo entre cidadãos iguais”[17] –, através de um debate plural, envolvendo todos os interessados, numa discussão embebida de princípios da democracia deliberativa, pelos quais as minorias sempre têm voz e podem convencer a maioria.


Desse modo, argumenta, a democracia deliberativa valoriza extremamente a cidadania, visando a assegurar que os resultados políticos derivem da mais ampla participação dos cidadãos, como recurso indispensável a uma “democracia em bom funcionamento”[18].


“Dentro dessa visão, o governo da maioria não deve ser entendido como a simples tradução dos desejos atuais em leis. Como escreveu Dewey, ‘o que é mais importante é que a contagem de cabeças obriga ao recurso prévio a métodos de discussão, consulta e persuasão’. Esses métodos incluem o ‘debate precedente, modificação de opiniões para atender às minorias, a satisfação relativa a essas últimas de que tiveram a sua chance e que na próxima vez poderão ser bem sucedidas na sua intenção de se transformar em uma maioria’. Um objetivo da política então é refletir a respeito e às vezes modificar as preferências atuais, não simplesmente implementá-las. As preferências não são estáticas; elas são um assunto de conversas e debates. As pessoas devem justificar os desfechos sociais por meio de uma referência aos motivos.”[19]


Sunstein enfatiza que a Constituição foi concebida para todo o país, Presidente, membros do Congresso, agentes públicos e cidadãos, todos têm obrigações para com a Constituição e constituem seus legítimos intérpretes. Assim, assumida a democracia deliberativa como forma de governo, todos são responsáveis, num debate público, por determinar o sentido e o alcance das normas que obedecem. De fato, pondera Sunstein:


“A Constituição não traduz apenas o que os juízes dizem que ela significa. Pelo contrário, a Constituição muitas vezes serviu de catalisador para um amplo debate público acerca dos seus termos e aspirações gerais. O seu significado para o Congresso, o Presidente, o governo federal e os cidadãos em geral tem sido mais importante do que o seu significado dentro dos confins estreitos do edifício da Suprema Corte.


Atualmente, é fundamental reviver esse entendimento mais amplo do papel da Constituição, que se tornou uma parte indissolúvel do compromisso originário para com a democracia deliberativa. No atual momento, isso está longe de ser anacrônico. O debate público em torno do significado da Constituição deve, por sua vez, ser dissociado do princípio de neutralidade baseado no status quo. Este, como tudo mais, deve sujeitar-se tanto à deliberação quanto à democracia.”[20]


O autor faz, todavia, uma ressalva ao que denomina “majoritarismo sem limites”, asseverando que, por vezes, faz-se necessária a intervenção judicial, ainda que se adote o conceito de democracia deliberativa, exatamente para preservar a liberdade de expressão no debate plural de grupos minoritários e assegurar o procedimento democrático. Veja-se, a propósito, o trecho em que expressa uma espécie de concessão, inevitável para a garantia da democracia, à judicialização:


“O majoritarismo sem limites não deveria ser identificado como uma democracia. Um sistema no qual as maiorias sejam capazes de limitar as opiniões daqueles que discordam não poderia ser denominado ‘democrático’ em nenhuma medida.


A partir do compromisso com a democracia deliberativa, segue que os argumentos são especialmente fortes para um papel agressivo das cortes em duas classes de litígios. A primeira envolve direitos que são centrais para o processo democrático e cuja violação tem poucas probabilidades de vir a ser remediada por meio da política. A interferência governamental com o direito ao voto ou com a liberdade de expressão requer uma proteção judicial ativa das condições precedentes para a deliberação política, igualdade política e cidadania. (…) Nesses casos as cortes não devem adotar a atitude normal de deferência aos processos legislativos. (…)


A segunda categoria envolve grupos de interesse que possuem pouca probabilidade de obterem uma audiência justa da parte do processo legislativo. Se um grupo enfrenta obstáculos para a sua organização ou preconceito ou hostilidade disseminados – por exemplo, os homossexuais – seria um engano optar por adotar a presunção costumeira a favor dos desfechos democráticos.”[21]


Conclusão


Como visto, a democracia deliberativa valoriza extremamente a cidadania, visando a assegurar que os resultados políticos derivem da mais ampla participação dos cidadãos, através do debate. Para os críticos-deliberativos, o indivíduo deve ser co-autor das regras que obedece, prerrogativa assegurada pelos direitos humanos. O que é justo é estabelecido em normas elaboradas pelos próprios sujeitos, obtido através da ação comunicativa, do debate. Nesta vertente, a noção de soberania é deslocada do indivíduo para a comunicação, situando-se na esfera pública. Constrói-se uma cidadania participativa através de atributos racionais, do debate público. A efetivação da política deliberativa depende da institucionalização de procedimentos que possibilitem esse debate.


O conceito de democracia deliberativa representa, então, a congregação das vantagens das correntes de pensamento liberal e republicana. Estabelece-se uma conexão entre “considerações pragmáticas, compromissos, discursos de auto-entendimento e discursos da justiça” [22], para se chegar a resultados racionais e justos. Ao invés de utilizar-se tão-somente dos direitos humanos (liberais) ou da eticidade concreta de uma comunidade (republicanos), a corrente deliberativa pretende valer-se das regras institucionalizadas do discurso e das formas de argumentação para extrair o conteúdo das normas, sem descurar-se dos direitos individuais ou da necessidade de uma ética mínima no discurso – não obstante a utilização de ações estratégicas ser uma constante.


A corrente deliberativa soma as duas dimensões de pluralismo das sociedades contemporâneas: dos liberais, retira “a diversidade das concepções individuais acerca da vida digna” [23], enquanto dos republicanos, absorve “a multiplicidade de formas específicas de vida que compartilham valores, costumes e tradições.”[24]


A síntese deliberativa faz, assim, com que se consiga chegar a um conceito que englobe tanto valores individuais, quanto coletivos, adaptando-se de forma mais apropriada às sociedades plurais contemporâneas, ao tempo que incentiva o exercício ativo da cidadania, para legitimar a atuação dos poderes estatais.


 


Referências bibliográficas

CITTADINO, G. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

HABERMAS, J. Direiro e Democracia – entre facticidade e validade. vol. I e II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

_______________. A inclusão do outro – estudos de teoria política. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2007.

Schumpeter, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

SUNSTEIN, C. R. A Constituição Parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.


Notas:
[1]
Schumpeter, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. p. 305/312.

[2]SUNSTEIN, C. R. A Constituição Parcial.  p. 184-185.

[3] HABERMAS, J. A inclusão do outro – estudos de teoria política. p. 279.

[4] Ibid., p. 287.

[5] Ibid., p. 277-278.

[6] Ibid., p. 280.

[7] Ibid., p. 280.

[8] Ibid., p. 280-281.

[9] Ibid., p. 278.

[10] Ibid., p. 284.

[11] Ibid., p. 286.

[12] Ibid., p. 288.

[13] CITTADINO, G. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. p.1.

[14] Ibid., p. 2.

[15] Ibid., p. 138.

[16] HABERMAS, J. Direito e Democracia – entre facticidade e validade. vol. II, p. 19.

[17] SUNSTEIN, C. R. A Constituição Parcial.  p. 174.

[18] Ibid., p. 172.

[19] Ibid., p. 171.

[20] Ibid., p. 1-2.

[21] Ibid., p. 183-184.

[22] HABERMAS, J. Direito e Democracia – entre facticidade e validade. vol. II, p. 19.

[23] CITTADINO, G. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. p. 2.

[24] Ibid., p. 2.


Informações Sobre o Autor

Daniela Mendonça de Melo

Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Mestranda em Direito pela PUC-Rio. Advogada da União.


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