A culpabilidade compartilhada como princípio mitigador da ausência de efetivação dos direitos humanos fundamentais

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Resumo: O texto que se segue objetiva demonstrar que o Estado Democrático de Direito não pode se consubstanciar quando as leis são aplicadas de forma intermitente e, consequentemente, devem ser criados e aplicados mecanismos que possam mitigar essa grave falha que permeia o campo jurídico-político no âmbito do direito punitivo, dando-se ênfase, neste mister, ao desenvolvimento teórico do princípio da culpabilidade compartilhada.


Palavras-chave: Jus Puniendi; Princípio da Culpabilidade Compartilhada; Direitos Humanos fundamentais


Abstract: The following article claims to show that the Democratic State cannot be substantiated or sustained when law is applied diligently. This serious flaw permeates the political-juridical field of Punitive Law. As a result, mechanisms must be established which give emphasis to the development of the theory of Shared Culpability Principals.


Keywords: Jus Puniendi; Shared Culpability Principals.Basic Human Rights


Sumário: 1. Introdução; 2. Da legitimação do Jus Puniendi estatal; 3. Do Direito Penal apesar do Direito Penal 4. Os fundamentos filosóficos e dogmáticos da culpabilidade compartilhada 5. Da mitigação do poder de punir estatal; 6. Considerações finais. 7. Referências


“Delinear o horrível quadro dos crimes, triste tarefa para minha pluma. À vista de tantas baixezas, covardias, maldades, traições, barbáries e atrocidades de que são capazes os homens, que alma honrada não se enche de indignação! Que alma sensível não se estremece de espanto! Entretanto, é mais horrendo o quadro de iniqüidades cometidas ao amparo do sagrado nome das leis! Não falemos aqui da câmara ardente, da câmara estrelada, do conselho terrível (vingativo) e de tantos outros tribunais de sangue que fizeram em outras ocasiões estremecer a natureza” [1].


1 – INTRODUÇÃO


Zaffaroni (2000, 2003) atribui a Jean Paul Marat, médico e jornalista nascido na Suíça, mais precisamente em Boudry no principado de, Neuchâtel em 24 de Maio de 1743[2] e que foi um dos grandes artífices da Revolução Francesa, a gênese das idéias sobre a co-culpabilidade, aqui denominada de culpabilidade compartilhada[3].


Passados mais de dois séculos as idéias de Marat ganharam adesão e paulatinamente estão a se transformar em princípio informador da aplicação da dosimetria penal, assim como, ainda timidamente, em causa impeditiva da punibilidade.


Já é bastante considerável a moderna doutrina que está a aprofundar os estudos e discussões acerca do tema, tendo o presente texto a preocupação, mais que exaurir o assunto, de indicar ao leitor a farta bibliografia disponível sobre o mesmo.


Ademais, atentos a tais inovações, e objetivando uma expansão da aplicação do princípio, temos que o caminho para o alcance de tal objetivo passe pela investigação dos limites da lei no âmbito de sua efetividade, melhor explicando, necessário que se confronte o alcance das normas que deliberam sobre direitos e garantias fundamentais e o alcance das normas punitivas.


É fato inconteste que a lei não pode ser cumprida de maneira intermitente[4], ao sabor de conveniências, sejam estas de qualquer natureza, vez que a legalidade – para que se concretize o Estado de Direito – deve ser total, não se podendo admitir que apenas parte do ordenamento seja cumprido.


Na esfera do Direito Penal as intermitências acima referidas causam danos irreparáveis à configuração do Estado Democrático de Direto, devendo, tanto quanto possível, de imediato, serem reparadas, haja vista não ser razoável que o primeiro contato do cidadão com o Estado se dê na seara do Direito Penal e não no amplo campo do Direito Constitucional, com a efetivação de seus direitos fundamentais, ali elencados e, portanto, reconhecidos.


É, pois, no amplo campo principiológico que a discussão trazida a lume deve ser travada.


Feitas tais considerações, é fácil perceber que se busca atrelar a culpabilidade compartilhada à ineficiência estatal em prover os cidadãos de seus direitos fundamentais básicos, ou seja, intenta-se desenvolver argumentos científicos que possibilitem dar maior concretude à aplicação do instituto como forma de observação e preservação dos referidos direitos e, por via de consequência, de resgatar o verdadeiro sentido da até agora controvertida expressão “Estado Democrático de Direito”.


É este o desafio do presente texto.


2 – DA LEGITIMAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL[5]


 Partindo-se dos escritos contratualistas, assim como dos influxos destes, justifica-se a existência do Estado em razão da necessidade de manutenção de uma convivência harmônica entre as pessoas que compõem o corpo social, convivência esta que tem por ponto de referência o bem comum[6].


Em síntese, cabe ao Estado a manutenção da paz e da harmonia social, que será alcançada pela via da disciplina ou controle social, cujo principal instrumento é o direito legislado[7].


Isto posto, afirmam os estudiosos da teoria do Estado, que todos os meios devem estar disponíveis para o alcance de tal fim, desde que legítimos – e neste ponto cria-se uma perigosa sinonímia entre legalidade e legitimidade –, credenciando-se, então, o Direito Penal, como o meio mais extremo para tal desiderato[8].


A partir deste ponto do pensamento iluminista, iniciaram-se, de forma sistematizada, a elaboração de teorias que legitimassem a aplicação das punições aos seres humanos, o que, para efeitos de facilitação pedagógica, pode ser sincronicamente traçado como o desenvolvimento das teorias de cunho retributivista, cujos maiores expoentes foram Kant e Hegel, até as teorias funcionalistas – prevenção geral positiva –, cujos mais conhecidos representantes no Brasil são Gunter Jakobs e Claus Roxin[9], sendo desenvolvidos nesse interim, isolada ou concomitantemente, estudos teóricos sobre as teorias da intimidação, neutralização e ressocialização, com alguns autores tendo optado pelo sincretismo teórico, criando as teorias mistas.


Não obstante o esforço teórico desprendido, entendemos que todas as teorias que tentam legitimar o jus puniendi estatal podem ser facilmente infirmadas em razão de um fato muito simples, qual seja: são apriorísticas, isto é, buscam legitimação a partir de um fato preconcebido e irrefutável, o delito cometido.


As teorias da pena jamais suscitaram qualquer discussão sobre as razões de escolha de determinados comportamentos para figurarem como tipo penal, assim como, nunca discutiram, de forma séria, as relações entre violência criminal e violência estrutural, prevalecendo, isto sim, como teoria de base fundamental do direito de punir a longeva – e absolutamente defasada – ideologia da defesa social[10].


Existe, pois, de forma inconteste, um enorme déficit de legitimação no universo punitivo do Estado, aproximando-o, em pleno século XXI, muito mais do modelo Leviatã de Thomas Hobbes que do Estado Constitucional e Democrático de Direito, tão propalado em nível abstrato pela maioria da doutrina afeta ao tema.


Desta feita, tomando-se por referência a dicotomia existente entre ambos os tipos de violência – criminal e estrutural[11] –, imperioso que sejam elaborados outros fundamentos para o exercício do poder punitivo, que lhe propiciem um mínimo de legitimação, devendo, para tanto, serem levadas em conta, de forma inexorável, as intermitências legislativas, ou seja, a aplicação de apenas parte do ordenamento jurídico pelo Estado.


Antecipando-se à prática do fato típico, que desencadeia, no espaço de seleção dos vulneráveis, o jus persequendi e o jus puniendi estatal, devem ser analisadas as possibilidades de igualdade dos pontos de partida[12], melhor explicando: para que Estado possa punir de forma justa e legítima, necessário se faz que todos os cidadãos tenham tido, no ponto de partida, as mesmas oportunidades. Ratificamos, o cidadão não pode ter como primeiro contato com o Estado o banco dos réus em um processo criminal.


A igualdade dos pontos de partida pode ser entendida como igualdade de oportunidades, ou seja, todos devem ter amplo acesso aos direitos fundamentais que se corporificam na concretização da dignidade da pessoa humana desde o início da vida.


É de fundamental importância que se reconheça que todos os cidadãos devem ter direito a uma família estruturada, na qual o acesso, desde o início da vida – ratificamos –, a um nascimento e desenvolvimento dignos, e, posteriormente, ao ensino fundamental, ensino médio, ensino profissionalizante, ensino superior, todos de qualidade, devem ser disponibilizados pelo Estado, para que as escolhas possam ser feitas, principalmente, no que pertine ao pacto da legalidade, como cidadãos aptos a fazerem tal escolha[13].


Assim sendo, moradia, saúde, alimentação, educação e trabalho são direitos humanos fundamentais aos quais todos, sem exceção, devem ter alcance, em todas as fases da vida, para que a igualdade dos pontos de partida seja preservada e, desse modo, o Estado possa exigir os respectivos deveres de quem teve garantidos tais direitos.


3 – O DIREITO PENAL APESAR DO DIREITO PENAL


Com comprovação empírica reiterada ao longo de inúmeras pesquisas acadêmicas[14] nas mais variadas áreas de investigação científica, a seletividade, a estigmatização e o funcionamento quase que absolutamente simbólico do sistema penal, assim como e, consequentemente, a inalcançabilidade das funções declaradas creditadas às penas, acabam por demonstrar o total fracasso do Direito Penal enquanto forma de controle social, ou, pelo menos, alertam para o fato de que tal tipo de controle social não é o mais apto para disciplinar as relações que permeiam a vida do e no planeta[15].


Em razão do que acima exposto, chamando atenção para o fato de que o Direito Penal não pode ser considerado como o principal meio de controle social, os criminólogos críticos têm desenvolvido trabalhos no sentido de se reconhecer a utilização do direito punitivo apesar do direito punitivo, ou seja, a utilização do cárcere apesar do cárcere[16], enaltecendo o careáter subsidiário do Jus Puniendi estatal, assim como, fortalecendo a idéia de um Direito Penal mínimo e garantista[17].


Em primeiro lugar, na tabela das prioridades sociais, devem figurar os Direitos Humanos, preferentemente antes que o direito punitivo seja chamado a intervir, vez que com os direitos fundamentais sociais[18] sendo efetivamente reconhecidos e implementados[19], ao controle sócio-penal restariam apenas as condutas que efetivamente põem em risco a estabilidade do sistema republicano de governo, consubstanciando-se em um Direito Penal de intervenção mínima, cuja referência para intervenção seriam, finalmente, a magnitude do bem jurídico lesado, a gravidade da lesão e a necessidade de aplicação de uma sanção penal, mais precisamente de uma pena.


Tal preocupação deriva da incontestável relação existente entre Direitos Humanos e Direito Penal, posto que, onde há mais incidência do Direito Punitivo, com toda a certeza, há menos prevalência dos Direitos Humanos sociais básicos[20].


Existe, pois, uma clara inversão de prioridades. Na verdade ao Direito Penal hodiernamente é impingida a triste tarefa de conter as nefastas consequências advindas das políticas elaboradas e implementadas pelas teorias neoliberais[21], ou seja, sua principal missão é o controle da miséria advinda da exclusão social gerada por tais políticas que estão paulatinamente, de maneira crescente, sendo executadas nas áreas social e econômica.


Em síntese, a proposta das vertentes criminológicas que se antepõem às teorias que insistem em buscar origens para a criminalidade nos critérios antropo-bio-psicológicos[22] ou, ainda, que consideram tais critérios como preponderantes na gênese da criminalidade, é minimizar a aplicação do direito punitivo, assim como e, principalmente, priorizar a efetivação dos direitos humanos sociais básicos, em uma perspectiva anterior a conflituosidade criminal e garantir o respeito aos direitos e garantias fundamentais para aqueles que selecionados pelo sistema penal.


É absolutamente relevante que fique claro que as teorias criminológicas críticas – como ardilosamente orquestrado por aqueles que não se filiam as suas idéias – não defendem a impunidade e muito menos a anarquia social, reconhece, isto sim, a gravidade de determinadas situações conflituosas e, por via de consequência, admite a utilização do Direito Penal como forma de controle em tais situações[23].


Vai mais além! Chama a atenção para o fato da quase total invulnerabilidade dos criminosos pertencentes aos extratos sociais mais privilegiados, na esfera dos “crimes de colarinho branco”, advertindo para a gravidade da lesão no tecido social que tais condutas conlevam, pugnando, assim, por um redirecionamento dos holofotes punitivos, inclusive midiáticos, e pela eleição de novas prioridades em sede de política criminal para que o sistema penal possa alcançar os até agora quase inalcançáveis crimes políticos e econômicos.


Ressalte-se, entretanto, que tanto para os delitos praticados com violência direta contra o ser humano – crimes contra a vida, o patrimônio e os costumes, entre outros menos costumeiros –, geralmente afetos as camadas sociais menos privilegiadas, tanto quanto em relação aos delitos de colarinho branco – violência indireta –, praticados por aqueles que, via de regram detém poder político e/ou econômico, inafastáveis os direitos e garantias duramente construídos pelo Direito Penal liberal, tributário dos ideais iluministas[24].


Coerentemente, as teorias criminológicas críticas rejeitam, de forma veemente, todas as teorias de Direito Penal que visem a sua expansão ou o seu recrudescimento, como as teorias do direito penal do inimigo[25], do direito penal de duas ou três velocidades, da tolerância zero, entre tantas outras teorias afetas aos movimentos de lei e ordem[26].


Do exposto, como forma de contenção do poder punitivo, em razão mesmo do desigual funcionamento do sistema penal e das consequências punitivas dali oriundas, intenta-se, de maneira incansável, criar mecanismos – de preferência com repercussão dogmática –, arrimados em princípios de cunho constitucional, implícitos ou explícitos, que influenciem tanto em sede de configuração do delito, como também, em sede de dosimetria penal, ou seja, devem ser desenvolvidos teoricamente institutos que afastem a imputação – por exclusão do tipo, da antijuridicidade ou da culpabilidade[27] – ou arrefeçam a punibilidade.


4 – OS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E DOGMÁTICOS DA CULPABILIDADE COMPARTILHADA


Sabe-se que em um país com tradição positivista como o Brasil, assim como em razão dos graves problemas políticos, sociais e econômicos que acarretam uma crescente violência estrutural e, por via de consequência, a escalada desenfreada da violência criminal, inovações que postulem mudanças na esfera do jus puniendi, principalmente no sentido de seu arrefecimento, e que não tenham expressa previsão legal, sempre serão alvo de intensa oposição.


No caso do princípio em estudo, cuja mudança proposta na melhor das hipóteses será conceituada de alteração vanguardista e, com toda a certeza, pelos mais conservadores de mudança sediciosa, importante que concretos e seguros sejam os fundamentos para sua aplicação.


Além de toda a construção principiológica que já estrutura e, consequentemente, possibilita uma aplicação do Direito Penal mais humana e garantista, filosoficamente pode-se enveredar pela teoria da natureza das coisas, iniciada na antiguidade, desenvolvida por Tomás de Aquino, revisitada por Montesquieu no seu “Espírito das Leis”, assim como por Marat, no compêndio “Plano de legislação criminal” e, mais modernamente, ampliada por autores como Savigny e Ihering, entre outros[28].


A teoria filosófica da natureza das coisas, em uma apertada síntese, defende o ponto de vista, segundo o qual, as punições não podem e não devem ser iguais para as pessoas, ainda que cometido o mesmo delito, devendo, isto sim, com o fim maior de alcance da justiça e da liberdade, serem aplicadas as penas, quando necessário, fundamentadas nas particularidades que cercam o caso concreto, nas circunstâncias específicas que o envolvem, ou seja, na natureza das coisas.


Dogmaticamente, os estudos que se destacam nessa seara são os desenvolvidos por Claus Roxin, que pugnam pela inserção de institutos de política criminal no âmbito da dogmática penal, cujo paroxismo é o entendimento de que ainda que o fato seja típico, antijurídico e culpável, a pena só deverá ser aplicada quando absolutamente necessária[29].


Assim sendo, entendemos que toda a doutrina – seja no âmbito da filosofia, seja no âmbito dogmático – que analisa criticamente os fins atribuídos às penas e que inserem como primeiro pressuposto a necessidade de aplicação das mesmas, podem servir de substrato para o desenvolvimento e aplicação do princípio da culpabilidade compartilhada.


5 – DA MITIGAÇÃO DO PODER DE PUNIR ESTATAL


Várias têm sido as criações doutrinárias, como dito acima, que, pelos mais variados motivos, propugnam por uma retração do poder punitivo.


Há farta doutrina e jurisprudência sedimentando a aplicação dos princípios da intervenção mínima, subsidiariedade, insignificância, proporcionalidade, entre tantos outros[30].


Entretanto, inobstante a existência, reconhecimento e relevante aplicação dos princípios acima nominados, necessário ainda que se expanda a gama de institutos que arrefeçam o direito punitivo, em razão mesmo da falta de legitimidade que permeia a utilização do Direito Penal como forma de controle social – tanto na esfera de seus postulados básicos, como os inalcançáveis Princípios da Igualdade e da Legalidade, como também na esfera social –, na qual o primeiro contato do Estado com o cidadão é na esfera punitiva (cidadania negativa), vez que os direitos à educação, saúde, moradia, emprego, habitação, enfim, o direito a uma vida digna é açambarcado pelo próprio Estado que nega a seus súditos o reconhecimento de seus direitos sociais fundamentais, ou seja, nega o acesso à cidadania positiva.


Em razão do entendimento acima expendido, está a se desenvolver em sede doutrinária, inclusive com ressonância na jurisprudência de vanguarda, o princípio da co-culpabilidade[31].


Parte da doutrina entende tal princípio como aquele que autoriza o compartilhamento da culpabilidade entre o agente infrator, a sociedade[32] e o Estado, os dois últimos responsáveis pelas injustiças sociais, políticas e culturais que acarretam desigualdade econômica e, consequentemente, fulminam a possibilidade de igualdade na superação dos percalços cotidianos, não sendo, pois, razoável, exigir-se de todos um comportamento adequado à lei e aos interesses gerais da sociedade em igual medida.


A culpabilidade, assim entendida, como reprovabilidade da conduta delituosa, seria diretamente proporcional às oportunidades materiais, sociais e culturais as quais o agente infrator tenha tido acesso para realizar-se como ser humano honrado e comportar-se de acordo com os mandatos e proibições afetos ao controle social formal, derivando desse entendimento a concretização de uma “mea culpa”, cujo principal objetivo é atenuar o direito de castigar que o Estado exerce em nome da sociedade[33].


Como forma de aumentar a objetividade na aplicação do princípio em estudo, propomos, na esfera dos crimes perpetrados sem efetiva violência contra a vítima, quando efetivamente detectado nos autos, após o devido processo legal, a vulnerabilidade extrema ou extremofilia[34] daquele que deverá ser apenado, assim como, a primariedade, que a pena deixe de ser aplicada, não como “mea culpa” do Estado e da sociedade, mas como forma objetiva de compensação pela omissão estatal em cumprir as leis em sua integralidade.


A aplicação do Princípio da culpabilidade compartilhada, aqui proposta, estaria adstrita, portanto, exclusivamente como uma mitigação da intermitência estatal no cumprimento dos dispositivos legais, é um acerto de contas entre o Estado e o cidadão, excluindo-se, na seara objetiva, a sociedade de tal ajuste.


Dessa forma, o Estado, representado pelo órgão jurisdicional e pelo Ministério Publico, reconhecendo não ter tido o apenado acesso aos direitos sociais mínimos que garantiriam a sua dignidade enquanto pessoa humana, deixará de aplicar a pena e encaminhará o apenado para programas públicos de inclusão social, para que assim, o primeiro contato entre o Estado e o cidadão, se dê no âmbito da cidadania positiva, reconhecedora de direitos, e não na esfera da punição, da cidadania negativa, cujo objetivo é uma restrição ainda maior dos poucos direitos usufruídos pelos extremófilos.


Não é de bom tom que se suprima ainda mais o que já não representa o mínimo existencial, e é isso o que ocorre diariamente em sede de direito punitivo, cujo alcance hoje está quase que totalmente adstrito ao controle da miséria e dos miseráveis, ou seja, perante as conseqüências da exclusão social a melhor solução é a carcerização[35].


Assim sendo, funcionaria a culpabilidade compartilhada como verdadeiro princípio neutralizador da seletividade que permeia o funcionamento do sistema penal. Embora selecionados pelas instâncias iniciais do sistema, caracterizada a extremofilia no âmbito do devido processo legal, esta funcionaria como causa impeditiva da punibilidade.


6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS


A inércia é a pior das atitudes, ou da falta delas, que pode se configurar nas relações entre o Estado e o cidadão quando está em jogo a efetivação de direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos.


Os cidadãos não podem ficar a mercê de contingências político-econômicas estatais para verem consolidado o mínimo existencial devido a cada um.


É claramente perceptível que a resposta do Estado, hodiernamente, a tal falta de efetivação do que previsto legalmente como direitos sociais básicos para uma considerável parcela da população, quiçá a maioria dela, é o incremento de medidas punitivas.


É fato inconteste o encolhimento do Estado social e o inchaço do Estado policial e penal, conseqüência direta de determinadas políticas adotadas em sede de neoliberalismo.


Assim sendo, e partindo-se do pressuposto segundo o qual o Direito Penal deve funcionar como dique de contenção do Jus Puniendi estatal, necessário que se dê efetividade a mecanismos que possam atingir a tal desiderato, ou seja, mecanismos que se constituam como real arrefecimento da sanha punitiva estatal.


Não temos dúvida que o desenvolvimento doutrinário acerca do princípio da co-culpabilidade, enquanto atenuante genérica, ou, como aqui tratado por nós, da culpabilidade compartilhada, como causa impeditiva da punibilidade, é um caminho que vale a pena ser trilhado.


Em síntese, enquanto não forem efetivamente implementados os direitos sociais básicos, que garantam aos cidadãos a igualdade dos pontos de partida dentro do âmbito da competitividade em sociedade, pelo menos na esfera dos crimes cometidos sem violência física real à pessoa, o Estado estaria impedido de exercer o jus puniendi, como forma de compensação pela omissão do mesmo em fazer valer toda a legislação afeta ao reconhecimento e supressão de direitos.


 


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Notas:



[1] Marat (2000, p. 61)

[2] Sobre a vida de Marat, cfr. Coquard (1996)

[3] Segundo Rivacoba y Rivacoba (2000, p. 21), Marat, em suas obras, sempre intentou demonstrar a contradição existente nas idéias defendidas pelo despotismo ilustrado, vez que pretendiam estas a obtenção do progresso social sem, entretanto, enfrentarem o grave problema das estruturas sociais fundadas na exploração de um campesinato miserável. 

[4] Importante transcrever a ementa do acórdão n. 70029175668, do TJRS: Roubo majorado. Condenação: mantida ante a solidez probatória. Atenuante: pode deixar a pena aquém do mínimo (o artigo 65, Código Penal, fala em sempre, e sempre é sempre, pena de sempre não o ser). Majorante do uso de arma: excluída por inexistência de prova da potencialidade ofensiva do aparato. Recolhimento prisional: o condenado somente será recolhido a estabelecimento prisional que atenda rigorosamente aos requisitos impostos pela legalidade – Lei de Execução Penal. Legalidade: não se admite, no Estado Democrático de Direito, o cumprimento da lei apenas no momento em que prejudique o cidadão, sonegando-a quando lhe beneficie. Missão judicial: fazer cumprir, apesar de algum ranger de dentes, os direitos da pessoa – seja quem for, seja qual o crime cometido.

À unanimidade, deram parcial provimento ao apelo para reduzir a pena do acusado. Por maioria, determinaram que o apenado cumpra pena em domicílio enquanto não houver estabelecimento que atenda aos requisitos da LEP, vencido o Relator, que determinava a suspensão da expedição do mandado de prisão enquanto não houver estabelecimento que atenda a tais requisitos.

[5] Sobre o assunto, em profundidade, Guimarães (2008)

[6] Para entendimento do assunto, imprescindível a leitura de Hobbes (2006), Locke (1994) e Rousseau (2001).

[7] Sobre Teoria do Estado, por todos, Heller (1968) e Chatelet e Pisier-Kouchner (1983)

[8] Cfr. Pasukanis (1989).

[9] Sobre as teorias da pena, Guimarães (2001), (2007)

[10] Sobre o assunto, imprescindível a leitura de Baratta (1999), Andrade (1997, 2003) e Guimarães (2007). Na visão de Muñoz Conde (2005, p.31): “A tese do direito penal como direito igualitário e da pena como prevenção integradora do consenso é insustentável no modelo de sociedade baseada na desigualdade e na exploração do homem pelo homem”

[11] Até mesmo Bobbio (2006, p. 267), conhecido positivista, em carta escrita para Alessandro Baratta, reconhece: “Confesso que não consigo sequer entender bem o que significa “teoria materialista do desvio”. Se significa que no estudo dos comportamentos desviantes devem-se levar em conta as condições materiais, no interior das quais age o sujeito desviante, desafio a que se consiga encontrar um estudioso do desvio que não esteja de acordo com isso”.

[12] Cfr. Bobbio (2001, p. 22), para quem: “… afirma-se que não há programa político que não faça referência a alguma forma de igualdade, seja ela a igualdade dos pontos de partida, das oportunidades, dos rendimentos, dos resultados, e assim por diante. Mas não fui eu mesmo quem escreveu: ‘Qual é a doutrina política que não tem a ver, em maior ou menor medida, com a igualdade?

[13] Importante ressaltar o necessário avanço do conceito de cidadania já delineado pela doutrina de vanguarda. Desse modo, a cidadania, através de tal superação, vai adquirindo paulatinamente uma nova dimensão, passando a incorporar em seu âmago outros direitos distintos dos eleitorais, como os direitos políticos, econômicos, culturais, sociais, difusos e coletivos, entre outros, assim como, e, principalmente, quando passa a adquirir uma dimensão coletiva de tal conceito, que ultrapassa a noção do indivíduo atomizado – resquício liberal – para se transformar em uma cidadania plural, com formas de expressão múltiplas e heterogêneas, trazendo consigo, pois, a possibilidade permanente de sua reinvenção. (ANDRADE, 1993, p. 126-134)

[14] Cfr. Castilho (2001), Guimarães (2009)

[15] Cfr. Zaffaroni (2005, 2007)

[16] Cfr. Baratta (1987), Aniyar de Castro (2009). Para Muñoz Conde (2005, p.33): “Enquanto existir direito penal, e nas atuais circunstâncias parece que haverá ‘direito penal por muito tempo’, é necessário que haja alguém que se encarregue de estudá-lo e analisá-lo racionalmente para convertê-lo em instrumento de mudança e progresso para uma sociedade mais justa e igualitária, denunciando, além de suas contradições, as do sistema econômico que o condicionam”.

[17] Cfr. Ferrajoli (2002)

[18] Cfr. Gonçalves (2006, p. 76-82), para quem: “Um fato, contudo, merece destaque a partir da normatividade constitucional. Ou seja, a garantia da igualdade, enquanto possibilidade material para o exercício das diferenças, passou a ser o grande escopo da Carta Política de 1988”.

[19] Na visão de Freire Júnior (2005, p.83): “Interessante observar que, da atuação parcial do Estado, há para o indivíduo um novo direito fundamental constitucional a amparar sua pretensão, que é exatamente o princípio da igualdade. Efetivamente, além do fundamento originário (por exemplo, direito à educação ou à saúde), há outro fundamento, também de estatura constitucional, que é o direito à igualdade de prestações. Se existem vagas na escola de 1º. Grau para Tício, há de existir vagas para Mélvio”. 

[20] Cfr. a extensa obra de Wacquant (2000, 2001a, 2001b, 2002a, 2002b, 2003a, 2003b)

[21] Cfr. Coutinho (2001)

[22] Cfr. Mantovani (2000)

[23] Por todos, Baratta (2004)

[24] Cfr., por todos, Beccaria (1993)

[25] Em síntese, como eixo central, para Jakobs (2006, p. 96), o Direito Penal do inimigo propugna por uma revisão no âmbito de reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, vez que: “A vigorosa sentença, segundo a qual, nos dias de hoje, todos devem ser tratados como pessoas pelo Direito, portanto, como é de se supor, necessita de uma adição: sempre que aqueles “todos” cumpram com seus deveres, ou, em caso contrário, sempre que estejam controlados, é dizer, que não possam resultar perigosos… parece claro que há de se distinguir entre um direito postulado – com independência de que este postulado resulte mais ou menos convincente – um direito modelo, e a estrutura normativa real de uma sociedade. Aquele pode orientar no futuro, “no espírito”, entretanto, somente este está a orientar no respectivo ‘aqui e agora’”.

[26] Sobre a expansão do Direito Penal, cfr. Cancio Meliá e Jará Diez (2006).

[27] Cfr. Tavares (1980), Muñoz Conde (1988), Santos (2002).

[28] Cfr. Rivacoba y Rivacoba (2000, p. 41), para quem “Este igualitarismo penal, basado em una concepción identitaria, no diferenciadora, de la condición humana, y, por ende, em uma concepción homogênea, no estratificada de la sociedad, es um igualitarismo, pues, de princípio, que no excluye, sino que admite y aun requiere la estimación de las circunstancias em que está situado el sujeto y que de consiguiente atenúan o agravan em los distintos casos su responsabilidad, y fue, más que deformado, desnaturalizado por el ingenuo radicalismo revolucionário, de los códigos franceses de 1791 y 1795, com su sistema de penas únicas e fijas para cada especie delictiva, sin tener em cuenta para nada las particulares realidades que graviten sobre el agente”.

[29] Cfr. Roxin (1981), (1997), (1998a), (1998b), (2000a), (2000b), para quem “a responsabilidade penal pressupõe sempre dois requisitos: a culpabilidade do autor e, além disso, a necessidade preventivo-geral ou especial de punição. Culpabilidade e prevenção limitam-se, portanto, reciprocamente: necessidades preventivas jamais podem levar a que se puna onde inexista culpabilidade. Mas a culpabilidade de uma pessoa igualmente não basta para legitimar a pena, enquanto esta não seja indispensável do ponto de vista preventivo”.

[30] Por todos, cfr. Gomes e Pablos de Molina (2007) e Zaffaroni (2003).

[31] Cfr. Hassemer (1999), Carvalho (2002), Rodrigues (2004), Castro (2005), Moura (2006).

[32] Segundo Houed (2009); “Toda persona actúa en una circunstancia dada y con un ámbito de autodeterminación dado. Por mejor organizada que este una sociedad, siempre habrá quien esté en peores condiciones que otros y no sería justo que al momento de reprocharle la culpabilidad también deba cargar con las causas sociales que de alguna manera determinaron su conducta. Se dice que hay una “co-culpabilidad” de la sociedad misma, con la cual debe cargar al momento del reproche al sujeto que realizó la conducta”.

[33] Carvalho (2002, p.74) é taxativo: “… a precária situação econômica do imputado deve ser priorizada como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da pena.”

[34] Sobre o assunto, em profundidade, Bomfim (2009, p.69) para quem “os extremófilos são os seres nos quais o Estado não poderá utilizar o sistema penal, por serem fracos em demasia para a utilização da violência estatal como controle social. Os seres muito fracos, apenas sobrevivendo, vivendo em situações extremas, transformam-se em extremófilos e não podem ser alcançados pela violência estatal. Isso porque o mundo penal os alcançará certamente. Ou seja, serão punidos por instâncias não formalizadas – ou formalizadas – pela própria situação singular de vida incluídos em uma ambiência de extrema vulnerabilidade”.

[35] Segundo Barroso (2009): “O sistema penitenciário no Brasil é degradante. É tão perverso mandar alguém para esse sistema que os juízes com sensibilidade social maior procuram os caminhos mais variados em termos de interpretação jurídica para não ter de condenar alguém à prisão. Mandar alguém para o sistema penitenciário é quase como que perder essa pessoa para a vida civilizada. A pessoa não é só condenada a dois anos de prisão, mas à imundície, à violência sexual, às doenças. Se esse sistema não melhorar, vamos ter a atitude quase moral do juiz de só mandar para o sistema quem não tem nenhuma possibilidade de salvação. A pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade deve cumprir uma pena privativa de liberdade e não uma pena de violências físicas”. 


Informações Sobre o Autor

Claudio Alberto Gabriel Guimarães

Promotor de Justiça do Estado do Maranhão. Coordenador Estadual da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais – ABPCP. Sócio Fundador do Instituto Panamericano de Política Criminal. Especialista em Direito, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Docência Superior pelo Centro Universitário do Maranhão – UNICEUMA. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco, com área de concentração em Direito Penal. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com área de concentração em Criminologia. Pesquisador do CNPq. Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão.


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